Introdução:
Trata-se de abordagem acerca de progressão de regime prisional, ainda que conste prisão preventiva decretada em outra de ação penal. Outrossim, busca-se abordar questões importantes sobre harmonia de prisão preventiva e progressão de regime prisional. Ao final, concluirá se o juízo da V.E.P tem condições em deferir o benefício citado, embora conste decretação de prisão preventiva noutra ação penal.
Considerações importantes sobre Prisão Preventiva:
No ordenamento jurídico processual penal brasileiro, não se admite prisão para qualificar antecipação de cumprimento de pena[1]. Contudo, ressalva-se no caso de prisão []em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei[2]. Para regulamentar essa situação procedimental, o Código de Processo Penal, em seu artigo 311, 312 e seguintes, permite em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal poderá existir pedido de prisão preventiva decretada pelo Juízo criminal. Mister a legitimidade ativa da representação ao delegado (a) ou ao membro do Ministério Público. Destarte, a fundamentação do objeto deve-se ser de caráter estrita, concreto, contemporâneo, conjugado ao fumus comissi delicti e periculum libertatis. Sem essas regras, não se sustenta o pedido tampouco decretação de prisão preventiva. Isso é: primeiro deve-se estar presentes a materialidade e indícios de autoria. Em segundo, presença de um dos motivos presentes no artigo 312 do Código de Processo Penal[3].
A pedido das partes ou de ofício[4], juízo criminal poderá revogar a prisão se as circunstâncias apontarem a falta de motivo para sua manutenção, sendo possível nova decretação prisional ante a desobediência de imposições da garantia a ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal.
Considerações sobre Progressão de Regime Prisional:
Determina a Lei de Execução Penal L.E.P, que a pena privativa de liberdade será executada sob o sistema progressivo, com a transferência para o regime menos gravosos, assim que o reeducando atingir seu cumprimento menor. Isso é, do fechado para o semiaberto e aberto, na forma das frações abaixo:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
IX- 50% (cinquenta por cento) da pena, em Organização criminosa estruturada para prática de crime hediondo ou equiparado a partir de 23/01/2020;
X- 50% (cinquenta por cento) da pena, crime de constituição de milícia privada a partir de 23/01/2020;
XI- 1/8 (um oitavo), da pena se Mulher gestante ou mãe responsável por crianças ou pessoas com deficiência, se for primária.
Ademais, os requisitos para a progressão de regime do semiaberto: objetivo, sendo o cumprimento da pena na fração do tempo acima. E subjetivo, tratar-se de conduta boa atestado pelo Diretor da unidade prisional. Do regime aberto: objetivo, lapso temporal de cumprimento; estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente; e subjetivo, boa conduta carcerária atestado pelo diretor da unidade prisional.
Da falta grave e seus efeitos:
Sob o crivo do devido processo legal e atendendo prazo trienal prescricional a contar da data dos fatos ou recaptura, as faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves, sendo a duas primeiras reguladas por legislação local. As graves são relevantes para alteração da data-base da progressão de regime prisional a condenado à pena privativa de liberdade, previsto nos incisos do artigo 51 da L.E.P:
I incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
II fugir;
III possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;
IV provocar acidente de trabalho;
V descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei;
VII tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo;
VIII recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
O Art. 52 (L.E.P) ressalta que o cometimento de crime doloso no curso da execução penal é considerado falta grave, igualmente aplicado ao preso provisório, de modo que os seus efeitos são: interrupção do prazo para progressão de regime prisional, reinicio do requisito objetivo; perda de até 1/3 dos dias remidos; regressão de regime.
CONCLUSÃO:
A situação hipotética consiste em novo cometimento de crime doloso com decretação de prisão preventiva em ação penal distinta da execução penal.
Mister o requisito subjetivo boa conduta carcerária ser a justificativa da incompatibilidade com a custódia cautelar utilizada pelos Tribunais, embora o §1º do artigo 112 da L.E.P seja de interpretação fechada.
Por enquanto, os Tribunais de Justiça não têm entendimento firmado sobre o tema acima. Mesmo assim, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão monocrática[5], negou provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia que deferiu pedido progressão prisional. O Relator, OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), em síntese, entendeu que a existência de prisão preventiva em ação penal em curso não é empecilho para deferimento do pedido de progressão, porquanto, o §1º do artigo 112 da L.E.P, não pode ser utilizada in malam partem.
Assim sendo, tem o juízo da V.E.P condições de deferir o benefício da progressão de regime prisional em matéria da execução penal, ainda que conste decretação de prisão preventiva em ação penal diversa?
R: Sim. É possível.
Entretanto, raro o Juízo criminal deferir de tal benefício, cabendo a rediscussão jurídica aos Tribunais, porquanto cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos da progressão de regime, não há alternativa senão a sua concessão, sob pena de violação a individualização da pena, dignidade da pessoa humana; vedação a dupla punição; princípio da estrita legalidade e segurança jurídica.
[1] HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. FUMUS COMISSI DELICTI. INSUFICIÊNCIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP). 2. Antes de se averiguar a necessidade do uso da segregação ante tempus, é indispensável que se comprove a materialidade do crime e se apontem indícios suficientes de sua autoria, pressuposto para impor tão gravoso sacrifício ao investigado ou réu. 3. O édito prisional, para sacrificar o direito fundamental à liberdade, mencionou a apreensão de quantidade de droga compatível com o consumo de usuários. Não é possível identificar fato ou conduta do paciente que pudessem ser subsumidos ao tráfico de drogas. Sem isso, não existe justa causa para a medida cautelar de coação. Ausente, pois, o fumus comissi delicti, o cárcere cautelar torna-se temerário, ainda que se possa dar prosseguimento à ação penal e obter-se, em seu curso, a apuração dos fatos. 4 . Habeas corpus concedido para, ratificada a liminar, revogar a prisão preventiva. (STJ - HC: 627808 SC 2020/0302344-4, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 19/04/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/04/2022).
[2] Art. 5º, LXI da CF/88.
[3] CPP-Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
[4] Art. 316 CPP.
[5] (STJ - REsp: 1970972 RO 2021/0367773-6, Relator: Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Publicação: DJ 29/03/2022).