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A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo

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5 ELEMENTO SUBJETIVO

O elemento subjetivo do infanticídio é o dolo, que pode ser entendido como a vontade de praticar a conduta típica. Neste crime, a doutrina, de maneira unânime, entende que o dolo pode tanto ser admitido na forma direta ou determinada quanto na forma indireta eventual.

Desta forma, o dolo direto seria a vontade da mãe em causar a morte do filho durante ou logo após o parto, e o dolo eventual seria a mãe assumir conscientemente o risco de sua ação resultar na morte do filho nascente ou neonato.

Entretanto, questão bastante controversa na doutrina é saber se a culpa também pode ser aceita como elemento subjetivo do infanticídio. Há duas posições doutrinárias a respeito deste assunto.

Para a primeira corrente, representada por Damásio de Jesus, Antonio José Miguel Feu Rosa e por José Frederico Marques, se a mãe, culposamente, matar o próprio filho durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal, o fato será inteiramente atípico, por não ter, o Código Penal brasileiro, adotado o infanticídio na forma culposa. Para esta corrente, entretanto, a mulher pode vir a matar o próprio filho de maneira culposa sem que se encontre sob a influência do estado puerperal. Neste caso, responderá por homicídio culposo, na forma do art. 121, § 3º, do CP.

Já para a segunda corrente, encabeçada por Nélson Hungria, Magalhães Noronha, Cezar Roberto Bitencourt, Julio Frabbrini Mirabete, Luiz Regis Prado, e por Fernando Capez, a mulher que, por negligência, imprudência ou imperícia, matar o próprio filho nascente ou recém-nascido, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal, responderá pelo crime de homicídio culposo, uma vez que, segundo Mirabete, [83] "a influência do estado puerperal não equivale à incapacidade psíquica e a puérpera responde pelo ato culposo, qualquer que seja ele".


6 PERÍCIA MÉDICO-LEGAL

O papel da perícia médico-legal é de suma importância para a caracterização do infanticídio. De fato, o legislador outorgou aos médicos legistas a tarefa de confirmar comprovadamente a existência dos elementos constituintes deste delito, com vistas a elucidar a Justiça. Desse modo, Vasconcelos assegura:

Para a comprovação conclusiva do ato criminal da própria mãe que mata o filho nascente ou recém-nascido, do infanticídio assim configurante no Cód. Penal, precisa o perito esclarecer as três questões principais: o recém-nascimento, o nascimento com vida e a causa criminosa da morte. [84]

Além disso, compete à perícia determinar se a mulher apresenta sinais de ter parido recentemente e se esta, no momento em que praticou a conduta delituosa, encontrava-se ou não sob a influência do estado puerperal.

A respeito do papel da Medicina Legal na caracterização do infanticídio, Genival Veloso de França [85] diz que ela "constitui o maior de todos os desafios médico-legais pela sua complexidade e pelas inúmeras dificuldades de tipificar o crime. Por isso, foi essa perícia chamada de crucis peritorum – a cruz dos peritos".

Como já se viu no estudo do sujeito passivo, a prova de existência de vida extra-uterina é feita através das docimásias, que podem ser respiratórias ou não-respiratórias, ou através das provas ocasionais.

Já a prova de existência de vida intra-uterina dá-se através do estudo de dois fenômenos dependentes da circulação sangüínea: o tumor de parto e os caracteres vitais das lesões.

Ainda com relação ao sujeito passivo, cabe à perícia médico-legal determinar a causa jurídica da morte. Caso ela tenha sido natural, fica afastada a hipótese de homicídio; caso não tenha sido, necessita-se esclarecer se a sua causa foi acidental ou criminosa.

A idade do feto pode ser determinada através da constatação de sinais que atestem a sua viabilidade prática. Neste caso, os elementos que devem ser analisados pelo perito são o peso do feto, sua estatura, sua pele e fâneros cutâneos, sua genitália externa, os diâmetros cefálicos, os pontos de ossificação e a histologia fetal.

Com relação à mulher, para a comprovação do delito, é necessário que ela seja portadora de grave perturbação psicológica ocasionada pelo estado puerperal, e capaz de levá-la a extirpar a vida de seu próprio filho durante ou logo após o parto. Conforme Nerio Rojas, [86] "el examen mental de la madre tiene a veces especial interés, pues el parto es capaz de producir transtornos psíquicos o éstos son invocados por la defensa".

Desta forma, o parecer psiquiátrico, como exame subsidiário, ao fazer uma análise do estado psíquico da parturiente, apresenta sua inegável importância, pois deverá avaliar a possível influência exercida pelo estado puerperal no psiquismo da parturiente. Este exame irá apurar se o parto foi doloroso ou angustiante; se a acusada, após ter matado o filho, tratou de esconder seu cadáver; se ela se lembra do acontecido ou se finge que não se lembra; se ela possui um histórico de psicopatia ou se foi acometida de perturbação mental durante ou logo após o parto capaz de tê-la levado a cometer o crime.

Por fim, faz-se na mulher o exame de parto pregresso, que vai determinar se ela pariu recentemente ou não, devendo-se levar em conta o aspecto geral de seu organismo, o aspecto dos órgãos genitais externos, a presença de corrimento genital, o exame dos órgãos genitais internos através do toque, a dilatação uterina, o aspecto das mamas, a presença de colostro ou leite, a dilatação abdominal, a presença de estrias, a presença de lóquios etc. Tal exame também pode ser realizado na mulher caso ela tenha falecido, caso em que serão somados a esses vestígios os encontrados na necropsia.

Assim sendo, França afirma:

Como se viu, a perícia médico-legal no infanticídio é de fundamental interesse pelo seu caráter esclarecedor, chegando-se à conclusão de que, sem sua contribuição, a Justiça jamais teria condições de fundamentar uma sentença dentro de um critério justo, pois lhe faltaria elementos técnicos consistentes e convincentes a respeito das condições de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém-nascidos; das provas de vida extra-uterina; da causa jurídica da morte; do estado psíquico da parturiente; e do diagnóstico de parto pregresso [87].


7 PENA E AÇÃO PENAL

A pena em abstrato cominada ao crime de infanticídio é a de detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos, de acordo com o art. 123 do Código Penal, para o crime consumado.

A pena de detenção é uma pena privativa de liberdade que deve ser cumprida em regime semi-aberto ou aberto, permitindo-se que o condenado a pena de detenção venha a cumpri-la em regime fechado no caso de regressão, conforme o disposto nos artigos 33 do Código Penal e 118 da Lei n.º 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais).

Não incidem as circunstâncias agravantes presentes no artigo 61, II, e (crime praticado contra descendente) e h (crime praticado contra criança), pois integram a descrição típica do infanticídio.

O infanticídio, tentado ou consumado, é um crime cuja ação penal é pública e incondicionada, ou seja, o Ministério Público tem a atribuição exclusiva para a sua propositura, independentemente da representação do ofendido, admitindo-se a este a ação privada subsidiária, desde que haja inércia do Ministério Público, nos termos do disposto no art. 5º, LIX, da CF.

Por se tratar de crime doloso contra a vida, o crime de infanticídio insere-se na competência do Tribunal do Júri, conforme o art. 5º, XXXVIII, da CF, sendo competente o juízo do local em que se verificou a morte da vítima e, no caso de tentativa, do local onde a atividade da agente teve fim.

A primeira fase do processo tem início com o oferecimento da denúncia e se encerra com a decisão de pronúncia (judicium accusationis ou sumário de culpa). A segunda tem início com o libelo e termina com o julgamento pelo Tribunal do Júri (judicium causae). A instrução criminal segue o procedimento comum independentemente de o crime ser apenado com reclusão ou detenção (oferecimento da denúncia; recebimento da denúncia; citação do acusado; interrogatório; fixação do tríduo para a defesa prévia; audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação (no máximo 8); audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa (no máximo 8); alegações finais, com prazo de cinco dias para cada parte e, se houver assistente da acusação, terá este igual prazo, após a manifestação do promotor de justiça). [88]


8 CONCLUSÃO

A adoção, pelo Direito brasileiro, do infanticídio como delito autônomo calcado no critério fisiopsicológico do estado puerperal tem ensejado o surgimento de inúmeras divergências doutrinárias e jurisprudenciais que contribuem para o quadro de incerteza jurídica existente no Brasil.

O tal estado puerperal exigido no art. 123 do Código Penal para a caracterização do infanticídio nunca teve sua existência comprovada. Sabe-se que existem doenças psicológicas que se manifestam no período gravídico e pós-gravídico, entretanto, tais doenças não podem ser confundidas com a "influência do estado puerperal", que é diferente das psicoses puerperais, da depressão pós-parto, entre outras doenças capazes de acometer as mulheres durante o puerpério.

Devido à própria natureza do delito, que costuma ocorrer em partos clandestinos, sem acompanhamento médico, sem testemunhas do crime, e até porque a mulher só vai passar por alguma avaliação médica e psicológica bastante tempo depois de ter cometido o crime, fica muito difícil, quase impossível, para a perícia determinar com certeza se ela matou seu próprio filho nascente ou recém-nascido sob a influência do estado puerperal.

Por conta disso, o que ocorre na quase totalidade dos casos é a aplicação do princípio do favor rei, que preceitua que, no caso de haver um conflito entre o jus puniendi do Estado Democrático de Direito e o jus libertatis do réu, a balança deve pender a favor deste se se quiser operar o reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana, fato este que acaba privilegiando as homicidas com a pena amena do infanticídio.

Outras questões também suscitam dúvidas com relação à exata aplicação da lei penal aos casos de infanticídio. Tem-se a questão da co-autoria que é bastante polêmica na doutrina e nos tribunais, e cuja solução está longe de ser alcançada. Há divergências acerca do fato de o elemento subjetivo do infanticídio ser apenas o dolo ou se a culpa também é aceitável. Tem-se toda uma problemática relativa à delimitação do início e do fim do parto, e, por conseguinte, do momento em que se passa a considerar o feto como nascente ou como recém-nascido. Além disso, surgem dúvidas com relação à elementar normativa temporal "logo após o parto", que também é uma questão bastante polêmica e que divide a doutrina.

Por conta de todos esses problemas na caracterização do infanticídio conforme está tipificado no Código Penal brasileiro de 1940, alguns juristas e doutrinadores defendem o resgate do motivo de honra à legislação brasileira como condição de atenuação da pena.

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Entretanto, trazer de volta o critério psicológico da honoris causa não parece ser a coisa mais acertada a se fazer. Conforme afirma Heleno Cláudio Fragoso,

a vida moderna trouxe, nos últimos tempos, transformações importantes na moral pública sexual, ampliando a esfera de liberdade da mulher e liberando-a de velhos e intoleráveis preconceitos. Parece claro que caminhamos para reconhecer desonra precisamente no fato de a mulher não assumir a responsabilidade de seu comportamento sexual, não hesitando em praticar crime grave para preservar o que já constitui valor moral duvidoso. [89]

Neste mesmo sentido, o ensinamento de Genival Veloso de França, para quem

trazer a espécie honoris causa ao corpo do novo estatuto penal outra coisa não reflete senão um infeliz retrocesso e a flagrante confissão de que a sociedade não evoluiu nos seus conceitos nem se redimiu de seus preconceitos falsos, posto que nenhuma gravidez pode ser considerada imoral, a não ser que os propósitos que a motivaram sejam ilícitos e imorais. [90]

A sociedade evoluiu. Seus conceitos mudaram. Muitas têm sido as críticas sofridas pelo Código Penal no tocante ao seu art. 123 que privilegia as mães infanticidas. Existe um clamor social a favor da proteção da vida, que é o bem maior da sociedade, e avesso ao contra-senso existente na lei penal, que enxerga a questão apenas pela ótica da mãe, esquecendo-se de tutelar com mais severidade a vida do infante nascente ou neonato.

A sociedade vê que neste tipo de crime a conduta criminosa da agente reveste-se de um caráter mais reprovável ainda, por se tratar da ocisão da vida de um ser indefeso, frágil, totalmente dependente dos cuidados de terceiros, e que não lhe fez nenhum mal. Trata-se de uma vida que mal começou a nascer. Uma vida que, para se desenvolver, necessita de afeto, cuidados especiais, carinho e muito amor.

Além disso, ser mãe solteira no Brasil hoje em dia não é mais nenhum atentado à moral e aos bons costumes nem nos mais recônditos grotões do país. E, se não quiser engravidar, a mulher dispõe de métodos contraceptivos cada vez mais acessíveis e confiáveis, como a pílula anticoncepcional, a pílula do dia seguinte, o anticoncepcional injetável, o anticoncepcional em forma de adesivo para a pele, o DIU (Dispositivo Intra-Uterino), a camisinha feminina, a camisinha masculina etc., devendo-se ressaltar que a maioria desses métodos beira os 100% de eficácia.

Além desses métodos, há meios mais radicais de se evitar uma gravidez, como a esterilização masculina ou feminina, recomendada para quem não deseja ter outros filhos, sendo que tal cirurgia pode ser feita na rede pública de hospitais sem nenhum custo financeiro adicional para a pessoa.

Há, diariamente, campanhas nos meios de comunicação estimulando o uso dos métodos contraceptivos. A população é bastante informada a respeito disso, além de haver distribuição gratuita de pílulas anticoncepcionais e preservativos masculinos na rede pública de hospitais no Brasil. Portanto, atualmente ninguém pode se escusar dizendo que não sabia que fazer sexo sem fazer uso de algum meio contraceptivo pode fazer a mulher ficar grávida. Só fica grávida quem quer ou quem assume o risco de engravidar.

Há a hipótese, porém, de a mulher sofrer um estupro e ficar grávida do criminoso. Nesses casos, o Código Penal, de maneira bastante criteriosa, regula que a mulher não precisa levar tal gravidez adiante. Ela pode, se quiser, submeter-se a um abortamento, nos termos do inciso II do art. 128 do Código Penal, que dispõe sobre a matéria da seguinte forma:

Art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico:

I – (...)

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Como se vê, a lei age sabiamente ao permitir, nesses casos, que seja tirada a vida do feto antes do seu nascimento, pois, se dispusesse de forma a permitir que sua vida também fosse tirada após seu nascimento, estaria, dessa forma, consentindo em um homicídio.

Na atual era do "amor livre", época em que não se constitui em uma desonra para a família a mulher não casar virgem, época em que até o próprio casamento está caindo em desuso, época em que o conceito de família não mais compreende apenas a célula básica formada pela tríade pai, mãe e filhos, época de avanços científicos na área da prevenção à gravidez, não há por que se falar em motivo honoris causae. Seria um verdadeiro retrocesso social e jurídico para o país, um verdadeiro descompasso entre lei e sociedade se o critério psicológico voltasse a configurar o infanticídio.

Por outro lado, não dá pra continuar como está, com o critério fisiopsicológico fazendo parte do tipo penal do art. 123 do CP. É necessário que haja mudanças com vistas a se tornar a lei mais clara e, portanto, de melhor aplicabilidade prática. A sociedade não vê mais motivos para se tratar o infanticídio como um homicídio privilegiado, com uma pena mais amena.

Portanto, uma saída para o legislador seria suprimir o delito de infanticídio do ordenamento jurídico brasileiro como delito autônomo. Simplesmente revogar-se-ia o artigo 123 do Código Penal, e acrescentar-se-ia um sexto parágrafo ao art. 121 do CP, que disporia da seguinte forma: §6º Incide nas mesmas penas do homicídio simples aquele que matar infante nascente.

Por conseguinte, todos os casos de infanticídio passariam a ser tipificados de acordo com o art. 121 do Código Penal, que passaria a figurar no ordenamento jurídico pátrio da seguinte forma:

Art. 121: Matar alguém:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

§2º Se o homicídio é cometido:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe;

II – por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§3º Se o homicídio é culposo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço se o crime é praticado contra pessoa menor de quatorze ou maior de sessenta anos.

§5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§6º Incide nas mesmas penas do homicídio simples aquele que matar infante nascente.

Desta forma, estariam protegidas tanto a vida do infante nascente quanto a do recém-nascido, respondendo por homicídio todo aquele que intentasse contra a vida de uma criança no momento de seu nascimento ou em qualquer outro estágio de sua vida.

Caso o agente do crime fosse a mãe da criança, contra esta incidiriam as circunstâncias agravantes presentes no art. 61, II, e e h, do CP. Além disso, qualquer que seja o agente, incide a agravante presente no parágrafo 4º do artigo 121 do Código Penal, em se tratando de homicídio doloso contra menor de quatorze anos.

Também se pode imaginar a hipótese em que a mulher mataria o próprio filho para esconder que um dia tivesse ficado grávida ou para se vingar do amásio que a tivesse abandonado ao receber a notícia da gravidez, cominando-se-lhe, neste caso, pena mais grave por ter praticado o crime por motivo torpe, nos termos do art. 121, § 2º, I, do Código Penal.

Apesar de não ser muito comum, há registros na literatura médica e jurídica, de infanticídios praticados com o emprego de fogo. Desta forma, também incidiria na agravante do art. 121, § 2º, III, do CP a pessoa que matasse um infante nascente ou neonato desta forma, bem como por qualquer dos outros meios previstos no referido dispositivo.

Com relação ao co-autor do delito, acabaria a discussão a respeito da sua punição por infanticídio ou homicídio. Ele responderia por co-autoria em homicídio na medida de sua culpabilidade, conforme o disposto no art. 29 do CP brasileiro.

Como a modalidade culposa de homicídio está prevista no § 3º do art. 121, do Código Penal, não mais haveria divergência a respeito da existência ou não de crime quando a mulher matasse o próprio filho por imprudência, negligência ou imperícia. Desde que ficasse caracterizada a culpa, responderia por homicídio culposo, podendo a agente até ser alvo de perdão judicial, caso o juiz entendesse que as conseqüências da infração atingiram o próprio agente de maneira tão grave que a sanção penal seria desnecessária.

O tão criticado "estado puerperal" não teria mais vez. Em seu lugar, analisar-se-ia se a mulher, no momento consumativo do crime, era plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento.

Se tivesse essa capacidade, seria considerada plenamente imputável. Entretanto, se, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, incapaz de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, ficaria isenta de pena. Já se, por conta de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, reduzir-se-ia sua pena de um a dois terços, conforme o que prediz o artigo 26 do Código Penal.

Por último lugar, o elemento normativo temporal caracterizador do infanticídio "durante o parto ou logo após", cuja existência tem patrocinado intermináveis querelas doutrinárias, perderia um pouco a capacidade de criar polêmica. Responderia por homicídio tanto a mulher que matasse seu filho no momento do parto (art. 121, § 6º, CP) quanto a que executasse a conduta criminosa imediatamente ou muito tempo após o parto.

Como se vê, seria um avanço bastante positivo para o Direito brasileiro se o Código Penal fosse modificado no tocante ao crime de infanticídio, cuja existência como delito autônomo tem-se mostrado bastante problemática, e que não mais encontra legitimidade social para continuar como modalidade de homicídio privilegiado.

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Sobre o autor
Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes da Costa

advogado em São Luís (MA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Pedro Ivo Augusto Salgado Mendes. A problemática do infanticídio enquanto tipo autônomo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1508, 18 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10301. Acesso em: 5 mai. 2024.

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