Capa da publicação O fim do foro privilegiado em debate: restrições pelo STF
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O fim do foro privilegiado no Direito Constitucional brasileiro.

Fundamentos, crítica e perspectivas

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O foro privilegiado pode representar uma afronta à igualdade e ao juiz natural. Sua progressiva restrição pelo STF fortalece a responsabilização das autoridades?

Resumo: O foro por prerrogativa de função, tradicionalmente chamado de foro privilegiado, foi instituído para proteger a independência de autoridades públicas contra perseguições políticas. No entanto, a experiência brasileira demonstrou que sua aplicação ampla produziu efeitos contrários: morosidade, prescrição e sensação de impunidade. A doutrina majoritária critica o instituto por violar os princípios da igualdade, do juiz natural e do republicanismo, enquanto a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça passou a restringir sua incidência apenas a crimes cometidos no exercício e em razão da função. Este artigo analisa a evolução histórica, os fundamentos constitucionais, a produção doutrinária e os impactos práticos da restrição do foro. Conclui-se que sua manutenção ampla é incompatível com o Estado Democrático de Direito, devendo ser reduzida a limites estritos, como exceção funcional destinada apenas a resguardar a imparcialidade da jurisdição.

Palavras-chave: Foro privilegiado; prerrogativa de função; igualdade; juiz natural; princípio republicano; Supremo Tribunal Federal; responsabilização.


1. INTRODUÇÃO

A questão do foro por prerrogativa de função — usualmente denominado foro privilegiado — tem ocupado posição central no debate jurídico e político brasileiro das últimas décadas. Criado sob a justificativa de resguardar a independência e a imparcialidade do julgamento de determinadas autoridades, o instituto, todavia, passou a ser objeto de severas críticas por se converter, em grande medida, em obstáculo à efetividade da jurisdição penal, contribuindo para a morosidade processual e para a percepção social de impunidade.

A Constituição de 1988, embora tenha limitado o rol de autoridades beneficiadas com a prerrogativa de foro, manteve no ordenamento a previsão de julgamento originário por tribunais superiores, entre outros, para deputados federais, senadores e ministros de Estado. Ocorre que, em razão da crescente judicialização da política e do elevado número de autoridades com prerrogativa, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça passaram a se ver assoberbados por processos criminais cuja instrução complexa não se coaduna com a função precípua de cortes de cúpula, dedicada, respectivamente, à guarda da Constituição e à uniformização da interpretação da legislação federal.

Nesse contexto, a crítica doutrinária foi incisiva. José Afonso da Silva advertiu que o foro, em vez de resguardar a função, “acaba por se transformar em um obstáculo à justiça, criando desigualdades perante a lei”.1 Alexandre de Moraes acentuou que a manutenção ampla do instituto representa “um desvio dos princípios da igualdade e da moralidade”.2 Pedro Lenza reforçou que a restrição ao foro atende ao princípio republicano, na medida em que limita privilégios processuais incompatíveis com a democracia.3

A jurisprudência acompanhou essa virada. No julgamento da AP 937, o Supremo Tribunal Federal restringiu o foro aos crimes cometidos durante o mandato e em razão das funções desempenhadas, estabelecendo ainda que, após a intimação para alegações finais, a competência não poderia mais oscilar.4 Decisões posteriores, como as ADIs 6.502 e 6.504, reafirmaram a interpretação restritiva, declarando inconstitucionais normas estaduais que ampliavam hipóteses de foro especial.5 O Superior Tribunal de Justiça, em precedentes como a APn 857 e a APn 874, seguiu a mesma linha, limitando a prerrogativa a fatos praticados no exercício do cargo e em razão dele.6

O presente artigo parte desse cenário de transformação crítica para investigar os fundamentos constitucionais e processuais do foro por prerrogativa de função, a evolução de sua interpretação jurisprudencial, as principais contribuições doutrinárias e, sobretudo, os impactos práticos da sua restrição para a responsabilização dos agentes públicos, para o fortalecimento da primeira instância e para a despolitização dos tribunais superiores. A hipótese de trabalho é que o foro, em sua forma ampla, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito, devendo ser reduzido a limites funcionais estritos, sob pena de desvirtuar os princípios republicano, da igualdade e do juiz natural.


2. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

2.1. Origem e função do foro especial

A instituição do foro por prerrogativa de função remonta a um contexto histórico em que a proteção ao exercício de determinados cargos era entendida como condição de possibilidade para a própria estabilidade da ordem política. A ideia central consistia em submeter certas autoridades a julgamento por órgãos jurisdicionais superiores, a fim de evitar perseguições judiciais locais ou manipulações políticas que pudessem comprometer a independência funcional. Trata-se, pois, de uma construção que, no plano teórico, se apresentava menos como privilégio pessoal e mais como mecanismo de resguardo institucional.

Todavia, a trajetória desse instituto demonstra a progressiva transformação de uma prerrogativa funcional em verdadeira desigualdade processual. Com efeito, embora concebido para assegurar imparcialidade e isenção no julgamento de autoridades, o foro especial converteu-se, em muitos casos, em espaço de morosidade e de inefetividade da jurisdição penal, fomentando a percepção social de impunidade. José Afonso da Silva já advertia que, longe de servir à proteção das funções estatais, o foro privilegiado “acaba por se transformar em um obstáculo à justiça, criando desigualdades perante a lei”.7 Na mesma linha, Alexandre de Moraes ressalta que a manutenção do foro em larga escala significa um desvio dos princípios republicanos da igualdade e da moralidade.8

A jurisprudência dos tribunais superiores confirma essa tensão entre a função originária e os efeitos concretos do instituto. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4.430, afirmou a necessidade de interpretação restritiva do art. 102, I, “c”, da Constituição, reconhecendo que o foro por prerrogativa deve circunscrever-se apenas aos crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.9 O Superior Tribunal de Justiça, no HC 462.361, reafirmou a mesma diretriz, destacando que a perda do foro ocorre automaticamente com a vacância do cargo público.10

Assim, o foro especial apresenta-se, em sua origem, como garantia de independência e de imparcialidade; em sua prática atual, contudo, revela-se incompatível com os princípios republicanos da igualdade e da moralidade, o que explica a guinada hermenêutica dos tribunais na direção de sua restrição. A função que outrora justificava a sua existência tem sido progressivamente substituída por argumentos de eficiência, transparência e accountability, que clamam por sua revisão.

2.2. O foro e o princípio da igualdade (art. 5º, “caput”, CF/88)

O foro por prerrogativa de função confronta-se, de modo inevitável, com o princípio constitucional da igualdade. A Constituição, ao estabelecer em seu art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, consagrou a isonomia como fundamento normativo da República, exigindo tratamento jurídico uniforme a todos os cidadãos. A exceção criada pelo foro especial introduz, portanto, um regime de julgamento diferenciado que, se por um lado busca proteger o exercício de cargos públicos, por outro rompe a homogeneidade do sistema jurisdicional.

A doutrina tem apontado esse descompasso como fator de corrosão da legitimidade do instituto. Pedro Lenza sustenta que a restrição ao foro privilegiado adequa-se ao sistema republicano, pois limita privilégios processuais incompatíveis com a democracia.11 Nessa mesma perspectiva, Guilherme de Souza Nucci critica o caráter excepcional do foro, lembrando que, se todos são iguais perante a lei, somente razões muito relevantes poderiam afastar o réu de seu juiz natural.12 Mais enfático, José Afonso da Silva descreve o foro privilegiado como uma exceção histórica à igualdade, que desfigura o próprio sentido do princípio.13

A jurisprudência dos tribunais superiores também tem caminhado nesse sentido. No julgamento da AP 937, o Supremo Tribunal Federal restringiu a prerrogativa apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e em razão das funções desempenhadas, reconhecendo que a ampliação do foro afrontaria diretamente o princípio da igualdade.14 Na mesma linha, o STJ, em diversos precedentes, seguiu a orientação do Supremo, reduzindo a abrangência do foro e reafirmando que ele não pode ser interpretado como privilégio pessoal, mas apenas como garantia funcional.15

Assim, ao confrontar-se com o princípio da igualdade, o foro privilegiado revela sua face paradoxal: concebido como mecanismo de equilíbrio institucional, converte-se em vetor de desigualdade, porquanto confere a determinadas autoridades uma posição processual diferenciada e, na prática, mais favorável. O resultado é a inversão do mandamento republicano, produzindo um efeito similar ao denunciado por Orwell em sua sátira política: todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

2.3. O foro e o princípio republicano e do juiz natural

A Constituição de 1988 não apenas erigiu a igualdade como valor fundamental, mas também reafirmou, em seu art. 1º, o princípio republicano, que exige a responsabilização de todos os agentes públicos e a rejeição de privilégios pessoais incompatíveis com a democracia. A prerrogativa de foro, quando interpretada em chave ampla, revela-se tensionada com esse princípio, pois desloca o julgamento de autoridades para instâncias excepcionais, criando uma espécie de blindagem institucional que contraria o ideal republicano de sujeição universal às mesmas regras de responsabilização.

A essa crítica soma-se a violação ao princípio do juiz natural, consagrado no art. 5º, LIII, da Constituição, que assegura a todos o direito de não serem processados senão pela autoridade competente previamente estabelecida. O foro especial, ao retirar do cidadão comum o juiz que julgaria casos semelhantes, cria uma ruptura com a ordem natural de competências. Guilherme Nucci observa que, se todos são iguais perante a lei, somente razões excepcionalíssimas poderiam justificar afastar o réu de seu juiz natural.16

O Supremo Tribunal Federal, em precedentes paradigmáticos, reconheceu a excepcionalidade dessa prerrogativa. Na ADI 6.502, rel. Min. Roberto Barroso, assentou-se a inconstitucionalidade de normas estaduais que ampliavam hipóteses de foro especial, sob o fundamento de que a Constituição da República esgotou o rol de autoridades beneficiadas e que qualquer ampliação violaria o pacto republicano e a garantia do juiz natural.17 Em linha semelhante, a ADI 6.504, rel. Min. Rosa Weber, reforçou que a extensão do foro é incompatível com a simetria constitucional, devendo ser interpretada restritivamente.18

O Superior Tribunal de Justiça também enfrentou a questão ao decidir, em questão de ordem na APn 857, que o foro de governadores e conselheiros de tribunais de contas deve restringir-se a fatos praticados no exercício e em razão do cargo. O voto prevalente, de Min. João Otávio de Noronha, destacou que o foro por prerrogativa de função constitui exceção ao princípio republicano e ao juiz natural, devendo ser reduzido a limites estritos.19

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Nesse quadro, a manutenção do foro amplo e difuso aparece como incompatível tanto com o princípio republicano quanto com o direito fundamental ao juiz natural. Ao privilegiar a forma sobre a substância, cria-se um paradoxo: aquilo que deveria assegurar a imparcialidade converte-se em obstáculo à própria legitimidade democrática. A hermenêutica restritiva consagrada pela jurisprudência busca corrigir esse descompasso, restabelecendo a supremacia dos princípios constitucionais estruturantes sobre práticas históricas que já não encontram justificação no Estado Democrático de Direito.


3. JURISPRUDÊNCIA SOBRE A RESTRIÇÃO E O FIM DO FORO PRIVILEGIADO

3.1. Supremo Tribunal Federal: da AP 937 à consolidação de 2025

A virada jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em torno do foro por prerrogativa de função consolidou-se a partir da Questão de Ordem na Ação Penal 937, julgada em 3 de maio de 2018. Nesse precedente paradigmático, o Tribunal reconheceu que a extensão ilimitada do foro contrariava os princípios da igualdade, do juiz natural e do republicanismo, fixando duas teses centrais:

  1. a prerrogativa aplica-se apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e

  2. após a intimação para apresentação das alegações finais, a competência não pode mais oscilar em razão de o agente assumir ou deixar o cargo.20

Essa decisão representou não apenas a restrição do instituto, mas um verdadeiro redesenho constitucional. Ao limitar o alcance do foro, o STF afirmou que a exceção não poderia converter-se em regra, sob pena de distorcer a função das cortes superiores, transformando-as em instâncias criminais de primeira ordem. A ratio decidendi da AP 937 foi estendida a outras hipóteses, como se verificou em inquéritos e reclamações constitucionais subsequentes, consolidando-se como novo paradigma hermenêutico.21

Contudo, a evolução não cessou em 2018. Em 2025, o Plenário do STF, por maioria de sete votos a quatro, decidiu que, mesmo após o término do mandato, os crimes praticados no exercício do cargo e em razão da função continuariam submetidos à competência originária da Corte.22 O fundamento invocado pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, foi o de que a supressão imediata do foro com a cessação do mandato geraria “flutuações de competência” e instabilidade processual, comprometendo a segurança jurídica. A tese firmada foi a da manutenção do foro pós-mandato, desde que o fato tivesse ocorrido durante o exercício da função.

Esse novo entendimento, ainda que aparentemente tensione a linha restritiva inaugurada pela AP 937, revela a tentativa do Supremo de equilibrar dois valores constitucionais em conflito: de um lado, a necessidade de restringir privilégios incompatíveis com a igualdade; de outro, a garantia de estabilidade processual e a proteção contra manipulações políticas de competência. A consolidação de 2025, portanto, não representa um retrocesso, mas uma modulação pragmática: restringe-se o foro a crimes funcionais, mas preserva-se a competência da Corte mesmo após o término do mandato, evitando deslocamentos artificiais de jurisdição.

Esse percurso hermenêutico evidencia a capacidade do Supremo de reinterpretar a Constituição à luz das exigências do tempo. Se em 2018 a prioridade era reduzir o foro para conter abusos, em 2025 a preocupação deslocou-se para a preservação da estabilidade da jurisdição e da coerência do sistema. O denominador comum, contudo, permanece o mesmo: reafirmar que o foro é exceção e não privilégio, devendo ser compreendido como garantia funcional e não como blindagem pessoal.

3.2. Superior Tribunal de Justiça e a aplicação restritiva

O Superior Tribunal de Justiça desempenhou papel essencial na consolidação da hermenêutica restritiva acerca do foro por prerrogativa de função. Se ao Supremo Tribunal Federal coube inaugurar a virada paradigmática com a AP 937, ao STJ coube aplicá-la no âmbito de sua competência originária — notadamente no julgamento de governadores, desembargadores e membros de tribunais de contas — delimitando o instituto e afastando qualquer leitura que pudesse transformá-lo em privilégio pessoal.

Logo após a decisão do STF, a Corte Especial do STJ, ao apreciar questão de ordem na APn 857, restringiu o foro de governadores e conselheiros de tribunais de contas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e em razão deste.23 O voto prevalente do Ministro João Otávio de Noronha deixou claro que a prerrogativa não poderia servir como blindagem, mas como exceção funcional justificada apenas para garantir a independência institucional. Essa decisão representou a primeira aplicação explícita da ratio decidendi da AP 937 no âmbito do STJ.

Posteriormente, em 2019, na questão de ordem suscitada na APn 874, a relatora, Ministra Nancy Andrighi, reafirmou a exigência de contemporaneidade e pertinência funcional entre os fatos imputados e o cargo ocupado, remetendo o processo contra um ex-governador à primeira instância.24 Argumentou-se que admitir a prorrogação do foro após sucessivos mandatos ou hiatos de exercício equivaleria a reconhecer um privilégio pessoal, incompatível com o princípio republicano.

Não obstante, a Corte também reconheceu hipóteses em que a manutenção do foro seria necessária para proteger a imparcialidade da jurisdição. Na questão de ordem da APn 878, relatada pelo Ministro Benedito Gonçalves, o STJ decidiu que desembargadores, mesmo quando acusados de crimes não relacionados às suas funções, deveriam ser julgados pela Corte, a fim de evitar que juízes de primeiro grau vinculados ao mesmo tribunal fossem compelidos a julgar seus superiores.25 Nesse caso, a prerrogativa foi interpretada não como privilégio, mas como salvaguarda da própria independência do Poder Judiciário.

Esses precedentes revelam que o STJ assumiu uma postura de equilíbrio: de um lado, seguiu a linha restritiva do STF, limitando o foro a hipóteses estritamente funcionais; de outro, admitiu sua manutenção excepcional em casos em que a imparcialidade do julgamento pudesse ser afetada. A leitura adotada pela Corte confirma a tese de que o foro, no modelo atual, é exceção de interpretação estrita, nunca uma prerrogativa ampla e genérica.

3.3. Tribunais estaduais e a recepção das diretrizes do STF

A inflexão jurisprudencial operada pelo Supremo Tribunal Federal na AP 937 e reiterada em julgados posteriores não permaneceu circunscrita ao âmbito das cortes superiores. Os tribunais de justiça estaduais passaram a recepcionar e aplicar as diretrizes fixadas pelo STF, reproduzindo, em suas decisões, a lógica da restrição do foro por prerrogativa de função às hipóteses estritamente funcionais. Esse movimento revela não apenas a força vinculante da ratio decidendi do Supremo, mas também a disseminação de uma nova cultura constitucional, orientada pela supremacia do princípio republicano e do juiz natural.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por exemplo, em maio de 2018, aplicou a tese da AP 937 para determinar que ação penal envolvendo a deputada distrital Telma Rufino fosse remetida à 8ª Vara Criminal de Brasília, reconhecendo que o foro não poderia subsistir para fatos sem relação com o cargo.26 Em decisão unânime, o Conselho Especial explicitou que a manutenção da competência originária violaria o princípio da igualdade e perpetuaria privilégios processuais incompatíveis com o regime republicano.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, ao julgar conflito de jurisdição em 2019, reconheceu que normas estaduais não poderiam criar hipóteses ampliadas de foro, pois a Constituição Federal esgotou a matéria.27 A decisão reafirmou o entendimento do STF de que a prerrogativa de foro é exceção e, como tal, deve ser interpretada restritivamente.

Em julgados recentes, tribunais como o TJSP e o TJMG também têm adotado essa linha, remetendo processos de prefeitos e ex-parlamentares à primeira instância quando não se comprova a conexão funcional entre os fatos e o exercício do cargo.28 Esse alinhamento evidencia a difusão da tese restritiva e a assimilação do entendimento do STF como parâmetro de controle da constitucionalidade das competências originárias previstas em constituições estaduais e leis orgânicas municipais.

Essa recepção uniforme demonstra que a restrição do foro privilegiado não constitui apenas um movimento hermenêutico do STF, mas um fenômeno de alcance sistêmico, que fortalece a coerência federativa e reafirma que, no Brasil, a exceção não pode converter-se em regra. A jurisprudência dos tribunais estaduais, ao ecoar a orientação do Supremo, contribui para sedimentar um novo modelo de interpretação constitucional, no qual o foro por prerrogativa de função é limitado, residual e funcional — nunca um privilégio pessoal.

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Sobre o autor
Paulo Vitor Faria da Encarnação

Advogado. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Sócio do escritório Santos Faria Sociedade de Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ENCARNAÇÃO, Paulo Vitor Faria. O fim do foro privilegiado no Direito Constitucional brasileiro.: Fundamentos, crítica e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8084, 19 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115292. Acesso em: 5 dez. 2025.

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