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O outro lado da denúncia: presunção de inocência em tempos de combate à violência doméstica

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17/06/2025 às 08:46

Resumo:


  • A Lei Maria da Penha representa um marco na proteção de mulheres vítimas de violência doméstica, estabelecendo medidas protetivas de urgência para garantir sua integridade física e emocional.

  • O princípio da presunção de inocência, embora fundamental, encontra desafios na aplicação das medidas protetivas, levando a debates sobre o equilíbrio entre a proteção da vítima e os direitos do acusado.

  • As denúncias infundadas, embora estatisticamente raras, geram impactos significativos, levando à discussão de propostas legislativas e institucionais para aprimorar a proteção sem comprometer as garantias fundamentais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como proteger a mulher sem violar a presunção de inocência? O artigo analisa medidas protetivas, falsas denúncias e equilíbrio jurídico-constitucional.

Resumo: O artigo analisa o desafio jurídico de equilibrar a proteção da mulher vítima de violência doméstica, garantida pela Lei Maria da Penha, com a preservação da presunção de inocência do acusado. Discute os riscos da aplicação automática das medidas protetivas de urgência, especialmente diante de denúncias infundadas. A pesquisa, de abordagem qualitativa, fundamenta-se em revisão doutrinária, jurisprudencial e estatística, abordando as implicações sociais e jurídicas das falsas denúncias e propondo soluções legislativas e institucionais para maior segurança jurídica e efetividade da proteção.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Presunção de Inocência; Medidas Protetivas de Urgência; Falsas Denúncias; Políticas Públicas.


INTRODUÇÃO

A violência doméstica e familiar contra a mulher permanece como uma das mais graves e persistentes mazelas sociais do Brasil. Para enfrentá-la, a criação da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um marco fundamental na proteção das vítimas, ao estabelecer um sistema jurídico diferenciado, com ênfase na prevenção e na atuação imediata do Estado por meio de medidas protetivas de urgência. Essas medidas, muitas vezes concedidas de forma liminar e inaudita altera pars, refletem a preocupação estatal em impedir a escalada da violência e garantir a integridade física, psicológica e emocional da mulher.

No entanto, a celeridade e a rigidez com que essas medidas vêm sendo aplicadas, associadas ao legítimo esforço de repressão à violência de gênero, trazem à tona um dilema jurídico sensível: como conciliar a efetiva proteção da vítima com a observância das garantias fundamentais do acusado, especialmente a presunção de inocência? A antecipação de restrições à liberdade e à convivência familiar, antes mesmo de o acusado ser ouvido ou de existir uma instrução probatória mínima, suscita preocupações quanto à proporcionalidade, ao contraditório e ao devido processo legal.

A questão central que orienta esta pesquisa é: de que maneira o ordenamento jurídico pode assegurar proteção eficaz às mulheres em situação de risco sem incorrer em violações aos direitos fundamentais dos acusados, sobretudo nos casos em que as denúncias se revelem infundadas? Parte-se da hipótese de que, embora os casos de falsas denúncias sejam estatisticamente excepcionais, eles possuem efeitos jurídicos e sociais significativos, com potencial para gerar injustiças, constrangimentos e danos à imagem e à vida dos acusados.

O objetivo geral deste trabalho é analisar os limites e as possibilidades de aplicação das medidas protetivas de urgência à luz do princípio da presunção de inocência. Como objetivos específicos, busca-se: examinar os fundamentos constitucionais e legais das medidas protetivas; investigar o alcance e os desdobramentos jurídicos da presunção de inocência no processo penal; discutir os impactos das denúncias infundadas sob a perspectiva social, jurídica e institucional; e apresentar propostas de aprimoramento legislativo e de políticas públicas que possam promover maior equilíbrio entre a proteção da vítima e os direitos do acusado.

A metodologia utilizada é de natureza qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial, com enfoque analítico-crítico. A estrutura do artigo compreende, além desta introdução, quatro seções principais: a primeira trata da proteção da mulher no sistema jurídico brasileiro; a segunda examina a presunção de inocência e seus reflexos nas medidas protetivas; a terceira analisa os desafios das denúncias infundadas no contexto da violência doméstica; e a quarta apresenta propostas legislativas e institucionais para aprimorar a aplicação das medidas protetivas, sempre em harmonia com os direitos fundamentais.


1. O Sistema Jurídico e a Proteção da Mulher

A promulgação da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um divisor de águas na luta contra a violência doméstica e familiar no Brasil. Antes de sua vigência, o ordenamento jurídico carecia de instrumentos eficazes e céleres para a proteção de mulheres em situação de vulnerabilidade, o que resultava na ineficácia estatal no enfrentamento desse tipo de violência. A nova legislação, fruto de recomendações internacionais, como a Convenção de Belém do Pará, trouxe um modelo de proteção integral, articulando medidas judiciais, políticas públicas e serviços multidisciplinares.

Dentre os principais avanços promovidos pela lei, destacam-se as medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 22 a 24. Essas medidas têm caráter eminentemente preventivo e podem ser determinadas liminarmente, ou seja, antes mesmo de o acusado ser ouvido, com base no chamado contraditório diferido. Entre as medidas disponíveis estão o afastamento do lar, a proibição de contato com a vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas.

Essa sistemática foi consolidada em razão da necessidade de atuação imediata do Estado para garantir a integridade física, emocional e patrimonial da vítima, visando interromper o ciclo de violência e evitar a escalada das agressões. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm reconhecido a constitucionalidade dessa técnica, considerando que a proteção da vida e da dignidade da mulher justifica a mitigação temporária de algumas garantias processuais do acusado, desde que respeitado o contraditório em momento posterior e razoável.

Em reforço a essa interpretação, a Lei nº 14.550/2023, recentemente incorporada ao ordenamento jurídico, trouxe alterações relevantes ao art. 19 da Lei Maria da Penha, consolidando a autonomia das medidas protetivas. Segundo a nova redação, tais medidas podem ser concedidas independentemente de tipificação penal, inquérito policial ou ação penal em curso, devendo perdurar enquanto persistir o risco à vítima ou a seus dependentes. Trata-se de um importante reconhecimento legislativo da natureza autônoma e inibitória dessas medidas, desvinculando-as da sorte do processo criminal principal.

Os dados estatísticos reforçam a crescente utilização desse instrumento protetivo. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2023), apenas nos primeiros sete meses de 2023 foram concedidas mais de 254 mil medidas protetivas de urgência no Brasil. No entanto, apesar desse volume expressivo de decisões, os índices de violência permanecem elevados: em 2023, o país atingiu a marca histórica de 1.463 feminicídios, conforme divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023). Esses números evidenciam que, embora a legislação tenha ampliado os mecanismos de proteção, sua efetividade plena depende de uma atuação integrada entre Judiciário, Ministério Público, Defensorias, polícias, serviços de saúde e assistência social.

Além do aparato judicial, a Lei Maria da Penha estabeleceu um importante modelo de rede de proteção multidisciplinar, envolvendo Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Casas Abrigo, Centros de Referência e núcleos de atendimento psicossocial e jurídico. Tais estruturas são fundamentais para garantir acolhimento integral às vítimas, minimizando a revitimização e oferecendo suporte para a ruptura definitiva do ciclo de violência.

Contudo, a aplicação das medidas protetivas também tem suscitado questionamentos na doutrina e na jurisprudência. Uma das preocupações recai sobre o risco de decisões padronizadas e desprovidas de fundamentação individualizada. Nucci (2017) adverte que, embora as medidas sejam essenciais, sua concessão deve respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e motivação adequada, evitando generalizações que possam prejudicar o contraditório e a ampla defesa. A doutrina também destaca a importância de que o juiz, ao analisar o pedido, avalie com rigor a verossimilhança das alegações, de modo a evitar o uso indevido dessas medidas em contextos de disputas patrimoniais ou familiares desvinculadas de real situação de risco.

“A decretação de medidas cautelares, como as previstas na Lei Maria da Penha, exige fundamentação idônea, com demonstração da real necessidade e da presença dos requisitos autorizadores. Não se pode tolerar decisões genéricas ou sem a devida individualização do caso concreto.” (NUCCI, 2017, p. 120-121)

A jurisprudência recente, especialmente no julgamento do Tema Repetitivo 1.249/STJ, reafirmou que as medidas protetivas constituem tutela inibitória de natureza autônoma, podendo ser mantidas independentemente da existência de processo criminal em curso ou da tipificação formal de crime. Além disso, o STJ (2024) determinou que a duração dessas medidas deve estar vinculada exclusivamente à persistência da situação de perigo, cabendo ao acusado, se for o caso, comprovar a cessação do risco para obter a revogação.

No julgamento do Tema Repetitivo n.º 1.249, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a seguinte tese:

“É possível a fixação de medidas protetivas de urgência da Lei n. 11.340/2006 – Maria da Penha –, de natureza cível, em favor da mulher, independentemente da existência de inquérito policial ou processo penal em curso.” (STJ, 2024).

Essa decisão reforça o entendimento de que a proteção à mulher possui natureza autônoma e preventiva, desvinculada da persecução penal. Contudo, parte da doutrina, como Nucci (2017), adverte que essa autonomia não exime o magistrado da obrigação de fundamentar adequadamente a medida, sob pena de afronta ao princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência.

Diante desse panorama, é possível afirmar que a Lei Maria da Penha consolidou um novo paradigma de proteção à mulher, ampliando a atuação estatal e reforçando o caráter preventivo das medidas judiciais. Contudo, o grande desafio permanece: assegurar a efetividade dessa proteção sem comprometer direitos e garantias constitucionais fundamentais, especialmente nos casos em que denúncias possam se revelar infundadas. Essa tensão jurídica, que será objeto de análise nas seções seguintes, demanda constante aperfeiçoamento normativo, capacitação dos operadores do Direito e desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a efetiva promoção de direitos.


2. Presunção de Inocência Versus Medidas Protetivas: Onde está o limite?

O princípio da presunção de inocência, também denominado princípio da não culpabilidade, representa um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito, estando expressamente consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988. De acordo com esse preceito, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Tal garantia assegura ao acusado um tratamento isento de antecipações de juízo de culpa, preservando sua dignidade e os direitos fundamentais ao longo de todo o processo penal.

Nesse sentido, Nucci (2015, p. 34) ressalta que:

“As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna‑se indispensável ao Estado ‑ acusação evidenciar com provas suficientes, ao Estado ‑ juiz, a culpa do réu.”

Essa diretriz constitucional tem fundamento também em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica, reforçando sua dimensão como garantia fundamental de caráter universal.

No entanto, o enfrentamento da violência doméstica, especialmente após a promulgação da Lei Maria da Penha, trouxe novos desafios à aplicação prática desse princípio. A necessidade de proteção célere e efetiva à vítima de violência doméstica motivou o legislador a permitir a adoção de medidas protetivas de urgência, muitas vezes concedidas de forma liminar e sem a oitiva prévia do acusado. Tal técnica processual, conhecida como contraditório diferido, justifica-se diante da urgência e do risco iminente à integridade física, psicológica e moral da vítima.

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Bahury (2016, p. 173) aponta que: “O contraditório será exercido, posteriormente, no curso do processo, o que a doutrina denomina contraditório diferido.”

Do ponto de vista jurídico, essas medidas têm natureza protetiva e não sancionatória. Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça reconhecem que tais providências visam prevenir a escalada da violência e garantir a integridade da mulher, sem antecipar qualquer juízo de culpabilidade. No julgamento do Tema Repetitivo 1.249, o STJ (2024) consolidou o entendimento de que as medidas protetivas possuem caráter de tutela inibitória autônoma, desvinculada da existência de processo penal em curso ou de condenação criminal.

Entretanto, parte da doutrina manifesta preocupação com os reflexos práticos dessa flexibilização processual. Filippo (2024) alerta para o risco de se conferir à palavra da vítima um valor absoluto, sem o devido cotejo com outros elementos de prova, o que pode fragilizar o direito de defesa e comprometer a garantia constitucional da presunção de inocência.

“Uma parcela da jurisprudência parece admitir que a palavra da ofendida, por si só, seja suficiente para condenar, em clara flexibilização da presunção de inocência, o que exige redobrada cautela por parte do magistrado.” (FILIPPO, 2024, p. 22)

Nucci (2017), por sua vez, destaca que, embora seja imperioso assegurar a proteção da vítima, a concessão de medidas que interfiram na liberdade de locomoção ou no direito à convivência familiar do acusado deve ser fundamentada de maneira concreta, com base em elementos mínimos de verossimilhança e em análise individualizada do caso.

Ademais, é importante observar que a aplicação indiscriminada e automática dessas medidas pode gerar situações de injustiça, sobretudo em casos de denúncias infundadas. Por isso, a doutrina recomenda que, tão logo cessada a situação emergencial, seja oportunizado ao acusado o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, permitindo a revisão da medida inicialmente aplicada.

Em síntese, a presunção de inocência, mesmo diante das peculiaridades dos casos de violência doméstica, deve permanecer como um balizador fundamental na atuação do Poder Judiciário. O grande desafio consiste em assegurar a proteção efetiva da vítima, sem que isso implique a violação das garantias constitucionais do acusado, estabelecendo um equilíbrio entre a celeridade necessária e o respeito ao devido processo legal.


3. Entre a Proteção e a Garantia: o risco das denúncias infundadas

A questão das denúncias infundadas no âmbito da violência doméstica tem ocupado espaço crescente nos debates jurídicos e sociais. De um lado, existe a preocupação legítima com a proteção das mulheres vítimas de violência, frente a um histórico de subnotificação e de invisibilidade desses crimes. De outro, há manifestações doutrinárias e institucionais alertando para os riscos de uso indevido das medidas protetivas, sobretudo em contextos de disputas familiares, patrimoniais ou por guarda de filhos.

Do ponto de vista estatístico, os dados disponíveis indicam que as denúncias comprovadamente falsas representam um percentual extremamente reduzido. Levantamento realizado pelo Departamento Geral de Atendimento à Mulher da Polícia Civil do Rio de Janeiro apontou que, no primeiro semestre de 2023, das mais de 16 mil ocorrências registradas naquele estado, apenas 38 foram classificadas como denunciações caluniosas, representando menos de 0,3% do total. Em âmbito nacional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que não há registro de estatísticas oficiais sobre falsas comunicações de violência doméstica, reforçando a dificuldade de mensuração precisa desse fenômeno.

A doutrina majoritária adverte para os riscos de generalizações indevidas sobre o tema. Lira (2020) destaca que, embora existam casos isolados de denúncias falsas, tais situações não podem servir de argumento para deslegitimar a importância e a efetividade da Lei Maria da Penha. O autor lembra que, historicamente, todo sistema jurídico está sujeito a eventuais abusos, mas que tais exceções não devem pautar alterações legislativas de caráter regressivo.

“Diante da divulgação de algumas supostas ‘pesquisas’ sobre violência doméstica, onde se chega a afirmar que a grande maioria das denúncias de violência contra a mulher são falsas, impõe a todos os atores que estejam direta ou indiretamente ligados ao tema, uma necessária reflexão...” (LIRA, 2020).

Por outro lado, é inegável que denúncias infundadas, ainda que estatisticamente minoritárias, produzem impactos significativos na vida dos acusados. As medidas protetivas, ao restringirem direitos como a convivência familiar, a liberdade de locomoção e o direito à propriedade, exigem análise criteriosa e fundamentação adequada. Nucci (2017) ressalta que, para evitar injustiças, a concessão dessas medidas deve observar rigorosamente os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação concreta, baseando-se sempre em indícios mínimos de materialidade.

No âmbito legislativo, tramita atualmente o Projeto de Lei nº 6198/2023, que propõe a criação de um tipo penal específico para a acusação falsa de violência doméstica, com previsão de pena de até dois anos de reclusão, agravada em um terço quando a conduta for motivada por fatores como chantagem, alienação parental ou intenção de causar danos à imagem do acusado. A justificativa da proposta reside na necessidade de preservar a credibilidade do sistema judicial e evitar manipulações indevidas das leis protetivas.

Apesar da intenção de combater abusos e proteger a credibilidade do sistema de justiça, o PL 6198/2023 tem gerado controvérsias. Especialistas apontam que a tipificação de um crime específico para falsas denúncias de violência doméstica pode gerar efeito intimidatório nas vítimas reais, levando ao medo de denunciar por receio de posterior responsabilização penal.

Durante as audiências públicas no Senado (SENADO FEDERAL, 2024), entidades de defesa dos direitos das mulheres alertaram que o projeto, se aprovado da forma como está redigido, pode representar um retrocesso na proteção das vítimas e comprometer os avanços alcançados pela Lei Maria da Penha. Por outro lado, seus defensores argumentam que a criação de um tipo penal específico visa apenas coibir denúncias dolosas e comprovadamente falsas, não atingindo aquelas vítimas que relatam os fatos de boa-fé, mesmo que os casos não resultem em condenação.

O tema também tem sido objeto de discussões em âmbito parlamentar e acadêmico. Em audiência pública realizada no Senado Federal, ao final de 2024, especialistas debateram a viabilidade de ajustes legislativos para coibir denúncias fraudulentas, sem comprometer a efetividade da proteção às vítimas reais. Durante os debates, algumas propostas sugeriram a criação de bancos de dados de denúncias comprovadamente falsas e a exigência de indícios materiais mínimos para a concessão de medidas protetivas mais gravosas.

Regina Beatriz Tavares da Silva defendeu a adoção de filtros probatórios mais rigorosos, especialmente para decisões que envolvam afastamento do lar ou suspensão do convívio familiar. Na mesma oportunidade, a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, por sua vez, alertou para o risco de instrumentalização da Lei Maria da Penha como meio de vingança, o que, segundo ela, prejudica não apenas os acusados injustamente, mas também as verdadeiras vítimas, ao alimentar um discurso de descrédito em relação à violência de gênero. (SENADO FEDERAL, 2024).

Por outro lado, representantes de movimentos de defesa dos direitos das mulheres alertam que a exigência de provas materiais robustas em sede liminar pode inviabilizar a efetividade da proteção, expondo as vítimas a riscos ainda maiores. A dificuldade de produção imediata de provas é reconhecida como uma característica própria dos crimes de violência doméstica, que, em sua maioria, ocorrem em ambiente privado e sem testemunhas.

Diante desse cenário, a solução parece residir no aperfeiçoamento dos mecanismos de triagem e na capacitação permanente dos agentes públicos responsáveis pela análise inicial das denúncias. Investir em protocolos de avaliação de risco, fomentar a escuta qualificada das vítimas e garantir a celeridade na apuração dos fatos são medidas essenciais para distinguir, com o máximo de precisão possível, as situações legítimas daquelas motivadas por má-fé.

Em síntese, embora as falsas denúncias sejam uma realidade que merece atenção e punição exemplar, os dados disponíveis não justificam retrocessos legislativos que possam fragilizar a proteção das vítimas reais. O equilíbrio entre a proteção da mulher e as garantias fundamentais do acusado deve ser buscado com rigor técnico, fundamentação adequada e respeito aos direitos de ambas as partes.

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Sobre o autor
Thiago Negrão dos Reis

Psicólogo formado pela Escola Superior Batista do Amazonas e graduando em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Atua com ênfase em Psicologia Jurídica, Direito Penal e Direitos Humanos, com especial interesse nas interseções entre saúde mental, justiça criminal e garantias processuais. Dedica-se a temas como escuta especializada de crianças, violência de gênero, falsas denúncias e a proteção integral de vítimas vulneráveis, buscando sempre uma abordagem crítica, interdisciplinar e comprometida com os direitos fundamentais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Thiago Negrão. O outro lado da denúncia: presunção de inocência em tempos de combate à violência doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8021, 17 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114450. Acesso em: 12 jul. 2025.

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