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A responsabilidade civil das pessoas que perseguem obsessivamente (stalking)

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Agenda 29/10/2017 às 09:44

6. Do impacto negativo do stalking sobre as vidas das vítimas.

O stalking é amparado pela repetitividade, persistência e imprevisibilidade, comprometendo não só a saúde física da vítima, como a mental, o estilo de vida e seu patrimônio.[8]

Comprometendo a Saúde física, temos: distúrbios digestivos, alterações de apetite, náuseas, dores de cabeça, insónias, pesadelos, fraqueza, cansaço, exaustão, alterações na aparência física (exemplo: mudar a cor e/ou cortar o cabelo). Ainda comprometendo a saúde física e, lembrando as hipóteses de lesões por parte do perseguidor, a vítima ainda pode sofrer de hematomas, queimaduras, ferimentos de arma branca e arma de fogo, entre outros.

"O ex-namorado dela tentou matá-la e perseguia-a. Roubou-a, ela descobriu, confrontou-o e ele tentou enforcá-la com um lenço. Os vizinhos ouviram os gritos, veio a Polícia e a Maria apresentou queixa. Uma queixa de que nunca desistiu. Ele chegou a ameaçá-la, dizendo que ia dar ordem ao pittbull que tinha para a matar". (JORNAL DE NOTICIAS, 2015)

A saúde mental: medo, culpa, hipervigilância, desconfiança, sensação de perigo iminente, sentimentos de abandono, desânimo, confusão, falta de controle, comportamentos de evitamento, perturbações de ansiedade, como Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT), Síndrome de Estocolmo[9], depressão, tentativas de suicídio, aumento do consumo de medicação ou automedicação, aumento do consumo de álcool/tabaco, entre outros.

Ontem tive consulta de psicologia. Chorei muito, muito, muito. Tudo porque foi confrontada com a pergunta: "Quais são os efeitos que neste momento ainda sentes por causa desta situação?". Infelizmente os efeitos são muitos, mas referi um muito pesado, muito difícil para mim de falar. Sinceramente nem me apetece escrever aqui. Perdi-me neste processo todo, perdi quem eu era, perdi amigos, liberdade, inocência e esperança no Futuro. Sinto que fui violada, com todo o respeito pelas pessoas que o foram fisicamente. A psicóloga disse-me que era natural que me sentisse assim, porque foi o que de facto aconteceu psicologicamente. Fui desrespeitada e toda a minha vida foi invadida apesar de eu ter deixado bem explícito de que não o queria. Tal como uma violação, sinto que este pesadelo me deixará traumatizada para toda a vida. (PERSEGUIDA, 2011)

Estilo de vida: alteração de rotinas diárias, redução dos contatos sociais abandono e/ou evitamento de atividades sociais, mudança de cidade, de residência, de carro, de número de telefone, e/ou de emprego, aumento de encargos económicos/despesas em resultado da necessidade de adquirir ou reforçar medidas de segurança, como por exemplo, mudar a fechadura de casa, aquisição de alarmes, etc., redução no rendimento/produtividade profissional, académica e/ou escolar, aumento do absentismo e/ou redução da assiduidade diminuição do salário devido a dias de trabalho perdidos, entre outros.

Sou solteira, vivo sozinha e cheguei a sentir medo de vir para a minha própria casa, pois o dito senhor me esperava à porta de casa. Se ia a um café ele aparecia, se ia a um bar ele aparecia, basicamente ele era que nem Deus: omnipresente! tinha 29 anos e estamos a falar de um homem que tinha 30, não estamos a falar de um garoto. (COSTA, 2011)


7. Tipificação penal atual

Atualmente, a conduta de perseguir outrem insidiosamente, constrangendo, intimidando, humilhando ou causando-lhe qualquer espécie de malefício, assemelha-se da contravenção penal elencada no artigo 65 da Lei de Contravencoes Penais, (Perturbação da Tranquilidade). [10]

Podemos concluir, em análise ao instituto que, tendo em vista as contravenções penais serem infrações consideradas de menor potencial ofensivo, pouca foi a importância dispensada ao evento, haja vista existirem inúmeras ofertas de medidas despenalizadoras à disposição do contraventor.

As vítimas seguem desamparadas pelo ordenamento jurídico penal vigente em território nacional. Trata-se de um verdadeiro descaso legislativo que vem, sucessivamente, incentivando o surgimento de novos casos, afinal, os agentes estão cientes que, às chances de acabarem proporcionalmente punidos pelo mal injusto e grave que causam aos seus perseguidos são ínfimas.

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O Projeto de Lei de nº 236 de 2012, que institui o Novo Código Penal, em seu artigo 147, traz o evento como um novo tipo penal com pena de prisão de dois a seis anos, procedendo somente mediante representação do ofendido.

Enquanto não aprovado o Projeto de Lei nº 236/12, as vítimas estão desmuniciadas de mecanismos para proteger os seus bens jurídicos mais íntimos, sendo constantemente frustradas em sua rotina diária.

Nesse norte, a Dra. Natalia Gomes de Vasconcelos e o Prof.º e Me. Marconi Neves Macedo,(2015), salientam:

Partindo do pressuposto do princípio penalista da proporcionalidade, as penalidades atuais consonantes com a legislação vigente (Lei de Contravencoes Penais, Lei Maria da Penha, etc.) se imposta ao Stalker verificam-se inconsistentes e destoantes da função social da pena, devido à tamanha agressão ao direto íntimo e inerente à vítima causada pelo Stalker, visto que são extremamente brandas, não oferecendo a segurança jurídica necessária à dinamicidade na qual se apresenta o Stalking na sociedade. (VASCONCELOS e MACEDO, 2015)


8. Estatísticas e dados mundiais

No Brasil, não há nenhum registro que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou qualquer outro órgão, tenha feito uma única pesquisa sobre o presente tema, enquanto isso, autoridades internacionais, dispõem de dados relevantes.

A Doutora em Psicologia Clínica, Carla Alexandra dos Santos Paiva, pioneira no estudo do stalking na Europa, apresentou em seu trabalho para Universidade de Minho, em Portugal, dados que servirão de parâmetro para considerações no presente estudo. (PAIVA, 2007)

De acordo com os estudos da Psicóloga portuguesa, em 2010, 19,5% dos entrevistados tinham sido vítimas de stalkers em algum momento de suas vidas, em 40,2% das situações o agressor era conhecido, colega, familiar ou vizinho da vítima, em 58,5% das situações, o agressor aparece em locais habitualmente frequentados pela vítima e, 80% das perseguições os assédios persistentes eram diários ou semanais.

As perseguições obsessivas são compostas por uma série de atos indesejados e repetidos. Curiosamente alguns destes atos são existentes em praticamente todas as relações, mudando somente, a frequência a qual se dão.

Podemos concluir questalking vem deixando de ser uma "simples" vigilância exacerbada de outro individuo para dar espaço à violência física e outras condutas ainda mais gravosas.

Ainda nos Estados Unidos, o Centro Nacional de Vítimas de Crimes, situado em Washington, publicou recentemente, em sua página na internet, um artigo (NCVRW Resource Guide) contando com as últimas pesquisas realizadas sobre stalking pelo órgão no ano de 2015. A pesquisa ponderou diversas circunstâncias peculiares sobre o evento em território americano resultando nas seguintes percepções:

É colossal o número de pesquisas internacionais existentes na internet. No Japão por exemplo, os relatos de perseguições aumentaram dez vezes na última década, com mais de 21.000 casos notificados no ano de 2013, (ALJAZEERA, 2014)

Mário Paulo Lage de Carvalho, mestre em medicina legal pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar em Portugal, em seu estudo, reuniu os seguintes dados sobre o Reino Unido em 1998, (CARVALHO, 2010):

4% das mulheres e 1,7% dos homens foram vítimas de perseguições persistentes e não desejadas durante o ano anterior;

Na Alemanha existe um grupo de estudo do stalking, que reportou uma taxa de 11.6% do total de vitimizações existentes;

Os resultados destes dois estudos epidemiológicos europeus são comparáveis aos de estudos similares realizados nos Estados Unidos da América e na Austrália;

Na Itália, o National Statistics Institute (ISTAT) supervisionou um estudo epidemiológico que revelou uma percentagem de vitimização por stalking de 18,8%, numa amostra feminina, na altura da separação e/ou divórcio, e num contexto de violência doméstica;


9. Da Responsabilidade Civil

Segundos Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano a responsabilidade é uma obrigação derivada, (um dever jurídico sucessivo), de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências estas que podem variar de acordo com os interesses lesados. (REIS, 2014 apud GAGLIANO e FILHO, 2009)

A responsabilidade civil esteve sempre presente na história do homem e seu marco foi através da promulgação da Lex Aquilia ainda no Império Romano.

Esta figura clássica do Ordenamento Jurídico Romano foi genericamente incorporada ao nosso Diploma Civil, mais precisamente no artigo 927.

Destarte, para incorrer nas penalidades obrigacionais de reparação de danos causados, é necessário que o agente tenha praticado uma das situações previstas nos artigos 186 e 187 do Diploma Civil, institutos que dizem respeito aos atos ilícitos e os elementos para sua configuração.

Importante lembrar, ainda, que, segundo o Artigo 935 do mesmo diploma, a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.


10. Do ato ilícito em decorrência do abuso de direito

Em análise às disposições retro evidenciados, podemos concluir que há três espécies de ato ilícito previsto no Código Civil, dos quais nos interessam dois:

Stalking é forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos, nessa linha, configura-se sucessivos e repetidos abusos de direito por parte dos perseguidores.

Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a Sociedade permitem.

O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nesta situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade. (FERREIRA, 2013 apud VENOSA, 2003, p. 603 e 604).

A Jornada do Superior Tribunal de Justiça, em seu Enunciado de nº 37, corrobora com vosso entendimento, afirmando que a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

A partir do momento em que os abusos de direitos são praticados pelo perseguidor por exercer seus direitos, como a liberdade de locomoção, excedendo os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, iniciam sucessivas lesões a bens jurídicos de terceiros protegidos por nosso ordenamento jurídico, gerando dano a este, emanando a obrigação de indenizar em decorrência de ato ilícito originado pelo abuso de direito.

Por exemplo: Ligações nos telefones celulares, residenciais ou comerciais, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores e presentes não solicitados, entre outros, exercício em excesso do direito de comunicação, ou, permanência na saída da escola ou trabalho, espera da passagem da vítima por determinado lugar, campana na residência da vítima ou lugares aos quais esta comumente frequenta, frequência no mesmo local de lazer, supermercados, academias, entre outras, exercício exacerbado do direito de locomoção.

Nada impede de o ato ilícito ser configurado pela ação do perseguidor, porém, na maioria dos casos os tribunais já entendem que as perseguições se valem do exercício exacerbado de direitos, como segue:

Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. Stalking. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do stalking. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido. [11]

O julgador, ainda no corpo da sua decisão, faz questão de mencionar a prática do abuso de direito, e acentua, com clareza, quando o agente deu início ao abuso, ou seja, exacerbou o exercício de seu direito:

Decerto que por amor, paixão ou saudade, qualquer pessoa pode (e em muitos casos, deve) tentar por todos os meios reconciliar-se com o objeto de seus sentimentos, mas não se pode fazê-lo a outrance. Há limites e o limite é a integridade psicológica do outro. É a paz interior. O inconformismo do amante não pode se transformar num estorvo nocivo à vida de ex-namoradas, mulheres e companheiras. O limite é o bom senso e aqui o apelante extrapolou do que se considera razoável. Abusou de seu direito de reconquista e, por isso, praticou ato ilícito (artigo 187 do Código Civil de 2002). Evidente, assim, a ocorrência de dano moral.

Ciente que essas comissões persecutórias são consideradas pela jurisprudência atual, um abuso de direito, ainda se faz necessário o estudo das outras elementares que compõe o ato ilícito, (Violação de direito + Dano + Nexo de causalidade), para assim, haver a possibilidade de condenar o agressor à obrigação de indenizar. [12]

Sobre o autor
Bruno Bottiglieri

Advogado. Graduado pela Universidade Santa Cecília. Mestrando no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela mesma universidade.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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