INTRODUÇÃO
O presente texto tem por escopo trazer uma breve impressão a respeito da viabilidade ou não de ocorrência do Tribunal do Júri no âmbito da Justiça Militar da União. Convém ressaltar que não há a pretensão de exaurimento do tema, mas a de chamar a atenção do leitor à relevância social do mesmo.
Desse modo, convém ressaltar a grande mudança provocada na Justiça Militar da União pela Lei 13.491/17, a qual aumentou sobremaneira a quantidade crimes militares, por meio de nova redação ao art. 9º, II e §§1º e 2º do Código Penal Castrense, os quais serão vistos mais detidamente ao longo do presente texto.
DESENVOLVIMENTO
Realizando uma breve digressão, relevante mencionar que a lei 9.299/96, que alterou dispositivos dos códigos penal e processual penal militar, retirou a competência da Justiça Militar para o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis, ainda que em serviço (STF, 2ª Turma, HC 76.510/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 15/05/1998 p. 44)
Nesse contexto, destaca-se que o art. 82, §2, do Código Adjetivo Castrense, possui a seguinte redação:
Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz: (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 7.8.1996)
...
§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.299, de 7.8.1996)
Nesse contexto, ressaltando respeito a posicionamentos doutrinários em sentido diverso, defende-se no presente texto que, consoante análise do texto da Constituição Federal, o Tribunal do Júri encontra-se no rol de incisos de seu art. 5º, sendo possível inferir que consubstancia-se em um direito fundamental do cidadão, além de inegável instrumento de concretização da democracia.
Nesse diapasão, imprescindível realizar uma explanação sobre o previsto na Carta Magna, considerando a inegável Constitucionalização de todos os ramos do Direito. Desse modo, a Constituição prevê em seu art. 124, caput que: À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei .
Pertinente ressaltar que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/04, houve a chamada Reforma do Poder Judiciário, a qual provocou, entre tantos feitos, importante mudança relativa à Justiça Militar Estadual, tendo olvidado-se, com irrazoável discrímen, da Justiça Militar da União.
Assim, no que concerne à Justiça Militar Estadual, houve inclusão entre as suas competências, de transgressões disciplinares e ressalva expressa à competência do Tribunal do Júri em julgamento de crimes dolosos contra a vida de militares contra civis. In verbis:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
...
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil , cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (grifo meu)
Nesse contexto, convém trazer a atual redação do supracitado art. 9º do Código Penal Militar (CPM), em virtude de mudança legislativa acarretada pela lei 13.491/17:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
...
II os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
§... 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
I do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
II de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
III de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
A respeito do artigo em tela, imprescindível trazer apontamento presente na obra de Cícero Robson Coimbra Neves:
Não há razão, portanto, para aceitar aplicação do §1º do art 9 do CPM, trazido pela Lei n. 13.491/17, na Justiça Militar da União, porquanto se conclui que está incluída na jurisdição penal militar federal a possibilidade de processar e julgar todos os crimes sem exceção, nem mesmo aquela pretendida por esse parágrafo, pela flagrante inconstitucionalidade da norma.
Alternativamente, no entanto se se buscar a sobrevivência do §1º para a Justiça Militar da União, há de se sustentar que o Tribunal do Júri é um órgão de julgamento que nela pode tomar corpo. Essa realidade, note-se, não feriria o art. 124 da Constituição Federal, que, de maneira singela, apenas fixa a competência criminal sem discriminar órgão de julgamento.
Ressalta-se que já houve pronunciamento do Superior Tribunal Militar (STM) a respeito do assunto em distintas ocasiões. Nesse contexto frisa-se que, mesmo que de forma minoritária, posicionou-se no sentido da possibilidade de implementação do Tribunal do Júri na Justiça Militar da União. Assim, traz-se à baila trecho extraído da Apelação n. 7001037-23.2018.7.00.0000. Ressalta-se que o posicionamento favorável revelou-se através de voto do Ministro Artur Vidigal, acompanhado pelo Min. José Barroso, do qual destacam-se os seguintes trechos:
...tanto o Tribunal do Júri quanto a Representação para Declaração de Indignidade ou de Incompatibilidade para com o Oficialato encontram previsão na Constituição Federal, mas não constituem uma instância judicial. São nada mais que tipos de procedimentos. A Declaração de Indignidade é restrita à Justiça Militar em razão da sua competência. O Júri, contudo, pode ser instalado tanto na Justiça comum quanto nas especializadas, a depender das circunstâncias em que se deram o crime doloso contra a vida.
...a especialidade desta Justiça Castrense não afasta a competência do Júri, porquanto este pode ser instalado em qualquer órgão do Poder Judiciário, desde que observada a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, conforme previsto na Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Diante da explanação trazida, é possível inferir ser mais razoável, até mesmo para garantia de constitucionalidade da redação dos dispositivos do art 9º do CPM modificados pela Lei n. 13.497/17, a admissão do Tribunal do júri na Justiça Militar da União. Nesse sentido, trata-se de instituto passível de figurar em distintos ramos do poder judiciário, por configurar um procedimento e uma garantia constitucionalmente prevista, fato corroborado pela sua localização topográfica na Carta Magna (no rol de Direitos e Garantias Fundamentais)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Volume Único. 8ª edição. 2020. p. 1441
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Marcelo Streifinger. Manual de Direito Penal Militar. 5ª edição. p. 44
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Marcelo Streifinger. Manual de Direito Processual Penal Militar. 5ª edição. p. 604/605