Capa da publicação Preços dinâmicos: apps de transporte e algoritmo opaco
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Precificação dinâmica, algoritmos opacos e tutela coletiva.

O novo alcance da responsabilidade das plataformas digitais à luz do STF

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Resumo:


  • Este artigo analisa a prática da precificação dinâmica em serviços digitais, com foco no transporte por aplicativo, sob a perspectiva da proteção coletiva dos consumidores.

  • São apresentados limites da tutela individual, ilustrados por precedentes de tribunais estaduais, em contraste com uma decisão paradigmática do TJSP que reconheceu a prática abusiva devido a uma falha informacional.

  • Destaca-se a importância da tutela coletiva como o único meio eficaz para lidar com os riscos estruturais da opacidade algorítmica, garantindo deveres de cuidado, transparência e responsabilidade solidária das plataformas lucrativas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As plataformas de transporte por aplicativo podem ser responsabilizadas por preços abusivos via algoritmos? O STF reforça a tutela coletiva como única via eficaz contra a opacidade na precificação dinâmica.

Resumo: Este artigo examina a prática da precificação dinâmica em serviços digitais, com ênfase no transporte por aplicativo, sob a ótica da proteção coletiva de consumidores. Analisam-se os limites da tutela individual, ilustrados por precedentes do TJPR, TJBA e TJRJ, contrapostos a uma decisão paradigmática do TJSP que reconheceu a prática abusiva em caso concreto de falha informacional. À luz do recente julgamento do STF que declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 19 do Marco Civil da Internet, sustenta-se que a tutela coletiva é o único instrumento eficaz para enfrentar riscos estruturais de opacidade algorítmica, garantindo deveres de cuidado, transparência e responsabilidade solidária das plataformas que lucram com práticas potencialmente ilícitas.

Palavras-chave: Precificação Dinâmica; Algoritmos Opacos; Plataformas Digitais; Direito do Consumidor; Marco Civil da Internet

Sumário: 1. Introdução. 2. Precificação dinâmica: conceito, evolução e riscos. 3. O julgado do STF: releitura do Marco Civil da Internet. 4. Limites da tutela individual: painel jurisprudencial. 5. A tutela coletiva, desafios probatórios e a indispensável adaptação regulatória. 6. Superando o gargalo probatório: inversão do ônus da prova e auditoria algorítmica. 7. Propostas regulatórias para um mercado digital mais justo. 8. Conclusão.


1. Introdução

O fenômeno da precificação dinâmica — mecanismo pelo qual algoritmos ajustam valores de produtos e serviços em tempo real, com base em dados comportamentais, padrões de demanda e disponibilidade — tornou-se elemento central no ambiente digital.

No setor de transporte individual, plataformas como Uber popularizaram o chamado surge pricing, legitimado pela promessa de eficiência alocativa e otimização do fluxo de oferta e demanda.

Contudo, tal prática levanta questionamentos relevantes sob a ótica consumerista: o consumidor médio tem real ciência de como o preço final é calculado? Há consentimento específico ou apenas anuência genérica? Existe transparência suficiente para impugnar discriminações arbitrárias? O CDC, a LGPD e o Marco Civil da Internet (MCI) oferecem respostas parciais, mas a opacidade técnica dos algoritmos gera assimetrias que o Judiciário, pela via individual, nem sempre consegue superar.

Neste cenário, destaca-se a virada hermenêutica do STF, que, em 2025, declarou parcialmente inconstitucional o art. 19 do MCI, reafirmando o dever de cuidado das plataformas digitais e a possibilidade de sua responsabilização civil solidária quando se beneficiam economicamente de práticas potencialmente ilícitas.


2. Precificação Dinâmica: Conceito, Evolução e Riscos

Historicamente restrita a setores como aviação e hotelaria, a precificação dinâmica se sofisticou com o advento de big data e inteligência artificial. Hoje, marketplaces e apps de mobilidade monitoram perfis de consumo, ajustam tarifas em segundos e discriminam preços conforme dados comportamentais — muitas vezes de forma invisível ao usuário.

A literatura especializada (FRAZÃO; MACKAY; WEINSTEIN) alerta para o risco de:

  • Discriminação de preços sem base objetiva, explorando a elasticidade individual de pagamento.

  • Práticas colusivas tácitas, quando algoritmos de concorrentes convergem para maximizar margens.

  • Violação de direitos à informação, à não discriminação e à proteção de dados pessoais.

De acordo com Frazão (2024) e o estudo “Precificação dinâmica e percepção de justiça em preços”:

“Os consumidores aceitam o preço dinâmico enquanto percebem justa sua função de equalizar oferta e demanda em momentos críticos. Mas repudiam quando percebem opacidade: não entendem o multiplicador, não visualizam a base de cálculo e não encontram justificativa objetiva.”

Cassio Benvenutti de Castro (2019) aprofunda essa crítica, ressaltando que “o regime tarifário que a empresa desenvolve [é] preocupante', especialmente porque 'a plataforma digital é independente do serviço de transporte, daí ela pode tudo, como calcular virtualmente o tempo-espaço independente da real condição da mobilidade urbana', o que leva a uma 'precificação [que] não pode ser imediatamente modificada ao talante de uma plataforma virtual, onerando o consumidor em 100%, 200% ou até 300% do preço que inicialmente seria o cobrado."

Essa percepção real expõe o déficit informacional que a jurisprudência tradicional ignora: o consentimento formal em Termos de Uso não basta para legitimar variações que o consumidor não compreende nem consegue auditar.

No Brasil, ainda faltam normas específicas para mitigar esses riscos, razão pela qual o CDC (art. 6º, III, IV, VIII) e a LGPD (art. 6º, incisos I e V) são os principais fundamentos para sustentar que o preço dinâmico não pode ser opaco, nem imposto sem consentimento real e informado.


3. O Julgado do STF: Releitura do Marco Civil da Internet

Em decisão paradigmática (RE 1037396 e RE 1057258), o STF declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 19 do MCI, concluindo que exigir ordem judicial prévia para responsabilizar plataformas não basta para proteger bens jurídicos como direitos fundamentais e democracia digital.

A tese fixada:

  • Atribui presunção de responsabilidade em caso de anúncios pagos, impulsionamentos e redes artificiais de distribuição.

  • Impõe o dever de atuação diligente, proporcional e transparente, coibindo falhas sistêmicas.

  • Confirma que marketplaces respondem civilmente segundo o CDC, ampliando a vinculação entre as normas de proteção digital e o regime tradicional de defesa do consumidor.

Aplicada por analogia, a “ratio decidendi” respalda a tese de que plataformas que se beneficiam economicamente de algoritmos de precificação opacos respondem solidariamente, sobretudo quando não provarem que atuaram com nível técnico de segurança elevado para evitar discriminação abusiva.


4. Limites da Tutela Individual: Painel Jurisprudencial

A jurisprudência dos Juizados Especiais revela como, na prática, o consumidor isolado não consegue romper a opacidade algorítmica, senão vejamos: o próprio modelo de contrato de adesão das plataformas, conforme pontua Cassio Benvenutti de Castro (2019), já impõe “formatos que não apresentam espaços para negociação”, criando desequilíbrios como a “multa” para o consumidor em caso de cancelamento, enquanto o condutor não sofre ônus, “em clara afronta ao art. 51, XI, do CDC”. Essa assimetria inicial agrava a vulnerabilidade do consumidor diante da precificação dinâmica.

A jurisprudência dos Juizados Especiais revela como, na prática, o consumidor isolado não consegue romper a opacidade algorítmica, senão vejamos:

“RECURSO INOMINADO. UBER. PREÇO DINÂMICO. PREVISÃO NO TERMO DE USO E ANUÊNCIA DA PARTE AUTORA. LEI DO MARCO CIVIL NA INTERNET (12.965/14). RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE MODELO DE NEGÓCIOS, DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA. NÃO INTERFERÊNCIA NA PRECIFICAÇÃO DE SERVIÇOS E NA AUTONOMIA DA VONTADE NA FORMAÇÃO DE CONTRATOS. DEVER DE INFORMAÇÃO CUMPRIDO. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA ABUSIVA POIS A PARTE TINHA OPÇÃO POR OUTROS MEIOS DE DESLOCAMENTO. DANOS MORAIS AUSENTES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.”

TJPR – RI 0036716-56.2016.8.16.0030

Consta do referido julgado o seguinte relevante:“Discutir este item no âmbito do Poder Judiciário seria interferir na precificação de serviços e na autonomia da vontade na formação dos contratos, afrontando, por consequência, os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e liberdade dos modelos de negócios.”

Logo, esse paradigma legitima o preço dinâmico ao invocar a liberdade de modelo de negócios (art. 3º, V e VIII do MCI) e a autonomia contratual. Funciona como exemplo de deferência do Judiciário à arquitetura algorítmica, mesmo quando o consumidor alega abuso — desde que haja anuência formal e alternativas de consumo.

“RECURSOS INOMINADOS SIMULTÂNEOS. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZATÓRIA. SERVIÇO DE UBER. PREÇO DINÂMICO. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA ACIMA DO VALOR PREVIAMENTE ORÇADO NA PLATAFORMA DA RÉ. SENTENÇA QUE CONDENOU A ACIONADA A RESTITUIR A QUANTIA DE R$ 233,93 [...] AUSÊNCIA DE PROVA MÍNIMA DO DIREITO. PRÁTICA DE ATO ILÍCITO NÃO EVIDENCIADA. PROVIMENTO DO RECURSO DA ACIONADA PARA CASSAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DO AUTOR.”

TJBA – RI 0157120-64.2018.8.05.0001

Consta do referido julgado o seguinte trecho relevante: “Para que se possa cogitar a inversão do ônus probatório na forma autorizada pelo CDC, o consumidor deve fazer prova mínima da verossimilhança de suas alegações, vigorando até aí a regra inserta no inciso I, do art. 373, do NCPC.”

Portanto, a Turma Recursal nega a inversão do ônus da prova, pois entende que o autor não comprovou orçamento prévio idêntico ao valor final. Demonstra a dificuldade prática do consumidor individual em reunir prova robusta sem acesso aos registros técnicos da plataforma.

“DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COBRANÇA SUPERIOR AO VALOR ESTIMADO DE CORRIDA POR APLICATIVO. TARIFA DINÂMICA. AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. IMPROCEDÊNCIA. - Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais em razão da cobrança de valores superiores ao estimado inicialmente para corridas solicitadas por meio de aplicativo de transporte - O juízo de origem considerou legítima a incidência da tarifa dinâmica e reconheceu que o consumidor foi devidamente informado sobre o mecanismo de variação de preços, afastando a alegação de cobrança abusiva.”

TJRJ – Apelação 0030008-72.2021.8.19.0210

Consta do referido julgado o seguinte trecho: “A tarifa dinâmica é um mecanismo que visa equilibrar oferta e demanda no serviço de transporte por aplicativo, não havendo ilicitude na variação do preço quando previamente comunicada [...]. Não há dano moral indenizável.”

Este acórdão confirma a linha de deferência: havendo notificação genérica, legitima-se a variação, ainda que não se audite a base algorítmica. Mais um caso de barreira probatória para o consumidor isolado.

“DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE PELA PLATAFORMA UBER. ALTERAÇÃO DO TRAJETO SEM ANUÊNCIA DO CONSUMIDOR. SERVIÇO COBRADO PELO TRIPLO E PELO CRITÉRIO DE PREÇO DINÂMICO. AUMENTO UNILATERAL E NÃO INFORMADO, E NEM ESCLARECIDO EM JUÍZO. PRÁTICA ABUSIVA. ART. 6º, III E VIII, E ART. 51, X, DO CDC. CONSUMIDORA EM SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE OCASIONAL. DESVIO PRODUTIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ ORA RECONHECIDA PELOS DANOS MATERIAIS E MORAIS. AÇÃO ORA JULGADA PROCEDENTE. APELO DA AUTORA PROVIDO.”

TJSP – Apelação 1028855-81.2024.8.26.0405

Em contraponto, o TJ-SP (Ap. Cív. 1028855-81.2024.8.26.0405) inovou ao reconhecer a prática abusiva: alteração unilateral do trajeto sem anuência da consumidora, aplicação de preço dinâmico sem transparência, violação dos arts. 6º, III e VIII, e 51, X, do CDC, além de caracterização de hipervulnerabilidade ocasional e desvio produtivo, culminando na condenação da plataforma a indenizar danos materiais e morais.

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O TJ-SP rompe o padrão de deferência: reconhece prática abusiva na alteração unilateral de trajeto + uso do preço dinâmico como multiplicador injustificado + ausência de informação clara. Invoca a hipervulnerabilidade ocasional, aplica responsabilidade objetiva, enfatiza o desvio produtivo e determina indenização. Mostra o potencial do CDC para conter abusos quando a falha estrutural é comprovada.

Inclusive, tal prática [a precificação dinâmica elevada], considerando o local e o horário da corrida, remete o consumidor a uma situação de hipervulnerabilidade ocasional (art. 39, IV, do CDC), haja vista que, em situação de risco (criminalidade), “o sujeito se submete a qualquer risco de precificação aventada. Fato que caracteriza, inclusive, uma lesão enorme, em termos de direito civil (art. 157 e §1º, do CC) como, principalmente, levando-se em conta os princípios que imputam a previsibilidade dos preços ao consumidor, nos dizeres do CDC” (CASTRO, 2019). Essa perspectiva reforça a tese de abusividade em cenários específicos.

Esse contraste revela o ponto nevrálgico: quando há demonstração robusta de violação estrutural, o Judiciário admite a abusividade; mas, na via individual, o consumidor não detém os meios técnicos para comprovar o nexo algorítmico, a variação injustificada ou o perfilamento ilícito.


5. A Tutela Coletiva, Desafios Probatórios e Propostas Regulatórias

Diante da assimetria técnica e econômica inerente ao ambiente digital, o consumidor isolado raramente consegue identificar o dano individual sofrido em decorrência da precificação dinâmica opaca — quanto mais obter prova de sua extensão.

A complexidade dos algoritmos cria uma "caixa-preta" informacional, tornando quase impossível para o cidadão comum comprovar o nexo causal entre a prática algorítmica e o prejuízo injustificado.

É nesse cenário que a tutela coletiva emerge não como uma mera faculdade, mas como a única via eficaz para reequilibrar as relações de consumo e assegurar a proteção dos direitos violados em massa.

Os instrumentos jurídicos já existentes no ordenamento brasileiro, como o Código de Defesa do Consumidor (arts. 81 a 100), a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e a Lei Geral de Proteção de Dados (art. 52), oferecem um arsenal robusto para essa reação em nível macro:

  • Ação Civil Pública (ACP): Permite o combate a práticas abusivas e discriminatórias em larga escala, buscando não apenas a cessação da conduta (obrigação de não fazer), mas também a reparação do dano material e moral coletivo e a imposição de multas coercitivas que desestimulem a reincidência. A ACP é fundamental para atacar a causa-raiz dos problemas sistêmicos, como a opacidade algorítmica que afeta múltiplos consumidores simultaneamente.

  • Termos de Ajustamento de Conduta (TACs): Firmados por órgãos legitimados (Ministério Público, Defensoria Pública e entes associativos), os TACs possibilitam acordos extrajudiciais que impõem às plataformas cláusulas de compliance, auditoria de algoritmos e medidas concretas de transparência. Eles representam uma ferramenta flexível para promover mudanças proativas na conduta das empresas, evitando litígios prolongados.

  • Tutelas Inibitórias: O CDC (art. 84) permite a concessão de medidas liminares que visam à suspensão imediata de algoritmos ou práticas lesivas, prevenindo a continuidade do dano enquanto a questão é analisada judicialmente. Essas tutelas são cruciais para proteger a coletividade de abusos contínuos e de rápida propagação no ambiente digital.

A experiência internacional, com as "class actions" nos EUA e a atuação enérgica de agências como a FTC contra gigantes como Amazon e Uber, corrobora que a via coletiva é o meio idôneo para reequilibrar o jogo, impondo às plataformas deveres de cuidado e transparência que a via individual não consegue.


6. Superando o Gargalo Probatório: Inversão do Ônus da Prova e Auditoria Algorítmica

O elemento técnico é, sem dúvida, o principal gargalo na efetivação da responsabilidade das plataformas. Para mitigar essa dificuldade probatória, mostram-se inequivocamente necessárias as seguintes ações:

  • Fortalecimento da Inversão do Ônus da Prova (art. 6º, VIII, CDC): Em casos de precificação dinâmica opaca, deve-se presumir a vulnerabilidade técnica do consumidor, de modo que o ônus de provar a lisura e a justificativa do cálculo do preço recaia sobre a plataforma. O Judiciário deve ser mais incisivo ao aplicar essa inversão, reconhecendo a assimetria informacional como um fato.

  • Autorização de Auditorias Judiciais em Sistemas de Precificação: É fundamental que o Judiciário tenha a prerrogativa de determinar a realização de auditorias independentes nos algoritmos de precificação das plataformas. Essas auditorias permitiriam a perícia técnica necessária para desvendar a lógica de cálculo, identificar vieses discriminatórios ou práticas abusivas, e serviriam como prova robusta em ações coletivas.

  • Incentivo à Criação de Sandboxes Regulatórios para Transparência Algorítmica: Governos e agências reguladoras podem criar ambientes controlados (sandboxes) onde plataformas testam e demonstram a transparência de seus algoritmos a especialistas, antes da implementação em larga escala. Isso fomentaria a inovação responsável e permitiria a identificação proativa de riscos.


7. Propostas Regulatórias para um Mercado Digital Mais Justo

No plano normativo, a discussão sobre a precificação dinâmica e a opacidade algorítmica exige a elaboração de regras específicas que complementem as leis existentes. Dentre as propostas, destacam-se:

  • Proibição da Discriminação Opaca: Estabelecer explicitamente a proibição de precificação dinâmica que resulte em discriminação de preços sem justificativas objetivas, claras e compreensíveis ao consumidor. Somente variações baseadas em fatores transparentes (como oferta e demanda em tempo real, horários de pico ou distância) deveriam ser permitidas.

  • Dever de Consentimento Granular para Dados na Precificação: Além do consentimento genérico nos Termos de Uso, as plataformas deveriam ser obrigadas a obter um consentimento específico e granular do usuário para a utilização de dados sensíveis ou comportamentais na composição do preço. O consumidor deveria ter a opção de desabilitar a coleta de certos dados que impactam a precificação, sem que isso inviabilize o acesso ao serviço.

  • Limites à Frequência e Magnitude de Alteração de Preços em Mercados Dominados: Em mercados com poucos agentes dominantes, onde a concorrência é limitada, pode-se discutir a imposição de limites à frequência e à magnitude das alterações de preços por algoritmos, prevenindo abusos de posição dominante e a exploração indevida de momentos de alta demanda.


8. Conclusão

A análise da precificação dinâmica e da opacidade algorítmica em serviços digitais revela uma tensão crescente entre a inovação tecnológica e os direitos fundamentais do consumidor.

Como demonstrado, essa prática, quando implementada de forma obscura e discriminatória, viola princípios basilares de informação, transparência e igualdade, elementos essenciais para uma relação de consumo equitativa. A jurisprudência, tanto em seus desafios quanto em seus avanços, sinaliza a urgência de uma nova abordagem.

O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, ao reafirmar a responsabilidade das plataformas digitais e a fragilidade do modelo de "porto seguro" irrestrito, inaugura uma perspectiva crucial: aquela em que a obtenção de ganho econômico direto de práticas algorítmicas opacas acarreta uma responsabilidade solidária inerente. Esse entendimento é um divisor de águas, pois reconhece que a lógica do lucro não pode se dissociar do dever de cuidado e da obrigação de mitigar riscos sistêmicos.

Diante da assimetria técnica e econômica que caracteriza o ambiente digital, a tutela coletiva transcende a esfera de uma mera faculdade para se tornar uma necessidade constitucional e pragmática.

É por meio de instrumentos como a Ação Civil Pública, os Termos de Ajustamento de Conduta e as tutelas inibitórias que se torna viável a necessária auditoria de algoritmos, a imposição de medidas de transparência e a efetiva reparação de danos coletivos e individuais homogêneos. A experiência internacional apenas reforça que o enfrentamento desses desafios exige uma resposta coordenada e em larga escala.

Para que o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Civil da Internet atinjam sua plena efetividade na era dos algoritmos, é imperativo que haja um fortalecimento da legitimidade ativa do Ministério Público, da Defensoria Pública e das entidades associativas.

Mais do que isso, é crucial o desenvolvimento de uma jurisprudência sensível e proativa, capaz de compreender as complexidades das novas dinâmicas digitais e de aplicar a legislação de forma a garantir que a inovação tecnológica sirva ao bem-estar social, e não à exploração algorítmica. O futuro do direito do consumidor no ambiente digital dependerá diretamente da nossa capacidade de garantir a justiça e a transparência onde antes reinava a opacidade.

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Sobre os autores
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Maria Catarina Delfino Lagrotta

Bacharelanda do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif ; LAGROTTA, Maria Catarina Delfino. Precificação dinâmica, algoritmos opacos e tutela coletiva.: O novo alcance da responsabilidade das plataformas digitais à luz do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8043, 9 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114761. Acesso em: 5 dez. 2025.

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