Palavras chaves: Bolsa família. PEC de gastos. Receita tributária. Receita creditícia. Despesas desnecessárias.
Uma das promessas de campanha do Presidente Bolsonaro, encampada pelo ex Presidente Lula, refere-se à continuidade de pagamento de R$ 600,00 mensais aos beneficiários do Auxílio Brasil durante o exercício de 2023, agora, com o retorno à sua antiga denominação: Bolsa Família.
A equipe de transição, bem como o Presidente eleito estão articulando com os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para emplacar uma PEC para superar o teto de gastos, em caráter excepcional. Só que se trata de uma excepcionalidade previamente planejada e calculada.
Com tantas excepcionalidades, como a PEC do calote de precatórios, melhor seria a revogação pura e simples da EC nº 95/2006 que congelou as despesas por 20 anos, permitindo-se apenas a atualização monetária do total das despesas do exercício anterior, ignorando, ostensivamente, a realidade social caracterizada pelo dinamismo, a exigir novas modalidades de despesas e aumento daquelas em curso.
Mas, o problema não se resume na remoção do obstáculo constitucional por via de uma PEC, que não tem o condão de produzir receitas.
O governo precisa obter fonte de recursos para financiar essa despesa em torno de R$175 bilhões.
Retirar recursos das dotações da saúde e da educação, que são as mais expressivas, não será possível por causa da vinculação constitucional de receitas de impostos para esses dois setores.
Aumentar tributos para arrecadar em 2023, igualmente, não será possível por causa do princípio da anterioridade.
Existe, na verdade, o recurso à utilização do IOF, um imposto regulatório, com finalidade arrecadatória mediante aumento por Decreto.
Essa artimanha que, em tese, configura ato de improbidade administrativa na modalidade de desvio de finalidade (art. 11, inciso I da Lei nº 8.429/92), foi bastante utilizada pelos governantes anteriores, que nunca foram responsabilizados por conta da morosidade do Judiciário.
O STF jamais apreciou a medida cautelar requerida no bojo da ADI, passando diretamente ao exame do mérito que leva anos para decidir.
Devido essa demora, o governante já com as finanças recompostas retornava a alíquota do IOF àquela originalmente fixada.
O STF, então, determinava o arquivamento da ADI por perda de objeto.
Na verdade, se a Corte Suprema quisesse firmar posição a respeito da matéria poderia prosseguir no julgamento, convolando a ADI em ADPF. Mas, isso nunca ocorreu.
Todavia, o elevado montante do crédito necessário – R$175 bilhões – inviabiliza a execução desse artifício legislativo.
Resta a alternativa do aumento do endividamento que já beira a 80% do PIB.
Contudo, essa alternativa, também, encontra limitações.
Por força do art. 167, III do CF, denominada cláusula de ouro das finanças públicas, não será possível a realização da operação de crédito em montante superior ao valor da despesa de capital previsto na LOA.
Difícil se mostra uma saída sem a quebra da legalidade, que muito provavelmente irá acontecer, para financiar um programa que serviu de vitrine na campanha eleitoral por ambos os candidatos.
O enxugamento de despesas desnecessárias, senão nocivas, como as despesas oriundas do fundo eleitoral, de fundo partidário e das emendas do relator, jamais acontecerá, porque o governo depende da boa vontade dos parlamentares para aprovar projetos legislativos de seu interesse.
E assim caminhamos perigosamente para o atoleiro da dívida pública, cujos serviços consomem quase 50% da receita. Outro tanto é consumido para financiar a folha. Pouco resta para as despesas de investimento que asseguram o crescimento do país.
Na verdade, ao invés de PECs para expandir o despesismo em moda deveria promulgar uma PEC limitando as operações creditícias externas para exclusivamente custear despesas de investimentos, que a doutrina denomina de despesas reprodutivas porque, a médio e longo prazos, aquelas despesas contribuirão para o aumento da capacidade produtiva do Estado, fazendo a economia crescer
Porém, infelizmente a dotação orçamentária a esse título tem sido insignificante ao longo desses últimos anos.
Não está havendo modernização dos portos, dos aeroportos; não está havendo expansão do transporte hidroviário, do transporte ferroviário, nem melhoria e expansão de rodovias que atravancam o escoamento da produção.
Não está havendo crescimento da produção de energia elétrica, bem como a manutenção das redes de transmissão ocasionando frequentes apagões parciais, prejudicando a atividade laboral; não está havendo melhoria no setor de comunicação, apesar de inaugurado o 5G. O funcionamento da Internet no Brasil tem sido precário prejudicando em muito as atividades econômicas nesse mundo informatizado.
Enfim, é preciso criar condições para que a LRF, que busca a política de gestão fiscal responsável, possa efetivamente ser aplicada, sem novas providências legislativas que visem a sua inaplicação sempre sob o indefectível manto da excepcionalidade planejada e criada.
Por derradeiro, a inchada equipe heterogênea de transição está preconizando a aprovação da PEC dos gastos públicos queimando as etapas previstas na Constituição. Pretendem acoplar essa PEC em uma outra PEC já em fase adiantada, sem passar pelo crivo da Comissão de Justiça e Constituição que faz o exame preliminar quanto à constitucionalidade da medida proposta.
Trata-se, na realidade, de um estelionato legislativo. É como um corredor que fica descansando próximo ao local de chegada para juntar-se aos demais competidores cansados e assim vencer a corrida.
E mais, essa PEC tem a sua denominação verdadeira escamoteada. Evita-se falar em aumento de despesas acima do teto de gastos. Preferem a utilização de eufemismo para afirmar que se trata de PEC que deixa de fora do teto o valor de R$ 175 bilhões.
Difícil encontrar no mundo um outro país como nosso, com tanta criatividade legislativa maligna para burlar textos constitucionais vigentes.
Governar dessa maneira é fácil. Dispensa-se a formação de um estadista que tudo planeja com antecedência para bem servir à sociedade nos termos e limites da lei em sentido amplo.
Cada governante elabora a sua própria Constituição, para amoldá-la ao seu “plano” de governo. Às vezes altera, no curso da execução orçamentária, a Constituição que elaborou, para ajustá-la ao novo “plano”, porque o anterior mostrou-se imprestável.
De há muito não temos mais o governo de leis. Houve uma inversão: os atos do Executivo governam a feitura das leis.
Realmente, o Brasil é um país singular. Cada Poder tem o seu orçamento independente para gastar como quiser. Por isso temos o Parlamento e o Judiciário mais caros do planeta.