4. Rescisão do Contrato
A rescisão contratual nada mais é do que a ruptura da relação pactuada entre a Administração Pública e a parte contratada. Ela pode ser unilateral, consensual ou judicial. A rescisão contratual não se trata de uma sanção, até porque não está prevista no rol de sanções tanto da Lei 8.666 quanto da Lei 14.133. Vejamos o entendimento do TCU sobre o tema:
A rescisão contratual não possui natureza sancionatória, pois não se trata de uma genérica pretensão punitiva do Estado, além de não estar elencada no rol de sanções previsto na legislação. A rescisão é uma consequência de ruptura dos efeitos decorrentes da relação contratual entre a administração pública e a contratada, que se tornou insustentável diante de uma situação específica. (Manual de Sanções do TCU,p.22)
Vejamos o que dispõe a legislação revogada e atual:
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Lei 8.666/1993 |
Lei 14.133/2021 |
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Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados; IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento; V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração; VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato; VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67. desta Lei; IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil; X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado; XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato; XIII - a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1o do art. 65. desta Lei; XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação; XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação; XVI - a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto; XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato. XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. |
Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações: I - não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias ou de cláusulas contratuais, de especificações, de projetos ou de prazos; II - desatendimento das determinações regulares emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar sua execução ou por autoridade superior; III - alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato; IV - decretação de falência ou de insolvência civil, dissolução da sociedade ou falecimento do contratado; V - caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato; VI - atraso na obtenção da licença ambiental, ou impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto; VII - atraso na liberação das áreas sujeitas a desapropriação, a desocupação ou a servidão administrativa, ou impossibilidade de liberação dessas áreas; VIII - razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante; IX - não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz |
Quando o motivo da rescisão contratual for o mesmo da instauração do PAP reputo ser extremamente importante que na notificação conste a possibilidade de rescisão unilateral do contrato com a finalidade de obedecer o principio do contraditório e a ampla defesa reafirmado no art.137, da Lei 14.133.
Sendo constatada a necessidade de rescisão contratual deve ser feito ato a parte da solução do PAP rescindindo o contrato e publicando este ato no Diário Oficial. Ao fazer dessa forma, atendemos ao princípio da eficiência, pois na mesma diligência do responsável pela notificação da solução do PAP já se entrega o ato de rescisão, abrindo o prazo recusal dessa decisão.
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Lei 8.666/1993 |
Lei 14.133/2021 |
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Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem: I - recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de: e) rescisão do contrato, a que se refere o inciso I do art. 78. desta lei; |
Art. 165. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem: I - recurso, no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da data de intimação ou de lavratura da ata, em face de: e) extinção do contrato, quando determinada por ato unilateral e escrito da Administração; |
5. Seguro Garantia
Em muitos Editais de licitações verifica-se que a Administração Pública exige do licitante vencedor a prestação de garantia. Na Lei nº 8666 existem 03 modalidades e na Lei nº 14.133 existem 4 modalidades, conforme se vê a seguir:
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Lei 8.666/1993 |
Lei 14.133/2021 |
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Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se: VI - Seguro-Garantia - o seguro que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas por empresas em licitações e contratos; Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; II - seguro-garantia; III - fiança bancária. |
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: LIV - seguro-garantia: seguro que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado; Art. 96. A critério da autoridade competente, em cada caso, poderá ser exigida, mediante previsão no edital, prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e fornecimentos. § 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil, e avaliados por seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Economia; II - seguro-garantia; III - fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil. IV - título de capitalização custeado por pagamento único, com resgate pelo valor total Art. 97. O seguro-garantia tem por objetivo garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado perante à Administração, inclusive as multas, os prejuízos e as indenizações decorrentes de inadimplemento, observadas as seguintes regras nas contratações regidas por esta Lei: I - o prazo de vigência da apólice será igual ou superior ao prazo estabelecido no contrato principal e deverá acompanhar as modificações referentes à vigência deste mediante a emissão do respectivo endosso pela seguradora; II - o seguro-garantia continuará em vigor mesmo se o contratado não tiver pago o prêmio nas datas convencionadas. |
A despeito do texto da Lei dizer “poderá ser exigida” muitos doutrinadores entendem que se trata de um poder-dever da Administração Pública:
“Entretanto, trata-se de um poder-dever, e não mera faculdade. O fundamento para a exigência é a proteção do interesse público com o perfeito adimplemento do contrato e o principio da indisponibilidade desse interesse, que impede o Poder Público simplesmente deixe de exigi-la.”( CUNHA, 2023, p.329)
Dentre as garantias prvistas em lei, optamos por abordar neste tópico sobre o seguro garantia, suas especificidades e momento de acioná-lo. Marçal Justen Filho conceitua o seguro-garantia:
“O seguro garantia consiste em contrato firmado entre o particular contratado e instituição seguradora, pelo qual esta última compromete-se a arcar com o risco de eventos danosos, relativos a inexecução da prestação devida a Administração Pública. Contará como beneficiária a pessoa integrante da Administração, cabendo ao particular o pagamento do prêmio do seguro.” (JUSTEN FILHO,2021,p. 1262)
Atualmente temos a Circular SUSEP nº 662 que dispõe sobre o seguro garantia:
Art. 3º O Seguro Garantia destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas. Parágrafo único. Pelo contrato de Seguro Garantia, a seguradora obriga-se ao pagamento da indenização, nos termos do art. 21, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida, conforme estabelecido no objeto principal ou em sua legislação específica, respeitadas as condições e limites estabelecidos no contrato de seguro.
Art. 19. A comunicação do sinistro deverá ser encaminhada à seguradora, logo após o conhecimento de sua caracterização, de acordo com os critérios e contendo os documentos definidos nas condições contratuais do seguro, para que seja iniciado o processo de regulação pela seguradora.
Art. 21. A seguradora indenizará o segurado ou o beneficiário, até o valor da garantia, mediante:
I - pagamento em dinheiro dos prejuízos, multas e/ou demais valores devidos pelo tomador e garantidos pela apólice em decorrência da inadimplência da obrigação garantida; ou
II - execução da obrigação garantida, de forma a dar continuidade e concluí-la sob a sua integral responsabilidade, nos mesmos termos e condições estabelecidos no objeto principal ou conforme acordado entre segurado e seguradora.
Dessa forma, surge uma grande dúvida para os agentes públicos sobre em que momento a Administração acionaria a seguradora para pagamento do seguro. Instaurado o processo administrativo contra a empresa contratada vimos que no ato de notificação da solução já lhe é fornecido o Documento de Arrecadação Estadual com o valor da multa, sendo então oportunizado o pagamento. Caso ele não efetue o pagamento é emitido novo DAE corrigido monetariamente pela SELIC e se dessa vez o pagamento não for efetuado o Ordenador de Despesas emitirá uma certidão de realização da cobrança (Instrução de Auditoria 01/2016 da Auditoria Setorial da PMMG, art.11, § 3º)
Verifica-se que neste momento o processo administrativo já transitou em julgado em sua esfera e a empresa não acionou o seguro para pagamento da multa. Entendemos então que esse é o momento da Administração acionar o seguro garantia para cobrir a multa aplicada.
6. Conclusão
O presente artigo buscou trazer uma abordagem sobre as sanções passíveis de serem aplicadas ao fornecedor que participa de licitações e realiza contratações com o Estado, sendo dado um maior enfoque nas infrações administrativas cometidas na execução contratual.
Com presente estudo pode se perceber que trata-se de uma tarefa difícil que, na maioria das vezes, são incumbidas a funcionários públicos que não receberem nenhuma espécie de qualificação na área. Além da ausência de qualificação e treinamentos adequados, temos como grande dificultador a transição da Lei nº 8.666/1993 para a Lei nº 14.133/2021.
O presente estudo foi iniciado com uma rápida abordagem sobre a gestão e fiscalização dos contratos em virtude dos atos adotados pelos gestores e fiscais serem primordiais para instrução do processo administrativo que ensejará uma punição ao fornecedor.
Após isso, foi realizada uma ligeira análise sobre as sanções previstas na legislação para então focarmos na execução de todo o Processo Administrativo Punitivo, com ênfase nas orientações emanadas pela Polícia Militar de Minas Gerais.
Conforme demonstrado no presente artigo, o Processo Administrativo Punitivo somente surtirá os efeitos desejáveis para a Administração Pública se obedecer as formalidades procedimentais e respeitando o contraditório e a ampla defesa.