Estado da Paraíba
Poder Judiciário
Juizados Especiais
Turma Recursal Cível da 1.ª Região
ACÓRDÃO
Proc. n.º 201453 -CV
Impetrante - João Diógenes de Andrade
Impetrado – O Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito do 2.º JEC da Capital.
Relator - Juiz José Herbert Luna Lisboa
PENHORA – VEÍCULO VINCULADO A CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – DIREITOS DO DEVEDOR FIDUCIANTE PENHORADOS – POSSIBILIDADE.
Assegurando-se a preferência e os haveres da Instituição Fiduciária, é possível penhorar direitos sobre automóvel alienado em contrato de financiamento, tais como a posse direta, o uso, e a expectativa de domínio.
"O fato de o bem se achar alienado fiduciariamente não constitui empecilho à penhora, desde que resguardada a preferência do credor fiduciário, até o limite do seu haver" (IOB – Repertório de Jurisprudência – 3/14755).
Vistos, relatados e discutidos estes autos, antes identificados:
A C O R D A M os integrantes da Turma Recursal Cível da 1.ª Região, à unanimidade, em harmonia com o parecer ministerial, conceder a ordem impetrada, nos termos do voto do Relator. Sem sucumbência.
João Diógenes de Andrade interpôs o presente mandado de segurança contra ato do douto juiz do 2.º JEC da Capital, sob o argumento de que a decisão que revogou a penhora sobre bem alienado não merece amparo jurídico e, por isso, feriu direito líquido e certo do impetrante.
A liminar foi indeferida, fls.31. A autoridade indicada como coatora prestou as informações dizendo em suma que liberou o veículo por ser ele impenhorável.
O Ministério Público opinou pela concessão do "writ", fls.37/38.
É o relatório.
V O T O - Juiz José Herbert Luna Lisboa
A questão em discussão reside em saber se é possível incidir penhora sobre automóvel vinculado à contrato de financiamento, cuja propriedade pertence à Instituição Financeira, credora fiduciária do executado.
Tenho que não. Embora o domínio da Instituição credora seja de natureza resolúvel, quer dizer, de natureza limitada ao pagamento da última prestação do financiamento, indiscutivelmente o veículo lhe pertence até o adimplemento integral das parcelas, nos termos previstos no Dec.lei 911/69.
Entretanto, é possível que a constrição recaia sobre direitos do devedor financiado, possuidor direto e depositário do auto, a exemplo, do permissivo legal disposto nos arts.671 e ss. do CPC, pertinentes à penhora de ações e de créditos.
Sem embargo de haver indeferido a liminar com base em julgado do Eg. Superior Tribunal de Justiça,convenci-me, em pesquisa, de que o impetrante tem o direito líquido e certo de ver penhorado os direitos do executado sobre o automóvel alienado. É bem verdade que o veículo não integra o seu patrimônio, mas nada impede que os seus direitos sobre tal bem sejam apanhados em garantia.
A hipótese se afigura como uma sub-rogação. O impetrante quer se sub-rogar nos direitos do devedor sobre o veículo alienado, resguardando-se a preferência, obviamente, da Instituição Fiduciária até o limite do seu haver (fls.24). Na vestibular, assume ainda o exeqüente quirografário, ora impetrante, a pretensão de pagar ao credor possuidor do direito de preferência o restante da dívida do devedor em comum, se acaso existir.
A propósito, o Prof. Paulo Restiffe Neto pontifica com segurança:
"Em conseqüência, não pode incidir, por exemplo, penhora sobre a coisa em execução contra o fiduciante. Este não é proprietário do bem, mas apenas possuidor, com responsabilidade de depositário. Possui apenas o direito atual à posse direta e expectativa do direito futuro à reversão, em caso de pagamento da totalidade da dívida garantida, ou eventual saldo excedente, em caso de mora propiciadora da excussão por parte do credor. Logo, qualquer penhora só poderia eficazmente recair sobre eventuais direitos do fiduciante" (in Garantia Fiduciária; Ed. RT; pág.130).
No mesmo diapasão, é a lição do Prof. Roberto Parizzatto:
"Admissível, contudo, é a constrição judicial dos meros direitos do devedor fiduciante (RT 587/118). Tais direitos, só serão adquiridos após a extinção da dívida, quando o bem alienado fiduciariamente passará de fato a pertencer ao devedor fiduciante. Aliás, o art.655, X, do Código de Processo Civil permite a penhora de direitos e ações, entre os quais há de se entender o direito futuro do devedor sobre o bem de alienação fiduciária nos moldes do Decreto-lei citado" (in Da Penhora e da Impenhorabilidade de Bens; Ed. LED; 1998; pág.61).
Por derradeiro, válido registrar que a 5.ª Turma do STJ, à unanimidade, vem seguindo idêntica linha de pensamento, embora divergindo de uma outra Turma do próprio Tribunal: "O bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos" ( R. Esp. 260880/RS; Rel. Min. Félix Fischer; pub. no DJU de 12.fevereiro.2001; pág. 130). No mesmo sentido, alguns tribunais do país: RT-535/136 e 508/62.
Com maior razão é adotar esse posicionamento em sede de Juizado Especial. Importar dispositivos do CPC que atravancam o processo é o mesmo que não assimilar o espírito inovador da lei 9.099/95. Portanto, a regra que dificulte a efetiva prestação jurisdicional desse Micro-sistema não deve ser recepcionada, sob pena de transformá-lo no pandemônio que atualmente é conceituada a Justiça Comum Ordinária.
Por outro norte, a idéia absurda de que a execução forçada haverá de seguir de maneira menos gravosa para o devedor está ultrapassada e caduca, dês que, no pensamento hodierno, o Judiciário de um Estado Democrático de Direito tem a obrigação de chancelar aquele que tem um crédito a receber, e não, adotar medidas que prestigiam o império dos maus pagadores e diminui o credenciamento da Justiça.
Saliente-se que, no caso em tela, o executado somente se insurgiu contra a penhora do veículo alienado quando se determinou a sua remoção. Diga-se ainda que a Instituição Financeira não criou qualquer embaraço à constrição judicial e nem tampouco interpôs embargos de terceiros.
Diante do exposto, conquanto haja distinção entre o bem alienado e os direitos do executado sobre tal bem, verifico que, para garantir a execução movida pelo exeqüente, ora impetrante, faz-se mister a constrição do próprio auto, ressalvando-se os direitos da Instituição Fiduciária e a sua preferência sobre o automóvel, inclusive devendo ser cientificada da medida constritiva.
Em havendo saldo a pagar, caberá ao impetrante tal responsabilidade, sob as penas da lei.
Assim, concedo a ordem impetrada, garantindo a penhora anteriormente efetivada com a restituição ao "status quo".
É o meu voto.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores juízes José Herbert Luna Lisboa, relator, Manoel Soares Monteiro, presidente, e Saulo Henriques de Sá Benevides, vogal convocado. Presente o representante do Ministério Público. Na secretaria dos trabalhos, o Dr. Giovanny Medeiros Villar.
Sala das Sessões da Egrégia Turma Recursal Cível da 1.ª Região, em 08 de março de 2001.
José Herbert Luna Lisboa - Juiz Relator