Resumo: Este artigo analisa leis municipais, estaduais e distritais que exigem programas de integridade. Observa-se a disparidade entre essas normas, gerando obrigações distintas no mercado. A pesquisa considera a regulação por normas gerais das Leis nº 12.846/2013 e 14.133/2021. O artigo problematiza os incentivos pretendidos. Em seguida, analisa as normas de integridade na contratação pública. Por fim, estuda as Leis nºs 12.846/2013 e 14.133/2021 e discute a adequação de suas regras gerais.
Palavras-chave: compliance, integridade, licitação, obrigatoriedade, incentivos.
Sumário: Introdução. 1. Escorço histórico: a evolução da interpretação sobre a separação de poderes e a iniciativa legislativa sob a ótica dos freios e contrapesos. 2. A separação de poderes e a iniciativa legislativa sob a ótica do STF: o Tema 917 da repercussão geral o controle de constitucionalidade e a discricionariedade administrativa à luz da LINDB. 3. Programas de integridade e governança na legislação federal: Lei nº 12.846/2013, Lei nº 14.133/2021 e Decreto nº 11.129/2022. 4. A competência municipal para legislar sobre programas de integridade e a natureza de normas gerais das leis federais no federalismo cooperativo. 5. Os desafios da implementação de programas de integridade em municípios: limitações estruturais adaptação e a perspectiva da CGU na construção de uma governança eficaz. 5.1. A formação e capacitação dos atores (públicos e privados). Conclusão.
Introdução
A delimitação de competências legislativas é um debate constante no direito público brasileiro, dado que de conformidade com o que dispõe o artigo 2º da Constituição da República, a separação de poderes é fundamental.
Nessa perspectiva, leis propostas por parlamentares podem invadir funções do Executivo, sendo que tal atividade legiferante é alvo de intensas controvérsias jurídicas, especialmente em municípios. O Poder Judiciário frequentemente intervém, analisando a constitucionalidade das normas em questão.
Este artigo explora a validade dessas leis, analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cristalizada na tese da Repercussão Geral, Tema 917.
Ainda examinaremos sua aplicação pelos Tribunais de Justiça, enfrentaremos a temática na perspectiva da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, como é cediço, exige que decisões considerem suas consequências práticas.
Ademais disso, discutiremos as nuances da interpretação do ST, bem como a relação entre controle de constitucionalidade e autonomia gerencial do Executivo, sob a ótica da LINDB. Para isso, traçaremos um histórico da separação de poderes, que culminou com o marco trazido pelo Tema 917 do STF. Distinguiremos entre reserva de iniciativa e reserva da administração, usando a teoria dos freios e contrapesos.
Depois, examinaremos as leis federais de integridade e governança. Abordaremos a competência municipal para legislar no federalismo cooperativo. Por fim, discutiremos as dificuldades estruturais dos municípios. Veremos como implementar programas de integridade. Usaremos as diretrizes da Controladoria-Geral da União. Mostraremos a necessidade de adaptar as exigências à realidade local. Isso é crucial para uma governança pública eficaz.
A relevância do tema é grande e o desafio de enfrentá-lo ainda maior, eis que há se conciliar autonomia legislativa e eficiência da gestão pública. É dizer que promover integridade e combater a corrupção é essencial em todas as esferas. Nossa abordagem alinha-se à Nova Gestão Pública e à Governança Pública. Elas veem integridade e compliance como pilares estratégicos e fundamentais para a legitimidade, eficiência e transparência do Estado, afastando a visão meramente burocrática, promovendo gestão de riscos e otimização de resultados.
1. Escorço Histórico: A Evolução da Interpretação sobre a Separação de Poderes e a Iniciativa Legislativa sob a Ótica dos Freios e Contrapesos
A doutrina da separação de poderes tem raízes antigas, de Aristóteles e Montesquieu. No Brasil, a tripartição dos poderes é pilar da organização estatal, conforme o artigo 2º da Constituição da República de 1988.
A teoria dos freios e contrapesos não separa poderes rigidamente, sendo considerado um sistema de controle recíproco; cada poder exerce funções típicas e, atipicamente, funções dos outros, o que garante equilíbrio e previne abusos.
No período imperial e nas primeiras Constituições republicanas, o Executivo era centralizado, o que ofuscava a autonomia dos outros poderes e enfraquecia a lógica dos freios e contrapesos. Com a redemocratização e a Constituição de 1988, o Legislativo se fortaleceu, ganhando maior protagonismo na produção de leis.
No entanto, o texto constitucional estabeleceu limites claros para a iniciativa legislativa, eis que matérias específicas são reservadas ao Executivo.
Por exemplo a organização administrativa e regime de servidores, assim como a criação de despesas que impactam o orçamento. Essas limitações estão em diversos artigos da Constituição da República.
O artigo 61, § 1º, II, "a", "c" e "e" é um dos mais relevantes, pois lista matérias de iniciativa privativa do Presidente da República, sendo que pela adoção do princípio da simetria, aplica-se a Chefes do Executivo estadual e municipal. Isso inclui criação de cargos e regime jurídico de servidores, como também a criação e extinção de órgãos públicos.
Historicamente, o Poder Judiciário — em especial o Supremo Tribunal Federal — exerceu papel central na mediação das disputas institucionais envolvendo a iniciativa parlamentar, por meio do controle de constitucionalidade que lhe é próprio. Em um primeiro momento, a interpretação conferida a esse tema era bastante restritiva, o que levou à declaração de inconstitucionalidade de diversas leis, sob o argumento de “usurpação de competência” ou de “invasão da reserva de administração”, mesmo quando a interferência legislativa era mínima.
Com o tempo, porém, a complexidade crescente das relações sociais impôs novos desafios à rigidez dessa interpretação. O Poder Legislativo passou a ser cada vez mais instado a responder diretamente às demandas sociais, muitas vezes por meio da proposição de programas sociais, políticas de transparência e mecanismos de controle. Não raramente, essas iniciativas esbarravam em barreiras judiciais, sendo obstadas sob fundamentos formais.
Nesse contexto, a doutrina contemporânea da separação dos poderes passou a sustentar uma leitura mais flexível e realista. Defende-se, atualmente, que o Legislativo não deve estar rigidamente limitado em sua atuação, podendo legislar sobre matérias de relevante interesse público — desde que respeitados os limites constitucionais. Em especial, exige-se que tais proposições não impliquem reestruturação administrativa nem aumento de despesas na estrutura interna do Poder Executivo. O sistema de freios e contrapesos autoriza, portanto, a atuação legislativa como instrumento de contenção e equilíbrio institucional, sem que isso configure substituição indevida do Executivo em suas atribuições típicas de gestão.
Foi nesse ambiente de tensão entre os Poderes que o Supremo Tribunal Federal passou a refinar sua jurisprudência, em busca de um ponto de equilíbrio entre a autonomia institucional e a eficiência da gestão pública. Essa evolução resultou na formulação de critérios mais objetivos para o exame da constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar, promovendo maior previsibilidade e coerência nas decisões. A pacificação desses entendimentos por meio do instituto da Repercussão Geral revelou-se essencial, conferindo segurança jurídica e contribuindo para a melhoria da governabilidade. Nesse cenário, destaca-se o Tema 917 da Repercussão Geral, que inaugurou uma nova forma de compreensão quanto à validade constitucional dessas leis.
2. A Separação de Poderes e a Iniciativa Legislativa sob a Ótica do STF: O Tema 917 da Repercussão Geral, o Controle de Constitucionalidade e a Discricionariedade Administrativa à Luz da LINDB
A complexidade do tema levou o Supremo Tribunal Federal a se manifestar de forma mais clara, ao fixar a tese da Repercussão Geral no Tema 917, no julgamento do ARE 878.911/RJ. Esse precedente consolidou a interpretação sobre os limites da iniciativa parlamentar em matéria de interesse da Administração Pública.
A tese firmada estabelece:
“Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, 'a', 'c' e 'e', da Constituição Federal).”
Trata-se de uma ruptura com o entendimento anterior do STF, até então marcado por uma postura formalista e restritiva. Leis de iniciativa parlamentar eram frequentemente declaradas inconstitucionais sob o argumento de que acarretariam aumento de despesa ou interferência na gestão administrativa. O Tema 917 superou esse engessamento. Reconheceu que o Legislativo pode, no exercício legítimo de suas funções, criar obrigações ou estabelecer parâmetros para as relações da Administração com terceiros, desde que respeitados os limites constitucionais.
A tese consagra uma distinção essencial: a diferença entre reserva de iniciativa e reserva de administração. A reserva de iniciativa refere-se à prerrogativa exclusiva de propor leis sobre temas específicos, conforme o art. 61, § 1º, II, da Constituição — como a criação de cargos, o regime jurídico de servidores e a estrutura dos órgãos do Executivo. Ou seja, trata-se de uma competência formal para iniciar o processo legislativo.
Já a reserva da administração, de natureza material, diz respeito à autonomia do Poder Executivo para organizar sua estrutura interna, distribuir atribuições e definir políticas públicas. O avanço do STF no Tema 917 foi justamente reconhecer que a iniciativa parlamentar não viola essa reserva quando não interfere nesses aspectos internos.
Por exemplo, uma lei que exige a implementação de programas de integridade por empresas contratadas pela Administração Pública não invade a estrutura do Executivo. Ela não reorganiza secretarias. Não cria cargos. Nem estabelece remuneração de servidores. Trata-se de uma norma que impõe padrão de conduta ou qualificação a agentes privados que mantêm relação contratual com o Poder Público.
Essa distinção é fundamental. Explica por que o STF — e, em seguida, o TJSP — validaram normas desse tipo. A lei parlamentar funciona, nesse caso, como um marco regulatório externo. Estabelece parâmetros objetivos para a atuação administrativa em suas relações com terceiros. Não interfere na discricionariedade técnica nem na autonomia gerencial do Executivo para implementar e fiscalizar o cumprimento da norma. A forma de execução, incluindo os mecanismos de controle e as sanções, permanece sob responsabilidade do Executivo. No entanto, a imposição da exigência — como condição para contratar com o poder público — não configura invasão de competência.
O julgado do TJSP exemplifica essa compreensão. Houve retratação na Direta de Inconstitucionalidade nº 2119232-69.2023.8.26.0000. O acórdão inicial havia dito que a lei municipal "impôs a forma de proceder quanto à organização e funcionamento de órgãos público". A retratação corrigiu o rumo. Reconheceu que a lei "não trata da estrutura da Administração ou da atribuição ou funcionamento de seus órgãos nem de matéria relativa à reserva da administração". Ela apenas institui um programa de governança. Isso no exercício da competência municipal de suplementar a legislação federal em matéria de licitação. Isso ressalta a importância do controle de constitucionalidade do STF. Ele não engessa, mas equilibra as competências. Garante a validade das leis dentro dos limites federativos e da separação de poderes.
A ementa do precedente do TJSP na Direta de Inconstitucionalidade nº 2119232-69.2023.8.26.0000, no juízo de retratação, é a seguinte:
Ação direta de inconstitucionalidade – Constitucional e administrativo – Licitação. Lei 4.657, de 15 de dezembro de 2022, do Município de Mirassol, que "institui o Programa de Integridade nas empresas contratadas pela Administração Pública do Município de Mirassol e dá outras providências". Inconstitucionalidade reconhecida por ofensa ao princípio da separação de poderes e da reserva da administração. Excelso Supremo Tribunal Federal que deu provimento ao agravo regimental na Reclamação 71.090-SP, para julgar procedente a reclamação para cassar a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, assim como o acórdão que julgou o agravo interno, com determinação de novo exame da matéria à luz da tese do Tema 917 de repercussão geral. Recurso extraordinário – Juízo de retratação – Art. 1.040, II, do Código de Processo Civil. Lei impugnada que não trata da estrutura da administração ou da atribuição ou funcionamento de seus órgãos nem de matéria relativa à reserva da administração, apenas institui, no exercício da competência legislativa municipal de suplementar a legislação federal em matéria de licitação, programa de governança em política de integridade das empresas contratadas pela Administração Pública de Mirassol. Retratação do julgado. Improcedência da ação.
A aplicação do Tema 917 representa um avanço interpretativo importante. Revela o amadurecimento da jurisprudência constitucional, ao buscar conciliar a separação de poderes com a efetividade da atividade legislativa. Afasta-se, assim, de um formalismo excessivo, que por vezes comprometia a capacidade dos entes federativos de responder adequadamente às demandas da sociedade.
Um elemento central para essa virada hermenêutica foi a introdução do consequencialismo jurídico no ordenamento brasileiro, especialmente por meio da Lei nº 13.655/2018, que alterou a LINDB. Destaca-se, nesse ponto, o art. 20. da LINDB, que dispõe:
"Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão."
Como observa Rocha Lima (2020), a alteração visou proporcionar maior segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Trata-se de uma mudança significativa, que impõe aos órgãos de controle e ao Poder Judiciário o dever de considerar os impactos concretos de suas decisões. Em outras palavras, veda-se o julgamento meramente abstrato ou dogmático, orientando-se o processo decisório por uma análise contextualizada e funcional da norma.
Os juristas Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira (2019) reforçam esse entendimento ao afirmarem que o art. 20. da LINDB não é apenas um postulado interpretativo, mas um verdadeiro dever de fundamentação no âmbito do direito público. Para os autores, considerar as consequências práticas não significa apenas "refletir sobre os efeitos da decisão", mas sim explicitar esses efeitos de forma clara, buscando a solução mais adequada à luz dos princípios e valores aplicáveis. O julgador deve ir além da subsunção normativa, ponderando os efeitos reais da decisão sobre a sociedade e a administração pública.
No campo do controle de constitucionalidade, essa diretriz se torna ainda mais relevante. Declarar a inconstitucionalidade de uma norma voltada à promoção da probidade administrativa, com base exclusivamente em vício formal, pode gerar efeitos colaterais negativos. Tal decisão, por exemplo, pode impedir o avanço de políticas públicas locais de combate à corrupção, desestimular iniciativas legislativas proativas e aumentar a vulnerabilidade institucional dos municípios.
Sob essa perspectiva, a LINDB não se apresenta apenas como um guia interpretativo, mas como uma norma de otimização da racionalidade decisória. Exige-se do intérprete uma análise que vá além da literalidade, incorporando critérios teleológicos e consequencialistas à aplicação do direito.
Nesse contexto, o Tema 917, interpretado à luz do art. 20. da LINDB, ganha densidade argumentativa. Validar leis como a do Município de Mirassol não é apenas aplicar um precedente do Supremo Tribunal Federal. É, sobretudo, reconhecer a legitimidade de esforços legislativos voltados à melhoria da gestão pública. Evita-se, com isso, a anulação de normas por vícios formais discutíveis, cujos efeitos práticos negativos superariam em muito eventuais deficiências procedimentais.
A LINDB, portanto, reforça a prudência e a responsabilidade do julgador. Impõe-lhe a obrigação de considerar se a anulação de uma norma, formalmente questionável, não traria um custo social maior do que sua manutenção. Essa abordagem fortalece a função integradora do direito, promovendo decisões mais equilibradas, realistas e alinhadas ao interesse público.
3. Programas de Integridade e Governança na Legislação Federal: Lei nº 12.846/2013, Lei nº 14.133/2021 e Decreto nº 11.129/2022
Os programas de integridade e governança ganharam relevância no Brasil. Tanto assim que Leis importantes impõem ou incentivam sua adoção para o setor público e privado.
A ascensão da integridade e do compliance reflete evolução, sendo de se anotar que a Administração Pública caminha para uma Nova Gestão Pública, para o aprimoramento da Governança Pública. O Estado busca não só cumprir a lei formalmente, mas também efetividade, transparência e accountability.
A Lei nº 12.846/2013, Lei Anticorrupção, foi um enorme avanço, eis que permite a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos contra a administração. A Exposição de Motivos da Mensagem nº 142, de 2013, já sinalizava sua relevância, na medida em que delineava que o objetivo era "instituir a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas".
Isso marcou novo patamar no combate à corrupção, valendo destacar ainda o caráter preventivo a ser estimulado, com o intuito de "promover a adoção de medidas preventivas para coibir a prática de atos ilícitos". Isso evidencia o papel proativo dos programas de integridade, que não se limitam apenas à punição, mas que se alinham à doutrina que defende o compliance como gestão de riscos e ética.
A esse respeito, deve ser destacada a importância da hermenêutica, sendo que a análise do espírito do legislador e dos antecedentes e das motivações é fundamental, não se podendo olvidar que a Lei Anticorrupção guarda estreita correlação com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção.
Um dos pilares dessa lei é o incentivo aos "programas de integridade", na perspectiva de que eles são mecanismos e procedimentos internos cujo objetivo é detectar e sanar desvios, fraudes e atos ilícitos.
Muito embora a lei não obrigue todas as empresas a ter o programa, é bem de ver que sua implementação e efetividade podem ser atenuantes, conforme dispõe o artigo 7º, VIII. Conforme Carlos Ayres (2016), a Lei nº 12.846/2013 inovou ao prever a consideração de "mecanismos e procedimentos internos de integridade" na aplicação de sanções, sendo que o renomado jurista destaca que esses programas devem ser efetivos, não "de prateleira".
O Decreto nº 11.129/2022, que regulamenta a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), detalha os parâmetros de avaliação dos programas de integridade. A partir de seu artigo 55, estabelece requisitos mínimos que tais programas devem observar. Entre eles, destacam-se o comprometimento da alta direção, a existência de código de ética e conduta, canais eficazes de denúncia, treinamentos periódicos, análise de riscos, due diligence para terceiros e monitoramento contínuo. O decreto evidencia a complexidade envolvida na implementação da integridade. Mais do que uma ferramenta de organização interna, trata-se de verdadeira política pública, essencial à boa governança.
A Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime de licitações e contratos administrativos, também reforça esse compromisso. Em contraste com a antiga Lei nº 8.666/1993, o novo diploma legal incorpora expressamente a governança como princípio fundamental do processo licitatório (artigo 5º), ao lado da probidade administrativa e da transparência. Além disso, o § 4º do artigo 25 permite expressamente que a Administração exija, no edital ou no contrato, a implementação de programas de integridade, especialmente em contratações de maior vulto. Essa previsão reflete uma compreensão moderna de governança pública, voltada à prevenção de riscos, à promoção da eficiência e à garantia da probidade na execução contratual.
Como observam Moro, Pio e Lobato (2021), a nova legislação "trouxe dispositivos que estimulam licitantes e contratantes com o Poder Público a implantar e aperfeiçoar programas de compliance", destacando que tais mecanismos "reforçam o papel estratégico da contratação pública". A implementação desses programas não se limita à mitigação de riscos. Ela promove economicidade, eficiência administrativa e integridade institucional — valores consagrados no caput do artigo 37 da Constituição da República. Empresas contratadas que contam com estruturas sólidas de compliance tendem a apresentar menos fraudes, atrasos e falhas operacionais. Isso se traduz na melhor aplicação dos recursos públicos e no fortalecimento da confiança da sociedade nas instituições.
Mais recentemente, o governo federal regulamentou a Lei nº 14.133/2021 por meio do Decreto nº 12.304, de 9 de dezembro de 2024. Como ressaltam Caiado, Cajado e Pazzoti (2025), esse novo regulamento define parâmetros para a avaliação de programas de integridade no âmbito da nova lei de licitações, especialmente em contratos de grande vulto. A regulamentação leva em conta critérios como valor, risco e complexidade da contratação, e representa, segundo os autores, "um avanço significativo na gestão pública", ao consolidar a cultura da integridade nas contratações administrativas.
Nesse cenário normativo, torna-se evidente que a exigência de programas de integridade não se restringe ao âmbito do Poder Executivo. Trata-se de uma diretriz transversal, que permeia toda a atuação da Administração Pública. Assim, a instituição de tal exigência por meio de lei municipal de iniciativa parlamentar não afronta a reserva de administração. Essa norma não cria órgão, tampouco atribuições novas ao Executivo. Apenas estabelece critérios para os particulares que desejam contratar com o poder público — alinhando-se, portanto, às diretrizes federais e à jurisprudência mais recente.
Trata-se de uma atuação legislativa coerente com uma visão contemporânea de governança. Uma postura que vai além do estrito cumprimento da legalidade formal, buscando efetividade na implementação de políticas públicas e fortalecimento da accountability. Envolve não apenas os agentes públicos, mas também os entes privados que, ao contratar com o Estado, devem se comprometer com os valores da integridade, da ética e da transparência.