Resumo: O presente artigo de conclusão de curso propõe uma reflexão sobre o papel do Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e serviços), entidade pública sob regime especial criada pela Emenda Constitucional nº 132 devido à Reforma Tributária no Brasil, aprovada em 2023. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) foi concebido para unificar a tributação atualmente realizada por meio do ICMS, de competência estadual, e do ISS, de competência municipal. O projeto de lei complementar PLP 108/2024 regulamenta o Comitê Gestor do IBS, estabelece normas para gerir e administrar o IBS e o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), imposto que incide sobre doações e heranças, dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao IBS e define a distribuição do produto da arrecadação do IBS aos entes federativos. A pesquisa se mostra importante pois, além de definir a gestão do sistema de arrecadação tributária, define as competências e diretrizes do CG-IBS. Trata-se de um novo cenário na perspectiva tributária no país, que é apresentado de forma inovadora, baseado no IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) já adotado em mais de 174 países. A pesquisa identificou as posições adotadas e o amadurecimento do projeto para que se torne uma realidade. Vale ressaltar que as citações e argumentações apresentadas são temporais, pois a matéria ainda tramita nas casas do congresso nacional.
Palavras-chave: Reforma Tributária. Comitê Gestor. Imposto. Arrecadação.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Reforma Tributária no Brasil. 2.1. Sobre a Reforma Tributária de 1966. 2.2. Sobre a Reforma Tributária de 1988. 2.3. Sobre a Reforma Tributária hoje. 3. Repercussões sobre a Reforma Tributária. 4. Considerações gerais sobre o PLP 108/2024. 4.1. Sobre o Comitê Gestor do IBS. 4.2. Natureza do Comitê – troca da autonomia pela participação. 4.3. Inconstitucionalidades sobre o CG-IBS. 5. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é sobre a atuação do Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços (CG-IBS), entidade pública sob regime especial criada pela Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, devido à Reforma Tributária no Brasil, que altera o Sistema Tributário Nacional.
O tema se mostra relevante pois, além de organizar a gestão do sistema de arrecadação tributária estadual (ICMS) e municipal (ISS), define as competências e diretrizes do CG-IBS, explicitados no art. 156-B da referida Emenda Constitucional e na proposta de regulamentação do CG-IBS pelo PLP nº 108/2024, que dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do IBS, sobre a distribuição para os entes federativos do produto da arrecadação do IBS.
O PLP 108/2024 foi o segundo projeto de regulamentação da Reforma aprovado na Câmara de Deputados. Recebeu 303 votos favoráveis em plenário no dia 13 de agosto de 2024 e seguiu para o Senado Federal.
Com o fim de delimitar o tema desta pesquisa, será abordado o estudo específico do PLP nº 108/2024 em seus artigos que possam suscitar algumas controvérsias jurídicas, advindas de discussões oriundas do Poder Legislativo e das Instituições de maneira geral.
O PLP 108/2024, além de regulamentar o Comitê Gestor do IBS, aborda a substituição do ICMS pelo novo tributo, a forma de redistribuição da arrecadação entre os entes federativos e as modificações nas normas do ITCMD e do ITBI.
Para contextualizar o tema, um breve histórico sobre a Reforma Tributária no Brasil desde o ano de 1996 será abordado neste artigo, com suas nuances e, de um modo geral, o caminho percorrido até a Constituição de 1988.
Por se tratar de um tema ainda em processo de construção e discussão no poder legislativo, a todo momento pode-se ter alterações e posições distintas, até que o PLP 108/2024 se torne Lei Complementar. Portanto, o PLP 108/2024 apresentado pela Câmara de Deputados em 08 de novembro de 2024 (em anexo), encaminhado pelo Presidente da Câmara de Deputados, Arthur Lira, ao presidente do Senado Federal à época, Rodrigo Pacheco, para apreciação do Senado será a referência adotada para a pesquisa, já que se trata do documento que hoje tramita no Senado Federal.
A pesquisa procurará abordar as incertezas que permeiam o presente tema. As grandes questões são: Como será a atuação do Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços (IBS)? Quais as diretrizes que serão estabelecidas? Quais as competências do órgão Gestor? Quais as limitações?
O que se busca, portanto, não é modelo perfeito, mas a construção progressiva de um processo de transformação sustentável. Nessa perspectiva, a precipitação deve dar lugar à implementação gradual das alterações, a fim de abrir caminho para uma transição equilibrada entre os diversos interesses em jogo. À medida que os resultados positivos das reformas em curso se consolidarem, serão criadas condições mais favoráveis para atingir, no liminar do século XXI, um sistema tributário otimizado que harmonize eficiência econômica e equidade social.
1. A REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL
1.1. Sobre a Reforma Tributária de 1966
A discussão sobre a Reforma Tributária no Brasil é antiga, tendo começado a ser debatida no parlamento desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Câmara dos Deputados já havia realizado diversas tentativas de discussão da reforma desde 1995.
O ponto de partida do Sistema Tributário Nacional foi marcado por duas reformas ocorridas em contextos bastante distintos, embora realizadas em um curto intervalo de tempo. A primeira delas data de 1966 e teve como resultado a edição do Código Tributário Nacional (lei nº 5.172/66). A segunda, por sua vez, veio atrelada à promulgação da Constituição Federal de 1988, nesse mesmo ano (Santos, 2015).
Em 1966, a reforma tributária se apresenta como uma consequência direta da promulgação da Emenda Constitucional nº 18/1965, que revogou o artigo 202 da Constituição de 1946. Nesse cenário, A EC nº 18 foi responsável por reafirmar o papel do Estado como eixo estruturante da ordem constitucional e sujeito ativo na conformação do Direito Constitucional (Rocha, 2024).
Dois anos antes, em novembro de 1964, com vistas a frear a inflação e reestabelecer o crescimento econômico, o Governo Brasileiro já havia instituído o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) (Giambiagi; Além, 2011). Ademais, o programa também almejava a redução dos desequilíbrios setoriais e regionais, o aumento dos investimentos, a geração de empregos e a correção da tendência ao desequilíbrio externo (Gremaud; Vasconcellos; Toneto Jr., 2007).
Para isso, a estratégia do PAEG incluía o emprego de diversas políticas, entre elas: (a) uma política de diminuição do déficit de caixa governamental; (b) uma política tributária; (c) uma política monetária alinhado às metas de estabilização dos preços; (d) uma política bancária; e e) uma política de investimentos públicos. (Resende, 1982). Para este trabalho, interessam especialmente: (a) política de redução dos déficits; bem como (b) política tributária, “destinada a fortalecer a arrecadação e a combater a inflação, corrigindo as distorções de incidência, estimulando a poupança, melhorando a orientação dos investimentos privados e atenuando as desigualdades econômicas regionais e setoriais” (Resende, 1982, p. 774). Isso porque a primeira nada mais é que um reflexo imediato da segunda.
Com isso em pauta, Varsano (1996), coloca em evidência mudanças significativas ocorridas entre os anos de 1946 e 1966, a saber: a arrecadação dos impostos incidentes sobre as transações internas sofreu um aumento, observado nos âmbitos municipal (no qual o imposto sobre indústria e profissões correspondia a 45% da receita tributária), estadual (que tinha o imposto sobre vendas e consignações como representante de impressionantes 90% da receita tributária) e nacional (com 45% da receita tributária da União de responsabilidade do imposto sobre o consumo). Ainda assim, os números eram insuficientes para suprir as demandas de dispêndio de todas as instâncias de governo (Varsano, 1996).
Segundo Barbosa, Brandão e Faro (1990), a reforma tributária implementada entre 1965 e 1966 ocorreu em duas fases distintas. A primeira fase pretendia ampliar a carga tributária e, para isso, contava com três principais medidas: 1 elevação das alíquotas do imposto de consumo; 2 reestruturação do imposto de renda, aumentando tanto a base tributável quanto o sistema de desconto na fonte; e 3 implementação de penalidades mais rigorosas para contribuintes inadimplentes, incluindo, para além das multas convencionais, a correção monetária sobre débitos fiscais. Tais medidas resultaram no crescimento significativo da carga tributária bruta, que passou de 17,01%, em 1964, para 22,31%, em 1966. Simultaneamente, observava-se, no mesmo período, a redução do imposto inflacionário de 5,23% para 2,74%.
Já a segunda fase da reforma foi concebida com dois propósitos principais: manter a carga tributária sem reduções significativas – objetivo que foi alcançado, apesar de uma leve queda em 1967, ano de implantação do novo sistema, seguida por recuperação nos anos de 1968 e 1969, estabilizando-se em torno de 25% durante boa parte da década de 1970 – e estabelecer uma base tributária robusta e moderna, capaz de sustentar o desenvolvimento econômico do país (Barbosa; Brandão; Faro, 1990).
Nesse sentido, para a efetivação do sistema, foram adotadas as seguintes medidas:
1) instituição da arrecadação de imposto através da rede bancária;
2) extinção dos impostos do selo (federal), sobre profissões e diversões públicas (municipais);
3) criação do ISS (Imposto sobre Serviços), a ser arrecadado pelos municípios;
4) substituição do imposto estadual sobre vendas, incidente sobre o faturamento das empresas, pelo ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), incidente apenas sobre o valor adicionado a cada etapa de comercialização do produto;
5) ampliação da base de incidência do imposto sobre a renda de pessoas físicas;
6) criação de uma série de mecanismos de isenção e incentivos a atividades consideradas prioritárias pelo governo à época – basicamente, aplicações financeiras, para estimular a poupança, e investimentos (em capital fixo) em regiões e setores específicos; e
7) criação do Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPEM), através do qual parte dos impostos arrecadados no nível federal (no qual se concentrou a arrecadação) era repassada às demais esferas de governo.
(Hermann, 2005a, p. 54-55)
Ao realizar uma análise das políticas do PAEG dedicadas ao combate à inflação, Resende (1982) aponta a política de contenção dos déficits governamentais como a mais exitosa. Enquanto em 1963 a carga tributária brasileira era de 16% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, em 1967 esse número saltou para 21%. Quanto ao déficit do Governo sobre o PIB, a mudança foi gradual: em 1963, era de 4,2%; em 1967, de 1,7%; em 1968, 1,2%; e, em 1969, 0,6% (Resende, 1982).
Para além do aumento na arrecadação tributária, outros fatores contribuíram para o controle dos déficits. Exemplo disso é a mudança ocorrida no financiamento dos déficits, antes estritamente financiados pela emissão de papel moeda e agora financiados também por meio da comercialização de títulos da dívida (Resende, 1982).
Sobre o assunto, Varsano (1996) ressalta que o sistema tributário tinha como objetivo principal o aumento da carga fiscal da sociedade, a fim de não apenas atingir o equilíbrio orçamentário, mas também gerar recursos que pudessem ser direcionados, via incentivos fiscais, para estimular a acumulação de capital e, consequentemente, o crescimento econômico. Na visão do autor, ao priorizar o crescimento acelerado e a acumulação privada – beneficiando principalmente os detentores de riqueza –, a reforma acabou negligenciando o princípio da equidade.
Enfim, a Reforma de 1966, ainda que se abstendo de instaurar medidas promotoras de equidade no sistema tributário brasileiro, foi responsável por promover um aumento acelerado na arrecadação e uma diminuição significativa do déficit público. No pós-reforma, os anos compreendidos entre 1968 e 1973 ganharam a alcunha de “Milagre Econômico Brasileiro”, período no qual o país vivenciou as maiores taxas de crescimento do PIB na contemporaneidade, que veio acompanhada de uma relativa estabilidade de preços (Gremaud; Vasconcellos; Toneto Jr., 2007).
Nas palavras de Gremaud, Vasconcellos e Toneto Jr. (2007, p. 402):
As diretrizes do governo em 1967 já colocavam o crescimento econômico como objetivo principal, acompanhado de contenção da inflação, sendo que se admitia o convívio com uma taxa de inflação em torno de 20 a 30% a.a., com redução gradual (a chamada “política gradualista” de combate à inflação, em oposição ao “tratamento de choque” do período Campos-Bulhões). Nessa fase, alterou-se o diagnóstico sobre as causas da inflação, destacando os custos como principal determinante. A inflação, que era vista como uma inflação de demanda no início dos governos militares, passou a ser vista como uma inflação de custos. Com isso, afrouxaram-se as políticas de contenção da demanda (monetária, fiscal e creditícia) (...)
Ainda de acordo com os autores (Gremaud; Vasconcellos; Toneto Jr., 2007), o aspecto mais controverso do Milagre Econômico Brasileiro foi o aumento da concentração de renda ocorrido à época. Isso porque essa concentração foi defendida pelas autoridades como uma estratégia necessária para ampliar a poupança interna, financiar investimentos e impulsionar o crescimento econômico, com a promessa de que os benefícios seriam posteriormente distribuídos – princípio que ficou conhecido como "Teoria do Bolo", em que primeiro se priorizava o crescimento, para só depois repartir os resultados.
Os autores ainda destacam que parte dos analistas da época considerava essa concentração um fenômeno natural em países em desenvolvimento, onde a demanda por mão de obra qualificada superava a oferta, levando a disparidades salariais entre profissionais especializados e não especializados. Apesar de reconhecerem o aumento da concentração de renda e a vantagem dos ricos em relação aos pobres, argumentavam que a renda per capita geral também havia aumentado, o que necessariamente implicaria melhora nas condições de vida de toda a população (Gremaud; Vasconcellos; Toneto Jr., 2007).
Já para Hermann (2005b), o período entre 1974 e 1984 representou tanto o apogeu quanto o colapso do modelo de crescimento econômico que vigorava no Brasil desde a década de 1950. Esse modelo, caracterizado pela industrialização baseada na substituição de importações (ISI), era conduzido pelo Estado mediante investimentos públicos e políticas de crédito, além de depender significativamente do financiamento externo.
No início do ano de 1974, o Brasil atravessava um momento de prejuízos externos e de dependência economia estrutural. Nesse contexto, na tentativa de reverter esse cenário, o governo central lança mão do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), plano de ajuste anunciado em meados daquele ano (Santos, 2015).
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979) representou uma ambiciosa estratégia de crescimento baseada em investimentos públicos e privados, com o objetivo de transitar da condição de subdesenvolvimento para o desenvolvimento econômico. No entanto, em 1979, o segundo choque do petróleo interrompeu o projeto, uma vez que a economia brasileira, assim como a economia mundial, foi profundamente afetada. À época, por decisão da OPEP, os preços internacionais do barril de petróleo saltaram de US$13,60, em 1978, para US$30,03, em 1979, e US$35,69. Paralelamente, na tentativa de conter a inflação, os países industrializados elevaram suas taxas básicas de juros (Hermann, 2005b).
Ao se deparar com esse cenário, o Brasil, no final de 1982, contraiu um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI), no valor US$ 4,2 bilhões. A partir daí teria início uma série de outros empréstimos estabelecidos entre o país e o FMI, realizados ao longo da década de 1980, com vistas a mitigar as consequências da crise da dívida latino-americana (Hermann, 2005b). Os indicadores dos anos de 1981 a 1984 indicam a relevante diminuição do déficit operacional após a vigência do acordo com o Fundo (Giambiagi; Além, 2011).
Fechando o período de 1966 a 1988, chega-se ao período compreendido entre 1985 e 1988. Aqui, o Brasil experiencia significativos marcos históricos para o arranjo do sistema tributário nacional nos moldes de hoje, a saber: o primeiro Presidente da República civil após os 20 anos de ditadura militar, em 1985; o Plano Cruzado, em 1986; o Plano Bresser, em 1987; e a Constituição Federal, em 1988 (Santos, 2015).
1.2. Sobre a Reforma Tributária de 1988
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, inicia-se a segunda fase de reformas no Sistema Tributário brasileiro (Rocha, 2024). Segundo Aurélio Greco (Solidariedade Social e Tributação, 2005, p.171), essa transição fica clara ainda no próprio preâmbulo da Constituição, que registra:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (Brasil, 1988, preâmbulo)
A CF/88 foi estabelecida do povo para o Estado e veio acompanhada de uma mudança clara, com efeitos que foram percebidos por meio da transformação de entendimento dos pontos de partida do Sistema Tributário Nacional (Rocha, 2024).
No entendimento de Andrea Viol (2000), a CF/88 não teve como principal contribuição a considerável modificação da estrutura tributária conformada em 1966, mas sim a modificação das normas de divisão das receitas tributárias entre os municípios, os estados e a União. Dessa forma, as mais relevantes mudanças acarretadas pelo documento no sistema tributário nacional foram: a) o aumento da base tributária do ICMS (antigo ICM), que integrou os Impostos Únicos da União à sua base; e b) a ampliação dos repasses aos Fundos de Participação, que subiram os índices de participação quanto ao IPI de 32% para 57% e quanto ao IR de 32% para 47% (Viol, 2000).
Barbosa, Brandão e Faro (1990), por sua vez, compreendem o agravamento progressivo das finanças públicas brasileiras desde o final dos anos 1970 como motivador das reformas tributárias implementadas pela Constituição Federal de 1988. De acordo com eles, entre 1978 e 1987, a carga tributária bruta sofreu redução de aproximadamente 3%, passando de 25,63% para 22,60% do PIB, enquanto a carga líquida diminuiu de 15,21% para 13,5% no mesmo período. Paralelamente, o imposto inflacionário elevou-se para 3,53% do PIB em 1987, e a poupança governamental em conta corrente apresentou declínio acentuado, atingindo valores negativos no mesmo ano.
A análise dos autores identifica múltiplos fatores responsáveis por essa crise fiscal. No aspecto tributário, destacam-se: 1 os efeitos da inflação acelerada sobre a arrecadação real, devido às defasagens entre o fato gerador e a cobrança dos tributos; 2 o impacto das isenções fiscais sobre exportações na redução da arrecadação de impostos indiretos; 3 o crescimento significativo da sonegação fiscal, decorrente tanto do aumento das alíquotas quanto da ineficiência na fiscalização; e 4 a expansão das renúncias fiscais mediante uso excessivo de incentivos tributários (Barbosa; Brandão; Faro, 1990).
No âmbito das despesas públicas, sobressaem três elementos-chave: 1 o crescimento do endividamento estatal e dos gastos com serviço da dívida (externa e interna); 2 a política de controle de preços em empresas estatais como medida anti-inflacionária; e 3 o aumento descontrolado das despesas correntes do governo. Essa combinação de fatores teria criado as condições que exigiram a reforma tributária constitucional posterior (Barbosa; Brandão; Faro, 1990).
Para Ricardo Varsano (1996), ao aumentar as transferências tributárias, a CF/1988 impôs a diminuição dos recursos disponíveis para o Governo Federal. Corroborando o autor, Viol (2000) afirma que a Constituição de 1988 não enfrentou adequadamente os problemas estruturais acumulados no sistema tributário brasileiro. Ao contrário, na tentativa de reverter o centralismo decorrente da reforma de 1966, o texto constitucional acentuou ainda mais as distorções econômicas no âmbito do sistema tributário.
No terceiro ano de vigência da CF/88, o presidente Fernando Collor de Mello assinou Decreto de 1º de agosto de 1991, que criava a Comissão Consultiva da Proposta da Reforma Fiscal, que tinha por finalidade a realização de estudos necessários à elaboração de proposta de reforma fiscal (Brasil, 1991):
O parágrafo único do artigo 1º, do Decreto de 1º de agosto de 1991 dispunha o seguinte: Parágrafo único. A proposta de reforma fiscal terá como objetivos básicos: a) elevar os níveis de eficiência, equidade e operacionalidade do sistema tributário, com base em avaliação do vigente sistema e do objetivo de resgatar a capacidade fiscal do Estado em seus diversos níveis, ao mesmo tempo em que se estimule a atividade econômica e a justiça social; b) reformular a estrutura de financiamento do setor público, a partir da revisão dos atuais critérios de endividamento de administração da dívida pública; c) reestruturar o gasto público, e melhorar a sua qualidade, especialmente mediante a redefinição do papel do Estado e discriminação das competências das entidades federativas. (Brasil, 1991)
A tentativa da Comissão de realizar uma reforma tributária ampla e radical naão obteve sucesso. A princípio, a falha foi justificada pelo impeachment do então presidente eleito (Patu, 2008). Contudo, Fernando Dall’Acqua (2002), anos mais tarde, atribui o fracasso da tentativa à sua elaboração privada de uma colaboração política ampla com os indivíduos diretamente afetados.
Em 1995, ainda no seu primeiro ano de governo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso propôs uma nova Reforma Tributária, por meio da Proposta de Emenda Constitucional nº 175, de 1995 (PEC 175/95). No ano seguinte, no mês de julho, o relator da PEC 175/95 apresentou seu primeiro relatório sobre o documento, que logo foi complementado, em outubro do mesmo ano (Maciel, 2009).
Um ano mais tarde, em setembro de 1997, uma nova proposta de reforma foi divulgada na Comissão da Reforma Tributária, na Câmara dos Deputados, dessa vez por Pedro Parente, secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Embora fosse mais ampla que a PEC anterior, a proposta, à época conhecida como Proposta Pedro Parente, não passou de uma proposta não oficial, uma vez que nunca foi formalizada no Congresso Nacional (Maciel, 2009).
Anos mais tarde, quando o Presidente Luís Inácio da Silva assume o poder, a PEC 41/03, mais uma proposição de reforma tributária, é encaminhada ao Congresso Nacional pelo Executivo. Rapidamente, a proposta é aprovada na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados. Em seguida, segue para o Senado Federal, onde, em dezembro de 2003, é parcialmente aprovada. Daí surgiu a Emenda Constitucional nº 42, de 2003, que abrangia as seguintes medidas: “prorrogação da CPMF e da DRU até o final de 2007; divisão da CIDE- combustíveis com estados e municípios; criação do Simples Nacional; cobrança de contribuições sociais sobre a importação; e a prorrogação da Zona Franca de Manaus até 2023” (Maciel, 2009, p. 28-29). Quanto à reforma do ICMS, principal conteúdo da proposta, está foi negada no Senado Federal (Maciel, 2009).
Já em 2008, quando o Presidente Lula exercia seu segundo mandato, uma nova proposta de reforma tributária é encaminhada ao Congresso Nacional por parte do Executivo: a PEC 233/2008. Esta, por sua vez, obteve aprovação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados depois de passar por diversas alterações. Todavia, a história da proposta se encerrou ali, já que, como consequência da falta de consenso, não foi posta em votação no Plenário da Câmara dos Deputados (Maciel, 2009).
A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo diversos direitos e garantias individuais, no entanto, a necessária contrapartida devida ao Estado foi ignorada. Ademais, o documento surgiu como uma consequência do desmanche do regime centralizador anteriormente vigente, o que propiciou a ampliação da participação dos estados e municípios na arrecadação tributária, em detrimento da arrecadação federal (Santos, 2015).
A doutrina jurídica reconhece a Constituição Federal de 1988 como um significativo marco histórico, caracterizando-a como a segunda grande reforma do ordenamento jurídico nacional. A partir dela, mudanças estruturais ocorreram no ordenamento jurídico nacional, refletindo-se sobre o crescimento e o desenvolvimento econômico (Durães, 2019).
Nas palavras de Cintya Durães, (2019, p. 23):
A Constituição Federal de 1988 alterou profundamente o significado dos princípios que estruturam as normas presentes no ordenamento jurídico pátrio. A maior parte dos postulados principiológicos foram elevados à categoria de superprincípios, ou seja, sobrepõem-se aos demais (Ichiraha, 2012, p. 61). São eles: princípio da legalidade (art. 5º e 150, I), anterioridade (art. 150, III, b), igualdade ou isonomia (art. 5º, I e 150, II), irretroatividade da lei (art. 5º, XXXVI e 150, III), uniformidade da tributação (art. 151, I a III), capacidade contributiva (art. 145, par. 1º), proibição do confisco (art.150, IV).
Assim, as competências se dividem rigorosamente entre específicas, privativas e indelegáveis. Ou seja, o município, o estado e a União somente detêm poder para legislar sobre as matérias atribuídas a eles pelo texto constitucional, até mesmo em casos excepcionais, quando é permitida a atribuição de um ente a outro (Durães, 2019).
1.3. Sobre a Reforma Tributária Hoje
Hoje, o Brasil passa por uma Reforma Tributária que, segundo a Assessoria Especial de Comunicação Social do Ministério da Fazenda (Brasil, 2025), tem três grandes objetivos:
1) Fazer a economia brasileira crescer de forma sustentável, gerando emprego e renda; 2) Tornar o sistema tributário mais justo, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; 3) Reduzir a complexidade da tributação, assegurando transparência e provendo maior cidadania fiscal.
A Reforma Tributária, a ser adotada, foi dividida em três etapas, a primeira relativa ao consumo. Ela conta com a substituição de cinco tributos extremamente disfuncionais existentes hoje no Brasil: PIS, COFINS e IPI – tributos federais; ICMS – estadual; e ISS – municipal.
Esses tributos serão substituídos por um ou dois impostos sobre o valor adicionado (IVA – Imposto sobre valor agregado); trata-se de um tributo que incide sobre a despesa ou consumo e tributa o valor acrescentado das transações efetuadas pelo contribuinte, um imposto plurifásico, porque é liquidado em todas as fases do circuito econômico, desde o produtor ao retalhista (relativo ao comércio). A reforma contempla também a criação de um imposto seletivo (IS) para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Segundo a Assessoria Especial de Comunicação Social do Ministério da Fazenda (Brasil, 2025), o IVA permite mais transparência e facilidade de tributação como principais características:
Base ampla de incidência: alcança todas as operações com bens, tangíveis e intangíveis, e serviços; Tributação no destino: o imposto é devido ao município e ao estado onde estão localizados os consumidores da mercadoria ou do serviço; Legislação uniforme: regras harmônicas aplicáveis em todo o território nacional; Não cumulatividade plena: os impostos pagos ao longo da cadeia geram créditos, por isso são totalmente recuperáveis, de forma que, na prática, a tributação recai apenas sobre o consumo final da mercadoria ou serviço; Cobrança “por fora”: o imposto não compõe a base de cálculo dele mesmo; Não incidência sobre exportações: no caso das exportações, o país onde se localiza o comprador da mercadoria ou serviço é considerado o destino, de forma que cabe a ele, e não ao Brasil, tributá-los; Incidência sobre importações: neste caso, como o Brasil é o país de destino das mercadorias ou serviços importados, esses serão tributados pelo IVA; Rápida devolução dos créditos acumulados: os créditos devidos aos contribuintes são ressarcidos de forma muito ágil. (Brasil, 2025)
Estudos demonstram que a reforma tributária terá impactos positivos sob as perspectivas econômica, social e federativa. O primeiro projeto de regulamentação da reforma, o PLP 68/2024, aprovado pela Câmara em julho de 2024 e promulgado pelo Presidente da República em 16 de janeiro de 2025, como lei complementar 214/2025 (Brasil, 2025), institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Segundo Bernard Appy1, Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, em entrevista dada ao programa “Economia pra você” em agosto de 2024:
A Reforma Tributária funciona quando as pessoas entendem onde estão as distorções e por que precisam ser corrigidas”, “Se uma pessoa se beneficia de uma distorção, ela vai resistir em corrigi-la. É natural que isso aconteça. O importante é ter transparência e muita abertura para diálogo.
De acordo com o secretário:
É um jeito virtuoso de poder ampliar as políticas públicas. Então é bom para todo mundo...Talvez as pessoas não consigam vincular a melhoria da qualidade de vida delas à Reforma Tributária, mas existe, sim, essa vinculação. (Appy, 2024)
A tarefa de reformar o sistema tributário é complexa e interfere diretamente em interesses conflitantes. Sendo assim, é preciso levar em conta as repercussões causadas por mudanças contempladas sobre a economia, os contribuintes e o governo. Independentemente de boas intenções, é inviável a realização de propostas radicais, em razão de luz seus impactos econômicos ou financeiros (Rezende, 1996).
De acordo com Rezende (1996), o ano de 1967 foi marcado por mudanças tributárias da Constituição Brasileira que seguiam a lógica do aperfeiçoamento, apesar das facilidades presentes naquele período. Nesse sentido, “
manteve-se, na essência, a mesma composição de tributos preexistente, substituindo-se, onde cabia, as bases de incidência de alguns impostos, para ajustá-las a padrões mais modernos. Ampliou-se a competência da União. [...] Em contrapartida, promoveu-se ampla reformulação no mecanismo de transferências de receita da União, com a criação do Fundo de Participação dos estados e dos municípios (este último em substituição ao fundo preexistente). (Rezende, 1996, p. 7-8).
Já em 1988, foi a integração dos impostos únicos que guiou o processo de aperfeiçoamento do capítulo tributário, fator que indica um avanço em direção a um imposto de base ampla sobre o valor agregado. Quanto às demais competências da União, estas permanecem inalteradas, no entanto, previa-se um aumento significativo na porcentagem de receita da União destinada aos estados e aos municípios, bem como na receita dos estados transferidas para seus municípios, no intuito de modificar substancialmente a divisão do bolo tributário, em detrimento da União (Rezende, 1996).