2. REPERCUSSÕES SOBRE A REFORMA TRIBUTÁRIA
O que se constata é que a Reforma Tributária ora tratada se tornou mais ampla e somente conseguiu alguns avanços após a participação dos segmentos da sociedade e a discussão efetiva no Congresso Nacional. No entanto, é fato que quanto maior a participação nas discussões, maiores são as divergências e mais difícil é chegar a um termo comum.
Propostas de discussões elaboradas com cronogramas pela Câmara, Senado e Comissões possibilitaram reflexões sobre o tema e facilitaram a participação da sociedade como um todo e das Instituições privadas, por meio de audiências públicas e divulgação do material produzido, com muito mais eficiência, devido ao avanço tecnológico. Publicações oficiais nos sites oficiais promoveram os debates praticamente em tempo real. Dentro desse contexto, especialistas e Instituições promoveram debates sobre o tema, que oportunamente foram reproduzidos nas diversas ferramentas da mídia eletrônica, principalmente.
Conforme publicação do portal EasyCoop (2024), intitulada “Reforma tributária: especialistas propõem melhorias no Comitê Gestor do IBS”, diversos especialistas se manifestaram, em audiência pública, sobre o PLP 108/2024, que, como já dito, dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do IBS, sobre a distribuição para os entes federativos do produto da arrecadação do IBS.
Segundo publicação, a criação do Comitê Gestor (CG) do Imposto de Bens e Serviços (IBS), prevista no Projeto de Lei Complementar (PLP 108/2024), foi recebida com elogios e críticas pelos especialistas ouvidos na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em audiência pública no dia 02/10/2024. Debatedores relataram sobre as vantagens da unificação de decisões sobre os novos tributos instituídos pela EC 132, no entanto, manifestaram preocupação sobre o poder exacerbado do Comitê Gestor.
Contrário ao poder excessivo do CG-IBS, Eduardo Salusse, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia, observou trechos do projeto que tendem a “amordaçar” agentes públicos investidos de poder de julgamento. Ele disse prever maciça judicialização da parte dos contribuintes.
Fernando Mobelli, gerente do Programa de Regulamentação da Reforma Tributária do Consumo, elogiou os fundamentos da reforma tributária, que considera simplificar o processo de arrecadação e reduzir sonegação e fraudes, e salientou a natureza técnica do CG-IBS.
Felipe Kertesz Renault, diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), apoiou a necessidade de simplificação e unificação do contencioso como forma de enfrentamento dos custos da burocracia e do acúmulo de processos, mas atacou como “gravemente incoerente” a possibilidade de impedimento do controle de legalidade por parte do julgador.
O presidente da Federação Nacional dos Fiscos Estaduais e do Distrito Federal (FENAFISCO), Francelino Valença, elogiou a reforma tributária por defender o “bom contribuinte”, mas disse estranhar a possibilidade de ingerência, no CG, de procuradores dos estados – que podem advogar paralelamente às suas carreiras.
O PLP 108/2024, que já passou pela Câmara dos Deputados e hoje está no Senado, é o segundo projeto destinado à regulamentação da Reforma tributária (o primeiro foi o PL 682024, já sancionado pelo Presidente da República em 16/01/2025). Ele regulamenta as mudanças de regras para a cobrança dos impostos sobre o consumo. Vale ressaltar que o PLP 108/2024, além de instituir o Comitê Gestor do IBS também trata da transição do ICMS para o IBS, define a distribuição dos valores do novo imposto para os entes federados e altera as normas do ITCMD e do ITBI.
Ainda no contexto das repercussões, O presidente da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP), Jarbas de Biagi2, cobrou ajustes nas novas regras para o ITCMD. Salientou que, de acordo com o projeto, não incidiria ITCMD sobre os planos de Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). Biagi teme que a pessoa que recebe benefício de previdência complementar sofra a incidência de tributação cumulativa de ITCMD e de imposto de renda.
Marcelo Rocha3, consultor tributário do Grupo de Estudos Tributários Aplicados (GETAP), manifestou o apoio da entidade à unificação do contencioso do IBS e da CBS, mas o projeto de regulamentação expõe o contribuinte às fiscalizações cruzadas entre diferentes entes federativos.
A doutora em direito tributário Susy Gomes Hoffmann4 criticou o modelo de CG (Comitê Gestor), que considera vulnerável a interferências políticas, argumentando que o fato gerador do IBS e da CBS é o mesmo e que os dois tributos deveriam ter administração compartilhada com fiscalização unificada, evitando instâncias de julgamento em estados e municípios. Disse ela: “Eu não quero olhar para o passado. Quero olhar para o que é melhor para o futuro, e para o Brasil que nós queremos, uma única instância será muito melhor”.
Por sua vez, Melissa Castello5, procuradora da Fazenda do Rio Grande do Sul, classificou o CG como uma ferramenta de segurança jurídica que corresponde à demanda dos contribuintes. Ela concordou que a lei poderia ter previsto um contencioso administrativo único, mas a decisão do legislador de definir IBS e CBS separados preserva aos estados e municípios manter seus próprios contenciosos.
A Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (ABRAFARMA), por meio de seu presidente, Sergio Mena Barreto6, disse que:
“finalmente” registra um avanço na tributação sobre medicamentos. “É uma bandeira que a entidade abraça desde sua fundação há mais de 30 anos. Esperamos agora que o texto atual seja aprovado no Senado e faça o país cumprir de fato seu compromisso constitucional de prover o acesso da população à Saúde.
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) entende que a regulamentação aumentará os custos do setor de construção, especialmente na habitação e mercado imobiliário. Segundo Renato Correia, presidente da CBIC, “houve avanços na discussão, mas ainda é preciso buscar uma solução que garanta neutralidade tributária”.
Prefeitas, prefeitos de capitais, médias e grandes cidades, que representam mais de 60% da população do país, são a favor de uma reforma tributária que simplifique a tributação, conforme posição da FNP (Frente Nacional de Prefeitos), desde que não aumente impostos para a população.
Ana Claudia Borges de Oliveira, presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (ACONCARF), criticou a interpretação do projeto sobre a natureza do contencioso administrativo. Ela questionou os custos do CG-IBS e considerou que o Carf está capacitado a julgar o IBS sem interferência de outro conselho.
Nota-se que são vários os posicionamentos a favor e contra a Reforma Tributária referente à sua regulamentação. Em sua maioria reconhece-se, a necessidade de uma reforma que torne mais eficaz a arrecadação, evitando sonegação e injustiças praticadas no atual processo de tributação. No entanto, os pleitos e considerações são manifestados diante das necessidades específicas de cada segmento, revelando as mazelas do processo democrático.
3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O PLP 108/2024
3.1. Sobre o Comitê Gestor do IBS
Trata-se de uma entidade pública sob regime especial – dotada de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, relativamente à competência compartilhada para administrar o IBS. Cabe ao CG-IBS definir as diretrizes e exercer a coordenação da atuação, de forma integrada, das administrações tributárias e das procuradorias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, observadas as respectivas atribuições. Sua forma de atuação se caracteriza pela ausência de vinculação, tutela ou subordinação hierárquica a qualquer órgão da administração pública (Brasil, 2024).
Como já mencionado nesta pesquisa, a abordagem será focada nas Competências do CG-IBS. Portanto, não serão tratados aspectos do PLP 108/2024, como Estrutura Organizacional, Orçamento, Controle Externo, Contratações, Publicidades, Penalidades e Disposições Transitórias não serão discutidas, bem como a distribuição da receita do IBS.
Com relação às competências administrativas relativas ao IBS a serem desempenhadas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios por meio do Comitê Gestor, o caput do art. 2º, § 1º do PLP 108/2024, disciplina esta especificidade. As competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das procuradorias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios serão exercidas, no CG-IBS e na representação deste, por servidores das respectivas carreiras. São competências ainda do CG-IBS o controle centralizado das inscrições em dívida ativa, mediante sistema único; cobrança administrativa (até 180 dias); bem como os ônus decorrentes da cessão de servidores, os quais serão assumidos pelo próprio CG-IBS, com possibilidade de delegação ou de compartilhamento entre os entes.
As atividades de fiscalização do cumprimento das obrigações principal e acessórias permanecem no âmbito de competência das administrações tributárias dos estados, DF e municípios, cabendo ao CG-IBS a coordenação do exercício dessas atividades, com vistas à integração entre os entes, vedada a segregação de fiscalização entre esferas federativas. Havendo dois ou mais entes federativos interessados no desenvolvimento de atividades concomitantes de fiscalização, o procedimento será realizado de forma conjunta e integrada (Brasil, 2024).
O regulamento do IBS definirá os critérios de titularidade e cotitularidade da fiscalização, assegurada a participação das administrações tributárias interessadas nas atividades de fiscalização, programadas ou em andamento. As atividades de fiscalização serão exercidas exclusivamente por servidores efetivos integrantes das carreiras específicas dotadas da competência para fiscalizar e constituir o crédito tributário, instituídas em lei estadual, distrital ou municipal, sendo que eventual divergência acerca da interpretação, apuração da base de cálculo ou enquadramento dos fatos geradores, por ocasião da fiscalização, será tratada em procedimento a ser disciplinado pelo CG-IBS (Brasil, 2024).
Com relação ao processo Administrativo Tributário do IBS, ressalta-se algumas competências do CG-IBS: com relação a atos e termos processuais, serão formalizados, tramitados, comunicados e transmitidos em formato eletrônico, conforme disciplinado em ato do CG-IBS. O processo administrativo tributário terá sua formação, tramitação e julgamento mediante utilização de sistema eletrônico, e compete ao CG-IBS a implantação e a gestão do sistema eletrônico que será utilizado pelos estados, DF e municípios (Brasil, 2024).
Compete aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, de forma integrada e exclusivamente por meio do Comitê Gestor, decidir o contencioso administrativo relativo ao IBS. Fica assegurada a paridade de representação entre o conjunto dos estados e o Distrito Federal e o conjunto dos municípios e o Distrito Federal em todas as instâncias, julgar lançamento tributário regularmente impugnado e Pedido de Retificação de suas próprias decisões, julgar Recurso de Ofício, Recurso Voluntário e Pedido de Retificação de suas próprias decisões, julgar Recurso de Uniformização, Incidente de Uniformização e Pedido de Retificação de suas próprias decisões. Em todas as instâncias, a presidência será exercida, de forma alternada, por servidor indicado pelas Administrações Tributárias dos estados, do DF ou dos municípios, na forma estabelecida em ato do CG-IBS (Brasil, 2024).
3.2. Natureza do Comitê – Troca da autonomia pela participação?
Na análise de Caio Mascarenhas (2023), a Emenda Constitucional nº 132/2023 teria optado por um modelo que substitui parcialmente a autonomia tributária dos entes federativos subnacionais por um sistema de cogestão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), por meio de um Conselho Intergovernamental.
As pesquisas e estudos que versam sobre a natureza jurídica do Comitê Gestor estão, até o momento, em processo de construção, conforme relatado no item 3.1. Ainda assim, é sabido que o CG-IBS é responsável pela administração do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de maneira compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal. Nesse sentido, o regime sob o qual opera a entidade é especial, e ela seria técnica, administrativa, orçamentária e financeiramente independente (art. 156-B, § 1º, CF/1988). Contudo, o que parece é que a natureza política do Comitê Gestor se mostra mais clara do que sua natureza jurídica (Mascarenhas, 2023).
A reforma fiscal da Emenda Constitucional n. 132/2023 compromete diretamente a autonomia de legislação sobre os impostos próprios dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, especialmente quanto ao ICMS e ao ISS. No regime anteriormente vigente, os estados tinham a possibilidade de atuar sobre variadas alíquotas, regimes tributários específicos e isenções fiscais, além de demandas de administração tributária e financeira em legislação estadual ou municipal (Andrade, 2023).
Em outro sentido, a gestão compartilhada do novo imposto pelos entes federativos será exercida por meio do Conselho Intergovernamental do IBS, conforme estabelece a legislação complementar e os dispositivos constitucionais pertinentes. Essa estrutura colegiada assegura a participação efetiva dos entes subnacionais por meio de: (a) direito ao voto nas deliberações; (b) regras específicas de composição do conselho; e (c) quóruns próprios para aprovação de medidas, garantindo o equilíbrio federativo na administração tributária (Mascarenhas, 2023).
Dentre muitas funções delegadas ao CG-IBS, o artigo 156-B da Constituição dispõe que:
o Comitê Gestor do IBS possui competência para: 1 editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; 2 arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios; e 3 decidir o contencioso administrativo. (Mascarenhas, 2023, p. 7).
A constitucionalidade da reforma tributária permanece objeto de debate, particularmente no que concerne às atribuições do Comitê Gestor do IBS. Parte da doutrina sustenta que a autonomia federativa dos entes subnacionais transcende a simples implementação de diretrizes estabelecidas pela União, requerendo: a) efetiva distribuição territorial de competências; (b) preservação da diversidade política regional; e (c) salvaguarda das particularidades culturais locais. Nessa perspectiva crítica, o Comitê Gestor não poderia se limitar a funções meramente executivas de determinações federais, cabendo-lhe, antes, resistir a interferências indevidas do governo central na gestão tributária compartilhada (Andrade, 2023; Contti; Mascarenhas, 2023; Mascarenhas, 2023).
Ainda, há quem argumente que a ineficiência normativa no combate aos incentivos fiscais interestaduais não constitui fundamento suficiente para restringir a autonomia financeira dos entes federativos. Tal perspectiva sustenta a ideia de que essa limitação poderia configurar violação à cláusula pétrea do artigo 60, §4º, IV da Constituição Federal, que protege a federação contra emendas constitucionais que ameacem sua estrutura essencial (Mascarenhas, 2023).
3.3. Inconstitucionalidades sobre o CG-IBS
Segundo publicação no site www.migalhas.com.br em 04 de junho de 2024, escrita pelo Sr. Kiyoshi Harada, o artigo 60 § 4º, inciso I da Constituição Federal de 1988 proíbe a deliberação de emenda tendente à abolição do pacto federativo. Dessa forma, não se pode unificar impostos pertencentes a entes federados diferentes e ao mesmo tempo manter o princípio federativo protegido por cláusula pétrea
Segundo o autor da publicação, retirar do estado (ICMS) e do município (ISS) o imposto de maior arrecadação, como aprovado na EC 132/23, caracteriza a supressão e autonomia sobre a política administrativa prevista no art.18 da Constituição Federal desses entes federativos, além de retirar também a independência econômica de tais entes.
Ainda sobre a publicação, a EC 132/23 acaba com o poder tributário dos estados e dos municípios, destruindo o princípio discriminador de rendas tributárias, e, por sua vez, dá sustentação à autonomia dos entes políticos regionais e locais.
De acordo com a PLP 108/23, as atividades de fiscalização do cumprimento das obrigações principal e acessórias permanecem no âmbito de competência das administrações tributárias dos estados, DF e municípios, cabendo ao CG-IBS a coordenação do exercício dessas atividades. No entanto, os estados, o DF e os municípios não têm competência para arrecadar nem competência para dirimir os conflitos administrativo-tributários resultantes dos autos de infração lavrados pelos fiscos, estadual e municipal. Na verdade, alguns críticos afirmam que esse Comitê Gestor usurpa a competência constitucional dos entes federados, atuando como se fosse um quarto poder da República, sem a menor base constitucional.