12. Do dano
É a penúltima elementar para caracterização do ato ilícito e, consequentemente, o último requisito para emanar o dever de reparação.
O dano, do latim damnu, é a lesão ao bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico, para ser indenizável ou responsabilizado, deverá ser real, atual e certo. É possível haver ilícito sem dano, ou seja, há ação e há violação de direito, mas esta última, não foi suficiente para gerar dano.
O dano é gênero e possui duas espécies distintas: dano patrimonial e extrapatrimonial.
12.1 Do dano patrimonial
Consiste no resultado do prejuízo experimentado por terceiro diante de ação, omissão antijurídica ou abuso de direito por parte do agente. É a consequência da diminuição ou deterioração do patrimônio do sujeito.
Assim, o Código Civil dispõe sobre as modalidades de danos patrimoniais no Art. 402, diante da redação deste dispositivo, emanam duas subespécies de dano patrimonial, o dano emergente e o lucro cessante.
Os danos emergentes são os prejuízos materiais efetivamente experimentados pelo lesionado. Nos dizeres de Silvio de Salvo Venosa, é a que mais se realça a primeira vista, o chamado dano positivo, que traduz uma diminuição do patrimônio, uma perda por parte da vítima. Sendo geralmente, na prática, o dano mais facilmente avaliável, porque depende exclusivamente de dados concretos. (CARVALHO, 2011)
Muitas vezes, a vítima se sujeita a uma série de estratégias evasivas para esquivar-se das incessantes perseguições, procura alterar sua rotina e seu estilo de vida, em consequência, sofre um considerável aumento em seus encargos econômicos.
Outro fato notório a ser considerado são os sucessivos decréscimos patrimoniais em decorrência de lesões às propriedades e objetos da vítima, bem como as inúmeras despesas com medicamentos, tratamentos médicos e psicológicos. Nesta senda:
Ele invadiu minha privacidade de novo. Minhas amigas são putas, falam de homens, brincam sobre a beleza deles. Eu sou puta, eu entrei na brincadeira. Eu não sou gente, não sou digna de estar com uma pessoa como ele. Dessa vez, xingamento não foi o limite, fui empurrada da casa, bateu no carro com a mão ao ponto de amassar, meu celular sentiu a queda até o chão inúmeras vezes até um amigo separar. (JORGE, 2016)
Como o objetivo principal da reparação do dano material é reintegrar aquela parcela perdida do patrimônio da vítima, é necessário que esteja devidamente comprovada todas essas perdas. Só assim poderá o magistrado incumbir alguém da reparação ao status quo ante. Sobre despesas médicas da vítima, a artigo 949 do Código Civil é autoexplicativa, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Deve-se restar clara e detalhada as provas ao Juízo competente todos os danos sofridos em decorrência do abuso de direito, não se pode se presumir o dano, é esse o entendimento unânime da jurisprudência que, visa, coibir o enriquecimento ilícito ou sem causa[13]. Não existe estimativa de dano material.
A segunda subespécie de dano patrimonial, lucro cessante, consiste no que a vítima significativamente deixou de ganhar em decorrência do ato praticado pelo seu perpetuador.
Deste modo, a responsabilidade civil abrange não somente a diminuição do patrimônio da vítima, mas também, tudo que a vítima teria ganho se não houvesse sido praticada a injusta agressão aos seus direitos.
Previsto na segunda parte do artigo 402 do Código Civil, também é caracterizado pela necessidade de prova contundente do dano a fim de impossibilitar o enriquecimento ilícito ou sem causa, só assim, poderá o magistrado arbitrar o valor que a vítima realmente deixou de ganhar.
Assim é entendido pelo Superior Tribunal de Justiça, “o lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória."[14]
Trazemos ainda como exemplo, a perda de produtividade da vítima em seu ambiente profissional por influência das perseguições ou até a demissão desta em decorrência de vexames e transtornos experimentados em seu local de trabalho.
O que ele pretendia: destrui-me em termos de carreira e pessoalmente, porque me disse uma vez que me havia de destruir. Felizmente, o meu chefa da altura foi compreensivo e aconselhou-me a concentrar-me no trabalho e esquecer o resto. Como sou professora contratada, infelizmente não consegui ficar mais tempo na escola onde me encontrava. (COSTA, 2012, sic)
Os lucros cessantes possuem, ainda, um novo desdobramento chamado: a perda de uma chance.
Se trata da perda de uma oportunidade ou expectativa perdida em decorrência do ato violador. Segundo Venosa, no exame dessa perspectiva, a doutrina aconselha, efetuar o balanço da das perspectivas contra e a favor do ofendido. Da conclusão resultará a proporção para ressarcimento.
Outrossim, devemos nos ater às características retro elencadas do dano, (deverá ser real, atual e certo), não devendo se admitir indenizações por prejuízos hipotéticos, vagos ou genéricos.
É possível que a perda de uma chance possa ser incorporada a uma ação de reparação de danos patrimoniais ajuizada por uma vítima de stalking, o motivo mais provável para um pedido desta natureza, seriam as inúmeras oportunidades de empregos ou negócios perdidos pela vítima em decorrência de atos vexatórios praticados por perseguidores como escândalos, calúnias, difamações e injúrias em público, como segue:
No meu caso em particular, falo de alguém q tudo fez para me prejudicar. De alguém q, deliberadamente, elaborou um plano para me destruir pessoal, social e profissionalmente. (COSTA, 2012, sic.)
A reparação do dano material é proveniente da perda significativa do patrimônio do ofendido, estas, como evidenciado, deverão ser devidamente instruída de provas, comprovando de forma líquida e certa, todos os prejuízos sofridos.
A reparação dos danos materiais possui três especificidades distintas: indenizatória, ressarcitória e de equivalência.
12.2 Do dano extrapatrimonial
O dano extrapatrimonial abrange duas espécies, o Dano Estético, instituto novo que em suma, se trata do dano à beleza física da pessoa, que não merece atenção em nosso estudo pois, pode até subsistir no âmbito das perseguições mas, ocupa uma frequência menor que o Dano Moral, a segunda espécie de dano extrapatrimonial que será amplamente explorado a seguir, ápice de todo nosso estudo, observado ser o maior resultado das perseguições, o dano moral desintegra um conjunto de direitos inerentes a pessoa.
12.2.1 Do Dano Moral
Este, sem dúvida, é um dos institutos mais discutidos no Diploma Civil atual e, uma ferramenta indispensável para responsabilizar o perpetuador por todos os danos não abrangidos pelo dano emergente e pelo lucro cessante.
O dano moral se trata de uma lesão que afronta os direitos mais básicos de um sujeito em meio ao seu convívio social, os direitos da personalidade. Segundo obra coordenada por Wander Garcia, consiste na ofensa ao patrimônio moral da pessoa, tais como nome, a honra, a fama, a imagem, a liberdade de ação, a autoestima, o respeito próprio e a afetividade. (GARCIA, 2015)
Certo, é que, a vítima do dano moral não busca a indenização como fim de reparação de seu sofrimento, mas pretende aliviar parcialmente as consequências da ofensa, devendo assim ser tratada com cautela pelo poder judiciário e pelos operadores do Direito, que muitas vezes não possuem sensibilidade o bastante para mensurar sua aflição. (NETTO, 2015)
O artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso X, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e/ou moral decorrente de sua violação.
Sérgio Cavalieri ensina que só se deve reputar como dano moral, verbis:
(...) a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso diaadia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (TRENTIN e DUTRA, 2012 apud GONÇALVES, 2003, p. 549 e 550)
Medo, culpa, hipervigilância, desconfiança, sensação de perigo iminente, sentimentos de abandono, desânimo, confusão, falta de controle, comportamentos de evitamento, perturbações de ansiedade, como Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT), depressão, tentativas de suicídio, aumento do consumo de medicação ou automedicação, aumento do consumo de álcool/tabaco, vinculação de notícias e fotos íntimas ou falsas, injúrias, calúnias, difamações, entre muitos outros ônus são consequências arcadas pela vítima de perseguições e merecem serem reparadas e ressarcidas em sua integralidade.
Todos esses resultados deverão ser analisados criteriosamente pelo magistrado, haja visto, a subjetividade e delicadeza que lhe é atribuída ao caso concreto.
Tendo em vista as perseguições serem constituídas de uma série de atos coordenados que abalam moralmente a vítima, se o espectador, equivocadamente olhar para um único incidente, talvez não identifique a real proporção do problema.
É por este motivo que o presente estudo se faz necessário, através de uma exposição massiva dos prejuízos, das consequências e da complexidade do fenômeno, poderão os operadores do direito no âmbito de suas atribuições, quando se depararem na prática com o fenômeno, ter uma melhor perspectiva sobre como solucionar a questão ou, no caso em destaque, discutir o melhor quantum indenizatório.
Só porque uma mulher não tomou um soco no rosto não significa que ela não está sendo perseguida, assassinada ou qualquer outra coisa, mas existem muitas outras maneiras que você pode contar. Se há um comportamento consistente, você sabe, se há uma linha de eventos habituais de diversão, e isso é basicamente stalking. É uma série de eventos isolados que culminam em algo que faz sentido. (...) Mas então, como o meu amigo disse: "Se você olhar para cada incidente ao longo dos cinco meses que ocorreram, você vê um padrão claro". E é isso que as pessoas de justiça penal não entendem. Eles não sabem nada sobre isso. (CHESTER, 1999, p.35, [tradução nossa])
Destarte, o magistrado deverá avaliar em conjunto todo conteúdo probatório apresentado pelo Requerente, sopesando a cada violação, se este dano merece repercutir no âmbito da responsabilidade civil, caso contrário, iremos nos deparar com a figura no mero dissabor.
O mero dissabor, ou mero aborrecimento, consiste na efetiva violação de direito de um sujeito, causando dano a este mas, insignificante do ponto de vista da tutela jurisdicional.
O mero dissabor não possui previsão legal, mas sim, jurisprudencial, e foi fruto de um combate dos Tribunais contra a famosa indústria do dano moral e do enriquecimento sem causa, onde agentes se aproveitavam de pequenos danos à sua moral para adquirir, por parte do Poder Jurisdicional, uma indenização descabida em comparação com a lesão sofrida.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, através do Resp. 1.399.931-MG, entende que meros dissabores normais e próprios do convívio social, não são suficientes para originar danos morais indenizáveis. Assim apresenta-se a figura do mero dissabor no âmbito das perseguições nos tribunais:
DANOS MATERIAIS E MORAIS. FIM DE NAMORO. PERTURBAÇÕES. MENSAGENS E TELEFONEMAS CONSTRANGEDORES. DISSABORES.
1. Sete mensagens enviadas para o celular do ex-namorado, e, frise-se, somente para seu celular, não têm o condão de gerar ofensa ao seu direito da personalidade. (...) No caso em comento, embora evidenciada o envio de mensagens via telefone móvel, não se pode concluir pelo abalo aos direitos da personalidade de qualquer das partes (...) Reconhece-se que houve aborrecimentos consideráveis, porém esses fatos são característicos da ruptura de relacionamento afetivo, que, em regra, são circunscritos por mágoas e ressentimentos, circunstâncias que não são suficientemente idôneas para gerar o abalo moral. (...) Dano material igualmente não configurado.[15]
É necessário muito cuidado ao caracterizar o mero dissabor, visto que, caso não o seja, além da sensação de injustiça experimentada pelo autor vencido da demanda indenizatória, sua Moral restará fragilizada.