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Socioafetividade e multiparentalidade e seus efeitos no parentesco avoengo

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13/04/2024 às 15:31

Resumo:


  • A socioafetividade é reconhecida no direito de família brasileiro como uma relação parental que não é baseada em laços biológicos, mas sim em vínculos afetivos estabelecidos ao longo do tempo, sendo juridicamente equiparada à parentalidade biológica.

  • A multiparentalidade é aceita legalmente, permitindo que uma criança tenha mais de um pai ou mãe reconhecidos, sejam eles biológicos ou socioafetivos, sem que haja uma hierarquia ou supremacia de um tipo de vínculo sobre o outro.

  • O Supremo Tribunal Federal brasileiro, através do Tema 622, consolidou o entendimento de que a existência de uma paternidade socioafetiva não impede o reconhecimento de uma filiação biológica concomitante, ambos com efeitos jurídicos próprios.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

10. Multiparentalidade e Sucessão Hereditária em relação aos avós

No direito brasileiro, os avós não herdam igualmente, mas de acordo com sua linha (o único avô paterno herda a metade e os dois avós maternos herdam a outra metade); esse exemplo demonstra que a sucessão por linhas pode levar à desigualdade entre os ascendentes, máxime quando ocorrer multiparentalidade.

Se o autor da herança não deixar descendentes, seus ascendentes biológicos e socioafetivos herdarão concorrentemente, de acordo com suas linhas (maternas e paternas), por força do CC, art. 1.836. Se deixar dois pais (um socioafetivo e outro biológico) e uma mãe, esta herda a metade da herança e os pais a outra metade.

Quanto às linhas do parentesco avoengo, algumas considerações se impõem, quando houver reconhecimento judicial de multiparentalidade: 1. As linhas são mais do que as duas tradicionais (paterna e materna), podendo ser três (paradigma do caso concreto julgado pelo STF) ou mais do que três, ante as consequências da realidade da vida de vários relacionamentos familiares socioafetivos sucessivos, ou do uso de técnicas de reprodução assistida. 2. Não há hierarquia entre essas múltiplas linhas, mas sim igualdade, não só para o exercício dos direitos por todos os avós, concorrentemente, nas relações familiares, mas também na distribuição igualitária aos avós, por linhas, da herança deixada pelo neto, cujos pais não lhe sobreviveram.

O mesmo direito de sucessão dos filhos de pais biológicos em conjunto com pais socioafetivos, transmite-se aos filhos daqueles. O neto será herdeiro necessário tanto do avô socioafetivo, quanto do avô biológico, em igualdade de direitos em relação aos demais herdeiros necessários de cada um.

A sucessão hereditária legitima é assegurada igualitariamente ao neto, filho de pais concomitantes biológicos e socioafetivos, em igualdade de condições, sem observância de linhas. Aberta a sucessão de cada um deles é herdeiro legítimo de quota parte atribuída aos herdeiros de mesma classe (direta ou por representação), imediatamente, em virtude da saisine. A igualdade entre filhos e, consequentemente, entre netos de qualquer origem é princípio cardeal do direito brasileiro, a partir da Constituição, incluindo o direito à sucessão aberta. Os limites dizem respeito às legítimas dos herdeiros necessários de cada sucessão aberta e não ao número de pais autores das heranças.

Terá duplo direito à herança, diferentemente dos que forem netos apenas de avós biológicos ou de avós socioafetivos, levando-o a situação vantajosa em relação aos seus próprios irmãos que sejam apenas socioafetivos, de um lado, ou apenas irmãos biológicos, do outro, mas essa não é razão impediente da aquisição do direito.

Após a edição da tese do Tema 622, o STJ (3ª Turma) teve oportunidade de afirmar no REsp 1.618.230, que o reconhecimento do vínculo filial biológico, ao lado do vínculo socioafetivo, gera os mesmos efeitos patrimoniais, como o direito à herança; no caso, o interessado, com aproximadamente 70 anos, obteve o direito de receber a herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido a herança do pai socioafetivo.

A reciprocidade de direitos sucessórios, na ocorrência de multiparentalidade, é acentuada no Enunciado 33 do IBDFAM, o que prevê que “o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ESPINOSA, Benedictus de. Ética. Trad. Joaquim Ferreira Gomes. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

KANT, Immanoel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Ed. 70, 1986.

LÔBO, Paulo Luiz Neto. Repersonalização das relações familiares. O direito de família na Constituição de 1988. Carlos Alberto Bittar (Coord.). São Paulo: Saraiva, p. 53-82, 1989.

LÔBO, Paulo Luiz Neto. Princípio jurídico da afetividade na filiação, Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família (A família na travessia do milênio), Coord. Rodrigo da Cunha Pereira, IBDFAM/OAB-MG, Belo Horizonte, p. 245-54, 2000.

LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Afeto, ética, família e o novo Código Civil Brasileiro. Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey , p. 505-530, 2004.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

VILLELA, João Bptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 21, maio 1979.


  1. Capítulo do livro Avosidade: relação jurídica entre avós e netos. Tânia da Silva Pereira et al. (Orgs). Pág. 285-298. Indaiatuba: Foco, 2021.

  2. Doutor em Direito Civil pela USP. Professor Emérito da UFAL. Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Membro fundador do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.

  3. VILLELA, João Bptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 21, maio 1979, passim.

  4. LOBO, Paulo Luiz Neto. Repersonalização das relações familiares. O direito de família na Constituição de 1988. Carlos Alberto Bittar (Coord.). São Paulo: Saraiva, p. 53-82, 1989.

  5. FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

  6. ESPINOSA, Benedictus de. Ética. Trad. Joaquim Ferreira Gomes. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 176.

  7. KANT, Immanoel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Ed. 70, 1986, p. 77.

  8. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Afeto, ética, família e o novo Código Civil Brasileiro. Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey , p. 505-530, 2004.

  9. RTJ n. 53/131.

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Socioafetividade e multiparentalidade e seus efeitos no parentesco avoengo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7591, 13 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/105912. Acesso em: 22 dez. 2024.

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