Capa da publicação Novo sobrenome familiar sem juiz? Entenda como fazer
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A flexibilização da imutabilidade do nome civil.

Análise da alteração de sobrenome em cartório e seus fundamentos legais

Leia nesta página:

É possível trocar sobrenome como “Silva” por “Montenegro”? Sim, se houver vínculo familiar direto e documentação. A nova lei permite alteração extrajudicial em cartório.

Introdução

O nome civil, composto por prenome e sobrenome(s), constitui um dos principais elementos da personalidade jurídica, sendo essencial para a identificação e individualização da pessoa na sociedade. Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio da imutabilidade do nome, na busca de conferir segurança jurídica e estabilidade aos registros públicos. Contudo, essa rigidez tem sido progressivamente flexibilizada, especialmente diante da evolução social e da necessidade de o nome refletir a verdadeira identidade e laços de filiação do indivíduo. A recente Lei n. 14.382/2022, que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), representou um marco significativo nesse processo de desjudicialização e simplificação de procedimentos de alteração de nome e sobrenome, permitindo, em diversos casos, que tais mudanças sejam realizadas diretamente em Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN).

TARTUCE (2022) salienta que a compreensão do nome como um atributo da personalidade tem evoluído, tendo passado de um elemento estático e meramente identificador para um componente dinâmico que espelha a realidade existencial do indivíduo. A indagação sobre a possibilidade de alteração de um sobrenome como "Silva" para "Montenegro" — motivada por uma percepção de associação a baixa renda, que surgiu de uma pergunta de um cliente — serve como ponto de partida para analisar os fundamentos legais e as condições para a alteração extrajudicial do sobrenome no Brasil, com especial atenção à existência de vínculo de ascendência familiar.


O Princípio da Imutabilidade do Nome e suas Exceções

A Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos - LRP) estabeleceu o princípio da definitividade do nome, que, embora robusto, nunca foi absoluto. Desde sua redação original, a LRP previa exceções que permitiam a alteração do prenome e, em certas circunstâncias, do sobrenome. Tais exceções visavam a proteger o indivíduo de situações de vexame, constrangimento ou quando o nome não correspondesse à sua realidade social ou afetiva. A flexibilização desse princípio demonstra, como aponta PEREIRA (2021), uma constante adaptação do Direito de Família e do Direito Civil às transformações sociais e às demandas individuais por uma maior autonomia.

As alterações trazidas pela mencionada Lei n. 14.382/2022, que modificou diversos dispositivos da LRP, ampliaram as possibilidades de mudança de nome e sobrenome, reforçando a autonomia da pessoa e a adequação do registro civil à sua realidade existencial.


Alteração Extrajudicial de Sobrenome por Vínculo de Ascendência

A pergunta central abordada – se é possível alterar um sobrenome como "Silva" para "Montenegro" se este for um sobrenome de família – encontra amparo direto nas recentes alterações legislativas. O texto de referência indica corretamente que a alteração é possível se houver algum ascendente (pai, mãe, avós) com o sobrenome pretendido.

Com a Lei n. 14.382/2022, a Lei de Registros Públicos passou a permitir expressamente a inclusão de sobrenomes familiares diretamente no cartório. Especificamente, o Art. 57, § 8º, da Lei n. 6.015/73 (com redação dada pela Lei n. 14.382/2022) dispõe que: 

"Art. 57. (...) § 8º O enteado ou a enteada, se maiores de dezoito anos, poderá requerer ao oficial de registro civil que, averbado o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, seja incluído em seu registro o sobrenome de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja concordância destes e que o sobrenome não seja composto por mais de dois nomes, vedada a supressão de sobrenomes de família."

E, mais genericamente, a mesma lei flexibilizou a possibilidade de inclusão ou exclusão de sobrenomes de ascendente, sem a necessidade de processo judicial, bastando a comprovação do vínculo. O Art. 57, § 9º, por exemplo, permite a alteração de prenome e sobrenomes, a qualquer tempo, perante o oficial de registro, para a inclusão ou exclusão de sobrenomes familiares. Para a simples inclusão de sobrenome de ascendente sem supressão de outro, a regra geral se tornou mais permissiva.

A motivação de "baixa renda" por si só não é uma causa jurídica autônoma para a alteração de sobrenome. Contudo, se o sobrenome pretendido ("Montenegro") pertence à linhagem familiar do requerente, compete ressaltar que a Lei n. 14.382/2022 facilitou enormemente essa inclusão ou substituição, independentemente da motivação pessoal para tal mudança. O foco legal recai sobre a existência do vínculo de parentesco e a intenção de incluir um sobrenome que já faz parte da história familiar do indivíduo.


Procedimento Extrajudicial em Cartório

A alteração do sobrenome, quando baseada na existência de ascendência familiar, pode ser realizada administrativamente, ou seja, diretamente no Cartório de Registro Civil onde o nascimento do interessado foi registrado. O procedimento é o seguinte:

  • Requerimento: O interessado, maior de idade, deve formalizar o pedido diretamente ao oficial de registro civil.

  • Documentação Comprobatória: É fundamental apresentar documentos que comprovem a existência do sobrenome "Montenegro" na sua linha de ascendência (pais, avós, bisavós). Isso pode incluir certidões de nascimento, casamento ou óbito desses ascendentes, que demonstrem claramente o vínculo familiar e a presença do sobrenome desejado.

  • Análise pelo Oficial: O oficial do cartório analisará a documentação para verificar a conformidade com as exigências legais. Não é mais necessária a autorização judicial para essa inclusão, desde que observados os requisitos da lei, como a ausência de prejuízo aos apelidos de família e a comprovação da ascendência.

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  • Averbação: Uma vez aprovado o pedido, a alteração do sobrenome será averbada na certidão de nascimento do requerente, tornando-se válida para todos os fins legais.


Fundamentação Legal e Jurisprudência

A principal fundamentação legal para a alteração de sobrenome por ascendência familiar reside na Lei de Registros Públicos (LRP), com as modificações promovidas pela Lei n 14.382/2022.

O Art. 57 da LRP é o artigo central que trata da alteração do nome civil. Sua nova redação, especialmente nos §§ 8º e 9º, permite a inclusão e exclusão de sobrenomes de ascendentes, bem como a alteração do prenome, de forma extrajudicial, o que facilita a adequação do registro à realidade social e familiar do indivíduo. O § 8º, especificamente, trata da inclusão de sobrenome de padrasto/madrasta, por exemplo, mas a lógica de permitir a inclusão de sobrenomes familiares foi estendida de forma mais ampla. O § 9º do Art. 57, por exemplo, menciona a possibilidade de inclusão ou exclusão de sobrenomes familiares de forma extrajudicial.

Antes da Lei n. 14.382/2022, a inclusão ou exclusão de sobrenomes de ascendentes sem processo judicial era mais restrita. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais de Justiça estaduais, embora predominantemente pautada na imutabilidade do nome, já demonstrava uma tendência a flexibilizar essa regra em casos de justificado interesse ou para refletir a realidade familiar e afetiva, como em casos de reconhecimento de paternidade/maternidade, adoção, ou para inclusão de sobrenome de avós.

A nova lei codificou e ampliou muitas dessas exceções que antes dependiam de interpretação judicial. A justificativa de "vexame" ou "constrangimento" (prevista no antigo Art. 57, LRP), que poderia ser alegada para um sobrenome de "baixa renda", agora é complementada pela via administrativa simples se houver um vínculo familiar com o sobrenome desejado. Ou seja, a existência do sobrenome "Montenegro" na linha de ascendência familiar torna a alteração diretamente possível em cartório, sem a necessidade de comprovar o constrangimento específico, apenas o vínculo. Como analisa DINIZ (2022), a própria evolução do direito civil tem caminhado para uma maior personalização e flexibilização de institutos que antes eram mais rígidos, sempre buscando a efetividade dos direitos da personalidade.


Conclusão

A Lei n. 14.382/2022 representou um avanço significativo na desjudicialização dos procedimentos de registro civil, conferindo maior autonomia aos indivíduos na gestão de seus nomes. A possibilidade de alterar um sobrenome como "Silva" para "Montenegro", sob a justificativa de este último ser um sobrenome de família, é plenamente amparada pela legislação atual e pode ser realizada de forma extrajudicial no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.

Embora a percepção de "baixa renda", ou qualquer outra percepção, associada a um sobrenome possa ser a motivação pessoal para a mudança, o critério legal determinante para a alteração extrajudicial do sobrenome é a existência de um vínculo comprovado com a linha de ascendência familiar do requerente. Essa flexibilização reflete uma compreensão mais moderna do nome civil, que, além de instrumento de identificação, também deve ser um elemento que reflita a história, a identidade e os laços afetivos e familiares do indivíduo, de forma menos burocrática e mais acessível. Esse deve ser o caminho a ser trilhado nos nossos tempos: a desburocratização.


Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, p. 25601, 31 dez. 1973.

BRASIL. Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022. Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP); altera as Leis n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), n. 11.977, de 7 de julho de 2009, n. 13.097, de 19 de janeiro de 2015, n. 13.465, de 11 de julho de 2017, e n. 13.775, de 20 de dezembro de 2018; e revoga a Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, p. 1-14, 28 jun. 2022.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 39. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: um novo olhar. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2021.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2022.

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Sobre a autora
Taísa Maria Viana Sobreira Bezerra

Taísa Viana é Bacharela em Direito pelo Uniceub – Centro Universitário de Brasília; especialista em Processo Civil pelo IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil; em Gestão Legislativa pela UnB – Universidade de Brasília; e Mestra em Direito pelo IDP – Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa. Aos 18 anos, foi aprovada em concursos públicos importantes, como o do TRF e da Câmara dos Deputados, tendo atuado na Advocacia desse último por 11 anos consecutivos. Advogada há 27 anos e sempre dedicada aos estudos, Taísa também seguiu a carreira acadêmica por um período. Ministrou cursos de curta duração, de licença-capacitação e ainda na Pós-Graduação lato-sensu em Processo Legislativo, além de ter elaborado conteúdos para as atividades no Cefor – Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados. Também atuou como professora na faculdade de Direito do IDP e da Unip – Universidade Paulista. Atualmente, é membro das Comissões de Direito das Famílias e de Sucessões, Inventário e Gestão Patrimonial da OAB. É nessa área do Direito que concentra sua atuação, dedicando-se especialmente a temas como divórcio, pensão, guarda, inventário e planejamento patrimonial, incluindo holding familiar e outros institutos correlatos. Siga-me nas redes sociais, para ter conteúdos valiosos: https://www.instagram.com/taisaviana.adv/ https://www.facebook.com/taisa.maria.viana/ https://www.tiktok.com/@taisaviana.adv https://wa.me/5561991921644 https://wa.me/5511988002673 Visite os links:  https://forms.gle/8jk44f6y2sWWq7p87 https://forms.gle/UuXXCr9NvWwxxQvN7

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRA, Taísa Maria Viana Sobreira. A flexibilização da imutabilidade do nome civil.: Análise da alteração de sobrenome em cartório e seus fundamentos legais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8035, 1 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114707. Acesso em: 8 jul. 2025.

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