A responsabilidade civil das pessoas que perseguem obsessivamente (stalking)

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29/10/2017 às 09:44
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13. Nexo de Causalidade

O nexo de causalidade é considerado o liame entre os abusos ou atitudes violadoras cometidas pelo agente e o dano experimentado pela vítima. É elementar, ou seja, requisito necessário para configuração do ato ilícito e, consequentemente, requisito.

Em suma, a responsabilidade só se caracteriza quando o dano foi causado pela conduta do agente, caso contrário, não será possível responsabilizar o agente pelo prejuízo experimentado.


14. Da Reparação (Indenização)

A indenização por violações de direitos, que resultem danos patrimoniais, não gera maiores repercussões no mundo acadêmico pois, uma perícia técnica ou despesas devidamente comprovadas numa demanda, liquidam os danos materiais e os tornam exigíveis.

Já a indenização por violação de direitos, que acarretem em danos extrapatrimoniais, possui divergências significantes no âmbito da jurisprudência e doutrina, mas, Atualmente, não restam mais dúvidas sobre a possibilidade de ser responsabilizado por prejuízos a moral de uma pessoa, mas, as oito assertivas ainda demostram as dificuldades de se calcular um bem jurídico interior e totalmente subjetivo.

Conclui-se, portanto, que a reparação não é só possível, como necessária, porém, o magistrado, detendo-se na análise do caso concreto, deverá dispor dos valores ou interesses que motivaram ou estimularam as disposições normativas existentes para decidir o litígio daquela forma, no caso concreto, ao patamar daquela indenização. (NETO, 2015 apud SANCHÍS, 1987, p.35)


15. Do cálculo da indenização em decorrência de prejuízo moral

A princípio, não existem parâmetros ou critérios legais objetivos para mensurar o dano sofrido pela vítima. Sabe-se que os danos morais são verdadeiras marcas nos sentimentos mais íntimos da pessoa, tendo em muitos casos inclusive, um reflexo negativo em sua vida pessoal, que poderá se arrastar até o fim desta.

Enquanto a indenização decorrente de danos materiais exercer função de recompor o patrimônio perdido da vítima, no caso dos danos morais, a indenização possui função dúplice, compensatória, punitiva, ou seja, compensar a vítima pelo prejuízo sofrido e punir o agressor pela injusta agressão ao bem jurídico violado. Há julgados que foram estudados e serão expostos a seguir, que entendem por uma função tríplice, compensatória, punitiva e preventiva, esta última, com o objetivo de inibir novas violações.

O judiciário brasileiro, comparado com o americano, ainda é muito tímido com relação ao cálculo das indenizações mas, ao longo dos anos, vem incorporando ao cenário das indenizações à guisa de reparação de danos morais, a teoria do punitive damage, também conhecida como teoria do valor de desestímulo, esta, basicamente consiste em adicionar uma função ainda mais punitiva com o intuito de prevenção, majorando o valor da indenização, com o propósito de que o agente não reincida na prática do ato violador.

Carlos Alberto Bittar, salienta:

Nesse sentido é que a tendência manifestada, a proposito, pela jurisprudência pátria, é da fixação de valor de desestímulo como fator de inibição a novas práticas lesivas. Trata-se, por tanto, de valor que, sentido no patrimônio do lesante, possa fazê-lo conscientizar-se de que não deve persistir na conduta reprimida ou, então, deve afastar-se da vareda indevida por ele assumida. [16]

O Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de explicitar, em várias ocasiões, a importância da teoria do desestímulo para as indenizações em decorrência de danos morais.

Em caso interessante, um bicheiro carioca, enciumado porque sua mulher teria trocado olhares com um estudante de engenharia de 22 anos, o perseguiu, junto com seus seguranças, e disparou vários tiros, deixando o rapaz paraplégico. A indenização por dano moral, no caso, foi fixado em 1.500 salários mínimos. Segundo o Ministro, em seu voto, a indenização "deve procurar desestimular o ofensor a repetir o ato". [17]

Mesmo tendo o Superior Tribunal de Justiça declarado seu apoio a teoria, os magistrados de primeiro grau de jurisdição ainda se baseiam no binômio razoabilidade X proporcionalidade, onde a compensação do ofendido deve ser razoável e dependente da possibilidade econômica do violador.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, foi um dos primeiros Tribunais a consolidar a condenação de ex-companheiros que expuseram indevidamente imagens após o término de seus relacionamento, atitude conhecida nos Estados Unidos como revenge porn, em português, "vingança pornográfica", atitude usualmente cometida por stalkers.

A Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, manteve a condenação de dez mil reais à guisa de reparação de danos morais onde à ré e apelante, enviava para a família e amigos do ex-marido, e-mails com conversas e fotos íntimas entre ela e o rapaz, atitude típica de perseguidores. (COMUNICAÇÃO SOCIAL TJSP, 2015)

Dez mil reais podem parecer valores significativos, mas, não é de difícil compreensão que, a exposição da intimidade de um sujeito nesta proporção perdurará muito mais tempo do que o alcançado pela indenização. Em entendimento contrário segue a Corte Americana que, aplica multas e indenizações de valores catastróficos aos infratores.

Como as indenizações abrangidas radicalmente pela teoria do desestímulo têm por objetivo inibir a prática de novas exposições pelo agente violador, caso isto não ocorra, surge a banalização da ofensa, como no caso do revenge porn, o exemplo é o site myex.com[18].

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No âmbito das perseguições, nos Estados Unidos, James L. Dingwall, de 72 anos, perseguiu e assediou a filha de seu falecido amigo na Flórida.

E-mails para vítima com frases de conotação sexual como, "Eu morreria com um sorriso no rosto após fazer sexo com você", oferecer dinheiro para se relacionar sexualmente com a adolescente, constantes ameaças caso se recusasse seus convites, e também, a abertura de contas bancárias no nome desta para convence-la de seus convites sexuais, tudo isso foi feito por Dingwall.

Em resposta a injusta perseguição da adolescente, a justiça americana, em 2012 o condenou ao pagamento de 4,8 milhões de dólares à título de repreensão e compensação pelos transtornos causados à vítima. (G1- GLOBO, 2012)

Talvez, diante da falta de precedentes em nosso Judiciário, do pouco conhecimento sobre o stalking no Brasil e, do manto de subjetividade que agasalha o tema, é extremamente difícil elaborar um parâmetro à ser seguido pelo magistrado ao calcular o dano experimentado pela vítima, mas, desde já, podemos afirmar, que ainda estamos muito longe das catastróficas indenizações americanas.

Importante esclarecer, um valor exorbitante como o arbitrado à Dingwall, também deixa de ser adequado, até porque, sabe-se que na maioria dos casos, este montante nunca será adimplido, mesmo em fase de cumprimento forçado de sentença.

O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Dr. Marco Antonio Ibrahim, em sede de Decisão, da uma verdadeira lição sobre a timidez ao mensurar indenizações:

A verdade é que a timidez do juiz ao arbitrar tais indenizações em alguns poucos salários mínimos, resulta em mal muito maior que o fantasma do enriquecimento sem causa do lesado, pois recrudesce o sentimento de impunidade e investe contra a força transformadora do Direito. A efetividade do processo judicial implica, fundamentalmente, na utilidade e adequação de seus resultados.[19]

Em estudo aos únicos casos levados à apreciação do Poder Judiciário, e muitos outros que se assemelham pelo modus operandi do agressor, danos e resultados experimentados pela vítima, encontramos alguns arbitramentos que merecem destaque:

Tribunal de Justiça do Distrito Federal - Sete mensagens enviadas para o celular do ex-namorado, e, frise-se, somente para seu celular. Assim, certo é que o conteúdo dos recados enviados não se qualifica como atos lesivos ao seu direito da personalidade. Reconheceu-se que houve aborrecimentos consideráveis, porém, esses fatos são característicos da ruptura de relacionamento afetivo, que, em regra, são circunscritos por mágoas e ressentimentos, circunstâncias que não são suficientemente idôneas para gerar o abalo moral. Em primeiro grau foram julgados improcedentes os pedidos formulados na inicial, (dano moral e dano material), e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), o Tribunal conheceu do apelo da vítima e autora da demanda e negou-lhe provimento. [20]

Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Término da sociedade conjugal. Importunar de forma agressiva e ostensiva a autora. Stalking. Perversidade. Tentativa de desqualificar a autora perante seu círculo. Compeli-la a desistir de alimentos fixados na separação judicial. Violação da privacidade e intimidade da apelada e constrangimento por ela suportados, com consequente dano psicológico-emocional. Em primeiro grau o Réu foi condenado ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à guisa de danos morais, corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, contados da data da decisão, condenando-o, ainda, ao pagamento das custas judiciais e honorários de sucumbência, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Tribunal manteve a decisão de primeiro grau.[21]

Tribunal de Justiça do Estado do Acre - A autora, que era amante, demonstrou a existência de dano a ensejar o respectivo valor da indenização, pois sua rotina pessoal teria sido alterada pelo episódio de que participara, em face da sua mudança de domicilio para outro município, em vista da situação vexatória pela qual passou, (Agressões verbais e físicas em local público envolvendo Esposa e o Marido infiel). Mantida a decisão monocrática do Juízo de primeiro grau que condenou os Apelantes Agressores ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à título de danos morais solidariamente. Tribunal manteve a decisão monocrática de primeiro grau por unanimidade. [22]

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Inconformado com o rompimento do relacionamento e sua condenação a prestar alimentos à ex-esposa, o Réu teria dado início a uma série de atos de perseguição, tanto em seu local de trabalho, quanto em sua residência, enviou diversos e-mails e telefonemas, alguns com conteúdo ameaçador, culminando agressão ao casal e danos materiais aos veículos de ambos. Em primeiro grau o Réu foi condenado em R$ 19.000,00, (dezenove mil reais), quantia que deverá ser atualizada a partir da data do julgado até o efetivo pagamento, acrescida de juros de 1% ao mês, contados da data da mensagem ofensiva e ameaçadora mais antiga.[23]


CONCLUSÃO

O Stalking, e a falta de sua previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, é um problema que enfrentamos na atualidade e que merece, por parte de nós, operadores do Direito, solucioná-lo efetivamente.

Tendo em vista as peculiaridades do caso ora em tela, não restam dúvidas que o instituto da responsabilidade civil é o único recurso jurídico hábil a repelir e reparar as injustas agressões comumente praticadas no âmbito das perseguições. Isto porque a prática forense vem ao longo dos anos provando que a pena pecuniária é mais eficiente que a restrição da liberdade, concluindo-se pela maior efetividade da responsabilidade civil face a penal.

A inexistência de parâmetros ou critérios legais para mensurar o dano sofrido pela vítima e, sabendo que os danos morais são verdadeiras marcas nos sentimentos mais íntimos da pessoa, as vítimas, e seus respectivos casos, merecem uma atenção maior, evitando-se, assim, consequências mais graves durante o desfecho da lide.

Somente após um estudo aprofundado sobre a complexidade e potencialidade do fenômeno stalking, uma análise criteriosa dos prejuízos experimentos pela vítima e a aplicação efetiva da teoria do desestímulo no caso concreto, podemos chegar a uma solução efetiva, bem como, a um patamar justo da pena civil. Isto porque um quantum indenizatório apropriado afasta o sentimento de impunidade, investe a força transformadora do direito, transparece a utilidade e adequação do processo judicial e, por último, manifesta a todos a mais almejada sensação de Justiça.

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Sobre o autor
Bruno Bottiglieri

Advogado. Graduado pela Universidade Santa Cecília. Mestrando no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela mesma universidade.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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