Intróito
O consulente solicita a análise do "instrumento particular de locação de fibras ótica da rede ... celebrado entre ... e ..., com vistas a elucidar os seguintes pontos:
i) Natureza jurídica do contrato vigente.
ii) Carga tributária incidente sobre a receita advinda do contrato vigente.
iii) Possibilidade de caracterização do contrato vigente como IRU (Direito Irrevogável de Uso).
iv) Necessidade de se celebrar um novo instrumento contratual.
v) Impactos tributários caso o contrato seja caracterizado como IRU.
Superado os esclarecimentos e firmados os pontos de abordagem, passamos a proferir as nossas orientações, com base nas regulamentações contábeis pertinentes, legislação vigente e jurisprudência atual inerente ao caso em voga.
I) Da Natureza Jurídica do Contrato Vigente
O contrato sub examine, firmado entre ... e ... tem a natureza jurídica de locação, posto que o objeto, conforme cláusula segunda, item 2.1 é a cessão de "2 (dois) pares de fibras ópticas apagadas, ou seja, pelas quais não há transmissão de sinais de comunicação".
As fibras apagadas são fibras ópticas que não permitem a comunicação entre as partes, pois, não foram instalados os equipamentos que ensejam o fluxo de energia e, portanto a concretização da transmissão de dados.
Desta forma tem-se que as fibras apagadas são apenas e tão somente cabos que por si só não permitem qualquer comunicação, pois dependem da interligação com softwares, bem como a interferência de outras ações humanas para que efetivamente ocorra a transmissão de dados.
Assim resta cristalino que as fibras ópticas objeto do contrato em questão, são apenas infra-estrutura para transmissão de telecomunicações e não a prestação de serviço de telecomunicações propriamente dita.
Portanto, resta indubitável que a finalidade do contrato é a locação de infra-estrutura, composta de fibras ópticas que possibilitam a locatária a partir do emprego de outros equipamentos a realizar a prestação de serviço de telecomunicações.
II) Carga Tributária Incidente sobre as Receitas Decorrentes do Contrato Vigente
A par da natureza jurídica do contrato é possível se alcançar a carga tributária que possivelmente tem incidido sobre as receitas percebidas pela ... em decorrência da locação em questão.
In initio, cumpre ressaltar que não se pode cogitar a incidência do ICMS, uma vez que conforme afirmado no tópico anterior não é objeto do contrato a prestação de serviço de telecomunicações (hipótese de incidência do ICMS), mas apenas a cessão da infra-estrutura para que tal serviço seja prestado.
A locação de cabos, dutos e condutos se insere dentre as hipóteses de incidência do ISS, mais precisamente no item 3.04 da lista anexa a Lei Complementar nº. 116/2003, senão vejamos;
"3 – Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres.
[...]
3.04 – Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza". (grifos acrescidos)
Malgrado haja previsão expressa da incidência do ISS, sobre as receitas decorrentes da locação de cabos, que se equivale a locação de fibras ópticas, prevalece entre os Operadores do Direito o entendimento de que dita incidência é inconstitucional, tendo em vista que transcende as disposições do artigo 156 da CR/88 o qual vale transcrevermos;
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobe:
[...]
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definido em lei complementar".
Andou mal o legislador federal ao incluir a locação dentre as hipóteses de incidência de um imposto adstrito a serviços, pois, transcendeu os limites constitucionais, tendo em vista, que a locação constitui uma obrigação de dar ao passo que a prestação de serviço sempre constitui uma obrigação de fazer.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal partilha do mesmo raciocínio, entendendo ser cabível a incidência do ISS sobre locação, apenas naquelas hipóteses em que esta estiver acompanhada da prestação de serviço, senão vejamos a ementa da decisão na lavra do Ministro Celso de Mello;
"E M E N T A: IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) - LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - INADMISSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL - DISTINÇÃO NECESSÁRIA ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) - IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Precedentes (STF). Doutrina. (RE 446003 AgR / PR - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO – Data Julgamento: 30/05/2006). (grifos acrescidos)
Não obstante, prevalece na jurisprudência o entendimento de que a locação de fibra óptica apagada equivaleria a locação de bem móvel e como tal não se submeteria a incidência de ISS, uma vez que dito item (3.01) fora vetado da lista anexa a Lei Complementar nº. 116/03, bem como objeto de súmula vinculante pelo STF a qual vale trazermos a colação;
"Súmula Vinculante nº. 31 - É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis".
A situação específica da locação de fibras ópticas apagadas já foi apreciada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais o qual reconheceu a não incidência de ISS sobre a operação, quando do julgamento de Recurso de Apelação interposto pelo Município de Uberlândia em Embargos a Execução Fiscal propostos pela ..., conforme ementa abaixo coligida;
EMENTA: TRIBUTÁRIO - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA - ISSQN - LOCAÇÃO DE CIRCUITOS ESPECIAIS DE LONGA DISTÂNCIA E COLLOCATION - SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO - NÃO-CARACTERIZAÇÃO - LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS - LEI MUNICIPAL N.º 1.448/1966 - ITEM 79 DA LISTA ANEXA AO DECRETO-LEI N.º 406/68 - INCONSTITUCIONALIDADE - PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HONORÁRIOS - REDUÇÃO - ART. 20, §§ 3º E 4º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1 - A locação do direito de uso de redes de comunicação entre empresas de telecomunicações não confugura prestação de serviço de comunicação, estando fora do âmbito de incidência do ICMS. 2 - Não incide ISSQN sobre locação de bens móveis, por não se tratar de prestação de serviço, mas de cessão de direito de uso de bem móvel, mediante retribuição (RE n.º 116.121/SP, STF). 3 - Honorários reduzidos, a teor do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC. 4 - Sentença reformada parcialmente, em reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário. (Processo nº. 0702.05.242571-8/001; Relator: Edgard Penna Amorim; 8ª Câmara Cível; Data Publicação: 21.07.2009).
Desta sorte, compreende-se que caso a ... possua uma boa assessoria jurídica, a referida não submete à incidência do ISS as receitas recebidas da ..., decorrentes da locação em questão, posto que, apesar de haver previsão legal, a aludida é totalmente inconstitucional.
Outrossim, os valores percebidos pela ... indiscutivelmente representam receita e como tal devem se submeter a incidência do PIS e da COFINS com alíquota combinada de 9,25% conforme previsão expressa dos artigos 1º c/c 2º da Lei nº. 10.637/2002 e Lei nº. 10.833/03 respectivamente;
"Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com a incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
[...]
Art. 2º Para determinação do valor da COFINS aplicar-se-á, sobre a base de cálculo apurada conforme o disposto no art. 1o, a alíquota de 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento)".
"Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
[...]
Art. 2º Para determinação do valor da contribuição para o PIS/Pasep aplicar-se-á, sobre a base de cálculo apurada conforme o disposto no art. 1o, a alíquota de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento)".
Neste diapasão se encontra a remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende da ementa abaixo coligida na pena da saudosa Ministra Denise Arruda;
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PIS E COFINS. INCIDÊNCIA SOBRE RECEITAS ORIUNDAS DA LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO ADOTADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO/STJ NA FORMA DO ART. 543-C DO CPC. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1109499 / RJ; Relatora: Ministra Denise Arruda; Primeira Turma; Data Publicação: 02.02.2010)".
Ante o iter até o momento percorrido, a ilação que se alcança é que provavelmente as receitas oriundas do contrato de locação em testilha, estão sendo submetidas tão somente a incidência do PIS e COFINS não cumulativo com alíquota combinada de 9,25%.
III) Das Nuances do IRU
Para podermos analisar a possibilidade de caracterizar o contrato em espeque como IRU é imprescindível que façamos uma digressão teórica e legal do que vem a ser o instituto, passando pela análise das suas vantagens, os requisitos necessários para sua caracterização entre outros aspectos.
O Indefeasible Right to Use – IRU, que traduzido para o português significa Direito Irrevogável de Uso, é conceituado de acordo com o direito alienígena como sendo um contrato entre operadores em que um cessiona ao outro o direito de utilização de cabos de comunicação, vg. cabo submarino ou rede de fibra óptica.
No direito alienígena o IRU é freqüentemente identificado em contratos que envolvem a cessão de direito de uso de capacidade a qual compreende não apenas a cessão da infra-estrutura (cabos ou fibras ópticas), mas também dos circuitos e outros equipamentos necessários para a promoção de transmissão.
Muito embora o IRU seja comumente verificado em contratos que envolvam a cessão de direito de uso de capacidade, não se vislumbra nenhum impedimento para sua caracterização em contratos que envolvam somente a cessão de direito de uso de fibras ópticas apagadas onde não há transmissão.
O IRU a luz do direito pátrio, corresponde a cessão de direito de uso, a qual vale lembrar é gênero do qual decorrem algumas espécies de contratos, tais como, empréstimo em comodato, leasing ou arrendamento mercantil e a locação a qual é detidamente conceituada pelo artigo 565 do Código Civil brasileiro:
"Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição". (grifos acrescidos)
A vantagem de se caracterizar dado contrato como IRU, reside na possibilidade do objeto contratado ser escriturado como ativo intangível e conseqüentemente o dispêndio financeiro não ser registrado como despesa, mas sim como CAPEX (investimento) o que possibilita a depreciação proporcional do bem pelo período de vigência do contrato.
É válido observar que para o objeto do investimento ser caracterizado como ativo intangível não é necessário haver um documento fiscal para escrituração, posto que pelas características do contrato é possível realizar dita classificação.
Mas quais seriam as características e/ou requisitos necessários de serem atendidos para caracterização de um contrato como IRU e o objeto contratado ser escriturado como ativo intangível?
Apressamo-nos em responder, para assinalar que de acordo com o direito alienígena é imprescindível à caracterização do IRU a previsão no instrumento contratual de cláusulas expressas de irrevogabilidade e irretratabilidade, bem como a existência dos atributos peculiares a um ativo intangível, quais sejam, ser identificável, controlado e gerador de benefícios econômicos futuros, conforme normas contábeis pátrias.
O IRU enquanto instituto oriundo do direito alienígena, ao ser recepcionado pelo ordenamento jurídico pátrio, necessita passar por reparos e ajustes de modo a se tornar aplicável e efetivo.
Um ajuste irrefutável que deve ser feito ao instituto é em relação aos seus requisitos, pois, a luz do ordenamento civil brasileiro é impossível se contemplar em um contrato de cessão de direito de uso, cláusula de irrevogabilidade.
A cláusula de irrevogabilidade é adstrita ao contrato de mandato, uma vez que em regra apenas esta espécie contratual é passível de ser extinta ou resilida unilateralmente por meio da revogação, para elucidar a questão coligimos a doutrina do professor Silvio Rodrigues;
"I – A revogação e a renúncia. Ao contrário dos demais contratos, o mandato é um negócio que se resolve, em regra, pela vontade unilateral de qualquer das partes. Se a manifestação da vontade provier do mandante, há revogação. Se partir do mandatário, há renúncia.
[...]
A revogação pode ser expressa ou tácita. No primeiro caso ela se faz por declaração do mandante; no segundo, por atos que revelem tal propósito. Assim, dá-se revogação tácita quando há a nomeação de outro mandatário para o mesmo negócio e tal nomeação é comunicada ao antigo procurador, como também se deve entender revogada a procuração quando o mandante praticar o ato para que havia conferido poderes" [01].
Desta forma para caracterização do IRU no direito pátrio, prescinde a existência de cláusula de irrevogabilidade a qual se mostra incompatível com o contrato de cessão de direito de uso em qualquer das suas espécies.
Os três atributos inerentes ao ativo intangível assinalados acima se encontram disciplinados no CPC nº. 04 o qual aduz os elementos correlatos a cada um, pois vejamos:
"Identificação
[...]
12. Um ativo satisfaz o critério de identificação, em termos de definição de um ativo intangível, quando:
(a) for separável, ou seja, puder ser separado da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, individualmente ou junto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independente da intenção de uso pela entidade; ou
(b) resultar de direitos contratuais ou outros direitos legais, independentemente de tais direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações.
Controle
13. A entidade controla um ativo quando detém o poder de obter benefícios econômicos futuros gerados pelo recurso subjacente e de restringir o acesso de terceiros a esses benefícios. Normalmente, a capacidade da entidade de controlar os benefícios econômicos futuros de ativo intangível advém de direitos legais que possam ser exercidos num tribunal. A ausência de direitos legais dificulta a comprovação do controle. No entanto, a imposição legal de um direito não é uma condição imprescindível para o controle, visto que a entidade pode controlar benefícios econômicos futuros de outra forma.
[...]
Benefício econômico futuro
17. Os benefícios econômicos futuros gerados por ativo intangível podem incluir a receita da venda de produtos ou serviços, redução de custos ou outros benefícios resultantes do uso do ativo pela entidade. Por exemplo, o uso da propriedade intelectual em um processo de produção pode reduzir os custos de produção futuros em vez de aumentar as receitas futuras". (grifos acrescidos)
Malgrado não esteja estampado no texto do CPC nº. 04 deve-se frisar que para atendimento do atributo benefício futuro é imprescindível que o contrato firmado tenha vigência mínima de 12 meses.
Assim nem sempre um IRU será considerado um ativo intangível, tendo em vista que um contrato de cessão de direito de uso poderá ser irretratável e ter vigência mínima de 12 (doze) meses, porém, padecer dos atributos de identificação, controle e expectativa de benefício futuro.
Portanto, podemos concluir que para caracterização de um contrato como IRU e a sua conseqüente contabilização como ativo intangível é necessário o atendimento da seguinte fórmula: (contrato de cessão de direito de uso + irretratabilidade + vigência mínima de 12 meses + ativo identificável + ativo controlável + expectativa de benefício futuro).
Por derradeiro, cumpre registrar que a forma de desembolso financeiro (avista ou parcelado) não tem o condão de influenciar na caracterização de um contrato como IRU e nem tampouco na contabilização do objeto contratado como ativo intangível, haja vista, que trata-se de mera condição de pagamento.
IV) Da Caracterização do Contrato como IRU e a Escrituração como Ativo Intangível
Assentadas as premissas relativas ao IRU e identificados os atributos necessários para contabilização do objeto como ativo intangível, passamos doravante a fazer uma análise do contrato hodiernamente vigente entre ... e ... com o escopo de identificar a possibilidade do referido instrumento ser caracterizado como IRU e escriturado como ativo intangível.
Consoante ao que fora inferido no tópico I, o objeto do contrato é a locação de 02 (dois) pares de fibras ópticas apagadas, pelas quais não há transmissão de sinais de comunicação, assim o primeiro ponto para caracterização do contrato como IRU se revela atendido, tendo em vista, que o contrato de locação indubitavelmente corresponde a um contrato de cessão de direito de uso.
De acordo com a cláusula quinta, item 5.1 o contrato possui prazo de vigência de 10 (dez) anos, considerando como termo inicial do prazo de vigência a aceitação formal pela Locatária, ou seja, o contrato possui prazo de vigência superior a 12 (doze) meses e portanto, atende mais um dos requisitos para ser caracterizado como IRU e contabilizado como ativo intangível.
O direito de uso das fibras ópticas apagadas se mostra identificável, conforme estipulação do CPC nº. 04 sendo perfeitamente passível de separação pela Locatária, inclusive para disponibilização a outras Operadoras de Telefonia quando acesa as fibras locadas, conforme cláusula 2.4 do instrumento em análise.
O contrato sub examine invariavelmente enseja benefício econômico futuro, haja vista, que a fibra apagada objeto da locação, conforme afirmado alhures permite a prestação de serviço de telecomunicações, finalidade precípua da Locatária, viabilizando com isso o percepção de receitas oriundas do aludido serviço.
O atributo controle, previsto no CPC nº. 04 se resume na possibilidade de se poder exigir o cumprimento do contrato para que a expectativa de benefício futuro inicialmente almejada não seja frustrada, ou seja, deve-se identificar no contrato cláusulas dotadas de força cogente que viabilizem a manifestação da tutela jurisdicional com o escopo de impor o cumprimento da avença.
Em nossa opinião o atributo controle nos contratos caracterizados como IRU é correlato a irretratabilidade, pois, tal característica do instrumento contratual, irrefutavelmente permite que em caso de inadimplência a parte prejudicada recorra ao judiciário e exija o cumprimento da obrigação, sem prejuízo das perdas e danos e lucros cessantes.
Assim a dúvida reside em saber se o contrato vigente contempla ou não o caráter irretratável, para caracterizar o instrumento como IRU e ato contínuo possibilitar a sua classificação como ativo intangível com atendimento do atributo controle.
Compulsando o contrato não se vislumbra nenhuma cláusula expressa de irretratabilidade, o que não implica dizer que o contrato não seja irretratável, haja vista, que a irretratabilidade é a regra e por isso presumida, presunção esta que só se abala pela existência de cláusula extintiva em sentido contrário.
Para que possamos certificar esta presunção de irretratabilidade é necessário realizar uma acurada análise do teor das cláusulas contratuais relativas a extinção da obrigação, o que passamos a fazer doravante.
A cláusula sexta que trata da extinção do contrato prevê a rescisão em razão de inadimplência contratual, decretação de falência ou perda das outorgas necessárias a execução do contrato, pois vejamos;
"6.1. O presente Contrato poderá ser rescindido pela parte prejudicada, na hipótese de inadimplência de qualquer obrigação ou condição, não sanada no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da notificação da parte infratora, sem prejuízo do disposto na cláusula 19ª deste.
6.2. O presente Contrato será extinto, independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial, nas seguintes hipóteses:
6.2.1. decretação de falência, pedido de recuperação ou liquidação judicial ou extrajudicial de uma das Partes; ou
6.2.2. Perda, término ou extinção, por qualquer motivo, das outorgas da outra Parte necessárias à execução deste Contrato, observado o previsto na regulamentação da ANATEL/ARTESP quanto a sub-rogação para ela ou para terceiros por ela indicados, de forma a assegurar a continuidade de serviços de telecomunicações objeto de concessão".
Na mesma senda estão as disposições da cláusula décima nona que no seu item 19.1 menciona claramente a possibilidade de rescisão em caso de inadimplemento, inclusive com imposição de multa, senão vejamos;
"19.1. O inadimplemento contratual de qualquer obrigação ou condição prevista no presente instrumento, não regularizado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do recebimento da notificação pela parte infratora, ensejará a aplicação de multa contratual de valor correspondente a 20% (vinte por cento) do saldo remanescente do contrato, representado pela somatória das parcelas vincendas, facultando ainda à parte inocente a rescisão do presente contrato, mediante a emissão de nova notificação à parte infratora". (grifos acrescidos)
Para saber se tais cláusulas induzem ou não a retratabilidade da obrigação, faz mister analisarmos ainda que de passagem os fundamentos da irretratabilidade e os institutos relativos a extinção dos contratos.
O princípio pacta sunt servanda figura como um dos vetores do Direito Civil e aduz que as obrigações foram pactuadas para serem cumpridas o que prestigia o princípio da boa-fé contratual e segurança jurídica.
A força vinculante e o caráter irretratável das obrigações decorrem do princípio pacta sunt servanda, o qual, embora tenha tido sua efetividade mitigada pelo novo Código Civil, continua sendo a regra nas obrigações contratuais, ou seja, todas os contratos em regra presumem-se irretratáveis.
O catedrático Sílvio de Salvo Venosa giza singular lição acerca do princípio pacta sunt servanda e a sua efetividade a luz do arquétipo civil e constitucional vigente;
"Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O acordo de vontades faz lei entre as partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória, aliás, como tudo em Direito. Sempre haverá temperamentos que por vezes conflitam, ainda que aparentemente, com a segurança jurídica.
Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto possível a vontade contratual, a intenção das partes.
Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, com princípio, intervir nesse conteúdo. Essa é a regra geral" [02].
Quanto aos institutos relativos a extinção dos contratos, elegemos para tratar no presente estudo os quatro principais meios de extinção, quais sejam, a resolução, direito de arrependimento, resilição e a rescisão.
A cláusula resolutiva é adstrita aos casos de inadimplemento contratual, conforme preconiza o artigo 475 do Código Civil o qual transcrevemos;
"Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos".
A cláusula resolutiva pode ser expressa quando convencionada pelas partes ou pode ser tácita, posto que é presumida em todo contrato sinalagmático, neste sentido são as disposições do artigo 474 do Código Civil;
"Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial".
A resolução encontra aplicabilidade apenas e somente nos casos de significativo inadimplemento contratual. Neste sentido obtempera o ilustre Desembargador Carlos Roberto Gonçalves;
"Sustenta-se que a hipótese de resolução contratual por inadimplemento haverá de ceder diante do pressuposto do atendimento quase integral das obrigações pactuadas, ou seja, do incumprimento insignificante da avença, não se afigurando razoável a sua extinção como resposta jurídica à preservação e à função social do contrato (CC, art. 421)" [03].
O direito de arrependimento, ao contrário da cláusula resolutiva deve estar expressamente previsto no contrato e autoriza qualquer das partes a declinar do acordo unilateralmente, sujeitando-se, porém, a perda do sinal ou a sua devolução em dobro, afastado o direito de pleitear indenização suplementar, nos termos do artigo 420 do Código Civil;
"Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar".
A resilição é o desfazimento do contrato que deriva da vontade das partes e não do inadimplemento contratual, podendo ser bilateral ou unilateral, neste sentido leciona o arguto professor Sílvio de Salvo Venosa;
"O Termo resilição é importado do direito francês. Advertimos, porém, que não é expressão consagrada no passado em nosso meio negocial. Com muita freqüência, as partes, e mesmo a lei, usam a palavra rescisão, para significar a mesma coisa (Lopes, 1964, v. 3:199). A resilição é a cessão do vínculo contratual pela vontade das partes, ou, por vezes, de uma das partes. A resilição é, portanto, termo reservado para o desfazimento voluntário do contrato" [04].
O derradeiro instituto a ser analisado é a rescisão, termo este que no mais das vezes é empregado de forma equivocada em alusão a causas de resolução e resilição. A rescisão ocorre quando da extinção de contratos eivados dos vícios de lesão ou estado de perigo, para elucidar a questão, mais uma vez nos valemos da precisão lição do professor Carlos Roberto Gonçalves;
"Entre nós, o termo rescisão é usado como sinônimo de resolução e de resilição. Deve ser empregado, no entanto, em boa técnica, nas hipóteses de dissolução de determinados contratos, como aqueles em que ocorreu lesão ou que foram celebrados em estado de perigo" [05].
Diante das características dos institutos supramencionados, pode-se concluir que apenas os instrumentos que contenham cláusula que consigne direito de arrependimento ou hipótese de resilição poderão ser considerados retratáveis, pois, tais cláusulas retiram do contrato o seu caráter cogente, mesmo quando impõe algum ônus pecuniário aquele que declina da obrigação como nos casos do exercício do direito de arrependimento.
Outrora, tem-se que a previsão ainda que expressa de cláusula resolutória cumulada com cláusula penal, não retira o caráter irretratável do contrato, uma vez que implica apenas no pré-estabelecimento de um valor inicial a título de perdas e danos em decorrência do inadimplemento de uma das partes, conseqüência lógica da força obrigatória dos contratos.
As cláusulas extintivas da obrigação, deduzidas no instrumento firmado entre a ... e a ... são meramente resolutórias, pois, se referem apenas as hipóteses de inadimplência voluntária ou involuntária da obrigação.
O fato de se encontrar prevista na cláusula décima nona, item 19.01 cláusula penal, também não retira o caráter irretratável da obrigação, posto que conforme redação expressa do dispositivo contratual, o incurso na penalidade ali prevista só se dará no caso de inadimplência.
Ademais, deve-se relembrar que a cláusula resolutiva de acordo com o artigo 474 do Código Civil é tácita, ou seja, ainda que não houvesse cláusula expressa preconizando a extinção do contrato por inadimplência, a resolução poderia se operar.
Portanto resta indubitável que o contrato de locação vigente entre a ... e ... é de cunho irretratável, uma vez que não existe em seu bojo qualquer cláusula (direito de arrependimento ou resilição) que lhe retire esta característica que conforme estudado por nós decorre de lei e é inerente a todo contrato.
Desta sorte, em sendo o contrato em tela irretratável, se encontra atendido mais um requisito para caracterização do instrumento como IRU e conseqüentemente preenchido o atributo controle, indispensável à escrituração do objeto contratado como ativo intangível.
Enfim, torna-se de clareza hialina que o instrumento em análise não reclama ajustes para se caracterizar como IRU e o direito de uso dele decorrente ser escriturado como ativo intangível, sendo assim dispensável a formalização de um novo instrumento contratual.