Responsabilidade extracontratual do estado

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22/11/2017 às 14:00
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4 APLICABILIDADE DAS TEORIAS NO BRASIL

Os doutrinadores discorrem sobre a existência de duas vertentes sobre a responsabilidade extracontratual, a maioria deles opta pela responsabilização objetiva, entretanto, existe a opção pela reponsabilidade subjetiva, como a professora Di Pietro, explica que “a diferença entre as duas teorias é tão pequena que a discussão perde um pouco de interesse, até porque ambas geram para o ente público o dever de indenizar”. (DI PIETRO, 2016, p. 654-655)

Cabe assim, oportunamente, demonstrar a explanação sobre estas duas correntes.

4.1 Responsabilidade Subjetiva

Como demonstrado, em regra, para que haja responsabilização subjetiva por parte do Estado, apura-se a incidência de culpa ou dolo em ações que causam danos.

Alguns doutrinadores e juristas asseguram, que há responsabilização subjetiva por parte do Estado com o dever de indenizar quando houver omissão. Para demonstrar esta aplicação a esta teoria, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, tinha o entendimento que, em se tratando de atos omissos do Poder Público, deveria reconhecer a responsabilidade civil subjetiva do Estado, não sendo necessário individualizar o dolo ou a culpa, podendo esta ser atribuída de forma genérica, conforme a teoria da falta de serviço.

Há inúmeros julgados pela Suprema Corte em que as jurisprudências se apoiam na teoria subjetiva com responsabilização ao Estado em relação a teoria da falta de serviço.

Prevalece, também, no STF, o reconhecimento ao direito de indenização ao prejudicado quando há os elementos, dano, negligencia administrativa e nexo de causalidade entre o fato ocorrido com o ilícito aplicado pelo Estado caracterizado pela teoria subjetiva.

Da mesma forma, é aplicada também esta teoria pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em um dos julgados, a Ministra Eliana Calmon, já aposentada, reconheceu a prevalência da aplicabilidade da teoria subjetiva em ato omisso, mas também reconheceu que há divergência sobre o tema na doutrina.

O julgado referido é o REsp 721.439/RJ, que segue:

“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO OMISSIVO – QUEDA DE ENTULHOS EM RESIDÊNCIA LOCALIZADA À MARGEM DE RODOVIA

1. A responsabilidade civil imputada ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-se o dever de indenizar quando houver dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto.

2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior, ou decorrer de culpa da vítima.

3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes da responsabilidade objetiva e da responsabilidade subjetiva, prevalece, na jurisprudência, a teoria subjetiva do ato omissivo, só havendo indenização culpa do preposto.

4. Recurso especial improvido”.

Como visto, é possível concluir que é fundamental para caracterização da responsabilidade civil, que o ato seja ilícito, todavia, o entendimento em alguns casos específicos é da possibilidade pela responsabilização do agente também pelo ato lícito.

Entretanto, o elemento culpa é primordial para a caracterização da responsabilidade aplicando a teoria subjetiva. Neste caso, não será possível responsabilizar o agente por um dano praticado com um ato lícito.

4.2 Responsabilidade Objetiva

Há doutrinadores que entendem que a responsabilidade por omissão por parte do Estado deve ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva.

Esta corrente entende, e defende, a aplicação da teoria de risco administrativo para omissão do Estado, vez que não há distinção da responsabilização quanto ao comportamento, sejam eles comissivos ou omissivos.

Neste caso, quando se aplica a teoria da responsabilidade objetiva a de dispensar a existência da culpa, mas sim a responsabilização do risco da atividade.

Oportunamente, observamos o paragrafo único do art. 927 do código civilista, que a aferição de culpa pode ser dispensada se a lei determinar.

Assim, por previsão expressa no art. 37, § 6° da Constituição Federal, a atribuição de responsabilidade do Estado é notória objetiva, visto que o doutrinador Hely Lopes Meirelles cita neste texto constitucional a consagração do princípio da responsabilidade sem culpa.

O Ministro decano Celso de Mello do Supremo tribunal Federal é um dos principais defensores da responsabilidade objetiva em omissão, visto que relator do Recurso Extraordinário 109.615/RJ, traz a elucidação sobre a responsabilidade civil do Estado como também, da teoria do risco administrativo, a qual segue:

“[...] A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima [...]”

Diferentemente do que se aplica na teoria subjetiva, percebe-se na teoria objetiva que não há necessidade de verificar se houve culpa ou não pelo agente, restando a obrigatoriedade de indenizar.

Após seu processo de evolução, a responsabilidade objetiva confere ao lesado um maior benefício, dispensando-o de fazer provas de alguns elementos que dificultam o surgimento e a reparação dos prejuízos.

Neste raciocínio, pontua o doutrinador Carvalho Filho que, “atualmente nenhuma dúvida pode existir de que, no ordenamento jurídico pátrio, o Estado se sujeita à teoria da responsabilidade objetiva”. (FILHO, 2017, p. 497.)

Diante destes fatos, é evidente que o ordenamento jurídico admite a teoria do risco administrativo, aplicando a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado. 


5 RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Primeiramente, cabe ressaltar que no ordenamento jurídico brasileiro, nunca foi aplicado a teoria da irresponsabilidade do Estado.

Assim menciona Di Pietro (2016, p. 612):

“A teoria da irresponsabilidade do Estado não foi acolhida pelo direito brasileiro; mesmo não havendo normas legais expressas, os nossos tribunais e doutrinadores sempre repudiaram aquela orientação. As Constituições de 1824 e 1891 não continham disposição que previsse a responsabilidade do Estado; elas previam apenas a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções”.

Posto isto, o Brasil, quando Império, em sua primeira constituição já admitia a responsabilidade civil na administração pública, como explicita o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho sobre o tema dizendo que:

“a Constituição do Império (1824), em seu art. 179, nº 29, estabelecia que: Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos. A Constituição Republicana (1891), por seu termo, em seu art. 82, continha disposição idêntica, responsabilizando os funcionários públicos pelos abusos e omissões em que incorressem no exercício dos seus cargos.” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 233)

Com o advento do Código Civil de 1.916, à vista do disposto em seu artigo 15 que determinava que “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo do modo contrário ao direito ou faltando com o dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano” (BRASIL, 1916), estabeleceu uma forma especifica, fazendo com que a doutrina dominante apoiasse a ideia de adoção da teoria civilista da responsabilidade subjetiva, pois havia a necessidade da culpa pelo agente público.                              

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Na constituição de 1.934, acolheu-se o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e o agente público, visto que, em seu artigo 171, dispunha que “os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos” (BRASIL, 1934), sendo repetido o mesmo texto no artigo 158 da Constituição de 1.937.

A partir da Constituição de 1.946, o Estado Brasileiro adotou a teoria da responsabilidade objetiva por força do texto do artigo 194, que dizia que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.” (BRASIL, 1946)

Elucidando o texto acima, o ilustríssimo doutrinador Cavalieri Filho nos ensina que:

“Destarte, a partir da Constituição de 1946, a responsabilidade civil do Estado brasileiro passou a ser objetiva, com base na teoria do risco administrativo, onde não se cogita da culpa, mas, tão-somente da relação de causalidade. Provado que o dano sofrido pelo particular é consequência da atividade administrativa, desnecessário será perquirir a ocorrência de culpa do funcionário ou, mesmo, de falta anônima do serviço. O dever de indenizar da Administração impor-se-á por força do dispositivo constitucional que consagrou o princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos.” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 235)

Por conseguinte, a constituição de 1.967 reproduziu, em seu artigo 105, a referida norma, acrescendo, em seu parágrafo único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo.

5.1 Legislação atual

Quando se fala de responsabilidade extracontratual do Estado, temos, no ordenamento jurídico brasileiro, dispositivos os quais nos indicam a análise deste tema, trata-se do art. 37, § 6º da Constituição Federal que diz:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

[...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Grifo nosso (BRASIL, 1988)

O código civil, neste mesmo viés, dispõe no art. 43 que:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (BRASIL, 2002)

Os dispositivos apresentados demonstram que os responsáveis objetivamente são as pessoas jurídicas de direito público, qual seja, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as fundações públicas, como também quanto às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

O doutrinador José dos Santos Carvalho Filho faz uma interessante distinção sobre as pessoas jurídicas que podem ser responsabilizadas objetivamente. Segundo o autor, o legislador tentou equiparar as pessoas jurídicas de direito público com as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

“Dada a grande variedade de formas de delegação, de pessoas delegatárias e de serviços públicos, bem como a noção nem sempre muito precisa do que se configura como serviços públicos, poderá haver algumas dúvidas quanto ao enquadramento da pessoa prestadora do serviço na norma constitucional. Entretanto, pode-se, a Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas com personalidade de direito privado), quando se dedicam à prestação de serviços públicos, e os concessionários e os permissionários de serviços públicos, estes expressamente referidos no art. 175 da Constituição Federal, como é o caso das empresas de transporte coletivo, de fornecimento de água, de distribuição e fornecimento de energia elétrica e outras dessa natureza” (FILHO, 2017, p. 600).

            O doutrinador observa o disposto no art. 173, § 1º, da Carta da República, que exclui as empresas públicas e as sociedades de economia mista que se dedicam à exploração de atividade econômica da responsabilidade civil objetiva, vez que impõe que elas sejam regidas pelas normas aplicáveis às empresas privadas. Sendo assim, são elas regidas pelas normas do direito privado e, responderão subjetivamente por seus atos. (FILHO, 2017, p. 600)

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