A responsabilidade civil das pessoas que perseguem obsessivamente (stalking)

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29/10/2017 às 09:44

Resumo:


  • O stalking é uma forma de violência em que o agente persegue obsessivamente outra pessoa, causando-lhe transtornos e sofrimentos, e pode se manifestar de diversas maneiras, como perseguições físicas, mensagens incessantes e invasão da privacidade.

  • As vítimas de stalking enfrentam uma variedade de danos, incluindo impactos à saúde mental e física, alterações no estilo de vida e danos morais, muitas vezes levando a uma redução significativa na qualidade de vida e sensação de segurança.

  • A responsabilidade civil surge como um meio de tutelar os bens jurídicos violados pelo stalker, impondo-lhe o dever de indenizar a vítima pelos danos causados, seja por meio de reparações por danos materiais ou morais, e pode ter uma função compensatória, punitiva e preventiva.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

11. Da violação de direitos

A segunda elementar do ato ilícito é a violação de direito. Os bens jurídicos comumente violados pelos perseguidores estão expressamente garantidos pela Magna Carta e também, assegurados em legislações infraconstitucionais, separamos alguns a seguir.

11.1. Da intimidade e da vida privada

Os institutos da intimidade e da vida privada, segundo ensinamentos do Professor Alexandre de Morais, apresentam grande interligação, podendo, porém, serem diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo.

Ainda nas palavras do Professor, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc. (MORAES, 2006 apud FILHO, 1997, p. 35)

Segundo o artigo 21 do Código Civil, nenhum estranho poderá intrometer-se às relações particulares de terceiro, seja no âmbito da intimidade ou, em sentido mais amplo, em sua vida privada. A disposição retro evidenciada não só, garante a inviolabilidade destes direitos personalíssimos, como também, outorga ao magistrado, o cargo de guardião desta inviolabilidade, podendo o ofendido, a qualquer momento, requerer providências a fim de impedir ou cessar ataques.

O artigo 12 da Declaração Universal dos Direito do Homem, instituiu o the right to be alone, em português, o direito de ficar sozinho, ou seja, ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. (UNICEF)

As campanas em frente a residência, trabalho e faculdade da vítima e, a frequência aos locais habitualmente visitados pela vítima como shoppings, mercados, bares e restaurantes configuram sucessivas violações do direito à intimidade e à vida privada.

Mesmo diante de todas essas garantias apresentadas, a vítima, infelizmente, desfruta do contraditório desta explicação, experimentando a violação dos mais íntimos bens jurídicos garantidos ao ser humano, como relata:

Observo para quem entrego meu endereço. Tomo cuidado para quem entrego meu número de telefone. Muito, mais, muito raro, eu dou meu número de telefone para alguém. Eu avisei o casal que são meus vizinhos que se eles virem alguma pessoa, era para ligar imediatamente para os policiais.(CHESTER, 1999, p.64, [tradução nossa])

Na atualidade, o ciberstalking tem grande influência nessas constantes violações, o acesso a dados de amigos, relações familiares, fotos, preferências artísticas, musicais e comerciais, dados profissionais, afazeres diários entre muitas outras, tornando a vítima vulnerável para os mais variados ataques.

Merece destaque que, no ano de 2015 no Brasil, deu-se início a um gigantesco número de reclamações na Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo - PROCONSP. (G1 SÃO PAULO, 2015)

Clientes de prestadoras de serviço de telefonia, internet e tv à cabo se queixaram de incessantes assédios por parte de atendentes de telemarketing.

Diante dos contatos telefônicos realizados por clientes pelos mais variados motivos consumeristas, os atendentes de telemarketing, se valendo dos dados pessoais dos consumidores facilmente disponibilizados em tela pelo sistema interno da empresa, começaram a entrar em contato com estes em seus telefones particulares, desferindo cantadas, mensagens inconvenientes e até, de conotação sexual.

Os funcionários flagrados assediando consumidores em seus números de telefones particulares, violam preceitos básicos da intimidade, da vida privada e, principalmente o the right to be alone.

Destacamos que esta responsabilização do caso retro evidenciado segue amparada pelo manto do Estatuto Consumerista, ou seja, com advento responsabilidade objetiva patronal.

Na prática, a empresa responderá independente de culpa perante atos lesivos ao consumidor, praticados por seus funcionários, preceito este, que é expressamente reconhecido pelo artigo 932, inciso III, combinado com artigo 933, ambos do Código Civil.

11.2 Da honra e da imagem

Assim como a intimidade e a vida privada, a honra e a imagem também se encontram dentro do rol de Direitos da Personalidade, e estão interligadas, costumam ser alvo de ataque por parte de perseguidores e estão previstas no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal.

A honra se trata de um conjunto de conceitos positivos atribuídos a um ser humano pela sociedade. A boa fama e a respeitabilidade são classificados como corolários à honra e também merecem destaque.

Há uma conexão explícita entre a honra e a dignidade da pessoa humana, logo, uma pessoa vítima de ofensa à sua honra, não tem por reconhecida sua dignidade como cidadão. É neste norte que o Pacto de San José da Costa Rica, recepcionado pelo Brasil, institui que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

A honra dispõe tanto de proteção na esfera penal, (sendo protegida de injúrias, calúnias e difamações), como na esfera civil, (direito à reparação do dano) e, de acordo com Nelson Rosenvald e Cristiano Farias, a “honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade”.

Ao contexto do presente estudo, pode-se impedir alguém de usar a imagem de uma pessoa sem o consentimento desta, é neste norte que o artigo 20 do Código Civil protege a imagem.

Um exemplo atual de violação simultânea da honra e da imagem, são as extorsões praticadas por ex-companheiros. O agente deixa de divulgar imagens íntimas de seu ex-parceiro em troca da vítima continuar relacionando-se com o perpetuador, conseguindo desta forma reatar seu relacionamento ilicitamente:

Um dia, um amigo meu manda-me uma sms a perguntar-me se eu tinha aberto uma pag no site Tagged. Eu respondi-lhe que não. E ele voltou a responder-me mandando-me o endereço directo. Quando cheguei a casa, escrevi o endereço e qual a minha supresa. Estavam 36 fotografias, umas minhas, outras que ele me tinha tirado sem eu saber, outras não sendo minhas, expostas naquela pag., cuja apresentação constava eu ser bissexual, estar interessada em ter relações sexuais com homens ou mulheres, casados/as, divorciados/as, solteiros/as, etc, com comentários às fotos e com imagens que eram um autêntico atentado à minha pessoa e integredidade física, moral e psicológica. (COSTA, 2012, sic.)

Talvez, a publicidade de vídeos e fotos íntimas adquiridas na consonância do relacionamento seja o método mais popular e gravoso de atingir a honra e a imagem da vítima na atualidade.

As exposições de vídeos íntimos em sites pornográficos são diárias, merecendo punições de acordo com o gravame atribuído a vida pessoal da vítima, afinal, atitudes como esta, geram efeitos permanentes à intimidade da pessoa.

11.3 Direito à vida e a saúde

O Direito à vida é, logicamente, o mais importante bem jurídico tutelado pela Constituição Federal de 1988 sendo previsto e protegido à luz do artigo 5º caput, afinal, de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos sem elencar a vida como o principal deles.

Alegar que as perseguições não estão diretamente ligadas a vida da vítima seria um grande equívoco. Como no mencionado no capítulo 1.6 deste trabalho, as perseguições servem de introdução para algo muito mais grave se não interrompido.

Constantemente ameaçadas, estas vítimas perdem suas vidas para seus perseguidores ou, abrem mão destas através do suicídio. Isso, são consequências de transtornos adquiridos na consonância das perseguições, estas disposições confluem-se com o direito a integridade moral, prevista no Art. 5º, V e X da Constituição Federal e que será tratado em um momento mais oportuno.

Com o objetivo de provar a potencialidade da conduta, trazemos a história da bailarina Ana Carolina Vieira, brasileira, 30 anos, que foi assassinada em 4 de novembro de 2015 pelo ex-namorado que chegou a confirmar a um jornal de grande circulação que matou Ana Carolina por estrangulamento e que o motivo seria ciúme.

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Amigos e parentes diziam que Ana Carolina reclamava há um mês da pressão do ex-namorado. "Ela falou que ele estava ligando demais e importunando." Uma tia e uma prima da vítima confirmaram as queixas. "Ele já ligou 100 vezes no mesmo dia para ela". (FELIX, 2015)

São casos como o de Ana Carolina que comprovam o perigo ao direito mais básicos inerentes ao ser humano, que é a vida, assim, por mais implícito que este preceito esteja instituído, consagra-se desta forma, a garantia de que nenhum particular poderá prejudicar a saúde física ou psicológica de terceiro.

Segundo os relatórios da Doutora Carla Alexandra dos Santos Paiva, a maioria das vítimas de stalking procuram tratamentos psicológicos para combater os medos, anseios e outros malefícios trazidos pelo evento ora estudado. Como prova:

Letícia chegou bastante tensa à sessão de terapia. “Estou à beira do desespero. Há três meses, desde que terminei minha relação com Mário, não tenho sossego. No início, pensei que fôssemos ficar amigos, afinal, foram quatro anos de vida em comum. Mas não tem jeito, ele não se conforma com a separação. Ontem, quando cheguei do trabalho, mais uma vez levei um susto tão grande que meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu estava abrindo o portão do meu prédio, quando ele pulou na minha frente. Tinha ficado me esperando escondido atrás das árvores. Isso sem falar nos inúmeros recados que deixa no meu celular e os bilhetes na caixa de correio do prédio. No trabalho, quando saio para almoçar, já vou com medo. Já o vi algumas vezes à espreita. A sensação é que estou sendo perseguida 24 horas por dia. Tenho pesadelos com ele entrando no meu quarto e me enforcando. A minha vontade é de desaparecer. Socorro!"Este é um caso de stalking. (IG, 2010)

11.4 Direito à liberdade

Princípio significante para digna existência humana e, previsto no artigo 5º caput, inciso XV e LXI da Constituição Federal, a liberdade se caracteriza pela faculdade de realizar ou deixar de realizar atos de sua vida sem a interferência do Estado ou de terceiros.

Esta é a maior fonte de supressão do perseguidor - o direito de liberdade de locomoção - é comumente abdicado pela vítima, vencida pelo medo e pela incerteza da sua rotina diária.

Na prática, as pessoas perseguidas deixam de praticar atos ou deslocar-se para evitarem incessantes perseguições, logo, acabam por aprisionarem-se em suas residências, deixando de trabalhar, sair com outras pessoas ou estudarem, como segue:

Fui para a casa da minha avó e vivi com ela por um tempo. Ele parava em frente a minha casa, ligava para mim no trabalho ameaçando me matar."Você não pode me largar. Eu não vou deixar você me abandonar. Eu vou te matar". E daí eu comprei meu próprio apartamento e a mesma coisa aconteceu, ele estava com o carro estacionado lá fora me procurando por aí. Uma vez eu e um amigo saímos por uma hora para a casa da minha mãe e ele estava tentando nos jogar para fora da estrada. Finalmente eu consegui uma ordem de restrição. (Chester, 1999, p.33, [tradução nossa])

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Sobre o autor
Bruno Bottiglieri

Advogado. Graduado pela Universidade Santa Cecília. Mestrando no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela mesma universidade.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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