Resumo: O presente artigo objetiva analisar, à luz do Texto Constitucional e da legislação infraconstitucional aplicável, o emprego das Forças Armadas na denominada garantia da lei e da ordem (GLO) e em situações excepcionais de intervenção federal na área de segurança pública, institutos absolutamente inconfundíveis.
Palavras-chave: Forças Armadas. Garantia da Lei e da Ordem. Intervenção Federal.
1. Introdução
O presente artigo objetiva analisar, à luz do Texto Constitucional e da legislação infraconstitucional aplicável, o emprego das Forças Armadas na denominada garantia da lei e da ordem (GLO) e em situações excepcionais de intervenção federal na área de segurança pública.
De início, analisaremos a evolução histórica da destinação constitucional das Forças Armadas, bem como a razão que motivou a redação dada ao texto atual (art. 142, caput, da CF/1988), notadamente no que se refere à garantia da lei e da ordem (GLO), estabelecendo, ainda, a devida distinção entre esta missão e a intervenção federal decretada em 2018 pelo então Presidente MICHEL TEMER na área da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.
2. A Missão das Forças Armadas na História Constitucional Brasileira
Conforme amplamente noticiado, o Estado do Rio de Janeiro, em diversas ocasiões, contou com o emprego das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da ordem (GLO), uma das missões que lhe foram conferidas pela CF/1988. Em todos os casos em que as Instituições Castrenses foram convocadas a atuar na GLO, um aspecto em comum sempre veio à tona. Referimo-nos aos frequentes e desarrazoados questionamentos sobre a regularidade, à luz do Ordenamento Jurídico vigente, de tal emprego, fato que muito provavelmente guarda relação com episódios do passado nacional, quando as Forças Armadas foram efetivamente utilizadas como instrumento de estabilização política.
Refletindo a respeito das diversas atuações militares experimentadas ao longo da história brasileira, quando as Forças Armadas agiam como verdadeiro instrumento de equilíbrio institucional, é possível afirmar que tal emprego pretérito, dentre outros fatores, possuía alguma relação com aquilo que os dispositivos constitucionais pertinentes preceituavam acerca das missões anteriormente conferidas às Instituições Militares, dado que demanda, a priori, uma análise de tais previsões normativas.
Sintetizando o arcabouço constitucional relativo ao tema, cumpre consignar que a Constituição Imperial (1824) limitava-se a dizer que a Força Militar era essencialmente obediente ao Imperador. A Carta de 1891, por sua vez, previa que as Forças de Terra e Mar eram incumbidas da defesa da Pátria (no exterior) e à manutenção das leis (no interior), sendo obrigadas a sustentar as instituições constitucionais. Nos termos da Constituição de 1934, eram elas destinadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a ordem e a lei. A Carta Varguista de 1937 relacionava o emprego das Forças Armadas à defesa do Estado. Segundo a Lei Magna de 1946, eram elas dedicadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. Do mesmo modo, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, estabeleciam que as Forças Armadas destinavam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem. Nota-se, pois, que a expressão garantia da lei e da ordem foi introduzida, pela primeira vez, na Constituição de 1934.
Por fim, de acordo com o art. 142, caput, da Lei Magna de 1988, as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais; e, por iniciativa de qualquer destes, à garantia da lei e da ordem. Conforme explica FERREIRA FILHO (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 239), as duas primeiras destinações mencionadas na Constituição em vigor (defesa da Pátria; garantia dos poderes constitucionais) retratam o papel elementar das Forças Armadas, sendo relativas à própria ideia de defesa e soberania do Estado brasileiro. A última delas traduz hipótese em que as Forças Armadas poderão ser empregadas na garantia da lei e da ordem (GLO), por solicitação de qualquer um dos poderes constitucionais, por questões afetas, por exemplo, à ordem pública.
A leitura dos dispositivos constitucionais de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988 permite concluir que a redação prevista no art. 142, caput, da atual Carta Magna, notadamente a expressão por iniciativa de qualquer destes, não era encontrada nas demais Constituições, o que certamente não ocorreu por acaso. A nosso ver, a razão ponderável para a construção dada ao texto atual foi justamente evitar o manejo, antes frequente, mas atualmente impensável, das Forças Armadas como instrumento de estabilização política, por exclusiva iniciativa do Executivo, como tantas vezes ocorreu durante os séculos passados.
Cumpre, então, entender minimamente como a mencionada expressão restou introduzida na Constituição de 1988. Para tanto, recortes jornalísticos publicados por ocasião dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988) revelam intensos debates travados acerca da missão a ser conferida às Forças Armadas, conforme registrou O Globo, de 14 de janeiro de 1986, p. 3, na matéria Forças Armadas Debatem seu Papel na Constituição.
O papel constitucional das Forças Armadas será o principal tema da reunião entre os três Ministros Militares e os Chefes do Serviço Nacional de Informações, Estado-Maior das Forças Armadas e do Gabinete Militar da Presidência da República. A reunião será hoje no Quartel General do Exército e terá início às 10h30m. (O Globo, 14 jan. 1986, p. 3)
Depois de acentuadas disputas na Constituinte, a expressão por iniciativa de qualquer destes foi finalmente aprovada, conforme relata matéria de autoria de DALTON MOREIRA, publicada em 1988:
Apenas os partidos de “esquerda” foram contra a aprovação do artigo que regulamenta o papel constitucional das Forças Armadas. Por 326 a 102 votos e cinco abstenções, o plenário do Congresso constituinte manteve ontem o texto da Comissão de Sistematização (idêntico ao do Centrão) que permite aos militares defender o território nacional, garantir os poderes constitucionais e, por iniciativa de um destes (referência aos três Poderes), a lei e a ordem. [...].
“Se manteve a tutela militar porque a extensão da expressão ‘da lei e da ordem’ é muito abrangente. Pode ser tanto uma intervenção numa greve quanto um golpe militar”, disse o deputado José Genoíno (PT-SP), autor da tentativa de restringir os poderes das Forças Armadas. Sua emenda, que reproduzia integralmente o texto da ex-comissão de Estudos Constitucionais presidida pelo hoje senador Afonso Arinos (PFL-RJ), limitava a ação dos militares à defesa “da ordem constitucional”.
(DALTON MOREIRA; Folha de São Paulo, 13 abr. 1988, p. 6)
De fato, é inegável a pertinência da introdução da referida expressão no Texto Constitucional vigente, de modo a não deixar qualquer margem de dúvida quanto ao papel das Forças Armadas no que se refere à garantia da lei e da ordem, atuação que se encontra absolutamente atrelada à iniciativa dos poderes constituídos. Da mesma forma, o Poder Constituinte Originário também determinou que as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas fossem estabelecidas através de Lei Complementar (art. 142, § 1º, da CF/1988). Assim, objetivando balizar de vez o emprego das Forças Armadas, a regulamentação do art. 142, § 1º, da CF/1988 deu-se por meio da Lei Complementar nº 97/99, cujo art. 15 assevera que a utilização das Instituições Militares na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem é de responsabilidade do Presidente da República. Da mesma forma, o § 1º do mesmo art. 15 confere ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Ademais, nos termos art. 15, § 2º, da citada Lei Complementar, a atuação das Instituições Castrenses na garantia da lei e da ordem ocorrerá, desde que esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio relacionados no art. 144 da CF/1988 (natureza subsidiária).
Nota-se, portanto, que a atuação das Forças Armadas, consoante o referido arcabouço normativo (notadamente a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 97/99) encontra-se muito bem definida, o que permitiu uma verdadeira guinada na concepção estratégica das Instituições Marciais, de modo que é possível dizer que as Forças Armadas de hoje conhecem perfeitamente o importante lugar que ocupam no quadro institucional brasileiro. E mais: diante desse amplo mapa normativo, pode-se afirmar que as Forças Armadas cumprem um duplo papel. No plano principal, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais. Secundariamente, por iniciativa de qualquer dos poderes constituídos, garantem a lei e a ordem, o que somente acontecerá subsidiariamente, ou seja, quando verificada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública (arrolados no art. 144 da Lei Maior) prover uma resposta à demanda constatada (art. 15, § 2º, da Lei Complementar nº 97/99). Por conseguinte, o emprego das Forças Armadas em missões de GLO deve ser entendido como algo excepcional, passível de acontecer somente em situações que efetivamente fogem à ação dos órgãos de segurança pública, pela razão simples de que tal atuação, nos termos da lei de regência, deve ser subsidiária. De qualquer forma, cumpre frisar para efeito de desenvolvimento de um raciocínio comparativo, que o manejo das Forças Armadas na GLO não enseja o afastamento da autonomia do Ente Federado no qual as tropas estejam sendo empregadas.
3. A Postura Democrática das Forças Armadas do País
Não há como negar a evolução institucional experimentada pelas Forças Armadas de hoje, cuja subordinação constitucional aos poderes constituídos não permite mais o seu emprego como mecanismo de solução política. Afinal, como bem advertiu o Ministro CELSO DE MELLO, quando de sua posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em 22 de maio de 1997, as crises políticas devem ser solucionadas dentro do quadro normativo delineado pelo Ordenamento Constitucional, com os instrumentos jurídicos nele previstos e com fundamento exclusivo no predomínio da Constituição e das leis, o que confere ao Judiciário como um todo, e em particular ao STF enquanto guardião do Texto Magno, um relevante papel (Mandado de Segurança nº 26.603/DF, Tribunal Pleno, julgamento em 4 de outubro de 2007).
Na mesma linha de dicção, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (FHC), em artigo publicado no Estado de São Paulo, em 2015, ao analisar a atual crise (moral, política, econômica, etc) vivida pelo País, assentou que:
Tudo isso é preocupante, mas não é o que mais me preocupa. Temo, especialmente, duas coisas: o havermos perdido o rumo da História e o fato de a liderança nacional não perceber que a crise que se avizinha não é corriqueira – a desconfiança não é só da economia, é do sistema político como um todo. [...].
Nada se consertará sem uma profunda revisão do sistema político e mais especificamente do sistema partidário e eleitoral. Com uma base fragmentada e alimentando os que o sustentam com partes do Orçamento, o governo atual não tem condições para liderar tal mudança. E ninguém em sã consciência acredita no sistema prevalecente. Daí minha insistência: ou há uma regeneração “por dentro”, governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá “de fora”. No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais.
Resta, portanto, a Justiça. Que ela leve adiante a purga; que não se ponham obstáculos insuperáveis ao juiz, aos procuradores, aos delegados ou à mídia. Que tenham a ousadia de chegar até aos mais altos hierarcas, desde que efetivamente culpados. Que o STF não deslustre sua tradição recente. E, principalmente, que os políticos, dos governistas aos oposicionistas, não lavem as mãos. Não deixemos a Justiça só. Somos todos responsáveis perante o Brasil, ainda que desigualmente. Que cada setor político cumpra a sua parte e, em conjunto, mudemos as regras do jogo partidário eleitoral. Sob pena de sermos engolfados por uma crise que se mostrará maior do que nós.
(FERNANDO HENRIQUE CARDOSO; Chegou a Hora, Estado de São Paulo, 1 fev. 2015)
Vê-se, portanto, que FHC reconheceu que a atual conjuntura, diversamente do que ocorria no passado, impede que os militares resolvam adotar alguma solução heterodoxa para os graves problemas que atingem o País, justamente por estarem eles absolutamente compromissados com os alicerces de um Estado Democrático de Direito.
Ao contrário, tendo em vista o princípio da subordinação, as Forças Armadas de hoje demonstram rejeitar qualquer proposta autoritária, seja de esquerda ou de direita, estando perfeitamente conscientes do papel institucional que lhes foi reservado no contexto de um Estado Democrático de Direito, bem como de sua absoluta subordinação aos poderes constitucionais. Prova do que ora se afirma é a própria intervenção federal decretada pelo Presidente MICHEL TEMER na área da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, missão na qual as Forças Armadas como um todo, mas em particular o Exército Brasileiro, figuram como protagonistas, não obstante a preocupação exteriorizada pelo Comandante do Exército Brasileiro, General EDUARDO DIAS DA COSTA VILLAS BÔAS, que reconheceu que o frequente emprego das Forças Armadas em operação de GLO não se apresenta como a situação ideal, “tendo em vista o Exército ser vocacionado, por natureza, à defesa externa da Nação” (Revista de Direito Militar, nº 126, set./dez. 2017, p. 2). O que o Comandante do Exército Brasileiro, com maestria, pretendeu dizer é que a missão precípua das Forças Armadas é a defesa da Pátria, e que atuar em missão de GLO constitui uma função secundária. Portanto, resta absolutamente comprovado que o protagonismo experimentado hoje pelas Forças Armadas não decorre de algum falacioso interesse militar pelo poder civil, mas da própria natureza do grave problema que motivou a edição do decreto interventivo (art. 1º, § 2º, do Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018 – ato relativo à intervenção federal na área da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro). Ora, é de se questionar: caso pairasse a mínima dúvida a respeito do compromisso das Forças Armadas do nosso País com a democracia, que Presidente da República nomearia como interventor um General de Quatro Estrelas? Soa evidente, portanto, a absoluta confiança depositada nas Forças Armadas.
4. Garantia da Lei e da Ordem e Intervenção Federal: Institutos Inconfundíveis
O emprego das Forças Armadas na denominada GLO (art. 142, caput, da CF/1988) não deve em nenhuma hipótese ser confundido com a figura da intervenção federal (art. 34 da CF/1988), instituto este que atinge temporariamente (de modo total ou parcial, a depender da amplitude do instrumento adotado) a autonomia do Ente Federado. Dentre as diversas hipóteses elencadas pela Constituição, importante mencionar, pela pertinência temática, o caso previsto no art. 34, III, da Lei Maior, segundo o qual a “União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, justamente o dispositivo ao qual o art. 1º, § 2º, do Decreto nº 9.288/18 faz referência. Excetuando-se o inédito cenário jurídico estabelecido por meio do mencionado Decreto, em todos os casos em que as Forças Armadas foram utilizadas na garantia da lei e da ordem no Rio de Janeiro (tais como a ocupação dos Complexos do Alemão e da Maré), a autonomia do Estado Federado não foi afastada por qualquer ato interventivo, razão pela qual o comando da segurança pública permaneceu sob a regência do respectivo Governador e do Secretário de Segurança Pública.
Malgrado toda a sorte de considerações (elogiosas ou críticas, indistintamente) levadas a efeito pelos mais diversos setores do Estado e da sociedade brasileira, e deixando de lado qualquer viés ideológico que possa comprometer uma leitura isenta do quadro jurídico-operacional pertinente à parcial intervenção da União na autonomia do Estado do Rio de Janeiro, parece-nos que o caminho trilhado pelo Ente Central encontra pleno amparo constitucional, notadamente o art. 34, III, da Lei Magna. Ademais, sob o prisma operacional, o fato de ter sido nomeado como Interventor um General de Exército (art. 2º, caput, do Decreto nº 9.288/18) em nada altera a lisura da medida decretada (ex officio) pelo Presidente da República. Pelo contrário, a natureza da missão impunha mesmo o chamamento das Forças Armadas (e de um Oficial General competente e habilitado para comandar as tropas) ao centro do problema, cuja gravidade salta aos olhos de qualquer pessoa minimamente informada. Aliás, para percebê-la, basta sair – com a devida cautela para não ser atingido por uma “bala perdida” – às ruas do Rio de Janeiro, cujo cenário é assim retratado.
Não se pode conceber a intervenção federal na segurança do Estado do Rio de Janeiro como um fato isolado, fora de contexto, sob risco de se cair numa armadilha. A decisão foi tomada pelo presidente MICHEL TEMER, a pedido do próprio governador LUIZ FERNANDO PEZÃO, que admitiu que a violência estava fora de controle [...].
Não é segredo para ninguém [...] o descalabro que aconteceu durante o carnaval [...]: arrastões em plena orla de Ipanema, saque a supermercado no Leblon, furtos e roubos por toda parte – alguns seguidos de covardes agressões às vítimas – e desordem generalizada. [...] Cariocas e fluminenses sabem que (estes episódios) eram apenas uma extensão do que já vinha ocorrendo, embora autoridades parecessem ignorar a gravidade da situação: adolescentes atingidos por balas perdidas dentro de escolas; bebê baleado na barriga da mãe; inocentes mortos em operações desastradas; policiais militares sendo assassinados em série. Em resumo, o caos.
Os números refletem esse cenário de anomia. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), o Estado do Rio fechou 2017 com 5.332 homicídios dolosos, o que representa um aumento de 5,57% em relação ao ano anterior. Os dados de janeiro de 2018 mostram que a situação permanece grave. Os casos de letalidade violenta (homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e autos de resistência) aumentaram 7,6% em comparação com o mesmo período do ano passado (de 603 para 649).
Portanto, é nesse contexto que se deu a intervenção. E, analisando os fatos sem viés ideológico, não há por que comparar a situação atual com arroubos de autoritarismo dos anos de chumbo. O decreto foi aprovado pelo Congresso Nacional, com ampla maioria, respeitando a Constituição. Tudo dentro da lei.
Caberá a órgãos como Ministério Público, Defensoria Pública etc. denunciar eventuais desvios de conduta de quem quer que seja, como acontece no estado democrático de direito.
Se há hoje algum estado de exceção é o que impõe às comunidades o tráfico e a milícia, que espalham o terror e cobram taxas por serviços básicos que outros cidadãos não pagam.
(Medida Necessária; O Globo, 5 mar. 2018, p. 10)
Embora o segmento crítico (e talvez desinformado) insista em etiquetar ideologicamente a aludida intervenção, adjetivando-a por meio da inserção do termo militar, taxando-a, incorretamente, de intervenção militar, cumpre recordar que a iniciativa da excepcionalidade não partiu – nem poderia mesmo partir, tendo em vista o profissionalismo e o completo afastamento das Forças Armadas da cena política – dos militares, mas do Chefe do Poder Executivo Federal, no âmbito de sua competência privativa (art. 84, X, da CF/1988). Frise-se, ainda, que o Congresso Nacional, no exercício do imprescindível controle político que lhe é inerente, analisou e aprovou a medida em questão (art. 49, IV, c/c art. 36, § 1º, ambos da CF/1988).
Vê-se, portanto, que a intervenção federal em questão, ainda que limitada à área da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, não somente encontra previsão na Constituição brasileira, como também corresponde a um instrumento presente nas mais diversas legislações constitucionais e infraconstitucionais no mundo democrático.
Exemplo recente de uma intervenção federal, circunscrita à segurança pública, ocorreu em Miami por duas vezes. Na primeira, no início do governo REAGAN, em 1981, com uma atuação maciça de efetivos da Guarda Nacional, e, posteriormente, em 2003, por determinação do governo BUSH. Em ambos os casos (ainda que com ênfase no primeiro), a operação revelou-se um grande sucesso, debelando a criminalidade que havia tomado conta daquela importante cidade turística norte-americana.