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Sentença condenando banco em operação de crédito rural

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Agenda 01/09/2000 às 00:00

6. A capitalização dos juros.

Este fenômeno matemático ocorreu, segundo a prova dos autos, tanto na vigência de cada uma dos instrumentos contratuais, como é fruto das sucessivas renovações.

A contagem de juros sobre juros somente é permitida segundo os termos da súmula 93 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual: "A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros".

Sem dúvida, esta súmula deve ser interpretada à luz da nova teoria contratual, ou seja, considerando-se o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, notadamente no que concerne à boa fé e seus deveres anexos. O Superior Tribunal de Justiça, embora sem fazer referência ao disposto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, tem entendido que (REsp: 106.901-RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 15 de abril de 1997):

"No tocante à capitalização de juros a jurisprudência desta Corte tem a admitido quando pactuada, conforme dispõe a Súmula n.º 93-STJ, verbis: ‘A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros’. Como visto, não há dúvida a respeito da legalidade da capitalização mensal de juros prevista no contrato. Confira-se: (REsp n.º 88.837/RS, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 03.06.96; REsp n.º 77.459/RS, Relator Ministro Costa Leite, DJ de 20.05.96; REsp n.º 86.496/GO, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 29.04.96; REsp n.º 78.801/RS, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 15.04.96). No caso presente, entretanto, o Tribunal a quo, interpretando cláusula contratual, afirmou que a capitalização dos juros não foi encontrada, conforme se extrai do seguinte trecho do Acórdão: ‘3.5. Com relação à capitalização dos juros, novamente mantém-se a v. sentença. Ainda que se possa aceitar, nos termos da Súmula 93, STJ, a capitalização mensal dos juros, exige-se expressa pactuação. Ora, in casu, tem-se cláusulas dúbias a respeito, fazendo alusão ao método hamburguês, cujo alcance, seguramente, era desconhecido pelo financiado. Não se pode olvidar que se está diante de financiamento a pessoa sem conhecimentos maiores. Aliás, a redação empregada nas cédulas dificultaria, até, a efetiva compreensão do que ajustado, mesmo para pessoas dotadas de razoável conhecimento de direito e/ou economia. Sendo nula a pactuação, diante da insuficiente redação da cláusula que assim pretendeu dispor, manifesta a ausência de vontade a respeito, cumpre ficar com a sistemática básica versada na lei específica, tal como fez a sentença".

Entendo que incide o Código de Proteção e Defesa do Consumidor ao caso dos autos e colaciono a seguinte lição doutrinária, extraída da Revista dos Tribunais, n.º 753, A idéia de Pacto prevista na Súmula 93 do STJ, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, onde resta assente:

"As cláusulas de capitalização, por serem de importância crucial ao desenvolvimento do contrato, devem ser redigidas de maneira a demonstrar exatamente ao contratante do que se tratam e quais reflexos gerarão no plano material. Bastaria que, por exemplo, o Banco do Brasil, voltando ao nosso exemplo, pactuando uma taxa de juros de 5% a.m. em cláusula de capitalização de cédula de crédito, demonstrasse ao aderente, devedor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que, com a capitalização mensal ele teria, ao fim de um ano, um saldo devedor de R$ 181.316,68; com a capitalização semestral, o seria devedor, também ao final de uma ano, de R$ 170.302,22, menos, portanto; e com a capitalização anual ele teria um saldo devedor ainda menor, ao fim de um ano: R$ 161.000,00. Desse modo, qualquer que fosse a pactuação da capitalização, seria essa perfeitamente entendida, bem como seus efeitos e conseqüências sobre o contrato. Como os bancos não se preocupam em respeitar ao que dispõe o CDC, notadamente o princípio da boa-fé, pode-se dizer que não há, hoje, nenhuma cédula de crédito, seja ela comercial, rural ou industrial, que contenha o pacto, visto sob a ótica consumerista, a que a súmula 93 do Superior Tribunal de Justiça alude. Tal se deve ao desrespeito de um dos deveres anexos defluentes do princípio da boa-fé, o dever de informação, que impõe a obrigação de transparência das condições pactuadas".

Nas renovações das operações de crédito não há pacto sobre a capitalização defluente desta prática. Nos instrumentos individualmente considerados, também, afasto a ocorrência da contagem de juros sobre juros, pois inexiste pacto induvidoso, tal qual é imposto pela súmula 93 do Superior Tribunal de Justiça.

Como julgador e homem de cultura razoável, saliento que das cláusulas contratuais onde deveria estar pactuada a contagem de juros sobre juros, não tenho condições de delas depreender o quantum que será devido nos vencimentos. Logo, considero-as imprestáveis sob a ótica da vinculação contratual.

Ao par da fundamentação supra, também não poderia haver contagem de juros sobre juros, nas operações sub judice, pois ela provocaria um aumento da taxa de doze por cento ao ano, limitado no item anterior desta sentença.

Por tais motivos, afasto a contagem de juros sobre juros, sob qualquer prisma considerada, seja decorrente das sucessivas renovações de operações de crédito, seja a verificada em cada instrumento, individualmente.


7. Os encargos moratórios

Por força do artigo 5º, parágrafo único, do Decreto-lei 167/67, não é possível a cobrança de encargos moratórios superiores a um por cento ao ano. Sobre esta prática, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona, in verbis:

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Vistos etc. O Banco do Brasil interpôs recurso especial, fundado na letra a, contra v. acórdão da eg. 5ª Câmara Civil do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, alegando negativa de vigência ao artigo 5º do Dec.lei 167/67, e art. 6º da LICC. Sustenta a ilegalidade de cláusula contratual que determina a elevação de taxa de juros de 9% ao ano, para 4% ao mês, em caso de inadimplência, ato jurídico perfeito que não poderia ser atingido pela decisão judicial. Indeferido o processamento do recurso, sobreveio o presente agravo. Não tem razão o agravante . Conforme já ficou bem acentuado ao v. acórdão recorrido: "Está havendo, portanto, uma ilegal elevação da taxa de juros moratórios, que, no crédito rural, não pode excedera 1% a.a.(parágrafo único do art. 5.º, do DL 167/67), sobre o disfarce de juros remuneratórios". A ilegalidade, portanto, está na cláusula e não na decisão que se mantém fiel à lei. Pela mesma razão, não houve ofensa ao ato jurídico perfeito, pois o contrato continha cláusula ilegal, além de abusiva.

STJ – 4ª TURMA, Agr.Instr. nº 58.735-MG; rel. Min. RUY ROSADO; j.15.02.95; v.u.; DJU 09.03.95, p. 4819, Seção I.

"Crédito Rural. Juros. Capitalização Mensal. Elevação de Taxa. A taxa de juros, em caso de mora, pode ser elevada no máximo em 1% a.a., como disposto no parágrafo único do mencionado artigo.

STJ 3ª TURMA, REsp. nº 62.348-0-RS; rel. Min. COSTA LEITE; j. 08.05.95; v.u.; DJU 29.05.95, p. 15.515, Seção I".

"Civil e Comercial – Execução – Nota Promissória – Juros – Alteração da Taxa Pactuada por inadimplemento. 1. Não se permite a estipulação de juros por inadimplemento em crédito rural superior a 1% ao ano (inteligência do Decreto Lei 167/67, art. 5º, § único). 2. Precedentes do STJ- 3ª TURMA, REsp. nº 84.877-SP; rel. Min. WALDEMAR ZVEITER; j. 02.04.96; v.u.; DJU 10.06.96, p. 20.325, Seção I".

Afasto , assim, a cobrança de quaisquer encargos moratórios superiores a um por cento ao ano.


8. O uso da ANBID, ORTN, OTN, BTN, LBC, IRP, TR e TJLP

Por força da súmula 176, do Superior Tribunal de Justiça, afasto o uso da taxa ANBID, nos contratos sub judice. Com relação aos demais índices, embora a autora tenha se esforçado em igualá-los à taxa ANBID, tenho-os como perfeitamente lícitos.

Assim, mantenho o uso dos demais índices constantes das operações sub judice, determinando que o cálculo deles seja efetuado de forma linear. Acolho, portanto, o pedido alternativo formulado pela autora no item IV da petição inicial.


9. A aplicação do percentual de 42, 72% em janeiro de 1989 e 41,28% em março de 1989

Em decorrência dos planos econômicos de janeiro/89 e março/90, os índices de correção monetária utilizados pela instituição financeira, neste período, foram superiores aos índices de inflação, conforme a prova constante dos autos.

Com efeito, enquanto o índice de inflação em janeiro/89 foi de 42,72%, a instituição financeira ré fez incidir sobre o saldo devedor das operações o percentual de 70,28%; para março/90, enquanto o índice de inflação foi de 41,28%, a instituição financeira aplicou o índice de reajuste de 84,32%.

Sobre esta questão, com o intuito de evitar o enriquecimento ilícito das instituições financeiras, o Superior Tribunal de Justiça fixou o seguinte entendimento jurisprudencial:

"Recurso especial. Cédula de crédito rural. Correção monetária. Índice de atualização para o mês de março de 1990. Precedentes da Corte. 1. Os precedentes da Corte afirmam que em "relação ao mês de março de 1990, a dívida resultante de financiamento rural com recursos captados de depósitos em poupança deve ser atualizado segundo o índice de variação do BTNF. Ante o atrelamento contratual, é injustificável aplicar-se o IPC, para a atualização da dívida, se os depósitos em poupança, fonte do financiamento, foram corrigidos por aquele índice, sendo certo que o percentual a ser aplicado é o de 41,28% (RSTJ 79/155). 2. Recurso não conhecido".

(STJ, REsp. nº 94.627-RS, 3ª Turma, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, j. 14.10.96).

"DIREITO ECONÔMICO E PROCESSUAL CIVIL. MÚTUO RURAL. PREVISÃO DE INDEXAÇÃO MONETÁRIA. MESES DE JANEIRO/89 E MARÇO/90. ÍNDICES DE 42,72% E 41,28%, RESPECTIVAMENTE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. QUESTÃO DECIDIDA POR MAIORIA. NÃO-INTERPOSIÇÃO DE INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE ACOLHIDO. I - A correção monetária a incidir em janeiro/89, nos débitos reajustáveis pelo IPC, deve Ter como parâmetro o índice de 42,72%, conforme já decidiu a Corte Especial, a partir do REsp 43.055-SP. II – Os valores objeto de títulos de crédito rural, emitidas antes da edição do "Plano Collor", nos quais prevista correção monetária atrelada aos índices remuneratórios da caderneta de poupança, devem sofrer indexação, no mês de março/90, com base no mesmo critério que serviu à atualização do saldo de cruzados novos bloqueados – variação do BTNf de 41,28% (art. 6º, § 2º da Lei 8.024/90), mesmo em face do art. 6º da Lei 8.088/90".

(STJ, REsp nº 92.061-MS, 4ª Turma, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 20.08.96).

Por tais motivos, determino a exclusão dos encargos superiores a 42,72% e 41,28%, nos meses de janeiro de 1989 e março de 1990, respectivamente.


10. O recálculo das operações sub judice

Em razão da procedência dos pedidos formulados pela parte autora, conforme exposto nas razões supra, entendo ser indispensável o recálculo das operações sub judice, observados os lineamentos deste decisum.

A prova colacionada nos autos, devidamente submetida ao contraditório, apresenta dois critérios de recálculo do relacionamento obrigacional havido entre as partes.

Nos termos em que decidi a lide, o segundo critério de cálculo se adequa perfeitamente.

Desta forma, reconheço como débito da autora junto ao réu, fruto do relacionamento negocial continuando vigente entre os litigantes, expurgados os encargos ilícitos, o montante de vinte e nove milhões, seiscentos e cinquenta e um mil, seiscentos e cinquenta e três reais e quarenta e um centavos, em onze de maio de 1999.

Com relação às operações de crédito já quitadas, nas quais detectei as ilegalidades acima, reconheço haver saldo credor da autora junto ao réu no montante de quatorze milhões, quatrocentos mil, setecentos e noventa e três reais e quarenta e cinco centavos, em onze de maio de 1999.


11. O direito à renegociação da dívida pendente

A Resolução nº 2.471, do Conselho Monetário Nacional assegurou aos devedores do crédito rural a renegociação dos saldos devedores, estabelecendo o prazo de 20 (vinte) anos para o pagamento.

A parte autora e as operações por ela firmadas com o réu, que estão sub judice, nesta ação, preenchem os requisitos da citada norma infralegal, conforme a prova produzida e acima acolhida.

Tal qual o que determina a Lei nº 9.138/95, a renegociação, nos termos da Resolução nº 2.471, do CMN, é obrigatória, constituindo-se em obrigação de fazer do réu.

Entretanto, esta renegociação embora prevista em norma infralegal, deve estar adequada à Lei Federal no que tange aos montantes securitizados.

Reconheço, nesta esteira, o direito de a autora efetuar a securitização de seu débito junto ao réu, devendo ser obedecidas as seguintes premissas: a) o montante a ser securitizado é o de vinte e nove milhões, seiscentos e cinquenta e um mil, seiscentos e cinquenta e três reais e quarenta e um centavos, em onze de maio de 1999; b) o primeiro pagamento da securitização será efetuado segundo os percentuais e datas previstas na Resolução e será fruto da compensação (pois constituem-se em parcelas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, ex vi do art. 1010, do Código Civil c/c o art. 1009, do mesmo édito) do montante deferido a título de repetição do indébito acima anunciado (quatorze milhões, quatrocentos mil, setecentos e noventa e três reais e quarenta e cinco centavos); c) em caso de resistência da instituição financeira, para cumprimento da presente ordem, fixo, conforme me autoriza o art. 461, do Código de Processo Civil, parágrafo 4º, multa diária acumulativa de cem mil reais; d) em caso de resistência definitiva do banco em cumprir a obrigação de fazer a securitização, nos moldes ora deferidos, fixo, conforme me autoriza o art. 461, do Código de Processo Civil, parágrafo 1º, as perdas e danos da autora em montante igual ao valor integral do débito ora apurado (vinte e nove milhões, seiscentos e cinquenta e um mil, seiscentos e cinquenta e três reais e quarenta e um centavos, em onze de maio de 1999); e) a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa, nos termos do art. 461, do Código de Processo Civil, parágrafo 2º.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Sebastião Joaquim Lima. Sentença condenando banco em operação de crédito rural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1034, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/noticias/16318. Acesso em: 22 nov. 2024.

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