Resumo: O estudo aborda a despedida em massa de trabalhadores como azo para a indenização por danos morais, considerando as implicações jurídicas e sociais desse fenômeno. Frente ao marco jurisprudencial estabelecido pelo Tema 638 do Supremo Tribunal Federal, que compele negociação coletiva prévia para os casos dispensas coletivas, discute-se a responsabilidade civil do empregador e os limites impostos pela decisão em relação a eventos ocorridos antes de 2022, mais precisamente, são examinados os elementos da responsabilidade civil, como dano, conduta e nexo causal, com ênfase na relevância dos danos morais no contexto das relações trabalhistas. O estudo busca preencher lacunas jurisprudenciais, destacando princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a função social do trabalho, propondo avanços na efetivação dos direitos trabalhistas diante das transformações contemporâneas do mercado de trabalho.
Palavras-chave: Dispensa em massa; Responsabilidade Civil; Direito do Trabalho; Danos Morais; Constitucionalismo e Direito Privado.
Sumário: Introdução, 1. Responsabilidade Civil, 1.1. Da culpa, 2. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho, 3. Relevância do RE 999.435/SP, omissão do STF, Conclusão.
INTRODUÇÃO
Preconizado minuciosamente na parte geral do Código Civil no Livro III, mais especificamente no Título III, a legis brasileira traz, evidentemente sob a ótica da esfera privada do direito, a conceituação geral do que seriam os atos ilícitos (arts. 186 a 188), e, doravante, no Título IX, parte especial do código, denominado como: “Da Responsabilidade Civil”, nos arts. 927 a 954, vê-se a complementação do ato ilícito, onde, uma vez causado dano a outrem, seja esse moral ou material, comete ilícito e, fulcrado na “Responsabilidade Civil”, será compelido a repará-lo (art. 927, CC/2002). Ademais disso, mister o destaque de que a reparação supra dissertada há de ser observada como máxima jurídica nas relações privadas, sejam estas em detrimento de competência do Direito Consumerista, em sede de contrato de compra e venda ou de fornecimento de serviço, Direito Civil propriamente dito, em casos contratuais dos mais diversos e, por conseguinte, na esfera Trabalhista do direito.
Seguindo o diapasão arguido supra, urge trazer à baila discussão acerca da dispensabilidade de trabalhadores no âmbito das relações laborais, esta, que transcende questões puramente econômicas, emergindo, dessarte, como tema de complexidade astronômica no direito do trabalho contemporâneo. Nesse sentido, tem-se a despedida em massa, enquanto fenômeno ainda mais amplo da dispensabilidade, esta, que revela impactos profundos não apenas sobre os empregados diretamente envolvidos, bem como sobre seus familiares, sobre a sociedade como um todo e, ouse-se dizer, em detrimento do próprio sistema de justiça social. Assim, amparado nessa perspectiva, a busca pela compreensão das implicações legais, econômicas e morais desse tipo de ruptura contratual revela-se imprescindível, sobretudo quando se analisa a possibilidade de reconhecimento de danos extrapatrimoniais (morais) decorrentes de tais situações.
Ato contínuo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 999.435/SP, fixando a tese do Tema 638, representa marco na regulação das dispensas coletivas, seja na sua aplicabilidade fática, seja sobre como há de vigorar o seu efeito ex nunc e, sobretudo, acerca da própria omissão reverberada no decisum. O entendimento do STF determina que despedidas em massa só podem ser realizadas mediante prévia negociação sindical, reconhecendo a necessidade de um olhar coletivo para um problema que envolve tanto os direitos individuais dos trabalhadores quanto os impactos sociais e econômicos decorrentes dessas práticas. Entretanto, quanto à sua aplicabilidade efetiva, a limitação temporal dos efeitos desse julgamento – aplicado apenas aos eventos posteriores a 2022 – suscita relevantes questionamentos acerca da efetividade do decisum na proteção de direitos dos trabalhadores impactados por dispensas anteriores e, mais especificamente, quanto àqueles que, em que pese tenham sido despedidos no período anterior à decisão, ajuizaram ação após o Tema 638. Nesse sentido, a jurisprudência aponta para a possibilidade de reconhecimento de danos morais e materiais em razão de despedidas em massa, desde que comprovados os elementos da responsabilidade civil: conduta, dano e nexo de causalidade, contudo, as decisões que não acolherem, podendo suscitar temporalidade dos julgados, alegando ausência de ilicitude antes do Tema supra.
Assim, o dano moral obtém relevância em detrimento das implicações que as despedidas têm sobre a dignidade dos trabalhadores, frequentemente acompanhadas, evidentemente, de prejuízos psicológicos aos proletários, sociais, quanto à sua imagem na sociedade, eis que, numa sociedade capitalista, sua imagem social e seu poder de compra, infelizmente, confundem-se, e, inclusive, prejuízos familiares. Ademais, apesar do “avanço” no entendimento jurídico, observa-se patente lacuna na abordagem do tema sob a perspectiva do direito coletivo do trabalho, eis que os debates se cingem, predominantemente, ao aspecto patrimonial, relegando a dimensão extrapatrimonial a um papel secundário.
A relevância do presente estudo reside, notoriamente, na análise do impacto das dispensas coletivas como aso para indenização por danos morais, com base precípua alçada nos brocardos constitucionais da dignidade da pessoa humana, função social do trabalho e, sobretudo, na vedação a despedidas arbitrárias (art. 7° CF/88), logo, ao se observar a evolução jurisprudencial e os efeitos do julgamento do Tema 638 do STF, busca-se compreender as lacunas e desafios na efetivação dos direitos trabalhistas em um contexto de intensas transformações nas relações de trabalho.
Isto posto, o presente artigo propõe-se a examinar criticamente as implicações das despedidas em massa sob o prisma da responsabilidade civil, analisando não apenas os aspectos legais que regem tais situações, bem como, as suas consequências decorrentes. Para tanto, serão abordados os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais aplicáveis, com o objetivo de oferecer uma contribuição teórica que possibilite avanços no tratamento jurídico dessa matéria e no fortalecimento da proteção aos trabalhadores brasileiros.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
Ante análise da doutrina jurídica pátria, vê-se que o debate acerca da Responsabilidade Civil adota o viés privado de sua significação, atingindo a esfera patrimonial ou, inclusive, extrapatrimonial.
Nesse sentido, nas palavras de Sergio Pinto Martins quando classifica o termo “Responsabilidade”:
Responsabilidade vem do latim respondere, tendo o sentido de responsabilizar-se, garantir ou assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou. (MARTINS, Sérgio Pinto. 2011. p. 274)
Seguindo o diapasão supra, vê-se que, em detrimento do cotejo dos artigos 186 e 927 do CC/2002, ao cometer-se ato ilícito que resulte em dano – subtraídas as hipóteses estabelecidas no art. 188, I e II do Código Civil, aquele que teria causado esse dano, é obrigado a reparar-lhe. Nesse sentido, Maria Helena Diniz, utilizando-se da classificação trazida por Orlando Gomes, em sua obra Obrigações (4. Ed., v. 1, p22, 1976), é determinado esmiuçadamente que a obrigação de ressarcir o prejuízo causado pode originar-se da: a) inexecução de contrato; e b) da lesão a direito subjetivo, sem que preexista entre o lesado e lesante qualquer relação jurídica que a possibilite1.
Nesta senda, ante análise dos termos trazidos suso e, sobretudo, tendo como amparo o diploma jurídico legal pátrio quando se utiliza dos arts. 186. e 927 Código Civil de 2002 para estabelecer: aquele que, por negligência, imprudência ou imperícia, causar dano a outrem, ainda que meramente moral, fica obrigado a reparar-lhe. Neste diapasão, dessarte, impera a obediência ao art. 954, CC/2002, quando da obrigação de indenizar por perdas e danos2.
Outrossim, à interpretação teleológica do termo “Responsabilidade”, dá-se como, suscintamente, nas palavras da bíblia: “Dai, pois a César o que é de César” (BÍBLIA, N. T. Mateus 22:21)3.
Isto posto, depreende-se que a terminologia recém citada versa meramente acerca da caracterização lato sensu da responsabilização. Neste sentido, mister a ressalva de que o fenômeno da Responsabilidade Civil conta com especificidade terminativa, eis que é versado, quando se observa o advento supra, acerca da presença, ou não, de culpa. Dessarte, em consonância com o presente diapasão, vê-se que urge a discussão acerca da classificação Objetiva e Subjetiva da Responsabilidade.
Em seu artigo 5°, V, a Constituição Federal4 brasileira preconiza que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, doravante, no mesmo artigo, contudo, no inciso “X”, versa especificamente que, ipsis litteris:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República)
Vê-se que em nenhum dos dispositivos supramencionados, salvo o artigo 186 do CC/2002, quando versado sobre omissão voluntária, exsurge a figura da culpa do indivíduo, apenas há a determinação de que, em caso havendo dano, conduta ilícita e, precipuamente, nexo de causalidade que leve à coadunação do ato ilícito ao dano suportado pelo lesado, exsurge a obrigação de responsabilizar-se pela Lesão, seja ela material ou moral. Contudo, impera suscitar o artigo 21, XXIII, “d”, da CRFB/88, onde é versado, ipsis litteris:
Art. 21. Compete à União: (...)
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (...)
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa
Ou seja, antevendo o que será mais aprofundado no tópico onde será versado acerca da Responsabilidade Civil do Estado, em casos específicos, sendo aqueles previstos em Lei, a responsabilização do agente independerá de presença de culpa.
Ademais, a contrario sensu da Responsabilidade Objetiva, exsurge a face Subjetiva da responsabilização, onde há de se observar a culpa do agente, seja este o Lesado, Lesante ou, inclusive, Terceiro. Nesse sentido, dentre os numerosos artigos do Código Civil brasileiro5 que citam a culpa como fator obrigatoriamente observado para a apreciação da Responsabilidade, a fim de compreender o presente diapasão, oportuno trazer à baila os artigos 238 e 239 do diploma Legal supramencionado. Leia-se:
Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.
Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.
Ou seja, vê-se que a figura da culpa do agente pode, a depender da sua presencia ou ausência, resolver ou não uma obrigação.
Amalgamado com o diapasão proposto supra, oportuno trazer à baila os artigos 12, caput e §3°, III, e 14, caput e §3°, II, da Lei 8.078/906, onde, na oportunidade, aduz o Legislador:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (...)
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: (...)
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...)
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (...)
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Nesta senda, apregoado ao cotejo explicativo já elaborado acima, em contrapartida à Responsabilidade Objetiva, figura, quando há apreciação da culpa do agente que acarreta o dano, agente este, que pode ser tanto o credor de uma obrigação, devedor e, inclusive, terceiro estranho à relação jurídica.
Isto posto, ciente de todo o conteúdo abordado, impera a classificação mais bem elaborada da culpa, sob seu viés jurídico.
1.1. Da culpa
Abstendo-se de conceitos abstratos, eis que a classificação da culpa possui vieses que perpassam desde a filosofia, psicologia e direito, apregoado ao sentido jurídico do termo, traduz Silvio Rodrigues a culpabilidade como, ipsis litteris:
“Assim, mister se faz não só que haja ele violado uma regra de conduta, mas que, agindo dentro de seu livre-arbítrio, tenha o agente tido a possibilidade de prever, de agir diferentemente, impedindo, se lhe aprouvesse, o evento danoso” (RODRIGUES, Silvio. 2006. p. 145)
Ato contínuo, observa-se que o livre-arbítrio do sujeito de direito impacta diretamente nas consequências jurídicas de sua ação ou omissão, quando estas corroboram para a persecução de dano a outrem ou, inclusive, a si mesmo. Face a presente aduzido, oportuna a transcrição do tema 517 do STJ, onde é versado:
Situação do Tema: Trânsito em Julgado Questão submetida a julgamento: Discute-se a responsabilidade civil da concessionária de transporte ferroviário, por morte decorrente de atropelamento por trem, diante da existência ou não de culpa concorrente. Tese Firmada: A despeito de situações fáticas variadas no tocante ao descumprimento do dever de segurança e vigilância contínua das vias férreas, a responsabilização da concessionária é uma constante, passível de ser elidida tão somente quando cabalmente comprovada a culpa exclusiva da vítima. Para os fins da sistemática prevista no art. 543-C do CPC, citam-se algumas situações: (i) existência de cercas ao longo da via, mas caracterizadas pela sua vulnerabilidade, insuscetíveis de impedir a abertura de passagens clandestinas, ainda quando existente passarela nas imediações do local do sinistro; (ii) a própria inexistência de cercadura ao longo de toda a ferrovia; (iii) a falta de vigilância constante e de manutenção da incolumidade dos muros destinados à vedação do acesso à linha férrea pelos pedestres; (iv) a ausência parcial ou total de sinalização adequada a indicar o perigo representado pelo tráfego das composições. Anotações Nugep: Hipótese: Culpa exclusiva da vítima, a qual se encontrava deitada nos trilhos do trem, logo após uma curva, momento em que foi avistada pelo maquinista que, em vão, tentou frear para evitar o sinistro. (STJ, Tema nº 517, publicada em 13/09/2019)
Ou seja, amparado na sucinta classificação trazida mais acima e, doravante, conforme observa-se no caso real supramencionado, vê-se que a culpa atua como protagonista da Responsabilidade em face do dano e as eventuais persecuções que este venha a causar.
Nesta senda, já amplamente debatido acerca da culpa como norte da Responsabilidade Civil, vê-se que a responsabilização requer relação de Lesante e Lesado, imperando suscitar que não decorre, única e especificamente, de relação jurídica preestabelecida, pode decorrer de mera relação contratual, por exemplo.
Portanto, e quanto à Responsabilidade do Empregador quando lesa o sujeito de direito, este sendo determinado ou indeterminado? A resposta para a questão em tela é que, complementando, inclusive, o previamente explicado, desde que haja a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do agente estatal e o dano, o Empregador responderá por eventuais perdas e danos.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO TRABALHO
Inicialmente, a fim de fulcrar o discernimento do presente tópico com base no diálogo entre as fontes do direito privado, mais especificamente quanto ao Civil e o direito do Trabalho. Nesse sentido, ampliando a conceituação mais aprofundada nos tópicos retro, face ao cenário jurisprudencial contemporâneo, irremediável trazer à baila o entendimento de Maurício Godinho Delgado, quanto à Responsabilidade do empregador nas questões atinentes a acidentes de trabalho e, ou, doenças ocupacionais. Verbis:
"O empregador responde por indenizações decorrentes de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais que causem dano material, moral ou estético ao empregado, independentemente de pagamentos realizados pelo INSS, conforme previsto no ordenamento jurídico trabalhista" (DELGADO, 2019, p. 742)7.
A esclarecedora doutrina acima dissemina a responsabilização com base em mero silogismo, trazendo consigo pressupostos essenciais à obrigação de reparar do Empregador. Contudo, em que pese seja notoriamente elucidativa, figura omissa quanto à conceituação da figura do dano e nexo de causalidade, na medida que, ao trazer consigo o tracejo que resultará em indenização, cinge-se a meramente decretar a figura do “dano” como moral, material ou estético e, inclusive, sequer aborda a figura do nexo causal.
Assim, ciente da relevância dos elementos da configuração da pretensão do direito à indenização, versou Delgado sobre o dano:
"O dano é considerado elemento presumido nas hipóteses de acidentes ou doenças do trabalho, configurando uma consequência direta do descumprimento das obrigações legais pelo empregador" (DELGADO, 2019, p. 743)8.
Outrossim, de igual relevância, ressalte-se a figura do nexo de causalidade:
"O nexo causal estabelece a relação entre o dano sofrido pelo trabalhador e a conduta ou omissão do empregador, especialmente no que se refere às condições do ambiente de trabalho" (DELGADO, 2019, p. 745)9.
Portanto, quando leciona que, ipsis litteris: "A negligência, imprudência ou imperícia por parte do empregador constitui a base para a responsabilização subjetiva”10, Godinho fornece ao leitor conhecimento teórico basilar para, quando em situação de lide real, consiga elaborar diapasão que leve a uma possível pretensão postulatória em juízo de direito a indenização.
Assim, ciente da base teórica da Responsabilidade Civil, em sua vasta gama de relevância no direito privado, como um todo, há de se partir, agora, para a questão principal do presente estudo: o tema 638 do STF e sua transcendência no ramo do direito do trabalho.