RESUMO:O presente trabalho aponta considerações e visa a delinear os principais aspectos a respeito do instituto da responsabilidade extracontratual do Estado. Este assunto está consubstanciado no artigo 37, § 6° da Carta da República Brasileira, e se mostra cada vez mais atual, vez que o direito acompanha a evolução da sociedade a qual está ligada diretamente ao Estado. O Estado é uma instituição que tem a função de manter a ordem e a paz social, organizando maneiras para proporcionar a manutenção do bem estar social. Desta maneira, no momento em que é considerado um sujeito de direito também se submete a responsabilidades. A responsabilidade extracontratual do estado é o dever do poder público ou de quem faz o papel deste de indenizar os prejuízos causados a terceiros em virtude do comportamento de seus agentes, este comportamento pode ser de uma ação ou uma omissão e o dever de indenizar pode surgir tanto de um ato material ou jurídico, como também de um ato lícito ou ilícito. Esta responsabilidade é atribuição do Estado. Há várias teorias criadas a respeito do instituto da responsabilidade civil do Estado, no entanto, duas se destacam: a teoria subjetiva e a objetiva. Mais ainda. Não há consenso entre os doutrinadores e nas jurisprudências sobre qual teoria deve-se aplicar no caso concreto, visto que, a quem defenda que a responsabilização do Estado deve ser aplicada a teoria objetiva, e outros, a teoria subjetiva. Contudo, é importante ressaltar que o direito seja visto por outro prisma, o direito que faz a aplicabilidade da responsabilização civil do Estado e este responda pelos atos praticados por seus agentes públicos como é aplicado aos particulares, fazendo jus ao direito fundamental da boa administração publica.
PALAVRAS-CHAVE: Estado. Responsabilidade. Extracontratual. Teoria. Público
1 INTRODUÇÃO
Quando o direito versa sobre reponsabilidade, de imediato há um induzimento de que alguém, o responsável, responda em virtude de algum fato precedente a uma relação jurídica.
Dentro deste fato, há três elementos efetivos para a caracterização da responsabilidade, a saber: a conduta lícita ou ilícita, o dano e, por fim, o nexo de causalidade. Estes elementos estão diretamente atrelados ao conceito de responsabilidade civil.
Posto isto, conclui-se que a responsabilidade civil é a reparação obrigatória do dano causado por uma pessoa à outra, o que faz a possibilidade de retornar ao estado anterior e, caso não seja possível, compensá-la pecuniariamente.
Neste sentido, a professora Maria Helena Diniz (2015, p. 50) diz que “a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.
Como representante de interesses coletivos, o Estado assume de igual modo, responsabilidades, pois, realiza ações através de serviços que visam ao desenvolvimento e proteção de seus cidadãos, interferindo de forma direta e indireta na vida de particulares e, em algum momento, causando danos a estes, tendo a obrigatoriedade de repará-los.
Esta regra da responsabilidade civil, que também alcança ao Estado, é denominada de responsabilidade contratual e extracontratual.
A responsabilidade contratual do Estado é aquela relativa aos contratos que são celebrados junto à administração pública, a qual é o resultado de alguma violação de uma obrigação descumprida pelo Estado, tendo este, a obrigação de reparar o dano causado.
Já a reponsabilidade extracontratual, diz respeito às várias atividades do poder público sem cunho contratual, sendo uma prática ilícita, por parte do Estado ou de seus agentes, ante a um particular, também com a obrigatoriedade de indenizar, restituir ou recompor, conforme o caso concreto.
Com o propósito de abrilhantar o tema responsabilidade civil do Estado, destaca-se o entendimento da doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro, que, com perfeição e com muita propriedade traz seu comentário a respeito do assunto em comento e preconiza que:
“Trate-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária.” (DI PIETRO, 2016, p. 788)
As modernas doutrinas versam sobre a teoria dos órgãos públicos, em que consideram as condutas que são praticadas por agentes públicos no exercício de suas funções devem ser atribuídas ao Estado.
Neste pensamento, consideram que o Estado atua quando um dos seus agentes atuam, reforçando, assim, o princípio da impessoalidade, que assevera que as atuações dos agentes públicos são imputadas ao Estado.
Para o professor Alexandre Mazza (2016, p. 515), a atuação do agente público reflete a própria ação do Estado, tecendo seu comentário em que “é natural considerar que o Estado responde pelos prejuízos patrimoniais causados pelos agentes públicos a particulares, em decorrência do exercício da função administrativa”.
Seguindo esta linha de pensamento, o professor ainda nos ensina que a “responsabilidade do Estado investiga o dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais experimentados em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício da função administrativa. Os danos indenizáveis podem ser materiais, morais ou estéticos”. (MAZZA, 2016, p. 516)
Como visto, a natureza causadora desta reparação é patrimonial, sendo assim, presume-se que esta responsabilidade é civil.
2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
Entende-se por responsabilidade extracontratual do estado o dever do poder público ou de quem faz o papel deste, de indenizar os prejuízos causados a terceiros, em virtude do comportamento de seus agentes, sendo este comportamento de uma ação ou uma omissão, sendo que o dever de indenizar pode surgir tanto de um ato material ou jurídico, como também, de um ato lícito ou ilícito.
Para engrandecer este breve conceito, cabe mencionar os entendimentos doutrinários sobre o tema em comento, como da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 790), que nos instrui que “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.
O doutrinador Hely Lopes Meireles (2012, p. 566) define a responsabilidade estatal sendo:
“a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa. A responsabilidade civil aqui tratada é a do funcionário para com a Administração, e não do Estado para com o particular lesado por ato da Administração”.
E ainda conclui que:
“Responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agente públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal.” (MEIRELLES, 2012, p. 788)
Neste mesmo pensamento, e um tanto mais completo, preconiza os doutrinadores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
“A responsabilidade civil, também denominada responsabilidade extracontratual, tem sua origem no direito civil. Consubstancia-se na obrigação de indenizar um dano patrimonial, moral ou estético causado ou possibilitado por um fato humano. Traduz-se na obrigação da administração publica, ou dos delegatários de serviços públicos, de indenizar os danos que os seus servidores, empregados e prepostos, atuando na qualidade de agentes públicos, causem a terceiros.” (ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 913 - 914)
Para o professor Celso Antônio Bandeira de Melo (2009, p. 957):
“Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhes sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Como qualquer outro sujeito de direito, o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou o prejuízo a alguém, do que lhe resulta obrigação de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ação ou abstenção lesiva.”
No entendimento de Diógenes Gasparini (2012, p. 1.123):
[...] “pode se conceituar a responsabilidade civil do Estado como a obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe seja imputável. Embora alguns autores distingam 'ressarcimento' (se a obrigação de reparar decorre de ato ilícito) de (indenização) (se a obrigação de reparar tem origem num ato ilícito), nós utilizaremos essas expressões como sinônimas.”
Por derradeiro, apresentando um cenário com os elementos que compõe o assunto, o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho nos traz o ensinamento de que:
“O cenário se compõe de três sujeitos: o Estado, o lesado e o agente do Estado. Neste cenário, o Estado, segundo o direito positivo, é civilmente responsável pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Sendo-o, incumbe-lhe reparar os prejuízos causados, ficando obrigado a pagar as respectivas indenizações.” (FILHO, 2017, p. 537)
No que tange ao instituto da responsabilidade extracontratual, mais especificadamente, no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado, há regras e é tratada de forma diferenciada conforme o país e, em momento histórico em que é estudada, como veremos a seguir.
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
Historicamente, existia no mundo ocidental como na França, Inglaterra, Espanha, as monarquias absolutistas, também conhecidas como Estados absolutistas, que apresentavam uma centralização demasiada do poder político nas mãos de poucas pessoas.
Havia a ideia de que toda estrutura do Estado era gerada ao redor de uma única pessoa, qual seja, o rei, o soberano.
O rei neste caso tinha uma legitimação religiosa para deter aquele poder politico em suas mãos; em outras palavras, eram pessoas escolhidas por Deus para governar, tendo assim um caráter divino dado a estes líderes.
Neste tempo, ocorriam muitas arbitrariedades cometidas por esses homens, pois, caso o Estado, na pessoa do rei, causasse algum dano a um cidadão, este, não teria direito a indenização ao dano sofrido.
Esta época foi denominada como a teoria da irresponsabilidade do Estado.
Existiam neste período algumas expressões clássicas como “o rei não erra” - “the king can do no wrong” - ou “le roi ne peut mal faire” e, “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei”, “quod principi placuit habet legis vigorem”, que resumiam o espírito deste período.
A despeito desta teoria da irresponsabilidade estatal, a professora Di Pietro nos ensina que:
“A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na ideia de soberania: o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; [...]
[...] Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania”. (DI PIETRO, 2016, p. 787)
A partir da Revolução francesa, com o aparecimento do estado de direito, começam a surgir algumas teorias para responsabilizar o Estado.
Estas primeiras teorias eram chamadas de teoria civilista fundamentada no direito civil, pois igualava o Estado a uma pessoa comum.
A primeira teoria separava os atos de império e os atos de gestão realizados pelo Estado, i.e., quando o Estado operava com atos de império, através do seu poder extroverso, não poderia ser responsabilizado por danos causados a particulares. Por outro lado, quando o Estado descia de seu pedestal e atuava em igualdade de condições com particulares mediante os atos de gestão, poderia, neste caso, o particular responsabilizar o Estado nos termos do direito civil.
Sobre esta teoria conceitua DI PIETRO:
“Numa primeira fase, distinguia-se para fins de responsabilidade, os atos de império e atos de gestão. Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular, não dependendo de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes, os segundos seriam praticados pela administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; não como se difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se ambos o direito comum. Essa distinção foi idealizada por meio de abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízos causados a terceiros. Passou-se a admitir a responsabilidade civil quando decorrente de atos de gestão e a afasta-la nos prejuízos resultantes de atos de império.” (DI PIETRO, 2016, p. 789).
Outra teoria sobre o tema era conhecida como teoria da culpa civil, também com o fundamento no direito privado, ainda não era o ideal, mas dava-se uma resposta para quem precisasse responsabilizar o Estado por algum prejuízo.
A teoria da culpa civil é a teoria subjetiva do Estado, segundo a qual, quando com dolo, ou seja, com a intenção de causar prejuízo a um terceiro e, também, pela culpa em sentindo estrito, praticava-se com negligencia, imprudência ou imperícia no agir, causando, neste caso, dano a um particular.
Nestes casos, o Estado tinha o dever de reparar os prejuízos causados a terceiros por atos de seus agentes, desde que o particular pudesse comprovar o dolo ou a culpa destes atos.
Após estes períodos, ocorre na França, no final do século XIX, o processo mais famoso do direito administrativo mundial, o caso denominado Aresto Blanco, assim reproduzido pelo professor MAZZA (2016, p. 518):
“HISTÓRICO DO ARESTO BLANCO: O Tribunal de Conflitos é o órgão da estrutura francesa que decide se uma causa vai ser julgada pelo Conselho de Estado ou pelo Poder Judiciário. Em 8 de fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro David, o Tribunal de Conflitos analisou o caso da menina Agnès Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com ação de indenização fundada na ideia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas. Por isso, o ano de 1873 pode ser considerado o divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva”.
A partir deste famoso caso Blanco, surgiu a teoria publicista de responsabilidade do Estado, também conhecida como teoria da culpa administrativa, neste caso, com fundamento no direito público.
Esta teoria apregoava nas seguintes situações, a saber: se o serviço público não funcionou, funcionou mal ou funcionou atrasado e isto causou um dano a um particular, o Estado teria o dever de indenizar este prejuízo.
Cabe frisar que, nestes casos, o particular teria que comprovar que o serviço público não houvera funcionado.
Por derradeiro, surge a teoria do risco, revolucionária e mais apropriada à realidade do direito administrativo e que é aplicada atualmente, por meio da qual não se fala mais em culpa, mas sim em uma responsabilidade objetiva do Estado que independe da demonstração de dolo ou culpa para que a vítima consiga uma indenização.