10. Multiparentalidade e Sucessão Hereditária em relação aos avós
No direito brasileiro, os avós não herdam igualmente, mas de acordo com sua linha (o único avô paterno herda a metade e os dois avós maternos herdam a outra metade); esse exemplo demonstra que a sucessão por linhas pode levar à desigualdade entre os ascendentes, máxime quando ocorrer multiparentalidade.
Se o autor da herança não deixar descendentes, seus ascendentes biológicos e socioafetivos herdarão concorrentemente, de acordo com suas linhas (maternas e paternas), por força do CC, art. 1.836. Se deixar dois pais (um socioafetivo e outro biológico) e uma mãe, esta herda a metade da herança e os pais a outra metade.
Quanto às linhas do parentesco avoengo, algumas considerações se impõem, quando houver reconhecimento judicial de multiparentalidade: 1. As linhas são mais do que as duas tradicionais (paterna e materna), podendo ser três (paradigma do caso concreto julgado pelo STF) ou mais do que três, ante as consequências da realidade da vida de vários relacionamentos familiares socioafetivos sucessivos, ou do uso de técnicas de reprodução assistida. 2. Não há hierarquia entre essas múltiplas linhas, mas sim igualdade, não só para o exercício dos direitos por todos os avós, concorrentemente, nas relações familiares, mas também na distribuição igualitária aos avós, por linhas, da herança deixada pelo neto, cujos pais não lhe sobreviveram.
O mesmo direito de sucessão dos filhos de pais biológicos em conjunto com pais socioafetivos, transmite-se aos filhos daqueles. O neto será herdeiro necessário tanto do avô socioafetivo, quanto do avô biológico, em igualdade de direitos em relação aos demais herdeiros necessários de cada um.
A sucessão hereditária legitima é assegurada igualitariamente ao neto, filho de pais concomitantes biológicos e socioafetivos, em igualdade de condições, sem observância de linhas. Aberta a sucessão de cada um deles é herdeiro legítimo de quota parte atribuída aos herdeiros de mesma classe (direta ou por representação), imediatamente, em virtude da saisine. A igualdade entre filhos e, consequentemente, entre netos de qualquer origem é princípio cardeal do direito brasileiro, a partir da Constituição, incluindo o direito à sucessão aberta. Os limites dizem respeito às legítimas dos herdeiros necessários de cada sucessão aberta e não ao número de pais autores das heranças.
Terá duplo direito à herança, diferentemente dos que forem netos apenas de avós biológicos ou de avós socioafetivos, levando-o a situação vantajosa em relação aos seus próprios irmãos que sejam apenas socioafetivos, de um lado, ou apenas irmãos biológicos, do outro, mas essa não é razão impediente da aquisição do direito.
Após a edição da tese do Tema 622, o STJ (3ª Turma) teve oportunidade de afirmar no REsp 1.618.230, que o reconhecimento do vínculo filial biológico, ao lado do vínculo socioafetivo, gera os mesmos efeitos patrimoniais, como o direito à herança; no caso, o interessado, com aproximadamente 70 anos, obteve o direito de receber a herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido a herança do pai socioafetivo.
A reciprocidade de direitos sucessórios, na ocorrência de multiparentalidade, é acentuada no Enunciado 33 do IBDFAM, o que prevê que “o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação”.
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Doutor em Direito Civil pela USP. Professor Emérito da UFAL. Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Membro fundador do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎
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RTJ n. 53/131.︎