Artigo Destaque dos editores

O compositor e a editora musical.

Desequilíbrios que permeiam essa relação

Resumo:


  • O debate sobre direitos autorais na música frequentemente negligencia a importância dos compositores e sua necessidade de viver de seu trabalho.

  • Os contratos impostos pelas editoras musicais aos compositores frequentemente incluem cláusulas abusivas, como a propriedade definitiva das obras, retenção ilegal do repertório e concessão de adiantamentos com condições prejudiciais.

  • Decisões judiciais, como a proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em um caso envolvendo a editora BMG, têm reconhecido a ilegalidade de cláusulas abusivas nos contratos entre compositores e editoras, destacando a importância de proteger os direitos dos compositores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I. INTRODUÇÃO

Em época de difusão crescente do conteúdo musical através da grande rede mundial de computadores, muito se tem discutido acerca da flexibilização dos direitos patrimoniais de autor.

Ocorre, porém, que o debate relativo ao tema, cada dia mais presente nos veículos midiáticos, pouco abarca a importância da figura do compositor, e a necessidade de garantir-lhe meios de viver de seu ofício.

É fato inconteste que a composição musical é a matéria prima de toda a cadeia produtiva engendrada em torno da música.

O trabalho do compositor, nesse diapasão, é dotado de rara preciosidade, de modo que debates sobre o tema dos direitos autorais que não o coloquem como protagonista nesta cadeia produtiva são, salvo melhor juízo, inócuos.

Ganham corpo, no entanto, tendências no mercado fonográfico no sentido de que os compositores, para conseguirem viver de seu trabalho, devem se tornar intérpretes de suas composições.

Algo semelhante a dizer, por hipótese, que um poeta, para sobreviver de seus poemas, teria que passar a recitá-los em praça pública, esperando que os passantes contribuíssem para sua sobrevivência.

Dentro do contexto de desvalorização da figura do compositor, resta esquecida ao relento a abordagem da periclitante situação a que os mesmos são submetidos nas relações que estabelecem com as empresas que seriam as responsáveis por empreender e divulgar sua obra: as Editoras musicais.

Recente matéria veiculada no jornal francês "Le Monde", intitulada "Num mercado do disco acidentado, a edição musical está com boa saúde" – divulgada pelo site UOL – informa que, enquanto as gravadoras colecionaram perdas, as editoras musicais, muito ao diverso, apresentam níveis estáveis de faturamento. [01]

Tal estabilidade se deve, dentre outros fatores, às práticas comerciais expressadas nos contratos a que as editoras submetem os compositores.

Cumpre consignar que não se pretende, nesta análise, cometer o grave erro decorrente da generalização; é fato que há, no mercado editorial musical, empresas que realizam suas atividades de maneira escorreita e contribuem sobremaneira para o desenvolvimento e divulgação das obras do compositor às mesmas ligado.

Objetiva-se, ao diverso, chamar a atenção para o fato de que os já execrados compositores, são, via de regra, submetidos a contratos absurdos com as editoras musicais, e que contêm mecanismos para i) garantir o investimento, sem risco, das editoras; ii) manter o compositor quase que acorrentado às mesmas por longos períodos, que em muitos casos extrapolam os prazos legais; e iii) garantir às editoras a propriedade definitiva das obras do compositor.


II. OS CONTRATOS A QUE OS COMPOSITORES SÃO SUBMETIDOS

São basicamente três os contratos a que são submetidos os compositores no mercado editorial musical brasileiro: contrato de cessão, contrato de edição e contrato de obra futura ou encomenda.

De plano, cumpre chamar a atenção para o fato de que tais contratos contêm cláusulas que, em regra, geram para os compositores uma ligação praticamente perpétua com as editoras, e muitas vezes com necessidades de que paguem valores altíssimos às mesmas, se suas composições não alcançarem as metas mercadológicas impostas.

Porém, é fato que naquelas controladas pelo grande capital, em que o lucro é o único objetivo de existência, tais práticas são corriqueiras, principalmente entre as majors – multinacionais do ramo.

Por meio do Contrato de Cessão de Direitos Patrimonias de Autor, como nos ensina o ilustre Carlos Alberto Bittar, "o autor transfere, a título oneroso ou não, a outrem, um ou mais direitos patrimoniais sobre sua criação intelectual". [02]

No Contrato de Cessão, o compositor transfere à editora um ou mais de seus direitos exclusivos, estipulando uma remuneração a ser recebida, o que se dá, em regra, quando da exploração econômica da obra musical e/ou lítero musical.

Em geral, os royalties advindos da exploração econômica das obras são divididos na proporção de 25% para a editora; 75% para os compositores.

Em que pese parecer equilibrada a divisão de percentuais, já que ao Autor caberia o maior, o fato é que, tendo em vista o trabalho das editoras, que não passa de uma centralização de dados, e lenta concessão de autorizações de uso das obras, tal porcentagem em regra se traduz em prejuízo aos compositores.

De fato, o Contrato de Cessão é o mais simples, razão pela qual não enseja muitos problemas aos compositores.

Aqueles que causam maiores dificuldades são os contratos de "edição" e o "de obra futura"; o segundo uma espécie do primeiro.

Na Edição também ocorre a cessão dos direitos patrimoniais de autor sobre a obra; no entanto, este contrato gera uma série de deveres à editora, notadamente no que se refere à divulgação do repertório do compositor cedente.

As atribuições de cessionária, à luz do contrato de edição, são as de divulgar, empreender, mover, zelar e proteger as obras musicais de seus autores no mercado, de forma que gerem receita de royalties para ambas as partes.

É o que nos ensina o mestre do direito autoral, José de Oliveira Ascensão:

"Não há edição se quem reproduz os exemplares os guarda para si, facultando apenas a consulta. (...) Tem de haver ainda a exploração da obra. (...) O editor deve pôr em circulação a obra, como atividade comercial, assumindo por conseqüência os riscos da comercialização desta. Portanto, o editor toma sobre si o direito e o dever de reproduzir a obra e de lançá-la em termos de empreendimento comercial" [03]

No mesmo sentido, o artigo 53, da Lei 9.610/98 (Lei de Direito Autoral):

"Art. 53. Mediante o contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas pelo autor."

O fato, no entanto, é que, ao contrário do que parecem crer muitas das editoras musicais atuantes no mercado, as obras não geram receitas sozinhas. Dependem de um trabalho de empreendimento e divulgação por parte das mesmas, que, nas palavras do mestre Ascensão, têm que assumir o risco comercial do empreendimento.

Porém, e por mais incrível que possa parecer, as editoras "sentam em cima do repertório dos autores" – para usar um jargão do mercado – e aguardam que aqueles que se interessem em utilizá-lo requeiram a autorização necessária.

Desse modo, o risco do negócio é simplesmente ignorado pelas editoras, que atuam como verdadeiros bancos de dados, não movendo qualquer estratégia mercadológica com vistas à divulgação da obra dos compositores.

Na linha do contrato de edição, há o terceiro tipo de contrato ao qual o compositor é submetido: o contrato de obra futura, ou encomenda, como também é conhecido.

Por meio do contrato de encomenda o compositor contrata com a editora a exclusividade para obras futuras, de modo que todas as suas criações musicais, durante a vigência do prazo estipulado em contrato, deverão ser cedidas com exclusividade à editora contratante.

O contrato é, portanto, de edição das obras produzidas pelo compositor contratado, durante o prazo estipulado no instrumento.

Visando à proteção do compositor, e tendo em vista as diversas polêmicas que envolvem um instrumento que obriga o compositor a criar determinado número mínimo de obras em período pré-estabelecido, a Lei estabelece um prazo máximo para essa espécie de contrato.

É o que nos ensina o didático Carlos Alberto Bittar:

"Em nossa lei, é permitida a cessão de direitos sobre obra futura, desde que se circunscreva, no máximo a cinco anos (art. 51) (...) se for indeterminado ou superior a cinco anos o prazo convencionado, a tanto se reduzirá, diminuindo-se, se for o caso, na devida proporção, a remuneração ajustada (parágrafo único)"." [04]

Ocorre que, aproveitando-se de brechas na legislação autoral, e mesmo da parca jurisprudência sobre o tema, as grandes editoras fazem uso de seu poderio econômico e de especializada assessoria jurídica para sujeitar os compositores a condições específicas, às quais os mesmos se submetem sem a real noção do estrago que podem representar para suas carreiras.

Isso tendo em vista que, em regra, não há possibilidades de contratação de uma assessoria jurídica para auxiliá-los quando da assinatura dos contratos.

Desprovidos da real noção de que, em dois ou três anos, estarão devendo às editoras muito mais do que receberam – e ainda serão obrigados a entregar-lhes mais obras para conseguir de volta sua liberdade – os compositores assinam esses contratos, notadamente porque por meios desses as editoras oferecem uma boa quantia em dinheiro como "adiantamento".

As referidas cláusulas, contidas ardilosamente nos contratos, e que são verdadeiras aberrações à luz do direito autoral – e mesmo do direito civil lato sensus – têm como conseqüência: i) a propriedade definitiva das obras; ii) a retenção ilegal do repertório; e iii) a concessão de adiantamento ou "advance" como maneira de garantir uma ausência de risco do investimento.

Passemos à análise pormenorizada desses três institutos.

A absurda propriedade definitiva das obras

A primeira das artimanhas praticadas pelas editoras é o fato de que, a partir da cessão ou edição das obras, passam a exercer a propriedade definitiva das mesmas.

Ocorre que a editora musical, que em verdade contrata com o compositor a administração de seu repertório, para fazer crescer a assimilação deste, pretende tornar-se proprietária eterna das composições dos cedentes.

Apesar de, como é cediço, não se tratarem de fonogramas musicais nem de fitas matrizes produzidas por uma gravadora – aquelas sim de propriedade definitiva destas – as editoras tornam-se proprietárias ad eternum da obras, em que pese firmarem com os autores contratos de cessão temporária do direito de proteger e salvaguardar suas obras, e, neste processo, ser adequadamente remunerada.

Como, na maior parte dos casos, o compositor assina o contrato – seja na modalidade de cessão, edição ou encomenda – sem contar com a necessária assessoria jurídica, acaba por ceder definitivamente suas obras, sem ter ciência do estrago que isto representa para sua carreira.

Por mais que as editoras afirmem que a medida é legal, e que o contrato é bilateral, na prática o que se requer dos compositores é a adesão às cláusulas previamente formuladas.

Evidente que os compositores não pretendem vender suas obras às editoras; mas apenas entregar às mesmas a administração de seu repertório, com vistas a potencializar a utilização econômica de suas criações.

Porém, utilizando-se de artimanhas jurídicas, e da ausência de assessoria especializada para os compositores, as editoras tomam para si, de maneira definitiva, as obras do autor.

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Como conseqüência, surge para a parte hipossuficiente conseqüência alarmante: a retenção ilegal do repertório.

Retenção ilegal do repertório

O fato é que, como detém o controle da utilização econômica da obra, a editora musical passa a poder autorizá-la a seu bel prazer.

Assim, as empresas fixam preços altíssimos para a utilização das composições em gravações e sincronizações; o que, muitas vezes, impede o uso da obra, ainda que o compositor tenha interesse pessoal envolvido.

Não raro os compositores pretenderiam cobrar pouco pelo uso de sua obra, uma vez que pode ser importante para sua carreira determinada utilização em um fonograma; porém, sua vontade nestes casos nem sequer é ouvida pelas editoras.

É de se ressaltar que esta atitude das editoras se dá em franco desrespeito ao art. 60, da LDA (Lei 9.610/98), que positiva a regra segundo a qual às editoras "compete fixar o preço da venda, sem, todavia, poder elevá-lo a ponto de embaraçar a circulação da obra."(g.n.)

Exemplo da conduta de retenção ilegal do repertório dos compositores foi o ocorrido, em finais de 2005, com o compositor Zé Ramalho.

A Editora multinacional EMI, em virtude de interesses próprios, e alheios ao conhecimento do autor, fez valer o autoritarismo fruto de seu poder econômico e impediu que o intérprete Zé Ramalho gravasse o seu próprio repertório, não apresentando qualquer razão plausível para tal.

A pretensão da EMI de barrar o lançamento do CD pela gravadora BMG fundamentava-se no fato de que, na opinião da empresa, como editora, poderia negar o uso de qualquer obra sob o seu controle, mesmo quando o intérprete seja o próprio compositor.

O caso foi parar no Judiciário, e a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro revogou liminar concedida à editora, permitindo ao compositor que lançasse o CD com suas composições, interpretadas pelo próprio.

Trata-se de pequena demonstração pública do quão arbitrárias podem ser as editoras musicais, notadamente aquelas detentoras de grande poder econômico advindo do fato de fazerem parte de grupos multinacionais.

O truque da concessão do adiantamento ou advance

Porém, a voracidade pelo poder econômico e pelo lucro não pára por aí; há também a necessidade das editoras de garantirem perdas mínimas decorrentes dos contratos assinados com os autores.

Para tanto, são incluídas nesses a cláusula que contém a maior de todas as artimanhas: o truque da concessão do adiantamento, ou advance.

Utilizando como chamariz o adiantamento de uma boa quantia em dinheiro, referente aos valores a que os compositores fariam jus no futuro com a inclusão de suas obras em faixas gravadas, as editoras se aproveitam da, em regra, periclitante situação financeira dos autores para os persuadirem a assinar os contratos.

O fato é que a indústria editorial da música brasileira se apóia em práticas de engenharia contábil, que não resistiriam a uma apreciação judicial mais aprofundada.

Isto se dá a partir da transformação do valor concedido como adiantamento em "unidades vendidas", também denominadas de "faixas" – que representam a cessão dos direitos autorais fonomecânicos que reproduzam obras do compositor.

Com esta transformação, cria-se uma espécie de "correção monetária paralela", uma vez que o valor das "faixas" é corrigido ano a ano.

Cria-se na editora, desta forma, um saldo devedor em nome do compositor.

Saldo este que é descontado à medida que as obras do autor são utilizadas em faixas de CDs, em filmes e executadas publicamente.

Porém, este saldo devedor não permanece inalterado. Com sua transformação em "faixas", o mesmo vai crescendo de acordo com o aumento, formulado pelas editoras, no valor das faixas.

A título de exemplo, a editora que concede 20.000 (vinte mil) reais de adiantamento ao compositor, em verdade está adiantando ao mesmo o valor corresponde a 200.000 (duzentas mil) faixas que incluam suas obras, isto é, duzentas mil utilizações econômicas dessas obras.

Disso resulta que a editora adiantou ao compositor 10 centavos de real por cada obra sua incluída em uma faixa gravada.

Como apenas o valor das faixas é corrigido, o compositor, que na data da assinatura do contrato recebeu 20.000 (vinte mil) reais de adiantamento, vê o seu saldo devedor aumentar anualmente, uma vez que o valor de cada faixa gravada é alterado, por meio de uma tabela de correção de preços formulada pela associação que representa as editoras, a ABEM.

Ocorre que, para que o saldo devedor seja completamente zerado na editora, as obras do compositor têm que alcançar o número de utilizações em "faixas" estabelecido previamente pela mesma, em determinado prazo.

Do contrário, ocorre outro absurdo estipulado em contrato: a prorrogação automática do contrato em caso de haver "saldo devedor".

Simples concluir que as editoras, com vistas a evitarem perdas, exageram sobremaneira nas previsões, pré-estabelecendo patamares altíssimos para as vendas das obras dos contratados.

Resultado: terminado o prazo estipulado em contrato, que em regra é de três anos, é feito um novo cálculo do saldo devedor do compositor, que na maioria dos casos encontra resultado positivo.

Assim, se foi estipulada pela editora a inclusão de obras do autor em 200.000 (duzentas mil) faixas vendidas – como em nosso exemplo –, e as obras do autor foram utilizadas em 100.000 (cem mil) faixas, o contrato é automaticamente prorrogado.

Porém, o saldo devedor, que deveria ser de 10.000 (dez mil) reais – resultado da multiplicação das 100.000 (cem mil) faixas pelos 10 centavos de real equivalente a cada uma –, é recalculado com base no novo valor "faixa.

Considerando-se que, por hipótese, a correção no valor da faixa, no período de 3 anos, tenha sido de 50%, o preço de cada faixa passa a ser de 15 quinze centavos de real.

Dessa maneira, o compositor, que à época da assinatura do contrato, recebeu 20.000 (vinte mil) reais de advance da editora, mesmo tendo tido suas composições incluídas em 100.000 (cem mil) faixas – o que é um resultado bastante razoável, tendo em vista a crise do mercado fonográfico – passa a ter um saldo devedor na editora no valor de 15.000 (quinze mil) reais.

Por mais complicado, absurdo e revoltante que possa parecer o exemplo utilizado, o mesmo expressa precisamente o que se dá na prática.

Além de ter que se desdobrar para divulgar suas obras – visto que as editoras simplesmente, como exposto, "sentam em cima" de seu repertório e aguardam que alguém venha procurá-las para conceder as autorizações –, os compositores precisam também correr contra o tempo, uma vez que sua "dívida" cresce anualmente, em patamares só comparáveis aos juros cobrados por empréstimos bancários.

Dessa forma, a maioria dos contratos, mesmo que já expirados cronologicamente, continuam em vigor, sem qualquer amparo legal, de modo que os autores ficam inteira e eternamente reféns da empresa editorial.

Ao mesmo restam duas opções para reconquistar sua liberdade: ceder novas obras à editora, e aguardar que as mesmas alcancem os altíssimos patamares de vendagem; ou devolver, em dinheiro, o valor do saldo devedor, já corrigido.

Trata-se de um retorno à época da escravidão, e ao instituto da compra da carta de alforria.

Assim é que o compositor, que na data da assinatura do contrato havia ficado satisfeito com a possibilidade de saldar suas dívidas, e de quem sabe adquirir um automóvel popular do ano, acaba por ser obrigado a entregar novas criações à editora, e, o que é mais absurdo, se torna devedor de valores altíssimos, em virtude do esquema de correção do valor individual das faixas.


III. A JURISPRUDÊNCIA

Em que pese se tratar de uma relação que enseja diversas demandas judiciais, notadamente em virtude das arbitrariedades cometidas pelas editoras musicais, sobretudo pelas majors, as decisões judiciais acerca do tema ainda não permitem sustentar a tese de que as ilegalidades cometidas findarão quando do ajuizamento de ações com vistas a cessá-las.

No entanto, há um acórdão, proferido pela Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que representa verdadeiro alento aos compositores.

A decisão foi proferida nos autos de Recurso de Apelação, em ação anulatória de cláusula contratual movida pelo compositor Dudu Falcão em face da editora BMG Music Publishing.

O objeto do pedido do autor foi a anulação da cláusula que determina a prorrogação indefinida do contrato firmado até a recuperação total dos valores concedidos como adiantamento ao compositor; precisamente a que analisamos.

Inconformado com a necessidade de entregar novas obras à Editora para se ver livre da exclusividade avençada, o compositor ajuizou a ação anulatória, a qual teve o pedido deferido pelo Juízo.

A Editora interpôs a Apelação, e a decisão, que vale ser transcrita, ratificou e ampliou a sentença de primeiro grau, senão vejamos:

"Com efeito, a previsão contratual da prorrogação automática do contrato, impondo ao Autor uma obrigação continuada de resgatar os adiantamentos concedidos através de empréstimos, por meio de novas obras, significa uma forma de aprisionamento da parte mais fraca da relação, o que não condiz com o princípio da livre vontade de contratar.(...)

Não se trata de excluir os efeitos próprios do período de (...) comercialização das obras cedidas. O que não de admite é conceder-lhe, de forma definitiva, a exclusividade dessas vantagens, vedando ao autor o direito de explorá-las por si mesmo, após a rescisão do contrato.

Ora se o prazo da cessão foi de um ano e rescindido o contrato com sua expiração, logicamente o bem do cedente retorna ao seu patrimônio, nos termos do art. 49, III, da Lei 9.610/98 (APELAÇÃO CÍVEL 2005.001.42174 – Trecho do Voto do Desembargador Relator José Geraldo Antonio)" (g.n.)

O Acórdão, da lavra do Des. Relator José Geraldo Antonio, 11ª Câmara Cível, assevera a patente ilegalidade da atitude das editoras em exigir dos compositores o resgate de valores concedidos a título de adiantamento, com o pagamento do mesmo com novas obras.

Ainda, determina que a propriedade definitiva das obras pelas editoras, nas palavras do ilustre Desembargador, é também inaceitável, de modo que não se admite "conceder-lhe, de forma definitiva, a exclusividade dessas vantagens, vedando ao autor o direito de explorá-las por si mesmo, após a rescisão do contrato."


IV. CONCLUSÃO

Resta patentemente demonstrado, portanto, que a relação jurídico-comercial ditada pelas editoras musicais aos compositores deve ser repensada.

De fato, reavaliar esta relação não só passa pela necessidade de os compositores contarem com a possibilidade de serem melhor assessorados no momento da assinatura dos contratos; mas, também, de o Poder Judiciário atuar, no momento da solução aos litígios, de maneira intolerante em relação às barbáries cometidas pelas editoras.

É de se comemorar o fato de que, nos dois casos apresentados – dos compositores Zé Ramalho e Dudu Falcão – o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tenha se posicionado não do lado destes, mas em defesa do bom direito que buscavam ver concretizados por meio daquelas demandas.

Como muito bem salientou o Desembargador José Geraldo Antonio, o compositor é a parte mais fraca da relação; as soluções dadas às lides deduzidas em Juízo não podem ignorar este fato.

Além disso, faz-se necessário refundar as premissas do debate acerca dos direitos autorais, para que as discussões sobre o tema passem a estar permeadas pela necessidade de se garantir ao compositor meios de viver de seu trabalho.


Notas

01 Disponível em: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2007/09/29/ult580u2688.jhtm

02 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 96.

03 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. P. 382.

04 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. P. 98

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Sobre o autor
Daniel Pessôa Campello Queiroz

advogado no Rio de Janeiro (RJ), especialista em direitos autorais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Daniel Pessôa Campello. O compositor e a editora musical.: Desequilíbrios que permeiam essa relação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1578, 27 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10577. Acesso em: 28 dez. 2024.

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