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O histórico do conceito de organização criminosa no direito brasileiro e uma breve análise do conceito trazido pela Lei nº 12.850/13

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18/11/2022 às 16:30

Resumo:


  • A evolução do conceito de organização criminosa na legislação brasileira iniciou-se com a Lei 9.034/95, que apesar de abordar o combate a tais organizações, não as definiu claramente, causando um período de insegurança jurídica e dificuldades no combate efetivo ao crime organizado.

  • A Lei 12.850/13 trouxe uma definição mais precisa de organização criminosa, estabelecendo critérios como a associação de quatro ou mais pessoas, estrutura ordenada com divisão de tarefas e o objetivo de obter vantagem através da prática de infrações penais com penas superiores a quatro anos ou de caráter transnacional.

  • Após um período de lacunas e incertezas, a legislação atual proporciona maior clareza e ferramentas para a atuação do Direito Penal no combate às organizações criminosas, diferenciando-as de associações criminosas e permitindo uma aplicação mais efetiva da justiça.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. O conceito de organização criminosa definido pela Lei 12.850 de 2013

Para a definição de organização criminosa o Direito brasileiro atual se vale do conceito disposto no §1º do artigo 1º da Lei 12.850/13. Trata-se de um conceito relativamente extenso, que prevê muitos elementos para a sua constituição. De acordo com o referido dispositivo:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013, não paginado)

Desta forma, entende Guilherme de Souza Nucci (2020, p.13):

Diante disso, a organização criminosa é a associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismo preestabelecido, com divisão de tarefas, embora visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a ser partilhada entre os seus integrantes. Pode-se sustentar que a organização criminosa tem a visível feição de uma empresa, distinguindo-se das empresas lícitas pelo seu objeto e métodos ilícitos. Vamos além, com o fito de demonstrar a inserção do crime organizado nas estruturas de poder político do Estado. Seja qual for o objetivo da organização criminosa, a sua atuação, em algum ponto e sob determinada medida, termina por se sustentar pelo apoio de servidores públicos mancomunados e aliciados, integrantes do esquema, direta ou indiretamente.

Alguns detalhes referentes à conceituação de organização criminosa têm um parâmetro mundial, de modo que os países signatários da convenção de Palermo a usaram como base para a criação de suas respectivas definições legais. Uma dessas características faz alusão à quantidade de agentes necessários para sua caracterização, desta forma, de acordo com a Convenção de Palermo, para que haja organização criminosa é necessário a reunião de mais de duas pessoas, isto é, pelo menos três agentes. Por sua vez, pela legislação brasileira, exige-se quatro ou mais pessoas, ou seja, se diferenciou da Convenção quanto ao número de agentes. E neste sentido, lecionam Rogério Greco e Freitas (2020, p.38):

O conceito brasileiro, todavia, foi mais tímido do que aquele estabelecido na Convenção de Palermo e também não seguiu a mesma esteira dos demais países, especialmente os europeus, que admitiram como possível uma organização de apenas 3 (três) pessoas.

Mas quanto aos demais elementos trazidos pela legislação brasileira, os autores prosseguem Quanto aos demais requisitos, no entanto, a lei brasileira manteve-se fiel às diretrizes doutrinárias e à recomendação da Convenção de Palermo. (GRECO, FREITAS, 2020, p.38)

Por outro lado, para que seja constituída uma organização criminosa é necessário a análise de todos os elementos necessários para que isto ocorra. Diante do extenso conceito trazido pela Lei 12.850/13, o legislador não conceituou de maneira vaga, pelo contrário, trouxe uma definição com vários elementos, que por sua vez, todos são necessários simultaneamente para o enquadramento na organização criminosa. Desta forma, entende Guilherme de Souza Nucci (2022, não paginado) que são seis os elementos:

[..] são seis os elementos que constituem a definição de uma organização criminosa:

  1. Associação de quatro ou mais pessoas

  2. Estruturalmente ordenadas

  3. Com divisão de tarefas

  4. Objetivando a obtenção de alguma vantagem

  5. Mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos

  6. Ou mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional.

Tomando como base estes seis elementos para a constituição de uma organização criminosa, será feita uma análise sobre cada um deles, de modo a melhor elucidar seus conceitos.

4.1. Associação de quatro ou mais pessoas

Como já anteriormente mencionado, a Convenção de Palermo estipulou que em uma organização criminosa deve haver pelo menos três agentes, o que serviu de norte para os diferentes países que ratificaram tal Convenção, contudo, no Brasil foi exigido o número mínimo de quatro integrantes que, como entende a maioria dos doutrinadores, se deu por motivos de política criminal. Conforme Nucci (2022, não paginado) O número de associados, para configurar o crime organizado, resulta de pura política criminal, pois variável e discutível., bem como entende Luiz Flávio Gomes (2013, não paginado) [...] Agregue-se um outro argumento, de política criminal: se o legislador, por razões de política criminal, optou na nova configuração legal pelo número mínimo de 4 pessoas, é preciso respeitar essa decisão política. [...].

Já para Rogério Sanches Cunha (2015)2, a alteração do número de integrantes de 3 para 4 se deu para que não houvesse conflito de entendimento com o previsto no artigo 288 do Código Penal (associação criminosa).

Outrossim, pode-se, a princípio, surgir dúvida quanto à natureza dos sujeitos ativos, isto é, se todos devem ser imputáveis ou não, haja vista que a lei não deixou expressa tal eventualidade. Mas, conforme a doutrina majoritária, é entendido que todos os integrantes da organização criminosa são incluídos, ainda que algum deles seja inimputável, como entendem Rogério Sanches Cunha, Rogério Batista Pinto e Renee do Ó Souza (2020, p.18):

[...] estabelecendo o tipo incriminador a presença de, no mínimo, quatro associados, computando-se eventuais inimputáveis ou pessoas não identificadas, bastando prova no sentido de que tomaram parte da divisão de tarefas estruturada dentro da organização.

4.2. Estruturalmente ordenadas

Talvez a característica que mais se destaca de uma organização criminosa é sua estrutura que, algumas vezes, pode ser tão ordenada que chega a se assemelhar às estruturas de uma empresa. Para Rogério Sanchez Cunha (2015)3, a principal característica que diferencia uma organização criminosa para uma mera associação criminosa é a estrutura ordenada e a divisão de tarefa. Porém, por mais que possa existir organizações com estruturas muito complexas, não é assim necessário para que este elemento seja observado, ou seja, mesmo que a estrutura ordenada seja bem simples e informal resta caracterizado este elemento, como bem elucidam Cleber Masson e Vinícius Marçal (2021, p.57):

Para a Lei do Crime Organizado, a associação mínima de quatro pessoas deve ser estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente. Exige-se, pois, uma estrutura minimamente ordenada, na qual a execução dos planos delitivos não se opera de forma improvisada. Mas isso não significa a necessidade de que o grupo possua um elevado grau de sofisticação ou uma espécie de estrutura empresarial, com líderes e liderados. Não é conditio sine qua non, portanto, que o grupo disponha de uma estrutura elaborada (Convenção de Palermo, art. 2.º, c, in fine). (grifo do autor)

4.3. Com divisão de tarefas

Uma consequência direta da estruturação minimamente ordenada das organizações criminosas é a divisão das suas tarefas internas, haja vista que múltiplos agentes visando um objetivo ilícito comum exige uma ordenação entre seus integrantes. A divisão de tarefas é, então, outro elemento fundamental trazido pela Lei 12.850/13, e neste sentido leciona Guilherme de Souza Nucci (2020, p.15):

[...] a decorrência natural de uma organização é a partição de trabalho, de modo que cada um possua uma atribuição particular, respondendo pelo seu posto. A referida divisão não precisa ser formal, ou seja, constante em registros, anais, documentos ou prova similar. O aspecto informal, nesse campo, prevalece, justamente por se tratar de atividade criminosa, logo, clandestina; [...]

Já para Masson e Marçal (2021, p.60), a divisão de tarefas demonstra que nas organizações criminosas está presente a teoria do domínio do fato, em que todos os integrantes terão a coautoria das ações ilícitas praticadas. Como muito bem elucidado pelos nobres autores, vale mencionar em suas palavras:

Consoante a exigência legal, as atividades da organização devem ser marcadas pela divisão de tarefas, característica fundamental da teoria do domínio funcional do fato. Por meio desta, basta que haja a reunião dos autores, cada um com o domínio das funções que lhes foram previamente atribuídas para a prática do delito, sendo desnecessário que todos venham a executar propriamente os delitos para os quais a organização criminosa foi formada. (grifo do autor)

Ainda Masson e Marçal (2021, p.60, apud ASSIS, Augusto et al. 2014, p.30-31) citam:

A respeito do tema, com a autoridade que lhes é peculiar, lecionam os catedráticos Luís Greco e Alaor Leite:

se duas ou mais pessoas, partindo de uma decisão conjunta de praticar o fato, contribuem para a sua realização com ato relevante de um delito, eles terão o domínio funcional do fato (funktionale tatherrschaft), que fará de cada qual coautor do fato como um todo, ocorrendo aqui, como consequência jurídica, o que se chama de imputação recíproca. (grifo do autor)

4.4. Objetivando a obtenção de alguma vantagem

Este elemento dispõe a finalidade das organizações criminosas, isto é, objetivo pelo qual ela age. Para isso, a lei definiu que a vantagem pretendida pela organização pode ser de qualquer natureza, inclusive as não econômicas. Conforme Greco e Freitas (2020, p.48) No entanto, a lei não limitou essa vantagem, como o fez, por exemplo, quando tipificou o delito de extorsão mediantes sequestro, previsto no artigo 158 do Código Penal, que exigiu, especificamente, uma indevida vantagem econômica.

Já Guilherme de Souza Nucci (2020, p.15) dá ênfase no que toca a não ilicitude da vantagem que objetiva a organização, uma vez que o dispositivo legal não previu que deve ser, necessariamente, ilícita:

[...] O ponto faltoso da lei é a ausência de especificação da ilicitude da vantagem, pois é absolutamente ilógico o crime organizado buscar uma meta lícita. Afinal, o meio para alcançar a referida vantagem se dá por meio da prática de infração penal, o que demonstra a ilicitude do proveito auferido. [...]

4.5. Mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos

Neste elemento, diferente do anterior trazido pela Lei 12.694/12, que dispunha que os agentes deveriam praticar crimes, a nova lei agora prevê qualquer tipo de infração penal, o que segundo Rogério Sanches Cunha (2015)4, incluiu também as contravenções penais. Mas diante disto surge o questionamento se é possível ou não que uma organização criminosa se constitua tão somente para a prática de contravenções penais. Neste sentido entendem Masson e Marçal (2021, p.62) quando referente à possibilidade da contravenção penal do jogo do bicho praticado por organização criminosa:

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Para nós (2.ª corrente), no entanto, a resposta é negativa. E a razão é bem simples. Diz a lei: mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos. Como é cediço, a contravenção do jogo do bicho, prevista no art. 58. da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688/1941), é punida com prisão simples, de 4 (quatro) meses a 1 (um) ano, e multa. Assim, por não possuir pena máxima superior a quatro anos, não há falar em organização criminosa exclusivamente formada para a prática de jogo do bicho. [...] (grifo do autor).

Por outro lado, outro questionamento é discutido pela Doutrina referente à pratica de infração penal com pena máxima superior a quatro anos. É possível o somatório das penas das infrações penais praticas pela organização criminosa de modo que se chegue ao patamar mínimo exigido? De acordo com Guilherme Nucci (2020, p.16), não:

[...] Não encontramos fundamento para isso, pois a lei foi clara ao indicar que deva ter a infração penal, por questão de lógica isoladamente, a pena superior a quatro anos. Do contrário, nem teria sentido estabelecer um patamar a ser atingido pelo crime, já que pelo concurso material qualquer infração estaria ao alcance da Lei 12.850/2013. [...]

4.6. Mediante a prática de infrações penais de caráter transnacional

Neste caso, independente de qual infração penal a organização pratique, ela será caracterizada. O legislador não impôs, aqui, uma pena máxima superior a algum tempo, não há nenhum parâmetro. Deste modo, desde que tenha caráter transnacional e que se enquadre nos outros elementos previstos, está caracterizada a organização criminosa. Conforme entendimento de Rogério Greco e Paulo Freitas (2020, p.50):

Independentemente da pena máxima cominada em abstrato prevista para determinada infração penal, se ela possuir um caráter de transnacionalidade, ou seja, infrações penais (aqui permitidos, agora, tanto os crimes/delitos quanto as contravenções penais) que têm o condão de ultrapassar as fronteiras do país, repercutindo em outros países, tais infrações penais poderão ser consideradas para o reconhecimento da organização criminosa.

O caráter de transnacionalidade é entendido, segundo a parte majoritária da doutrina, em ambos os sentidos, isto é, se a infração penal transnacional tem origem Brasil ou o no exterior, mas que o atinja em algum momento, conforme explicam Masson e Marçal (2021, p.63):

[...] quando os ilícitos penais cometidos não ficam restritos ao território nacional, ou seja, sendo transpostas as fronteiras brasileiras, com o alcance de outro(s) país(es), ter-se-á uma organização criminosa transnacional. Da mesma forma, isso ocorrerá se a infração penal tiver sua gênese no exterior e terminar por atingir o território nacional. [...]

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Sobre o autor
João Lucas do Valle Oliveira

Bacharel em Direito e Pós Graduando em Ciências Penais e Segurança Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, João Lucas Valle. O histórico do conceito de organização criminosa no direito brasileiro e uma breve análise do conceito trazido pela Lei nº 12.850/13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7079, 18 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101154. Acesso em: 22 dez. 2024.

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