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A quem compete levantar as verbas depositadas em ação consignatória extinta sem julgamento do mérito?

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Examinaremos os efeitos do ajuizamento da ação consignatória, a natureza jurídica da sentença e do depósito pecuniário neste tipo de ação, e acórdãos representativos das duas correntes existentes.

Sumário: 1. Introdução; 2. O levantamento dos depósitos pecuniários na ação consignatória e o artigo 899, parágrafo 1º, do CPC; 3. Efeitos do ajuizamento da ação consignatória; 4. Natureza jurídica da sentença e do depósito pecuniário na ação consignatória; 5. A posição jurisprudencial sobre o tema; 6. Conclusão; 7. Referências bibliográficas.


1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar uma interessante questão que se põe com certa freqüência na prática forense das ações consignatórias, qual seja, quem deve levantar as verbas depositadas quando uma ação do gênero é extinta sem julgamento do mérito.

Examinaremos os efeitos do ajuizamento da ação consignatória, a natureza jurídica da sentença e do depósito pecuniário neste tipo de ação, e acórdãos representativos das duas correntes contrapostas existentes na jurisprudência pátria, apontando, ao final, a nossa posição quanto ao tema.


2. O levantamento dos depósitos pecuniários na ação consignatória e o artigo 899, parágrafo 1º, do CPC

A ação de consignação em pagamento é regida pelos artigos 890 a 900 do Código de Processo Civil, fazendo-se necessária a transcrição de alguns desses dispositivos para a elucidação da questão em estudo:

"Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

Art. 899. Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.

§ 1º Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)"

O objetivo primordial da ação consignatória é o pagamento forçado da dívida ao credor-consignado, com a conseqüente liberação do devedor-consignante.

Enfatize-se o teor do artigo 899, parágrafo 1º, do CPC, acima transcrito, o qual permite que o réu levante desde logo o valor depositado, independentemente de concordância do autor, com a liberação parcial da dívida, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida, sempre que sua contestação esteja limitada à alegação de insuficiência do depósito. A esse respeito, procedo à transcrição dos ensinamentos de Antônio Carlos Marcato [01]:

"Não complementado o depósito, ainda assim poderá o réu levantar a quantia ou coisa depositada, eis que a controvérsia repousa exclusivamente na diferença por ele reclamada. E o processo prosseguirá, agora, apenas para a obtenção de um provimento judicial dispondo sobre a aludida diferença".

Essa faculdade do réu decorre do fato de que o valor depositado pelo autor-devedor é incontroverso, não havendo dúvida alguma de que tal quantia pertence ao réu-credor, a quem compete levantá-la.

Imaginemos, porém, um caso em que a ação consignatória seja extinta sem julgamento do mérito, por desistência do autor ou outro motivo qualquer, sem que ainda tenha havido o levantamento dos valores em depósito previsto no indigitado artigo 899, parágrafo 1º. A quem caberia o levantamento dos valores depositados nessa hipótese?


3. Efeitos do ajuizamento da ação consignatória

Com a ação consignatória ajuizada e o depósito deferido e realizado, surgem várias conseqüências jurídicas relevantes, dentre as quais a suspensão da exigibilidade da dívida e o afastamento da mora do devedor.

Em um processo de Sistema Financeiro de Habitação, verbi gratia, o mutuário pode ajuizar ação consignatória contra a Caixa Econômica Federal, com vistas a depositar o montante do financiamento imobiliário que entende devido e liberar-se da dívida. Caso o depósito seja deferido por medida liminar – o que geralmente acontece caso seja oferecido um valor razoável –, permanece o devedor-consignante na posse do seu imóvel, cuja execução extrajudicial fica obstada. Além disso, o depósito exitoso ocasiona a retirada do nome do consignante dos cadastros restritivos de crédito.

Outro exemplo: em um contrato de financiamento de automóvel alienado fiduciariamente, o devedor ingressa com ação consignatória, com o fito de depositar as parcelas vincendas e, com isso, obstar a perda do bem em ação de busca e apreensão. Como afirmado nos enunciados das primeiras conclusões dos estudos e discussões realizados pelo Fórum Permanente das Varas Cíveis da Capital, desenvolvido com o apoio do Instituto dos Magistrados de Pernambuco – IMP [02]:

"A situação é de conexão entre as duas ações, pois ambas originam-se de um mesmo contrato, e através de uma delas o devedor fiduciário pretende anular a mora e, principalmente, evitar a perda da posse do bem alienado fiduciariamente, culminando com a final declaração da extinção da obrigação de pagamento. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontramos indicativos de que essa Corte tentou inicialmente resolver esse problema pelo critério temporal, isto é, a prévia distribuição de uma ou outra ação prejudicaria o pedido na subseqüente. Ajuizada previamente a consignatória, com o depósito das parcelas na forma pretendida pelo autor, não se poderia deferir liminar na ação de busca e apreensão que se lhe seguisse. Representa essa corrente acórdão da lavra do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:

‘Ajuizada ação consignatória antes de intentada a ação de busca e apreensão, com depósito das prestações consideradas devidas, não cabe deferir medida liminar de busca e apreensão’. (Resp 489564-DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. j. 17.06.03, DJ 25.08.03)". (grifos nossos)

Na verdade, os efeitos do depósito benéficos ao consignante-devedor têm sua exata contrapartida no levantamento das quantias depositadas pelo réu-consignado. É o que se pode apreender da lição a seguir explicitada [03]:

"Realizado o depósito inicial pelo autor, poderá o réu requerer o levantamento das importâncias posteriormente depositadas por aquele, desde que sobre elas não penda controvérsia.

A possibilidade aberta pela lei é extremamente benéfica, quer por ensejar ao autor sua desoneração dessas prestações, livrando-se, no que a elas pertine, dos riscos e ônus da mora, quer por permitir ao réu a pronta satisfação desses créditos". (grifos nossos)

Destarte, afigurar-se-ia deveras injusto que o devedor-consignante se valesse dos depósitos pecuniários para atingir as finalidades adrede descritas, eximindo-se do pagamento da dívida por um longo período, e, posteriormente, viesse a desistir da ação ou a abandoná-la, com o levantamento dos valores em depósito, deixando o consignado sem a sua contrapartida, qual seja, o recebimento da parte incontroversa do débito [04].


4. Natureza jurídica da sentença e do depósito pecuniário na ação consignatória

A sentença na ação consignatória tem natureza declaratória. O depósito, por sua vez, é instituto de direito material, e não propriamente processual. Isso porque não se discute a existência do débito, o an debeatur, mas sim o quantum debeatur. Aí está mais uma razão para não se considerar que apenas com a sentença de mérito poderia o credor levantar os valores em depósito. Tal fato foi bem entendido pelo legislador, que incluiu o parágrafo 1º no artigo 899 do CPC, por meio da Lei nº 8.951/94.

Sobre a natureza da sentença na ação consignatória, vide a lição de Antônio Carlos Marcato [05]:

"A sentença proferida na ação de consignação em pagamento tem natureza meramente declaratória.

De fato, a extinção da obrigação opera-se em razão da pertinência e suficiência do depósito, contendo a sentença a declaração da inexistência do crédito em razão da realização daquele;".

A propósito, observe-se o que dispõe o Código Civil de 2002 a esse respeito:

"Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais." (grifos nossos)

É por essa razão que o parágrafo 1º do artigo 899 do CPC dispõe que, alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida. A eficácia liberatória integral do pagamento fica a depender do juízo posterior que o julgador emite a respeito do montante devido. Contudo, de um modo ou de outro, as parcelas depositadas podem ser de logo empregadas na quitação da parte incontroversa do débito.

Como se pode perceber, o pronunciamento judicial será decisivo para determinar se o valor depositado é correto ou se é insuficiente. Em outras palavras, se o devedor deposita X, tem-se que esse é o valor incontroverso a que, no mínimo, o credor faz jus, independentemente de declaração do Poder Judiciário quanto a isto. A atividade jurisdicional, nesse caso, será imprescindível apenas para determinar se há valores complementares a serem depositados.

A esse respeito, veja-se a lição de Cândido Dinamarco [06]:

"A lei inovou corajosamente na disciplina da ação de consignação em pagamento, também para autorizar ao réu o levantamento imediato do valor depositado. Diz que o processo prosseguirá ´quanto à parcela controvertida´, o que significa que prosseguirá para converter em integral essa parcial exoneração obtida pelo autor quando feito o levantamento (art. 899, § 1º) ou para condená-lo a pagar a diferença que houver.

Essa valiosíssima inovação inclui-se no contexto de um processo que não é mais encarado unilateralmente como arma de um dos litigantes contra o outro, mas como instrumento para dar tutela a quem tiver direito. Se o réu-credor nada alega além de insuficiência do crédito, a única divergência possível entre ele e o autor é sobre se o crédito se reduz àquilo que foi depositado ou se é maior. No mínimo, ele terá direito ao valor do depósito." (grifos nossos)

No que pertine a essa matéria, vem a calhar a doutrina de Nelson José de Souza Travassos [07]:

"A questão relativa à natureza do depósito é abordada por ADROALDO FURTADO FABRÍCIO(8), que sustenta sê-la de direito material, consignando, inclusive, que alguns sistemas jurídicos permitem a liberação por essa via sem nenhuma intervenção judicial, desde que não impugnado o depósito (...).

(...).

Atualmente, pois, em razão de o § 1º do art. 890 do Código de Processo Civil prever a liberação do devedor através do depósito bancário da dívida de dinheiro, é possível afirmar que o pagamento por consignação já não é mais um procedimento totalmente judicial e agora, mais que antes, está evidenciado como sendo de direito material a natureza do depósito liberatório e que o processo cuida apenas de dar validez a un pago en el que no interviene la voluntad del credor(9). Por isso, as razões que antes davam suporte ao majoritário entendimento doutrinário de que a sentença proferida na consignatória ser de natureza declaratória não empalideceram com a reforma(10), muito pelo contrário, reabasteceram-nas, porque agora está explicitamente reconhecido na lei processual que a eficácia extintiva da obrigação decorre do próprio depósito e não da sentença (art. 891 do CPC).

(...).

CÂNDIDO DINAMARCO(11) parece entender que o fato de a norma conferir a essa sentença a eficácia de título executivo judicial, não lhe altera a natureza eminentemente declaratória (...).

(...).

A questão da suficiência do depósito e da sua quantificação quando resolvida na sentença não declara a relação de direito material nem cria nenhum direito novo a ser integrado ao patrimônio do credor, porque esse direito está constituído no próprio título. A sentença não declara a existência da obrigação porque ela já existe. Ela somente determina o montante devido e condena o devedor a satisfazer a obrigação agora determinada na espécie e quantidade." (grifos nossos)

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No momento de ajuizar a ação, o consignante tem que ter ciência de que está oferecendo uma quantia ao credor, indicando aquela quantia como efetivamente devida. Assim, a propositura da ação consignatória equivale a uma confissão de dívida, que deve ser levada em consideração quando do ajuizamento da demanda.

Note-se que o melhor resultado que pode ser obtido pelo autor na demanda é o recebimento dos valores por ele indicados como pagamento integral, com a conseqüente quitação da dívida. Isso advém da inexistência de controvérsia no que diz respeito a esses valores, que constituem um piso da dívida em discussão.

Nesse diapasão, faz-se mister a leitura da lição de Antônio Carlos Marcato, a seguir transcrita [08]:

"De fato, é o depósito (e não a oferta) que, uma vez declarado válido e suficiente por sentença, libera o autor consignante do vínculo obrigacional (CC, artigo 972) e faz cessar os juros e os riscos da dívida (artigos 958 e 976). Logo, é de todo conveniente seja ele realizado ab initio, evitando assim, para o depositante, os riscos e transtornos que poderiam advir de seu retardamento". (grifos nossos)

A importância do depósito resta claramente demonstrada quando se percebe que a propositura de ação consignatória sem a efetivação de depósito gera como conseqüência direta a extinção do processo sem julgamento do mérito. Nessa senda, é de ver-se novamente a doutrina de Antônio Carlos Marcato [09]:

"A lei é omissa quanto às conseqüências advindas da não realização do depósito, mas é evidente que essa omissão do autor acarretará a pura e simples extinção do processo, sem julgamento do mérito. E isto porque o depósito é essencial para o prosseguimento regular do processo, seja porque o réu somente será citado (e poderá, portanto, exercer o seu direito de resposta) após a sua realização, seja porque apenas ele (e não a sentença) tem o condão de desconstituir o vínculo obrigacional, se e quando reputado correto e eficaz pelo juiz".


5. A posição jurisprudencial sobre o tema

A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça vem oscilando sobre o tema em estudo, havendo acórdãos discrepantes nos diversos órgãos turmários. Primeiramente, transcrevo decisórios segundo os quais o levantamento dos depósitos em ação consignatória extinta sem julgamento do mérito cabe ao devedor-consignante, com o retorno da situação ao status quo ante:

"REsp 583354/GO; RECURSO ESPECIAL 2003/0151738-2

Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)

Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento 07/12/2004

Data da Publicação/Fonte DJ 01.02.2005 p. 545

Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Humberto Gomes de Barros.

Ementa. Processual civil. Recurso especial. Ação de consignação em pagamento. Ausência de contestação. Homologação do pedido de desistência formulado pelo autor. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Levantamento do depósito pelo autor. Possibilidade.

- Em razão da extinção do processo sem julgamento do mérito, decorrente da homologação do pedido de desistência da ação de consignação em pagamento formulado pelo autor, na qual não houve contestação, tem ele o direito ao levantamento das quantias depositadas em juízo, posto que a obrigação junto ao réu subsiste para todas as conseqüências de direito.

Recurso especial não conhecido. [10]

* * *

REsp 427414/RS; RECURSO ESPECIAL 2002/0042988-5

Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124)

Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento 06/05/2004

Data da Publicação/Fonte DJ 24.05.2004 p. 159

Acórdão. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ementa. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CONSIGNATÓRIA. DESISTÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO (CPC, ART. 267, VI). POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO PELO AUTOR. [11]

* * *

AgRg no Ag 664268/SC; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2005/0038613-3

Relator(a) Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107)

Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA

Data do Julgamento 20/10/2005

Data da Publicação/Fonte DJ 14.11.2005 p. 331

Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro Relator.

Ementa. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DO PEDIDO DE DESISTÊNCIA FORMULADO PELO AUTOR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO PELO AUTOR. POSSIBILIDADE.

1. No caso de homologação de pedido de desistência formulado em ação de consignação em pagamento, acarretando na extinção do processo sem julgamento do mérito, é cabível que o autor proceda ao levantamento das quantias por ele depositadas em juízo.

2. Agravo regimental desprovido." [12] (grifos nossos)

Por outro lado, passo à transcrição dos acórdãos do STJ que entendem que a extinção da ação consignatória sem julgamento do mérito dá ensejo ao levantamento dos valores depositados pelo credor-consignado:

"REsp 568552/GO; RECURSO ESPECIAL 2003/0146143-5

Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)

Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento 03/03/2005

Data da Publicação/Fonte DJ 28.03.2005 p. 190

RSTJ vol. 191 p. 111

Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ementa. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SFH. DESISTÊNCIA, APÓS A REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL. LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO.

1. A Administração Pública, direta e indireta, conquanto ré, salvo exceções legais, submete-se aos ritos especiais traçados no Código de Processo Civil.

2. A reforma do Código de Processo Civil engendrada em 1994 introduziu o § 1º no art. 899, possibilitando o levantamento, pelo consignado, das quantias depositadas, quando, alegada em contestação, a insuficiência do depósito, revelando-se faculdade do credor, independentemente de concordância por parte do consignante.

3. À luz do § 1º do art. 899 do CPC, não é lícito ao devedor valer-se de consignação em pagamento para, após a realização da prova pericial desagasalhando a sua pretensão, desistir da ação e pretender levantar a quantia que ele próprio afirmara dever.

4. Havendo a desistência da ação e levantada a quantia incontroversa, a quitação parcial produzirá os seus efeitos no plano do direito material, e, sob o ângulo processual, impedirá a repropositura pelo todo, admitindo a acionabilidade pelo resíduo não levantado.

5. Raciocínio inverso infirmaria a ratio essendi do § 1º do art. 899 do CPC, fundado em razão de Justiça, equidade e economia processual.

6. Recurso especial provido. [13]

* * *

REsp 515976/GO; RECURSO ESPECIAL 2002/0176065-8

Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096)

Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento 02/12/2004

Data da Publicação/Fonte DJ 17.12.2004 p. 519

Acórdão. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ementa. PROCESSUAL. CONSIGNAÇÃO. DEPÓSITO. LEVANTAMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. CPC, ART. 899, § 1º. APLICABILIDADE.

- O § 1º do Art. 899 do CPC outorga ao réu, na ação de consignação, o direito de levantar, desde logo, a quantia depositada pelo autor, por se tratar de valor incontroverso. Isto porque, a quantia oferecida é aquela que o autor reconhece como devida e, se o réu aceita recebê-la, é porque admite ser credor.

- O § 2º do Art. 899 nada tem com o § 1º. Ele trata de sentença de mérito que constitui um título executivo em favor do credor demandado.

- Não faz sentido devolver à devedora quantia que ela mesma ofereceu em pagamento. Tal devolução obrigaria a credora a desenvolver desnecessário esforço de cobrança. Isso significa: a devolução instaurará lide em torno de controvérsia inexistente, fazendo tábula rasa da instrumentalidade das normas processuais." [14] (grifos nossos)

Em nossa opinião, afigura-se correto o posicionamento segundo o qual a extinção da ação consignatória sem julgamento do mérito permite o levantamento dos valores depositados pelo credor-consignado.

Entendimento contrário negaria a própria razão de ser do parágrafo 1º do artigo 899 do CPC. Ademais, como dito anteriormente no item "4" deste trabalho, seria profundamente injusto devolver os valores depositados ao autor, sabendo que inexiste controvérsia com relação a tal montante, o qual, a propósito, fora ofertado voluntariamente em pagamento ao devedor. Tal procedimento forçaria o credor a desenvolver todo um supérfluo esforço de cobrança acerca de débito incontroverso. Seria uma total afronta aos princípios da instrumentalidade das normas processuais, da economia processual e da duração razoável do processo, além do que possibilitaria ao devedor tentar evadir-se, com todos os meios processuais de defesa e recurso cabíveis, do adimplemento de um débito que já confessara devido e já houvera oferecido em pagamento.

Nesse mesmo sentido por nós adotado, cito os seguintes precedentes jurisprudenciais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. LEVANTAMENTO DOS VALORES DEPOSITADOS. PECULIARIDADES DAS AÇÕES RELATIVAS AO SFH. IMPOSSIBILIDADE.

1. Embora tecnicamente correto, não é razoável, do ponto de vista prático, que a parte, tendo depositado valores que considerou incontroversos em vez de pagar as mensalidades diretamente ao agente financeiro, venha a levantar esses valores depositados em razão de extinção do processo sem julgamento do mérito.

2. Negado provimento ao agravo de instrumento.

(AG 2002.01.00.033395-3/PA, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Rel. Acor. Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma, DJ de 29/08/2005, p.122) [15]

* * *

PROCESSUAL CIVIL. SFH. CONTRATO DE MÚTUO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL CONSUMADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DA MUTUÁRIA PARA PROPOR AÇÃO CONSIGNATÓRIA. COMPETÊNCIA PARA O LEVANTAMENTO DOS VALORES CONSIGNADOS.

1. Após consumado o leilão extrajudicial, com a subseqüente expedição da carta de arrematação do imóvel, não mais subsiste o interesse processual da mutuária de ajuizar ação de consignação em pagamento com o objetivo de liberar-se da obrigação por meio do depósito de prestações de contrato de mútuo habitacional, visto que já extinto o vínculo obrigacional. Carência de ação proclamada. Precedentes da Corte.

2. De outro lado, não se conhece do pedido deduzido na inicial de suspensão dos efeitos dos leilões realizados, porquanto tal pretensão não se encontra amparada em nenhum fundamento fático-jurídico.

3. Tendo sido a consignatória extinta, sem julgamento do mérito, é admissível o levantamento dos valores depositados pela entidade financeira mutuante, a fim de amortizar as parcelas do mútuo. Aplicação do § 1º do art. 899 do CPC.

4. O ato judicial que delibera a quem compete o levantamento da quantia consignada não configura julgamento extra petita, porquanto, em ações da espécie, cabe ao Juiz definir, em conformidade com a lei, o destino dos valores depositados na conta judicial.

5. Apelação da Autora a que se nega provimento."

(AC 2000.39.00.012626-0/PA, Rel. Desembargador Federal Fagundes de Deus, Quinta Turma, DJ 24/08/2006, p.58) [16] (grifos nossos)

Nesse mesmo caminho dispõe o artigo 5º, §4º, do Decreto nº 3.431/2000, que regulamenta a Lei nº 9.964/00:

"Art. 5º Os débitos da pessoa jurídica optante serão consolidados tomando por base a data da formalização.

§ 2º. Na hipótese de crédito com exigibilidade suspensa por força do disposto no inciso IV do artigo 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN), a inclusão, no REFIS, dos respectivos débitos implicará dispensa de juros de mora incidentes até a data de opção, condicionada ao encerramento do feito por desistência expressa e irrevogável da respectiva ação judicial e de qualquer outra, bem assim a renúncia do direito, sobre os mesmos débitos, sobre o qual se funda a ação.

§ 4º. Requerida a desistência da ação judicial, com a renúncia ao direito sobre que se funda, os depósitos judiciais efetuados deverão ser convertidos em renda, permitida a inclusão no REFIS do saldo devedor."

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Sobre o autor
Frederico Augusto Leopoldino Koehler

Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife-PE. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professor Substituto do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Faculdade Boa Viagem - FBV. Professor do Curso Espaço Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A quem compete levantar as verbas depositadas em ação consignatória extinta sem julgamento do mérito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1553, 2 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10483. Acesso em: 21 nov. 2024.

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