Capa da publicação ADPF 1178: Dino trava efeitos da Lei Magnitsky no Brasil
Capa: Andressa Anholete/SCO/STF
Artigo Destaque dos editores

Jurisdição e soberania nacional em conflito: uma análise da decisão do STF na ADPF 1178

18/08/2025 às 22:44

Resumo:


  • A decisão monocrática proferida pelo ministro Flávio Dino, do STF, na ADPF 1178, suspendeu a eficácia interna de atos unilaterais estrangeiros, como sanções impostas no âmbito da Lei Magnitsky.

  • A decisão reforça a soberania nacional e protege o país de ingerências externas, mas gera questionamentos sobre a coerência e reciprocidade no Direito Internacional.

  • O STF projeta sua autoridade internacionalmente, mas nega a reciprocidade, o que pode tensionar o princípio da reciprocidade no Direito Internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STF pode impedir sanções da Lei Magnitsky no Brasil? Decisão do Ministro Flávio Dino na ADPF 1178 reforça soberania, mas expõe dilema na reciprocidade internacional.

Resumo: Este artigo analisa a decisão monocrática proferida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1178, que suspendeu a eficácia interna de atos unilaterais estrangeiros, como sanções impostas no âmbito da Lei Magnitsky. O estudo destaca os fundamentos jurídicos pautados no princípio da territorialidade e na garantia constitucional da soberania nacional, ao mesmo tempo em que aponta a assimetria entre a rejeição brasileira à jurisdição estrangeira e a própria atuação extraterritorial do STF em casos como a ADC 51 e o Inquérito das Fake News. O artigo ainda examina as consequências políticas, financeiras e geopolíticas da decisão, especialmente quanto à segurança jurídica, aos dilemas enfrentados por instituições financeiras e à credibilidade internacional do ordenamento brasileiro. Conclui-se que, embora a decisão reforce a soberania e proteja o país de ingerências externas, ela suscita questionamentos quanto à coerência e à reciprocidade no Direito Internacional.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. ADPF 1178. Soberania nacional. Lei estrangeira. Lei Magnitsky. Jurisdição internacional.

Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentação Técnica da Decisão. 3. A Contradição na Aplicação da Jurisdição. 4. Implicações e Reflexos da Decisão. 5. Conclusão.


1. Introdução

A decisão monocrática proferida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, na ADPF 1178, reacendeu o debate sobre os limites da jurisdição nacional diante da crescente prática de sanções unilaterais por potências estrangeiras. Ainda que não mencione de forma expressa a Lei Magnitsky norte-americana, seus fundamentos atingem diretamente hipóteses em que autoridades estrangeiras pretendam impor, no Brasil, bloqueios de ativos, restrições de transações financeiras ou outras medidas sancionatórias.

A ação foi proposta pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), questionando a prática de municípios que contrataram escritórios estrangeiros para ajuizar ações em cortes internacionais após os desastres de Mariana e Brumadinho. Segundo o relator, tais condutas violam o pacto federativo e a soberania nacional, já que municípios são autônomos, mas não soberanos.

A tese central deste artigo é que, embora a decisão fortaleça a soberania nacional, ela revela uma assimetria: ao mesmo tempo em que o STF repele a aplicação de leis estrangeiras no Brasil, ele próprio exerce jurisdição extraterritorial em determinados casos. Essa tensão entre defesa da soberania e prática jurisdicional internacional merece análise crítica e equilibrada.


2. Fundamentação Técnica da Decisão

O STF reafirmou que leis, decretos, ordens executivas e decisões judiciais estrangeiras não têm eficácia no Brasil sem homologação pelo STJ (CF, art. 105, I, “i”) ou previsão em tratado incorporado (CF, art. 49, I). O art. 17 da LINDB foi aplicado como cláusula de salvaguarda, impedindo atos que ofendam a soberania, a ordem pública ou os bons costumes

Destaque-se que a fundamentação ali contida é a de que Municípios que litigam em cortes estrangeiras extrapolam suas competências (CF, arts. 1º e 18). Dino destacou que são autônomos, mas não soberanos, e, portanto, não podem agir como sujeitos internacionais independentes.

A decisão estabeleceu fundamentos com efeito vinculante e erga omnes, blindando o ordenamento jurídico brasileiro contra ingerências externas em casos análogos.


3. A Contradição na Aplicação da Jurisdição

Segundo veículos de imprensa, o STF pode se tornar uma barreira institucional contra a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil, impedindo que sanções externas automáticas atinjam empresas ou cidadãos brasileiros.

Paradoxalmente, em julgados como a ADC 51 e o Inquérito das Fake News, a Corte impôs obrigações a empresas estrangeiras, ampliando sua jurisdição para além das fronteiras nacionais.

Essa prática evidencia uma dualidade: o STF projeta sua autoridade internacionalmente, mas nega a reciprocidade. Tal postura pode ser lida como um duplo padrão que tensiona o princípio da reciprocidade no Direito Internacional.


4. Implicações e Reflexos da Decisão

A decisão reafirma o Brasil como defensor de sua autonomia frente a mecanismos de caráter neocolonial e ao uso crescente de sanções unilaterais por potências estrangeiras.

Bloqueios de ativos e transações internacionais só poderão ocorrer com autorização expressa do STF, colocando instituições financeiras em dilema regulatório entre cumprir ordens externas ou respeitar a ordem jurídica brasileira.

Embora vise proteger a “segurança jurídica” em território pátrio, a ausência de parâmetros sancionatórios claros para casos de descumprimento pode gerar incerteza regulatória e insegurança para empresas multinacionais.

Apesar das críticas que apontam uma aparente assimetria, há fundamentos consistentes que legitimam a decisão. A assimetria pode ser compreendida não como contradição, mas como expressão natural da soberania, uma vez que a Constituição, em seu artigo 1º, inciso I, erige a soberania como fundamento da República, o que impede que o Brasil seja compelido a reconhecer automaticamente a eficácia de leis estrangeiras. Em contrapartida, é legítimo que o país exerça sua jurisdição dentro de seu território, ainda que isso alcance sujeitos estrangeiros que aqui atuem ou cujas atividades projetem efeitos no mercado interno.

De igual modo, a decisão se justifica como mecanismo de defesa contra práticas hegemônicas no plano internacional. O relator observou que, em tempos de fragilização de organismos multilaterais e de imposição unilateral de sanções por grandes potências, a aplicação automática de legislações estrangeiras configuraria uma forma de neocolonialismo jurídico. Assim, vedar a eficácia interna de tais atos não significa hostilidade ao direito internacional, mas sim reafirmação da necessidade de que restrições dessa natureza sejam adotadas por meio de tratados ou convenções multilaterais.

A postura do STF também encontra respaldo no princípio da igualdade soberana entre os Estados, consagrado no artigo 4º, inciso V, da Constituição, e na máxima clássica do direito internacional público segundo a qual par in parem non habet imperium. Em outras palavras, entre iguais não há espaço para imposição unilateral de autoridade. Nesse contexto, o Brasil não recusa a cooperação jurídica internacional — prevista no Código de Processo Civil e no papel do Superior Tribunal de Justiça na homologação de sentenças estrangeiras —, mas apenas exige que ela se dê nos marcos institucionais previstos em sua ordem constitucional.

Por fim, a decisão reafirma o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião da segurança jurídica interna. A exigência de que bloqueios de ativos, transferências financeiras ou outras medidas decorrentes de ordens externas dependam de autorização judicial cria um filtro institucional que protege cidadãos, empresas e entes subnacionais de se tornarem reféns de legislações estrangeiras aplicadas sem qualquer controle de constitucionalidade. Como destacou o ministro Flávio Dino, essa imunização é necessária para afastar graves ameaças à estabilidade jurídica e financeira do país.

Um ponto sensível da decisão refere-se às consequências da recusa em dar cumprimento a sanções unilaterais determinadas por autoridades estrangeiras. O caso concreto que motivou parte da controvérsia envolve a possibilidade de aplicação da chamada Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em virtude de críticas internacionais ao seu protagonismo no combate à desinformação.

No plano interno, a decisão da ADPF 1178 protege expressamente cidadãos e empresas brasileiras contra a execução automática de tais medidas. Nesse sentido, o não cumprimento imediato da sanção não constitui ilícito no Brasil; ao contrário, representa a estrita observância da ordem jurídica nacional, uma vez que o Supremo Tribunal Federal condicionou a eficácia de quaisquer bloqueios de ativos, restrições financeiras ou medidas correlatas à autorização prévia do Judiciário. Assim, instituições financeiras ou entes privados que se recusarem a aplicar a ordem estrangeira estarão agindo sob o amparo da decisão vinculante do STF, cuja força erga omnes imuniza-os de responsabilidades internas.

Já no plano internacional, a situação se torna mais complexa. Empresas e bancos que mantenham operações em jurisdições estrangeiras podem ser submetidos a sanções administrativas, multas ou mesmo exclusão de mercados caso deixem de cumprir as determinações externas. Isso cria um dilema regulatório: seguir a ordem do país estrangeiro e arriscar responsabilização no Brasil, ou cumprir a decisão brasileira e sofrer retaliações no exterior. Trata-se de um quadro clássico de conflito de jurisdições, em que a soberania nacional se choca com a capacidade sancionatória de potências estrangeiras.

Do ponto de vista geopolítico, a não execução imediata da sanção reforça a postura do Brasil de não aceitar subordinação a legislações unilaterais, reafirmando o princípio da igualdade soberana entre os Estados. Por outro lado, essa recusa pode agravar tensões diplomáticas e comerciais, sobretudo em setores financeiros globalizados e altamente dependentes de redes internacionais de compensação e crédito.

Em síntese, no território nacional a não execução da sanção constitui ato de conformidade com a Constituição e com a decisão do STF; fora dele, pode significar exposição a riscos econômicos, jurídicos e diplomáticos, o que demonstra a complexidade prática da decisão e os desafios futuros de sua aplicação.


5. Conclusão

A decisão na ADPF 1178 é um marco na defesa da soberania nacional. De um lado, protege o Brasil contra ingerências externas, impede que municípios atuem como sujeitos internacionais e resguarda o sistema financeiro de bloqueios automáticos. De outro, suscita críticas pela assimetria entre a rejeição de jurisdições estrangeiras e a própria atuação extraterritorial do STF.

O “outro lado da moeda”, porém, revela que essa assimetria pode ser entendida não como incoerência, mas como afirmação legítima da soberania, coerente com os princípios constitucionais e com a lógica do direito internacional público. O precedente, portanto, não apenas molda a relação do Brasil com legislações estrangeiras como a Lei Magnitsky, mas também projeta a Suprema Corte como guardiã da soberania e da segurança jurídica interna, mesmo em meio a tensões globais crescentes.

Todavia, há possibilidade de criação de um dilema regulatório: seguir a ordem do país estrangeiro e arriscar responsabilização no Brasil, ou cumprir a decisão brasileira e sofrer retaliações no exterior. Trata-se de um quadro clássico de conflito de jurisdições, em que a soberania nacional se choca com a capacidade sancionatória de potências estrangeiras.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Logo, no território nacional a não execução da sanção constitui ato de conformidade com a Constituição e com a decisão do STF; fora dele, pode significar exposição a riscos econômicos, jurídicos e diplomáticos, o que demonstra a complexidade prática da decisão e os desafios futuros de sua aplicação.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 ago. 2025.

BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB). Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 set. 1942. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 18 ago. 2025.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 18 ago. 2025.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 abr. 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 18 ago. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1178/DF. Rel. Min. Flávio Dino. Decisão monocrática de 18 ago. 2025. Brasília, DF: STF, 2025. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp?codigo=4600-4785-8952-3FD4. Acesso em: 18 ago. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 51/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno, julgado em 28 abr. 2023. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 28 abr. 2023. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/. Acesso em: 18 ago. 2025.

ENTENDA se STF pode barrar efeitos da Lei Magnitsky no Brasil. Migalhas, São Paulo, 18 ago. 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/437073/entenda-se-stf-pode-barrar-efeitos-da-lei-magnitsky-no-brasil. Acesso em: 18 ago. 2025


Abstract: This article analyzes the monocratic decision rendered by Justice Flávio Dino, of the Brazilian Supreme Court (STF), in the Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178, which suspended the domestic effectiveness of unilateral foreign acts, such as sanctions imposed under the Magnitsky Act. The study highlights the legal reasoning based on the principle of territoriality and the constitutional safeguard of national sovereignty, while also pointing out the asymmetry between Brazil’s rejection of foreign jurisdiction and the STF’s own extraterritorial assertions in cases such as the ADC 51 and the Fake News Inquiry. The article further examines the political, financial, and geopolitical consequences of the decision, especially regarding legal certainty, the dilemmas faced by financial institutions, and the international credibility of Brazil’s legal system. The findings indicate that, although the decision reinforces sovereignty and shields domestic institutions from external interference, it also raises concerns of consistency and reciprocity in international law.

Keywords: Brazilian Supreme Court. ADPF 1178. National sovereignty. Foreign law. Magnitsky Act. International jurisdiction.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif. Jurisdição e soberania nacional em conflito: uma análise da decisão do STF na ADPF 1178. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8083, 18 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115280. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos