3. CASAMENTO E DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL
O casamento é uma das formas jurídicas reconhecidas para a constituição da família, sendo disciplinado pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Trata-se de uma instituição que, além de possuir relevante conteúdo afetivo, gera efeitos jurídicos significativos na esfera pessoal e patrimonial dos cônjuges.
Segundo Gonçalves (2015, p. 57), o casamento, embora baseado na autonomia da vontade, está sujeito a normas de ordem pública, em virtude de sua importância para a organização social.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que suprimiu os requisitos temporais para o divórcio, a dissolução do vínculo conjugal passou a ser pautada pelos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Assim, a seguir serão analisadas a estrutura do casamento civil, as hipóteses legais de dissolução da sociedade conjugal e os efeitos decorrentes do fim do vínculo matrimonial.
3.1. A estrutura jurídica do casamento civil: requisitos, formas e efeitos jurídicos
O casamento civil é o instituto jurídico que formaliza a constituição de uma entidade familiar, disciplinando os direitos e deveres recíprocos dos cônjuges. Trata-se de uma instituição que conjuga elementos do direito público e privado, produzindo efeitos relevantes tanto na esfera patrimonial quanto na pessoal. Conforme dispõe o artigo 1.511 do Código Civil de 2002, o casamento consiste na comunhão plena de vida, fundada na igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, com o princípio da solidariedade como base da relação conjugal.
Para que o casamento seja considerado válido, é necessário o preenchimento de certos requisitos legais. Entre eles estão: a capacidade civil das partes, o consentimento livre e mútuo, a idade mínima legal (16 anos, com autorização dos pais ou responsáveis; 18 anos, livremente), e a ausência de impedimentos legais previstos nos artigos 1.521 e seguintes do Código Civil, como o parentesco direto, a bigamia e a tutela ou curatela sem prestação de contas. A celebração do casamento deve seguir formalidades legais, conforme previsto nos artigos 1.525 a 1.535 do Código Civil, como o requerimento de habilitação perante o oficial do registro civil, publicação de proclamas e a celebração perante autoridade competente, na presença de, pelo menos, duas testemunhas.
No que se refere à forma de celebração, o Código Civil brasileiro reconhece três modalidades principais de casamento: (i) civil, realizado em cartório; (ii) religioso com efeitos civis, desde que haja registro posterior no cartório, conforme o art. 1.515 do Código Civil; (iii) casamento em iminente risco de vida (art. 1.540), aplicável quando um dos nubentes está em perigo de morte e não pode se deslocar ao cartório, desde que sejam observadas as testemunhas e depois lavrada a certidão.
O casamento, uma vez celebrado, gera efeitos jurídicos imediatos, conforme dispõe o artigo 1.566 do Código Civil. São deveres dos cônjuges: fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, e respeito e consideração mútuos. No plano patrimonial, os efeitos variam conforme o regime de bens adotado, podendo ser legal (comunhão parcial, em regra) ou convencional (se estipulado por pacto antenupcial, como separação total, comunhão universal ou participação final nos aquestos).
De acordo com Tartuce (2023, p. 154), o casamento deve ser compreendido como uma instituição de direito existencial, que respeita a liberdade dos cônjuges, mas é regulada por normas de ordem pública, justamente por seus efeitos relevantes na vida social e jurídica das famílias. O autor destaca que, embora fundado na autonomia da vontade, o casamento exige o cumprimento de regras legais que garantem sua validade e segurança jurídica.
Por fim, a Constituição Federal de 1988, no artigo 226, §3º, reconhece a união estável como entidade familiar, garantindo-lhe proteção jurídica equivalente à do casamento, quando atendidos os requisitos legais. Esse reconhecimento demonstra a evolução do ordenamento jurídico brasileiro, que passou a acolher diferentes formas de constituição familiar, em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da liberdade individual.
3.2. As hipóteses de dissolução do casamento
Além do divórcio, o ordenamento jurídico ainda prevê outras formas de dissolução do casamento, embora com aplicabilidade cada vez mais restrita. A morte de um dos cônjuges é considerada a forma natural e definitiva de extinção do vínculo conjugal, encerrando automaticamente os efeitos jurídicos da sociedade conjugal e do regime de bens, conforme dispõe o artigo 1.571, inciso I, do Código Civil.
Outra hipótese prevista é a anulação do casamento, cabível em situações excepcionais, quando se verifica vício essencial na formação do vínculo. Conforme disposto nos artigos 1.556 a 1.558 do Código Civil, é possível anular o matrimônio nos casos de coação, erro essencial sobre a pessoa ou incapacidade civil ao tempo da celebração. De acordo com Diniz (2022, p. 185), “a anulação do casamento só se admite quando há defeito originário, como coação, erro essencial sobre a pessoa ou ausência de capacidade civil, sendo necessária a prova do vício e a observância do prazo decadencial de três anos”. Trata-se, portanto, de uma medida de caráter excepcional e distinta do divórcio, que prescinde de qualquer justificativa ou culpa.
Por fim, a separação judicial permanece formalmente prevista no ordenamento, mas perdeu sua eficácia como instrumento de dissolução autônoma. A Emenda Constitucional nº 66/2010 suprimiu a exigência da separação prévia como etapa obrigatória para o divórcio, tornando a simples manifestação de vontade suficiente para pôr fim ao casamento. No entanto, o Código Civil ainda contempla hipóteses específicas em que a separação pode ser judicialmente reconhecida, como nos casos de infração grave aos deveres conjugais (art. 1.572, I, do CC). Apesar disso, conforme entendimento atual consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, a separação não constitui impedimento ao novo casamento e tampouco é condição para a decretação do divórcio (BRASIL, STF, RE 1.167.478/DF, Tema 1053, julgado em 2023).
Dessa forma, embora a legislação ainda preveja formas distintas de cessação da sociedade conjugal, a prática jurídica contemporânea tem se orientado majoritariamente pela via do divórcio, que, por sua natureza potestativa, direta e desburocratizada, reflete com maior fidelidade os princípios constitucionais da autonomia da vontade, dignidade da pessoa humana e liberdade de constituição familiar.
3.3. Procedimentos e efeitos da dissolução da sociedade conjugal
A dissolução da sociedade conjugal consiste na extinção da comunhão de vida entre os cônjuges e na cessação dos deveres conjugais, tanto pessoais quanto patrimoniais. Nos termos do artigo 1.571 do Código Civil, a sociedade conjugal pode ser encerrada por morte, anulação ou divórcio. A partir da Emenda Constitucional nº 66/2010, o divórcio passou a representar a principal forma de dissolução do vínculo conjugal, eliminando a exigência de separação prévia e permitindo sua realização direta e imediata.
Com base nessa alteração, o divórcio passou a ser compreendido como direito potestativo, irrestrito e unilateral. Segundo Tartuce (2023, p. 419), “com a alteração constitucional, o divórcio tornou-se um direito potestativo, incondicionado e unilateral, cuja decretação não pode ser obstada pelo outro cônjuge ou condicionada à partilha de bens”. Esse entendimento resguarda a liberdade individual e concretiza o princípio da autonomia da vontade, fortalecendo a ideia de que o casamento é uma instituição baseada na afetividade e não em imposições jurídicas.
O divórcio pode ser realizado de forma extrajudicial ou judicial. A via extrajudicial, prevista no artigo 733 do Código de Processo Civil de 2015, é permitida nos casos consensuais em que não haja filhos menores ou incapazes e desde que as partes estejam assistidas por advogado. Já a via judicial é necessária nos casos litigiosos, em que não há acordo sobre os termos da separação ou quando existam interesses de menores envolvidos. Em ambos os casos, o Estado limita-se a regular os efeitos jurídicos do fim do vínculo, como a partilha de bens, a guarda dos filhos, o direito à pensão alimentícia e o novo estado civil.
Entre os efeitos jurídicos do divórcio destacam-se a extinção do vínculo matrimonial, a cessação dos deveres conjugais como fidelidade, coabitação e mútua assistência, além da possibilidade de contrair novo casamento. A dissolução do regime de bens também é consequência relevante, sendo que os efeitos patrimoniais podem retroagir à data da separação de fato, desde que devidamente comprovada em juízo. Conforme Madaleno (2022, p. 293), “a sentença de divórcio tem efeito imediato quanto ao estado civil, mas os efeitos patrimoniais podem retroagir à data da separação de fato, se comprovada em juízo”.
Importante ressaltar que, embora o vínculo conjugal se extinga, permanecem os deveres parentais em relação aos filhos. A dissolução do casamento não anula a responsabilidade dos pais com o sustento, a convivência e a educação dos filhos menores. Como destaca Vieira (2022, p. 318):
A dissolução do casamento, por si só, não afasta os deveres decorrentes da parentalidade. Os pais permanecem obrigados a prover o sustento, a educação e o convívio com os filhos, independentemente do término da vida conjugal. Trata-se de obrigação contínua e indelegável, fundada no princípio da proteção integral e no melhor interesse da criança e do adolescente.
Esse entendimento reafirma a prioridade absoluta da criança e do adolescente, conforme disposto no artigo 227 da Constituição Federal, e mostra que o direito de família brasileiro está comprometido com a preservação dos laços afetivos, mesmo diante da ruptura conjugal.
Portanto, a dissolução da sociedade conjugal, sob a ótica constitucional contemporânea, representa a efetivação do direito à liberdade, à dignidade da pessoa humana e à autonomia privada. Os tribunais brasileiros, ao reconhecerem o caráter potestativo do divórcio, reforçam esse modelo jurídico centrado na vontade individual e na proteção dos sujeitos vulneráveis, criando o ambiente propício para o debate que se seguirá no capítulo seguinte: o divórcio como expressão plena do direito potestativo.
4. DIVÓRCIO COMO DIREITO POTESTATIVO
O reconhecimento do divórcio como um direito potestativo representa um marco evolutivo no ordenamento jurídico brasileiro. A partir da Emenda Constitucional nº 66/2010, a dissolução do vínculo conjugal deixou de depender de requisitos temporais ou de separação judicial prévia, bastando a manifestação unilateral de vontade. Essa transformação reafirma valores constitucionais como a autonomia privada, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, assegurando que ninguém seja compelido a permanecer casado contra sua vontade.
Neste capítulo, são analisadas as bases conceituais do direito potestativo, sua aplicação ao divórcio no Brasil contemporâneo e a forma como os tribunais têm interpretado essa prerrogativa à luz da jurisprudência constitucional e infraconstitucional.
4.1. Conceito de direito potestativo
O direito potestativo caracteriza-se pela possibilidade de seu titular produzir efeitos jurídicos sem a necessidade de concordância da parte contrária. Ao contrário dos direitos obrigacionais, que demandam contraprestação, os potestativos impõem um dever de sujeição à outra parte. O exercício desse direito, portanto, não pode ser impedido nem condicionado por fatores externos.
Os direitos potestativos são aqueles que permitem ao seu titular modificar uma situação jurídica existente ou criar uma nova, independentemente da vontade ou oposição da outra parte. A sujeição da parte contrária é inerente ao instituto e não depende de sua anuência, sendo suficiente a simples manifestação de vontade do titular para que o efeito jurídico se produza, nos termos da lei. (TARTUCE, 2023, p. 141)
Essa definição é particularmente relevante no contexto do direito de família. O pedido de divórcio passou a se enquadrar nessa categoria após a promulgação da EC nº 66/2010, que suprimiu a exigência de separação judicial prévia ou de qualquer justificativa para o rompimento do vínculo matrimonial. O divórcio, assim, deixou de depender do consenso entre os cônjuges ou da análise de mérito por parte do Judiciário. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2021, p. 203) destacam:
O novo regime constitucional rompeu com as exigências anteriores para o divórcio. A simples manifestação de vontade de um dos cônjuges é suficiente para a dissolução do vínculo, sem qualquer necessidade de demonstração de motivo ou separação prévia.
O direito potestativo ao divórcio reflete, portanto, uma mudança de paradigma no tratamento jurídico das relações conjugais, assegurando ao indivíduo liberdade para definir a continuidade (ou não) da convivência matrimonial.
Essa autonomia do titular do direito potestativo também implica uma consequência relevante: a impossibilidade de resistência judicial à sua efetivação. No âmbito do direito de família, isso significa que o juiz não pode indeferir um pedido de divórcio unilateral, mesmo havendo litígios sobre partilha de bens ou guarda de filhos. Conforme explica Lisboa (2022, p. 117), o direito potestativo rompe com a lógica de bilateralidade, pois se constitui com base exclusiva na manifestação de vontade de seu titular, sem exigir adesão ou contraditório quanto à sua constituição. Nesse cenário, o Judiciário limita-se a reconhecer a dissolução do vínculo conjugal e regular seus efeitos, assegurando que a decisão de romper o casamento seja respeitada como expressão legítima da liberdade individual.
4.2. Divórcio unilateral na tutela da autonomia da vontade
A autonomia da vontade é um dos princípios estruturantes do direito civil moderno, e sua presença é marcante no direito das famílias após a Constituição de 1988. Com a Emenda Constitucional nº 66/2010, a tutela dessa autonomia alcançou o divórcio, permitindo que qualquer dos cônjuges ponha fim ao casamento independentemente da concordância da outra parte, da motivação ou do decurso de tempo. Conforme Gonçalves (2022, p. 105): O divórcio é um direito potestativo personalíssimo e irrestrito, que não exige justificativa e cujo exercício não pode ser limitado por cláusulas morais ou pela discordância do outro cônjuge.
Essa compreensão está alinhada aos valores da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual. O casamento deixou de ser visto como uma obrigação indissolúvel e passou a ser compreendido como uma relação fundada na vontade recíproca de permanência, onde o afeto e a realização pessoal são fundamentais. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2021, p. 208), o novo modelo de direito de família privilegia a autonomia e o afeto como elementos estruturantes da relação conjugal, superando a rigidez das antigas concepções normativas.
A intervenção do Estado limita-se à regulamentação dos efeitos jurídicos do divórcio, como partilha de bens, guarda de filhos e alimentos. O vínculo matrimonial, no entanto, pode ser dissolvido de forma unilateral, sem que a Justiça possa negar ou retardar essa decisão pessoal. Como afirma Tartuce (2023, p. 131), “não cabe ao Judiciário julgar a motivação do rompimento do vínculo, pois o divórcio se tornou expressão legítima da liberdade existencial da parte que o requer”.
Essa liberdade resguarda o sujeito de manter-se preso a um relacionamento que já não reflete seus objetivos de vida, fortalecendo a noção de que o casamento é um espaço de afeto voluntário, e não de permanência obrigatória.
Esse cenário jurídico reflete a transição de um modelo patriarcal e normativo para um direito de família centrado na afetividade e na dignidade humana. Como observa Tartuce (2023), o vínculo conjugal não pode ser mantido por força legal quando ausente a vontade de um dos cônjuges, pois tal imposição afrontaria o princípio da liberdade individual consagrado no artigo 5º da Constituição Federal. Assim, a manifestação unilateral da vontade, ao ser suficiente para dissolver o casamento, afirma o reconhecimento da pessoa como sujeito de direitos e protagonista de suas escolhas existenciais.
Além disso, o exercício do divórcio unilateral fortalece a proteção da saúde mental e emocional dos envolvidos. Manter alguém vinculado a um matrimônio indesejado pode representar uma forma de violência simbólica, incompatível com os compromissos éticos do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2021, p. 210) destacam que: “Não se pode admitir que o Estado force a continuidade de uma relação conjugal fadada ao insucesso, sob pena de desrespeito à liberdade e à dignidade da pessoa humana. O divórcio, hoje, é antes de tudo um direito fundamental.”
Dessa forma, o divórcio unilateral não apenas preserva a autonomia privada, como também atua como instrumento de justiça emocional e liberdade afetiva, assegurando que o casamento seja mantido apenas enquanto houver interesse recíproco de permanência e construção conjunta da vida em comum.
4.3. A aplicação do divórcio potestativo nos tribunais
Os tribunais brasileiros vêm consolidando o entendimento de que o divórcio, após a EC nº 66/2010, é um direito potestativo de natureza incondicionada, não cabendo resistência da outra parte nem condicionantes judiciais para seu exercício. A jurisprudência, tanto do STF quanto do STJ, vem reconhecendo esse caráter absoluto do direito de pôr fim ao casamento.
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.281.093/MG, decidiu que:
A decretação do divórcio não depende da prévia partilha de bens, tampouco da demonstração de culpa ou de motivo, pois se trata de um direito potestativo do requerente.
(BRASIL, STJ, REsp 1.281.093/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14 fev. 2012)
Já o Supremo Tribunal Federal, embora tenha enfrentado diretamente a questão em decisões sobre uniões homoafetivas (ADI 4.277 e ADPF 132), fixou importantes parâmetros constitucionais sobre afeto, liberdade e dignidade como fundamentos das relações familiares. Isso reforça a leitura de que não cabe ao Judiciário avaliar o mérito de uma decisão pessoal como o divórcio.
Atualmente, é pacífico o entendimento de que a decretação do divórcio deve ocorrer de forma imediata, mesmo nos casos litigiosos ou quando houver pendências sobre partilha ou guarda. A discussão sobre efeitos patrimoniais e parentais deve ser tratada separadamente, não sendo óbice ao exercício do direito.
O reconhecimento judicial do divórcio como direito potestativo tem sido decisivo para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais nas relações familiares, evitando que questões de mérito, culpa ou patrimônio se sobreponham à liberdade individual de não permanecer casado.
A atuação dos tribunais tem sido essencial para consolidar a concepção contemporânea do divórcio como um direito personalíssimo, de exercício unilateral e desvinculado de justificativas. O entendimento consolidado é de que basta a manifestação de vontade de um dos cônjuges para que se reconheça a dissolução do vínculo matrimonial, sem necessidade de consenso, culpa ou tempo mínimo de separação. Conforme destaca Lisboa (2022, p. 142), a intervenção judicial deve restringir-se à organização dos efeitos jurídicos da ruptura — como alimentos, guarda dos filhos e partilha de bens —, jamais condicionando o reconhecimento do divórcio à prévia solução dessas questões.
Importante registrar que parte da resistência prática ao divórcio unilateral foi superada por decisões reiteradas em diversos tribunais estaduais, que têm aplicado corretamente o entendimento do STJ. A jurisprudência majoritária reconhece que a demora na decretação do divórcio viola o princípio da dignidade da pessoa humana, pois obriga a permanência em vínculo formal mesmo diante da vontade expressa de rompê-lo. Assim, não cabe ao juiz avaliar conveniência, motivo ou tempo de separação: basta o requerimento de uma das partes. Como reforça Tartuce (2023, p. 132), “a decretação do divórcio deve ser imediata, sob pena de ofensa à autonomia privada e ao livre desenvolvimento da personalidade”.
Além disso, o reconhecimento jurisprudencial do divórcio como direito potestativo coaduna-se com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como o Pacto de San José da Costa Rica, cujo artigo 11 assegura a proteção à vida privada e à liberdade pessoal. Ao permitir que o indivíduo exerça plenamente sua vontade de não mais permanecer casado, o ordenamento jurídico brasileiro se harmoniza com os compromissos internacionais assumidos em matéria de proteção à autonomia e à dignidade. Nesse contexto, o Judiciário desempenha papel essencial na efetivação do direito ao divórcio como expressão legítima da liberdade existencial do indivíduo.