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Consciência jurídica ou ambição infundada?

Análise do caso Plano Bresser

01/07/2007 às 00:00
Leia nesta página:

Introdução

            No final do mês de maio do ano de 2007, os Juizados Especiais Federais e Estaduais receberam uma verdadeira avalanche de ações judiciais objetivando a cobrança de valores decorrentes dos impactos da instituição de planos econômicos federais (Bresser, Verão, Collor I e II) nas poupanças existentes à época da implementação dos ditos planos, as quais foram sofreram a aplicação de índices de correção incorretos, que ocasionaram uma perda financeira considerável aos poupadores naquelas datas.

            Em suma, o Superior Tribunal de Justiça já formou entendimento de que o prazo prescricional para a propositura das ações seria o disposto no Código Civil de 1916, no que atine a prescrição ordinária, qual seja, de vinte anos (art. 177, caput, CC/1916). Sem adentrar no mérito da discussão sobre a data correta de prescrição do direito, que levanta discussões relevantes sobre o tema da prescrição, o fato é que milhares de pessoas procuraram os setores de Atermação dos Juizados Especiais para requerer os seus direitos.

            Em notícia veiculado no dia 31 de maio de 2007, no site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Seção Judiciária do Estado do Pará (www.pa.trf1.gov.br), consta que foram ajuizadas cerca de 8.500 (oito mil e quinhentas) ações em relação ao Plano Bresser, segundo informações dos setores de Protocolo e Atermação do Juizado Especial Federal de Belém.

            Essa grande quantidade de processos trouxe um reflexo direto nos serviços prestados pelo setor de Atermação do Juizado Especial Federal da Seção Judiciária do Pará, além de influenciar outros setores do Tribunal em si, conforme se extrai in verbis da notícia: "do início da semana até esta quinta-feira, a Justiça Federal precisou montar um esquema especial de atendimento, que mobilizou cerca de 40 funcionários de vários setores da Seção Judiciária, para atender aos poupadores que formaram filas imensas. Hoje, as filas se estenderam da frente da Justiça Federal, na rua Domingos Marreiros, dobraram a esquina da Generalíssimo Deodoro e entraram na rua Boaventura da Silva, que fica atrás do prédio-sede da Justiça Federal." (em www.pa.trf1.gov.br).

            Como estagiário fixo do setor de Atermação desse Juizado Especial, pude observar de perto a movimentação dos trabalhos ocorridos na semana de esgotamento do prazo. Da experiência prática vivida, extraí lições imensuráveis.

            No desenrolar dos trabalhos, observei que a grande maioria das pessoas que buscavam a Justiça sequer sabia anteriormente que aquele prédio existia, muito menos sabia o que iriam pleitear. O que foi veiculado nos meios de comunicação como a "festa do acesso à Justiça" na verdade pode não passar de mera ilusão.


1. Consciência Jurídica

            Muitos, ao ler as notícias da quantidade de ações propostas em todo o Brasil almejando a correção das poupanças pela incidência dos planos econômicos federais, tiveram a impressão de que o povo brasileiro está desenvolvendo uma cultura litigante – a qual é propiciada em grande escala pela existência dos Juizados Especiais, previstos pela Constituição de 1988 e instituídos pelas leis 9.099/95 (Estaduais) e 10.251/01 (Federais), ao dispensar a necessidade de advogados para o ajuizamento das ações. Ledo engano. O fato é que a grande maioria do povo brasileiro sequer tem consciência de seus direitos.

            O ditado popular nacional aduzindo que "o brasileiro não pode ver uma fila que entra nela, pensando que é coisa boa" foi veementemente confirmado na semana tida como de esgotamento do prazo prescricional do Plano Bresser.

            Pôde-se observar que muitas pessoas estavam buscando a Justiça Federal por terem visto a fila, e por terem escutado falar que "o governo estava liberando um dinheiro" para aqueles que tinham poupança entre os anos de 1987 e 1991. No atendimento direto ao público, o que mais se observava eram pessoas que não possuíam nenhum documento que provasse a existência, ainda que superficial, de seu direito. Isso é consciência jurídica da população? Óbvio que não.

            Muitas pessoas afirmavam que não procurariam advogado para resolver o caso, pois tinham plena convicção de que os trabalhos de um profissional eram facilmente dispensáveis, uma vez que o caso era de ínfima complexidade e que poderia ser resolvido rapidamente. Para se ter uma noção do total descompasso da população em geral para com os serviços do Poder Judiciário, quando era informadas sobre o prazo médio de duração dos processos (cerca de 3 a 5 anos), as pessoas ficavam estarrecidas. Pensavam que "o dinheiro seria liberado na semana seguinte pelo banco, pois o Lula mandara pagar".

            Ainda mais. Havia pessoas que sequer tinham conta poupança em qualquer instituição bancária, mas se aproveitaram do esgotamento do prazo para propor a ação, no afã de ludibriar a Justiça e receber "um qualquer". Isso foi proporcionado pelo fato de a documentação mínima exigida para ajuizar a ação serem apenas cópias da cédula de identificação, CPF e comprovante de residência (se possível), além de solicitação formal dos extratos dos meses em que foram instituídos os planos econômicos junto à instituição bancária. Na realidade, o cidadão que não possuía conta qualquer fazia, manualmente ou em formulário distribuído pelo próprio Tribunal, o requerimento de seus extratos bancários, e juntava à sua documentação pessoal cópia do requerimento, devidamente recebido pelo banco. Como não havia condições de fazer uma maior triagem da documentação, em face da gigantesca demanda, o sujeito protocolizava a petição inicial, sem fundamento algum. Certeza de causa perdida.

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            Repise-se: isso é consciência jurídica? Claro que não. Procurar a Justiça para requerer um direito, devidamente instruído e consciente dos danos que lhe foram causados, é uma situação. Procurar a Justiça sem saber sequer que aquele prédio integra o Poder Judiciário é outra totalmente diferente.


2. Reflexos da Ambição Infundada

            A médio prazo, a ambição de receber valores que não são devidos acarretará uma série de prejuízos, não ao jurisdicionado que procurou a Justiça indevidamente, pois este já não possuía direito algum, mas à sociedade como um todo, e em especial às pessoas que de fato detêm o seu direito materializado. Isso porque o Juiz levará certo tempo para avaliar a ação proposta sem fundamentos, manifestamente improcedente, retardando a apreciação das causas que merecem de fato a manifestação judicial.

            E o ato praticado pelo ambicioso é um ato egoísta? Creio que não o seja, pelo desconhecimento dos tramites processuais, de como se desenrola um processo judicial de fato. É, isso sim, um ato de total desconhecimento do regramento jurídico nacional.

            Perde também o Poder Judiciário, que ficará cada vez mais desprestigiado pela sociedade, uma vez que o tempo para apreciação das demandas tende a aumentar, fazendo da lentidão característica dos órgãos jurisdicionais.

            Esses são apenas alguns reflexos que a ambição infundada pela falta total de conhecimento legal pode ocasionar à sociedade brasileira, sem sequer cogitar qualquer hipótese, viável, de litigância de má-fé.


Conclusão

            Pelo que foi exposto neste breve trabalho, reflexão de situação prática vivenciada por este autor, pode-se observar que a população brasileira padece de total falta de conhecimento de suas instituições, leis, direitos e deveres. É, infelizmente, uma triste realidade, que pode e deve ser mudada. É fato que nos últimos 15 anos, desde a promulgação de nossa Constituição Cidadã, a situação melhorou sensivelmente, mas não foi o suficiente para afirmar que estamos em um patamar aceitável de consciência jurídica.

            Neste esteio, o que foi denominado de "festa do acesso à Justiça", na realidade se perfez em "baile do desconhecimento real de Justiça".

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Sobre o autor
Arthur Laércio Homci

Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2011). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA (2009). Atualmente é Professor de Direito Processual Civil e Direito Previdenciário (Graduação e Especialização), e Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do CESUPA. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOMCI, Arthur Laércio. Consciência jurídica ou ambição infundada?: Análise do caso Plano Bresser. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1460, 1 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10091. Acesso em: 22 nov. 2024.

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