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O histórico do conceito de organização criminosa no direito brasileiro e uma breve análise do conceito trazido pela Lei 12.850/13

18/11/2022 às 16:30
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Por muito tempo, o Judiciário viu-se obrigado a reconhecer a atipicidade da condutas praticadas por organizações criminosas, haja vista a falta de conceituação legal.

Resumo: Este artigo objetiva dispor sobre como se deu a evolução do conceito legal de organização criminosa na legislação brasileira, que teve início através da lei 9.034/95, e como se caracteriza a conceituação atual dada pela lei 12.850/13. Até o ano de 2012 o Direito brasileiro nunca teve a conceituação própria de organização criminosa, de modo que, a partir da lei 9.034/95, que dispunha sobre meios operacionais de repressão e prevenção destas organizações, mas sem propriamente defini-las, surgiu um conturbado período em que não era possível combatê-las efetivamente devido à falta de conceituação e tipificação penal no Direito material brasileiro. Até o advento da lei 12.694/12, que pela primeira vez trouxe a definição de organização criminosa, o Brasil se utilizou até do conceito trazido pela Convenção de Palermo, que foi promulgada no Brasil através do Decreto 5.015 de 2004. Desta forma, este artigo se utilizou de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial realizada com material escrito e online, com objetivo de apresentar esta evolução histórica.

Palavras-chave: Conceito de organização criminosa. Direito Penal. Evolução histórica. Convenção de Palermo. Crime organizado.

Sumário: Introdução. 1. O pioneirismo das leis 9.034/95 e 10.217/01 quanto às organizações criminosas. 2. A Convenção de Palermo. 3. A lei 12.694/12, o primeiro conceito de organização criminosa na legislação brasileira e a sua redefinição dada pela lei 12.850/13. 4. O conceito de organização criminosa definido pela Lei 12.850 de 2013. 4.1. Associação de quatro ou mais pessoas. 4.2. Estruturalmente ordenadas. 4.3. Com divisão de tarefas. 4.4. Objetivando a obtenção de alguma vantagem. 4.5. Mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos. 4.6. Mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional. Conclusão. Referências.


Introdução

A legislação brasileira possui um histórico controverso e, muitas vezes, indelineável sobre o conceito de organização criminosa. O crime cometido e planejado com o concurso de agentes pode ser tipificado em diferentes dispositivos legais, tais como o de associação criminosa, antigo quadrilha ou bando, previsto no artigo 288 do Código Penal, ou o de associação para o tráfico, previsto no artigo 35 da Lei 11.343/06. Porém, a conduta de constituir uma organização criminosa para o fim de prática de crimes muitas vezes graves para a sociedade, se diferencia absolutamente de uma simples associação criminosa, cuja definição é, segundo a redação do artigo 288 do Código Penal Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Por este motivo surgiu a necessidade de uma conceituação específica para esta prática no direito material brasileiro.

A primeira lei relacionada ao combate às organizações criminosas foi editada em 1995, sem, no entanto, trazer seu conceito, gerando um cenário de insegurança jurídica. Por quase duas décadas depois o Brasil ainda se encontrava em situação precária referente à disponibilidade de mecanismos legais para atuar contra as organizações criminosas. Por um período considerável de tempo, tentou se socorrer ao que preceitua a Convenção de Palermo, o que, entretanto, não foi propriamente bem sucedido.

Em 2013 surge a lei 12.850/13, o principal meio utilizado hoje pelos operadores do Direito para lidar com as organizações criminosas. Esta lei além de trazer o conceito propriamente dito, também trouxe a tipificação penal relativa a integrar uma organização criminosa, sendo, desta forma, a primeira vez que o legislador brasileiro previu pena para esta conduta. A definição trazida por esta lei possui vários elementos para sua constituição, que serão explorados em detalhes neste artigo.

1 O pioneirismo das leis 9.034/95 e 10.217/01 quanto às organizações criminosas

Foi no ano de 1995 que o legislador brasileiro se demonstrou atento à existência das organizações criminosas, quando editou a Lei 9.034/95, dispondo sobre a investigação e obtenção de provas destas organizações. No entanto a referida lei não se preocupou em propriamente definir o que seria de fato uma organização criminosa, o que ainda continuou gerando imbróglio acerca do seu enquadramento legal. Segundo Cleber Masson e Vinícius Marçal (2021, p.21)

O primeiro texto normativo a tratar do tema no Brasil foi a Lei 9.034/1995 (alterada pela Lei 10.217/2001), que dispôs sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, sem, no entanto, defini-las e tipificá-las.

Tudo o que a lei 9.034/95 trouxe foram os métodos operacionais para que fosse possível prevenir e reprimir as organizações criminosas, mas pecou em não trazer o seu conceito. A falta da definição expressa de organização criminosa gerava impactos práticos negativos para a sociedade e para a Justiça. Não era possível tipificar a conduta de pertencer a uma organização criminosa, o que gerava dificuldade no combate a este tipo de crime. Conforme o julgamento do Habeas Corpus nº 96.007/SP, do voto da Ministra Carmen Lúcia (2012, apud BARROS, Marco Antônio), se extrai:

Mas, ao manter o tipo penal aberto ("organizações criminosas de qualquer tipo"), nenhum passo importante deu para reavivar a aplicação da Lei 9.034/95.Vale dizer, a definição jurídica permaneceu duvidosa, pois não se sabe ao certo, ao menos do ponto de vista legal, com quantas pessoas se constitui uma organização criminosa, ou seja, se com dois, três ou mais componentes. Somando-se esta e outras falhas gritantes apresentadas em seu texto, contrarias ao cumprimento das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, obteve-se como resultado a ineficácia de referido diploma legal no combate à criminalidade organizada.

À época da vigência da lei 9.034/95 até o ano de 2012 (com a chegada da lei 12.683/12) a lei de lavagem de dinheiro, lei 9.613/98, dispunha que o crime de lavagem de dinheiro, por sua natureza de crime acessório, necessitava que fosse praticado através de crime anterior constante no rol taxativo de seu artigo 1º, dentre eles o que constava no inciso VII, organização criminosa. No entanto, por mais que fosse previsto na referida lei que existia o crime de organização criminosa, em nenhum diploma legal este tipo penal era encontrado, tampouco sua conceituação. Foi a partir desta situação problemática que o caso julgado pelo Habeas Corpus 96.007/SP foi discutido. O caso tratava-se de crime de lavagem de dinheiro praticado pelos fundadores da igreja Renascer em Cristo, os quais foram acusados de lavagem de dinheiro praticado por organização criminosa, o que, no entanto, foi entendido pelo STF que não configurava crime, dada a atipicidade da conduta, haja vista a falta de conceituação e tipificação de organização criminosa à época. Conforme mencionado no voto da Ministra Carmen Lúcia (2012) no Habeas Corpus em questão Pelo que se tem nos autos, o constrangimento ilegal está evidenciado na espécie, notadamente pela atipicidade do crime de lavagem de dinheiro proveniente de crime praticado por organização criminosa.. E ainda, conforme o Ministro Marco Aurélio (2009) no mesmo Habeas Corpus 96.007/SP:

A visão mostra-se discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal inciso XXXIX do artigo 5º da Carta Federal. Vale dizer que a concepção de crime, segundo o ordenamento jurídico constitucional brasileiro, pressupõe não só encontrar-se a tipologia prevista em norma legal, como também ter-se, em relação a ela, pena a alcançar aquele que o cometa. Conjugam-se os dois períodos do inciso XXXIX em comento para dizer-se que, sem a definição da conduta e a apenação, não há prática criminosa glosada penalmente. Por isso, a melhor doutrina sustenta que, no Brasil, ainda não compõe a ordem jurídica previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Vale frisar que, no rol exaustivo do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, não consta sequer menção ao de quadrilha, muito menos ao de estelionato, cuja base é a fraude. [...]

Desta forma foi editada nova lei, a lei 10.217/01, mas que apenas alterou os artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95, e que, assim como a lei anterior, ainda não tratou especificamente do conceito de organização criminosa. Segundo Rogério Greco e Paulo Freitas (2020, p.26).

A Lei nº 10.217, destarte, continuou sem uma definição específica, mas fez consignar expressamente que para os fins legais, as figuras de quadrilha ou bando, da associação criminosa e da organização criminosa seriam institutos distintos, que não deveriam ser confundidos.

2 A Convenção de Palermo

Diante da falta de conceituação deste tipo de organização criminosa, o Brasil, então, resolveu se utilizar do conceito trazido pela Convenção de Palermo, que fora ratificado por meio do Decreto 5.015 de 2004. A Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, é uma tentativa de colaboração internacional para facilitar o combate ao crime organizado que ocorre entre os diferentes países do mundo. Segundo a United Nations Office on Drugs and Crime UNODC[1]:

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como Convenção de Palermo, é o principal instrumento global de combate ao crime organizado transnacional. Ela foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de 2000, data em que foi colocada à disposição dos Estados-membros para assinatura, e entrou em vigor no dia 29 de setembro de 2003.
A Convenção é complementada por três protocolos que abordam áreas específicas do crime organizado: o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições. Observa-se que os países devem ratificar a Convenção antes de aderir a qualquer um dos protocolos.
A Convenção representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional e significa o reconhecimento por parte dos Estados-Membros da gravidade do problema, bem como a necessidade de promover e de reforçar a estreita cooperação internacional a fim de enfrentar o crime organizado transnacional.
Os Estados-membros que ratificaram este instrumento se comprometem a adotar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação criminal na legislação nacional de atos como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça. A convenção também prevê que os governos adotem medidas para facilitar processos de extradição, assistência legal mútua e cooperação policial. Adicionalmente, devem ser promovidas atividades de capacitação e aprimoramento de policiais e servidores públicos no sentido de reforçar a capacidade das autoridades nacionais de oferecer uma resposta eficaz ao crime organizado.

A conceituação de organização criminosa trazida pela citada Convenção tem o seguinte texto no Decreto 5.015/04:

Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material (BRASIL, 2004, não paginado)

Contudo, é de entendimento do STF de que não é possível se valer de tal conceituação para suprir esta falta no Direito interno, haja vista que entraria em conflito com o princípio da reserva legal. Segundo entendimento da Suprema Corte, é necessário norma interna para que ocorra a tipificação penal de determinado delito, não sendo possível, desta forma, que a Convenção de Palermo seja a base legal pra subsumir o crime de organização criminosa.

Conforme o julgamento do Habeas Corpus 121.835, se extrai do voto do Ministro Celso de Mello (2015):

Mostra-se constitucionalmente relevante, portanto, como adverte a doutrina (LUIZ FLÁVIO GOMES /VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vol. 4/122, 2008, RT), o entendimento segundo o qual, no âmbito do Direito Penal incriminador, o que vale é o princípio da reserva legal, ou seja, só o Parlamento, exclusivamente, pode aprovar crimes e penas. Dentre as garantias que emanam do princípio da legalidade, acham-se a reserva legal (só o Parlamento pode legislar sobre o Direito Penal incriminador) e a anterioridade (lex populi e lex praevia, respectivamente). Lei não aprovada pelo Parlamento não é válida () (grifei)

[...]

Isso significa, pois, que somente lei interna (e não convenção internacional, como a Convenção de Palermo) pode qualificar-se, constitucionalmente, como a única fonte formal direta legitimadora da regulação normativa concernente à tipificação ou à conceituação de organização criminosa.

3 A lei 12.694/12, o primeiro conceito de organização criminosa na legislação brasileira e a sua redefinição dada pela lei 12.850/13

Foi então que, pela primeira vez, o direito material brasileiro foi provido do conceito de organização criminosa formalmente, com o advento da Lei 12.694 de 2012. O artigo 2º desta Lei define organização criminosa da seguinte forma:

Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2012, não paginado)

A lei, no entanto, não trouxe a tipificação do crime em si, mas tão somente seu conceito. A constituição de organização criminosa ainda não caracteriza nenhum crime, não sendo possível, portanto, nenhum tipo de sanção penal. A Lei se atentou, além de trazer o conceito de crime organizado, a dispor sobre o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição, a fim da proteção e segurança dos juízes que julgarem crimes praticados por organizações criminosas. Para Vicente Greco Filho (2013, p.8)

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Já a Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012, que estabeleceu normas especiais para o processo e julgamento de crimes praticados, segundo ela, por organizações criminosas, define a figura, de forma ligeiramente diferente, mas aplicável apenas para os fins daquela lei, que instituiu a possibilidade de instauração de juízo colegiado para o julgamento envolvendo tal situação. [...]

Em um curto período de tempo, já no ano seguinte à promulgação da Lei 12.694/12, foi criada nova lei para redefinir e, enfim, tipificar o crime de organização criminosa: a lei 12.850 de 2013, que hoje serve como base para o conceito, tipificação, investigação e os meios de obtenção de provas das organizações criminosas. É extraída a seguinte redação da nova lei quanto ao novo conceito:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013, não paginado).

Como o lapso temporal entre as duas normas penais é curto e a Lei 12.850/13 não previu revogação da lei anterior, surge um conflito aparente entre os dois conceitos trazidos por ambas as leis. Por um lado, a lei mais antiga prevê que é necessário associação de três ou mais pessoas e que a conduta seja para a prática de crimes com pena máxima igual ou superior a quatro anos, enquanto de outro, na lei mais recente, a previsão é de que associação deve ser de quatro ou mais pessoas (e não três) e que a conduta seja para a prática de infrações penais (e não apenas crimes) cujas penas máximas sejam superiores (e não iguais ou superiores) a quatro anos.

Porém, é de entendimento da maior parte da doutrina de que o conceito que perdura na atualidade é o da Lei 12.850/13, de modo que ela revogou tacitamente a lei anterior de maneira parcial.

Desta forma, entende Luiz Flávio Gomes (2013, não paginado):

O conceito de organização criminosa dado pela Lei 12.694/12 continua válido? Não. Num primeiro momento cheguei a imaginar o contrário (que os dois conceitos continuariam vigentes, tal como pensa Rômulo Moreira). Refletindo um pouco mais, estou concluindo que houve revogação do primeiro pelo segundo.

[...]

[...]Se o conceito de crime organizado está dado pela nova lei, aos juízes competem seguir a nova lei, respeitando o seu conceito de crime organizado, que nada mais é que a soma dos requisitos típicos do art. 2º com a descrição de organização criminosa do art. 1º.

Já no artigo 2º da referida Lei, encontra-se o tipo penal da organização criminosa, que pela primeira vez o Direito brasileiro tipificou como crime.

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. (BRASIL, 2013, não paginado)

Além da tipificação da conduta de fazer parte de uma organização criminosa, a lei também se preocupou em alterar a redação do artigo 288 do Código Penal, que antes previa a constituição de quadrilha ou bando, e que agora, com a mudança, foi alterado o nomen juris para associação criminosa, com o seguinte texto Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos (BRASIL, 2013, não paginado).

Estes dois conceitos, de organização e associação criminosa, a princípio podem parecer semelhantes, em razão da conduta de se associar com outros agentes para a prática de crimes. No entanto eles não se confundem, uma vez que organização criminosa se caracteriza pela perenidade do grupo, independente se composta pelos mesmos agentes o tempo todo ou não, como bem elucidam Rogério Greco e Paulo Freitas (2020, p.34) Organização criminosa é uma estrutura, ordenada e duradoura, que existe independentemente da existência ou da permanência de determinados indivíduos no grupo, ainda que se tratem de seus líderes ou fundadores.; enquanto que na associação criminosa não há a presença transcendente de uma organização consolidada, mas os agentes se juntam de maneira estável para a prática de crimes, que segundo Luiz Regis Prado (2021, p.120):

A associação deve, ainda, apresentar estabilidade ou permanência, características relevantes para a sua configuração. Aliás, este é um dos traços que a diferencia do concurso de pessoas: não basta, para o crime em apreço, um simples ajuste ou acordo de vontades. É indispensável, mas não é o bastante para caracterizar o delito.

4 O conceito de organização criminosa definido pela Lei 12.850 de 2013

Para a definição de organização criminosa o Direito brasileiro atual se vale do conceito disposto no §1º do artigo 1º da Lei 12.850/13. Trata-se de um conceito relativamente extenso, que prevê muitos elementos para a sua constituição. De acordo com o referido dispositivo:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013, não paginado)

Desta forma, entende Guilherme de Souza Nucci (2020, p.13):

Diante disso, a organização criminosa é a associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismo preestabelecido, com divisão de tarefas, embora visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a ser partilhada entre os seus integrantes. Pode-se sustentar que a organização criminosa tem a visível feição de uma empresa, distinguindo-se das empresas lícitas pelo seu objeto e métodos ilícitos. Vamos além, com o fito de demonstrar a inserção do crime organizado nas estruturas de poder político do Estado. Seja qual for o objetivo da organização criminosa, a sua atuação, em algum ponto e sob determinada medida, termina por se sustentar pelo apoio de servidores públicos mancomunados e aliciados, integrantes do esquema, direta ou indiretamente.

Alguns detalhes referentes à conceituação de organização criminosa têm um parâmetro mundial, de modo que os países signatários da convenção de Palermo a usaram como base para a criação de suas respectivas definições legais. Uma dessas características faz alusão à quantidade de agentes necessários para sua caracterização, desta forma, de acordo com a Convenção de Palermo, para que haja organização criminosa é necessário a reunião de mais de duas pessoas, isto é, pelo menos três agentes. Por sua vez, pela legislação brasileira, exige-se quatro ou mais pessoas, ou seja, se diferenciou da Convenção quanto ao número de agentes. E neste sentido, lecionam Rogério Greco e Freitas (2020, p.38):

O conceito brasileiro, todavia, foi mais tímido do que aquele estabelecido na Convenção de Palermo e também não seguiu a mesma esteira dos demais países, especialmente os europeus, que admitiram como possível uma organização de apenas 3 (três) pessoas.

Mas quanto aos demais elementos trazidos pela legislação brasileira, os autores prosseguem Quanto aos demais requisitos, no entanto, a lei brasileira manteve-se fiel às diretrizes doutrinárias e à recomendação da Convenção de Palermo. (GRECO, FREITAS, 2020, p.38)

Por outro lado, para que seja constituída uma organização criminosa é necessário a análise de todos os elementos necessários para que isto ocorra. Diante do extenso conceito trazido pela Lei 12.850/13, o legislador não conceituou de maneira vaga, pelo contrário, trouxe uma definição com vários elementos, que por sua vez, todos são necessários simultaneamente para o enquadramento na organização criminosa. Desta forma, entende Guilherme de Souza Nucci (2022, não paginado) que são seis os elementos:

[..] são seis os elementos que constituem a definição de uma organização criminosa:

  1. Associação de quatro ou mais pessoas
  2. Estruturalmente ordenadas
  3. Com divisão de tarefas
  4. Objetivando a obtenção de alguma vantagem
  5. Mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos
  6. Ou mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional.

Tomando como base estes seis elementos para a constituição de uma organização criminosa, será feita uma análise sobre cada um deles, de modo a melhor elucidar seus conceitos.

4.1 Associação de quatro ou mais pessoas

Como já anteriormente mencionado, a Convenção de Palermo estipulou que em uma organização criminosa deve haver pelo menos três agentes, o que serviu de norte para os diferentes países que ratificaram tal Convenção, contudo, no Brasil foi exigido o número mínimo de quatro integrantes que, como entende a maioria dos doutrinadores, se deu por motivos de política criminal. Conforme Nucci (2022, não paginado) O número de associados, para configurar o crime organizado, resulta de pura política criminal, pois variável e discutível., bem como entende Luiz Flávio Gomes (2013, não paginado) [...] Agregue-se um outro argumento, de política criminal: se o legislador, por razões de política criminal, optou na nova configuração legal pelo número mínimo de 4 pessoas, é preciso respeitar essa decisão política. [...].

Já para Rogério Sanches Cunha (2015)[2], a alteração do número de integrantes de 3 para 4 se deu para que não houvesse conflito de entendimento com o previsto no artigo 288 do Código Penal (associação criminosa).

Outrossim, pode-se, a princípio, surgir dúvida quanto à natureza dos sujeitos ativos, isto é, se todos devem ser imputáveis ou não, haja vista que a lei não deixou expressa tal eventualidade. Mas, conforme a doutrina majoritária, é entendido que todos os integrantes da organização criminosa são incluídos, ainda que algum deles seja inimputável, como entendem Rogério Sanches Cunha, Rogério Batista Pinto e Renee do Ó Souza (2020, p.18):

[...] estabelecendo o tipo incriminador a presença de, no mínimo, quatro associados, computando-se eventuais inimputáveis ou pessoas não identificadas, bastando prova no sentido de que tomaram parte da divisão de tarefas estruturada dentro da organização.

4.2 Estruturalmente ordenadas

Talvez a característica que mais se destaca de uma organização criminosa é sua estrutura que, algumas vezes, pode ser tão ordenada que chega a se assemelhar às estruturas de uma empresa. Para Rogério Sanchez Cunha (2015)[3], a principal característica que diferencia uma organização criminosa para uma mera associação criminosa é a estrutura ordenada e a divisão de tarefa. Porém, por mais que possa existir organizações com estruturas muito complexas, não é assim necessário para que este elemento seja observado, ou seja, mesmo que a estrutura ordenada seja bem simples e informal resta caracterizado este elemento, como bem elucidam Cleber Masson e Vinícius Marçal (2021, p.57):

Para a Lei do Crime Organizado, a associação mínima de quatro pessoas deve ser estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente. Exige-se, pois, uma estrutura minimamente ordenada, na qual a execução dos planos delitivos não se opera de forma improvisada. Mas isso não significa a necessidade de que o grupo possua um elevado grau de sofisticação ou uma espécie de estrutura empresarial, com líderes e liderados. Não é conditio sine qua non, portanto, que o grupo disponha de uma estrutura elaborada (Convenção de Palermo, art. 2.º, c, in fine). (grifo do autor)

4.3 Com divisão de tarefas

Uma consequência direta da estruturação minimamente ordenada das organizações criminosas é a divisão das suas tarefas internas, haja vista que múltiplos agentes visando um objetivo ilícito comum exige uma ordenação entre seus integrantes. A divisão de tarefas é, então, outro elemento fundamental trazido pela Lei 12.850/13, e neste sentido leciona Guilherme de Souza Nucci (2020, p.15):

[...] a decorrência natural de uma organização é a partição de trabalho, de modo que cada um possua uma atribuição particular, respondendo pelo seu posto. A referida divisão não precisa ser formal, ou seja, constante em registros, anais, documentos ou prova similar. O aspecto informal, nesse campo, prevalece, justamente por se tratar de atividade criminosa, logo, clandestina; [...]

Já para Masson e Marçal (2021, p.60), a divisão de tarefas demonstra que nas organizações criminosas está presente a teoria do domínio do fato, em que todos os integrantes terão a coautoria das ações ilícitas praticadas. Como muito bem elucidado pelos nobres autores, vale mencionar em suas palavras:

Consoante a exigência legal, as atividades da organização devem ser marcadas pela divisão de tarefas, característica fundamental da teoria do domínio funcional do fato. Por meio desta, basta que haja a reunião dos autores, cada um com o domínio das funções que lhes foram previamente atribuídas para a prática do delito, sendo desnecessário que todos venham a executar propriamente os delitos para os quais a organização criminosa foi formada. (grifo do autor)

Ainda Masson e Marçal (2021, p.60, apud ASSIS, Augusto et al. 2014, p.30-31) citam:

A respeito do tema, com a autoridade que lhes é peculiar, lecionam os catedráticos Luís Greco e Alaor Leite:

se duas ou mais pessoas, partindo de uma decisão conjunta de praticar o fato, contribuem para a sua realização com ato relevante de um delito, eles terão o domínio funcional do fato (funktionale tatherrschaft), que fará de cada qual coautor do fato como um todo, ocorrendo aqui, como consequência jurídica, o que se chama de imputação recíproca. (grifo do autor)

4.4 Objetivando a obtenção de alguma vantagem

Este elemento dispõe a finalidade das organizações criminosas, isto é, objetivo pelo qual ela age. Para isso, a lei definiu que a vantagem pretendida pela organização pode ser de qualquer natureza, inclusive as não econômicas. Conforme Greco e Freitas (2020, p.48) No entanto, a lei não limitou essa vantagem, como o fez, por exemplo, quando tipificou o delito de extorsão mediantes sequestro, previsto no artigo 158 do Código Penal, que exigiu, especificamente, uma indevida vantagem econômica.

Já Guilherme de Souza Nucci (2020, p.15) dá ênfase no que toca a não ilicitude da vantagem que objetiva a organização, uma vez que o dispositivo legal não previu que deve ser, necessariamente, ilícita:

[...] O ponto faltoso da lei é a ausência de especificação da ilicitude da vantagem, pois é absolutamente ilógico o crime organizado buscar uma meta lícita. Afinal, o meio para alcançar a referida vantagem se dá por meio da prática de infração penal, o que demonstra a ilicitude do proveito auferido. [...]

4.5 Mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos

Neste elemento, diferente do anterior trazido pela Lei 12.694/12, que dispunha que os agentes deveriam praticar crimes, a nova lei agora prevê qualquer tipo de infração penal, o que segundo Rogério Sanches Cunha (2015)[4], incluiu também as contravenções penais. Mas diante disto surge o questionamento se é possível ou não que uma organização criminosa se constitua tão somente para a prática de contravenções penais. Neste sentido entendem Masson e Marçal (2021, p.62) quando referente à possibilidade da contravenção penal do jogo do bicho praticado por organização criminosa:

Para nós (2.ª corrente), no entanto, a resposta é negativa. E a razão é bem simples. Diz a lei: mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos. Como é cediço, a contravenção do jogo do bicho, prevista no art. 58 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688/1941), é punida com prisão simples, de 4 (quatro) meses a 1 (um) ano, e multa. Assim, por não possuir pena máxima superior a quatro anos, não há falar em organização criminosa exclusivamente formada para a prática de jogo do bicho. [...] (grifo do autor).

Por outro lado, outro questionamento é discutido pela Doutrina referente à pratica de infração penal com pena máxima superior a quatro anos. É possível o somatório das penas das infrações penais praticas pela organização criminosa de modo que se chegue ao patamar mínimo exigido? De acordo com Guilherme Nucci (2020, p.16), não:

[...] Não encontramos fundamento para isso, pois a lei foi clara ao indicar que deva ter a infração penal, por questão de lógica isoladamente, a pena superior a quatro anos. Do contrário, nem teria sentido estabelecer um patamar a ser atingido pelo crime, já que pelo concurso material qualquer infração estaria ao alcance da Lei 12.850/2013. [...]

4.6 Mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional

Neste caso, independente de qual infração penal a organização pratique, ela será caracterizada. O legislador não impôs, aqui, uma pena máxima superior a algum tempo, não há nenhum parâmetro. Deste modo, desde que tenha caráter transnacional e que se enquadre nos outros elementos previstos, está caracterizada a organização criminosa. Conforme entendimento de Rogério Greco e Paulo Freitas (2020, p.50):

Independentemente da pena máxima cominada em abstrato prevista para determinada infração penal, se ela possuir um caráter de transnacionalidade, ou seja, infrações penais (aqui permitidos, agora, tanto os crimes/delitos quanto as contravenções penais) que têm o condão de ultrapassar as fronteiras do país, repercutindo em outros países, tais infrações penais poderão ser consideradas para o reconhecimento da organização criminosa.

O caráter de transnacionalidade é entendido, segundo a parte majoritária da doutrina, em ambos os sentidos, isto é, se a infração penal transnacional tem origem Brasil ou o no exterior, mas que o atinja em algum momento, conforme explicam Masson e Marçal (2021, p.63):

[...] quando os ilícitos penais cometidos não ficam restritos ao território nacional, ou seja, sendo transpostas as fronteiras brasileiras, com o alcance de outro(s) país(es), ter-se-á uma organização criminosa transnacional. Da mesma forma, isso ocorrerá se a infração penal tiver sua gênese no exterior e terminar por atingir o território nacional. [...]

Conclusão

É perceptível que o legislador brasileiro, ainda que soubesse da existência das organizações criminosas e o efeito nocivo que elas produzem para a sociedade, delongou demasiado tempo para que provesse à legislação brasileira sua conceituação e tipificação penal. A partir da lei 9.064/95 foram dezoito anos até que o Brasil pudesse se dispor da legislação atual para o combate às organizações criminosas, passando por períodos de insegurança jurídica e impunidade, afetando algumas condenações de crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, quando tinham a organização criminosa como crime antecedente.

O fato de o Brasil ser signatário da Convenção de Palermo não colaborou efetivamente para que o vácuo de conceituação do crime em questão fosse emprestado para o Direito material brasileiro, ainda que a intenção da referida Convenção fosse que os países participantes criassem mecanismos jurídicos internos para facilitar o combate e a colaboração internacional contra as organizações criminosas. Entretanto, enfim, no ano de 2012 a primeira conceituação surgiu, através da lei 12.694/12, que por sua vez, de maneira rápida foi atualizada pela lei 12.850/13 logo no ano seguinte. A conceituação, agora devidamente constante na legislação brasileira trouxe segurança jurídica para a Justiça, tornando mais eficiente o combate e o desmantelamento destas organizações.

O período de vácuo conceitual só demonstrou o quanto é importante para a sociedade em geral que o ordenamento jurídico precisa ser munido de dispositivos legais e definições ainda que elas sejam óbvias, caso contrário não haverá coerência e normalidade quando da aplicação do Direito, causando danos graves à sociedade. O conceito de organização criminosa, mesmo que a existência destas ninguém questiona, por óbvio ainda assim deve estar materializada na legislação pátria.

Referências

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BRASIL. Lei 10.217, de 11 de abril de 2001. Altera os arts. 1o e 2o da Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10217.htm. Acesso em: 13 set. 2022.

BRASIL. Lei 12.694, de 24 de julho de 2012. Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e as Leis nºs 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12694.htm. Acesso em: 13 set. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm. Acesso em: 13 set. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Dispões sobre a utilização de meios operacionais e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9034.htm. Acesso em: 13 set. 2022.

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Sobre o autor
João Lucas do Valle Oliveira

Bacharel em Direito e Pós Graduando em Ciências Penais e Segurança Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, João Lucas Valle. O histórico do conceito de organização criminosa no direito brasileiro e uma breve análise do conceito trazido pela Lei 12.850/13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7079, 18 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101154. Acesso em: 21 nov. 2024.

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