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O dever de proteção do Estado ao direito à educação durante a pandemia

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Agenda 09/09/2022 às 20:10

4 AFINAL DE CONTAS, O QUE É EDUCAÇÃO?

Inicialmente, é importe entender o que é educação e qual sua importância na vida do cidadão e da sociedade como um todo.

No seu conceito mais simples, educação é o processo de ensinar algo para uma pessoa ao passo que esta aprende o que está sendo ensinado, no entanto, de uma forma um pouco mais ampla, Celso de Mello definiu educação da seguinte maneira:

O conceito de educação é mais compreensivo e abrangente que o da mera instrução. A educação objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento de aptidões, das potencialidades e da personalidade do educando. O processo educacional tem por meta: (a) qualificar o educando para o trabalho; e (b) prepara-lo para o exercício consciente da cidadania. O acesso à educação é uma das formas de realização concreta do ideal democrático.[21]

O conceito apresentado por Celso de Mello mostra que a educação vai além do ensino e aprendizado, sendo também uma ferramenta que terá a função de fundamentar o desenvolvimento, possuindo grande valor na formação do cidadão.

Outra definição acerca da educação, com análise etimológica do termo educação é a seguinte:

A expressão educar deriva do latim ex ducere, e significa conduzir desde fora ou para fora (extrair). Trata-se da tarefa de conformar a personalidade humana em sua inteireza, pela formação de sua dimensão intelectual, moral e emotiva. Os estímulos de caráter afetivo e as informações se unem nessa tarefa, para atualizar as potências humanas.[22]

Por conseguinte, o artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.[23]

A importância da educação na vida do ser humano é algo inegável, haja vista que através dela que a pessoa se desenvolve, assim como aprimora suas habilidades,

proporcionando, com o decorrer do tempo, a mudança de realidade, a mudança de estatísticas, bem como possibilitando que o indivíduo possa aspirar condições de gozar de uma vida confortável, quebrando paradigmas e superando as desigualdades existentes na sociedade.


5 DO DIREITO À EDUCAÇÃO

Observa-se que a educação cumpre um papel importantíssimo no desenvolvimento do cidadão, sendo fator determinante para o sucesso deste em suas relações interpessoais e profissionais. Para que esse elemento fundamental seja disponibilizado aos cidadãos, existe a necessidade da atuação do Estado.

O reconhecimento da educação como um direito se deu quando o Estado de Direito teve seu nascimento, sendo fruto de revoluções que visavam a defesa das liberdades e a luta contra a atuação dos governantes, limitando essa atuação em face dos cidadãos. Essa luta ganhou força com o início do processo de positivação e graças à essa luta a educação teve seu reconhecimento.

No Brasil, na Constituição Imperial de 1824, a educação primária foi estipulada como gratuita para todos os cidadãos, no entanto, ainda não havia uma quantidade de escolas capazes de atender a todos. Além disso, os escravos não eram considerados cidadãos e, portanto, não gozavam do direito à educação primária.

A educação foi considerada como um direito de todos apenas com a promulgação da Constituição de 1967, durante o governo militar. Nesse caso, nos artigos da Constituição eram trazidos a garantia deste direito a todos além da afirmação de que a educação era um dever do Estado.

A Constituição de 1988 dedicou a Seção I, do capítulo III, do título VIII, exclusivamente à educação, e trouxe uma mudança comparada com a Constituição de 1967 ao se referir a educação como direito de todos e como uma responsabilidade da família, da sociedade e do Estado.

Em seu artigo 205, a Carta Magna prescreve o seguinte:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.[24]

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo o mesmo ponto de vista, traz a seguinte redação:

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Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.[25]

O direito à educação é um direito universal, como bem salientou Alexandre de Moraes:

O texto constitucional, além de proclamar a universalidade do direito à educação, consagra a opção pelo ensino fundamental, que deverá ser obrigatório e gratuito, pois, conforme salientado pelo Ministro Celso de Mello, a educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.[26]

A educação é direito de todos os seres humanos, independentemente de qualquer distinção e por este motivo compõe os direitos fundamentais, pois faz parte do mínimo necessário para que o ser humano tenha uma vida digna, prestigiando o princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, a educação é imprescindível para a proteção das liberdades.

Com a finalidade de cumprir o nobre papel de oferecer o acesso à educação aos cidadãos de forma mais justa, igualitária, com atenção para os cidadãos que gozarão do direito, mas também para os profissionais responsáveis por ministrar o ensino, o Estado, em sua Carta Magna, determinou os princípios que seriam a base da ministração do ensino no país:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade;

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal;

IX - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.[27]

Os princípios aplicados ao ensino visam uma prestação mais efetiva, e através deles a educação é disponibilizada de forma que todos tenham acesso e permanência, em igualdade de condições, prestigiando o princípio da igualdade, o que pode ser observado nos programas de concessão de bolsas em instituições de ensino privadas para aqueles que não possuem condições financeiras de ingresso. Além disso, o princípio da igualdade aplicado na educação também pode ser observado na concessão de quotas para negros, indígenas, e pessoas que possuem necessidades especiais, colocando esses grupos em condições de acesso à educação como os grupos que, apesar de também serem titulares do direito à educação, não necessitam de tais cuidados por parte do Estado, haja vista que o público-alvo das cotas é notadamente o grupo mais afetado pela desigualdade no Brasil.

Ainda no campo dos princípios aplicados ao ensino, observa-se as liberdades de ensino e aprendizado, possibilitando que o professor possa passar seus ensinamentos aos alunos livremente, sem que sofra ingerências administrativas, respeitando, no entanto, o currículo do órgão responsável.

A Constituição Federal ainda prevê o pluralismo de ideias e concepções, e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino, o que possibilita que a iniciativa privada oferte serviços ligados à educação, desde que respeite as normas gerais relacionadas à educação elaboradas pelo governo federal, porém, seu funcionamento está sujeito à autorização e avaliação da qualidade do ensino por parte do poder público, requisitos constantes dos incisos I e II do artigo 209 da Constituição Federal.

Ademais, a Constituição prevê a gratuidade do ensino público, sendo o cidadão isento inclusive de taxas de matrícula, plano de carreira e piso salarial nacional para os educadores com intuito de valorizar tais profissionais, garantia de padrão de qualidade do ensino e gestão democrática do ensino conforme estipulado em lei.


6 O DEVER DO ESTADO PARA COM A EDUCAÇÃO

Como visto anteriormente, de acordo com os doutrinadores, o direito à educação está inserido no grupo de direitos fundamentais de segunda dimensão, os chamados direitos sociais, que tem como característica principal o fato de ser um grupo de direitos fundamentais que visam a exigência de uma prestação por parte do Estado em favor do indivíduo.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho faz menção aos direitos sociais como direitos de crédito, de acordo com ele os direitos de crédito são poderes de reclamar alguma coisa; seu objeto são contraprestações positivas em geral prestações de serviços. Por exemplo, o direito ao trabalho, à educação, à (proteção da) saúde.[28] Há divergência doutrinária quanto aos direitos fundamentais, acerca de sua proteção pelas cláusulas pétreas, pois no texto constitucional existe apenas a menção de direitos e garantias individuais como protegidos em face do poder reformador.

Há doutrinadores que defendem uma leitura literal, mais precisamente em relação ao inciso IV do parágrafo 4º do artigo 60 da Carta Magna, defendendo que o constituinte optou apenas pela proteção dos direitos e garantias individuais, excluindo da proteção os direitos políticos, sociais, direitos coletivos, dentre outros.

Acerca da leitura literal das cláusulas pétreas, Paulo Bonavides afirma:

A primeira se infere da especificidade e literalidade do § 4º do art. 60, que parece circunscrever a proteção máxima contida no dispositivo unicamente aos direitos e garantias individuais como fluem, de imediato, e sem qualquer intermediação doutrinária, do formalismo jurídico da Constituição-lei e dos códigos onde se pormenorizam os conteúdos normativos do ordenamento.

Por esse prisma, a expressão direitos e garantias, ali textualmente nomeada e gramaticalmente compreendida, exprime os limites teóricos, históricos e específicos traçados para traduzir na essência o breviário da escola liberal e sua versão de positivismo jurídico.[29]

Outra parte dos doutrinadores defende uma leitura ampliativa, afirmando as cláusulas pétreas incluem os direitos e garantias fundamentais:

Talvez a inovação mais significativa tenha sido a do art. 5º, § 1º, da CF, de acordo com o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata, excluindo, em princípio, o cunho programático destes preceitos, conquanto não exista consenso a respeito do alcance deste dispositivo. De qualquer modo, ficou consagrado o status jurídico diferenciado e reforçado dos direitos fundamentais na Constituição vigente. Esta maior proteção outorgada aos direitos fundamentais manifesta-se, ainda, mediante a inclusão destes no rol das cláusulas pétreas (ou garantias de eternidade) do art. 60, § 4º, da CF, impedindo a supressão e erosão dos preceitos relativos aos direitos fundamentais pela ação do poder Constituinte derivado.

A amplitude do catálogo dos direitos fundamentais, aumentando, de forma sem precedentes, o elenco dos direitos protegidos, é outra característica preponderantemente positiva digna de referência.[30]

O dever do estado para com a educação é dado pela redação do artigo 208 da Constituição federal:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.[31]

Com a leitura do artigo supracitado, observa-se que o dever do estado não se limita à oferta do ensino, mas também na necessidade de criação de mecanismos que possibilitem o acesso por parte de seus administrados, com atendimento especializado para os portadores de deficiência, bem como o alcance daqueles que não tiveram acesso ao ensino na idade própria. Para que isso ocorra, o Estado deve ofertar o ensino regular, de forma gratuita e adequada às necessidades do educado, sob pena de responsabilização da autoridade competente em caso de não oferecimento ou oferecimento de serviços irregulares.

Além disso, a Constituição Federal também prevê limites mínimos para a realização da aplicação anual de recursos destinados à educação:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.[32]

A aplicação dos recursos previstos constitucionalmente para a área da educação se tornou um princípio sensível, tanto que a ausência de seu cumprimento é uma das causas que, excepcionalmente, permitem a intervenção da União, com fulcro na letra e do inciso VII do artigo 34 da Constituição Federal.

Sobre o autor
Anderson Luiz Macedo Santos

Anderson Luiz Macedo Santos, graduado em Direito pela Universidade Unigranrio, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, Direito Civil, Direito Público e Direito Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Anderson Luiz Macedo. O dever de proteção do Estado ao direito à educação durante a pandemia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7009, 9 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99989. Acesso em: 22 nov. 2024.

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