Tão antiga quanto a exação tributária é a astúcia do homem em esquivar-se dela. Remetem à Grécia Antiga os primeiros registros da utilização de mecanismos legais para a tão conhecida elisão fiscal. Surge no plano histórico clássico um modelo de evasão fiscal que consubstanciava-se no comercio de mercadorias gregas que eram estocadas em ilhas vizinhas a Atenas. A historia dos paraísos fiscais nasce nesse momento, sabendo-se que Flandres, nos séculos XVI e XVII, aplicava sobre mercadorias que circulassem em seus portos baixíssimas taxas e impostos, o que aumentava coincidentemente o fluxo de comercio e lucratividade naquele território, esta é toda a inteligência do sistema; o que nos permite elucidar com maior pontualidade os motivos da existência de tais organismos jurídicos e legislações fiscais tão "condescendentes" em certos paises, os chamados paraísos fiscais (tax heavens).
É neste ponto que incidimos maior atenção em nossos estudos, vez que tais paraísos não devem ser vistos absolutamente como a lavanderia do crime organizado, pois se não fossem os paraísos fiscais, restaria o contribuinte, a despeito da extorsiva carga tributaria, a mercê dos arbítrios do seu legislador, que não se limitaria a impor uma exação apenas para satisfazer a função social do tributo, hipoteticamente sustentada no princípio do interesse publico, neste foco temos que os tax heavens são essenciais para a sobrevivência das relações empresariais que se fundamentam na otimização dos resultados com a redução do custo para a maior competitividade no mercado, assim sendo, com o mercado a salvo de um Fisco Extorsionário (como na maioria dos países) terá o consumidor (ao menos hipoteticamente) a disponibilidade financeira na aquisição de bens com a queda dos preços, e com o aumento do consumo, há o aumento na produção, assim as empresas crescem, o consumidor ganha, e o mercado prospera, seguindo o modelo ideal de capitalismo, em um processo cíclico onde até mesmo o Estado que deixa de recolher aquele tributo (elidido) cresce; a este processo, chamamos planejamento tributário.
Comumente utilizada, a expressão elisão fiscal merece ser explicada. Note-se que elidir significa cortar, enquanto que evadir significa sair (fugir, esquivar-se), portanto a primeira divergência terminológica deve ser elucidada antes de adentrarmos profundamente na questão. Elisão fiscal, é , pois, uma manobra legal, onde o contribuinte deixa de recolher o tributo, dentro da lei, e assim dizemos, que ele elidiu a exação tributária. Na contramão encontramos, a expressão evasão fiscal, onde o indivíduo se evade dos limites legais impostos, e assim sendo, é um criminoso.
Superados tais conceitos, seguiremos nosso estudo. Existem inúmeros países considerados paraísos fiscais, tanto quanto os motivos que os levam a questionar seus investidores.
Na América Latina, o exemplo mais próximo e curioso é o Uruguai. A Lei nº. 11.073 daquele país criou um tipo societário bastante interessante, sobretudo para algumas quadrilhas conhecidas como máfias do colarinho branco: As Sociedades Anônimas Financeiras de Inversões, que eram largamente utilizadas para manobras de elisão fiscal, e os motivos tornam-se claros quando incidimos um olhar mais atento.
Sob a égide deste tipo societário, pessoas que queriam manter investimentos em moeda estrangeira ou que simplesmente preferiam não revelar a procedência de seus ativos constituíam uma sociedade anônima em território uruguaio (sob um regime tributário de 0,3%) com o objeto social de holding ou para a realização de investimentos em ações, títulos, entre outras atividades, porém o requisito essencial (onde entra a lógica) seria a realização de tais atividades fora do território uruguaio, por isto são tais sociedades chamadas de off-shore.
A prosperidade de tais sociedades era não só pelo tratamento fiscal favorecido, mas na legislação sobre sigilo bancário existente no Uruguai. Assim, muitos brasileiros em operações de legalidade contestável, por exemplo, utilizaram o Uruguai como ponte de seus investimentos, inclusive o ex-presidente Fernando Collor na famosa Operação Uruguai, entre outros políticos, advogados e empresários.
Entretanto, um grande temor povoou as mentes receosas daqueles "investidores" com a ascensão de um presidente com idéias de esquerda: a reforma tributária uruguaia. O medo é justificável. Entretanto a política que sempre atendeu aos interesses da direita ficou intacta, isto é, com a permanência da proposta do "liberalismo econômico não-intervencionista" o Uruguai não deixou de ser um paraíso fiscal, como será explicitado no presente estudo.
Entrou em vigor, portanto, no dia 1º de julho de 2007 a reforma tributária uruguaia, com o fito de adaptar o país ao regime de tributação internacional, entretanto, foi mantida a estrutura financeira atrativa para os investidores.
Permanece a possibilidade de constituir-se uma sociedade com ações ao portador, bem como o regime tributário complacente, além disso, cumpre ressaltar que as leis sobre o sigilo bancário naquele país continuam sendo das mais rígidas do mundo.
A mudança (se podemos chamar assim) é muito discreta, e se dá apenas no tipo de sociedade, pois de acordo com a Lei 18.083, sancionada pelo presidente no fim de dezembro de 2006, as SAFI (Sociedades Anonimas Financieras de Inversiones) ficam extintas, devendo ter a sua situação integralmente regularizada no prazo de dois anos sendo convertidas em Sociedade Anônimas, digamos, convencionais.
O detalhe curioso desta reforma se dá pelo fato de que as S/A tem vantagem sobre as SAFI, no que tange, mormente, ao regime tributário, isto é, as SAFI recolhiam 0,3% de imposto, agora as S/A recolhem uma taxa anual de $ 200,00 a $ 300,00. Tal reforma foi significativa sob outro aspecto, qual seja, com a instituição de um imposto de renda, outrora inexistente no Uruguai, além de outros tributos.
Permanece, contudo, a hipótese de usar o Uruguai como ponte de investimentos, o que tranqüilizou muitos brasileiros com off-shores situadas naquele país. Com vantagens tributárias, e um sigilo bancário quase inquebrável, o Uruguai não é só um vizinho, é um amigo, e a sua reforma tributária não foi mais do que uma tentativa de adaptar o país ao padrão de tributação internacional e tirar-lhe a pecha de paraíso fiscal como A grande lavanderia da América Latina, sobretudo dos cartéis de droga colombianos.
A despeito de tantas histórias noticiadas nos principais veículos de comunicação, o Uruguai tornou-se visado, sobretudo para a Receita Federal e para a Polícia Federal, e a sua reforma tributária nos permite elucidar este fato, pois com os olhares mais preconceituosos, sofre o Uruguai com uma maculada reputação de paraíso fiscal.
Bibliografia
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