Capa da publicação Lei 15.190/2025: o que mudou no licenciamento ambiental?
Capa: Rogério Cassimiro/MMA
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Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021).

Uma análise crítica de suas discussões, vetos e transformação em Lei Federal (Lei 15.190/2025)

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Resumo:


  • O licenciamento ambiental no Brasil é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentado pela Lei nº 6.938/1981, com o objetivo de conciliar desenvolvimento econômico e proteção ambiental.

  • O Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como "PL da Devastação", propõe alterações no licenciamento ambiental, gerando debates sobre possíveis impactos negativos, como a flexibilização excessiva das exigências legais e a fragmentação normativa federativa.

  • O debate em torno do PL 2159/2021 destaca a importância de encontrar um equilíbrio entre a simplificação administrativa e a garantia da proteção ambiental, considerando critérios técnicos sólidos, princípios constitucionais e participação social para um desenvolvimento sustentável.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O "PL da Devastação" tornou-se a Lei 15.190/2025 com 63 vetos, afetando licenciamento ambiental e competências federativas. Houve retrocesso ou ajuste aos princípios da prevenção e proporcionalidade?

1. Considerações iniciais

O licenciamento ambiental no Brasil é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente instituído pela Lei nº 6.938/1981, que visa conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental. No entanto, ao longo das décadas, o processo tem sido alvo de debates e críticas, tanto pela sua complexidade e morosidade quanto pela sua eficácia na prevenção de danos ambientais. 2

Nesse contexto, o Projeto de Lei 2159/2021, que propõe normas gerais, muitas das quais, já praticadas por vários entes federativos subnacionais, para o licenciamento ambiental, emergiu como um dos temas mais controversos e discutidos no cenário político e jurídico brasileiro. Conhecido por seus críticos como o "PL da Devastação", a proposta tem gerado intensos debates sobre seus potenciais impactos na legislação ambiental e na proteção dos ecossistemas brasileiros. Este artigo busca analisar criticamente o PL 2159/2021, desmistificando o apelido pejorativo e oferecendo uma abordagem técnica e jurídica sobre suas principais disposições, com base em referências e decisões judiciais relevantes.

1.1. Análise preliminar: uma visão atual do licenciamento ambiental na prática

Conforme exposto, o licenciamento ambiental foi estabelecido como ferramenta de aprovação e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Desde então, a dinâmica e finalidade esse instrumento passou por diversas releituras, culminando atualmente num processo extremamente complexo e multifacetado, e que, frequentemente, extrapola a análise da viabilidade ambiental do empreendimento.

Percebe-se em muitas regiões - especialmente em localidades/municípios mais carentes - a omissão do poder público no cumprimento do dever político constitucional de garantir condições de subsistência. Consequência dessa carência institucional é o afã para que muitas das necessidades básicas sejam atendidas pelo licenciamento ambiental, equiparando-o a instrumentos de políticas públicas que deveriam ser desenvolvidas pelos governos locais e/ou regionais.

Em função do seu perfil multidisciplinar, o licenciamento ambiental é regulamentado por uma profusão de normas legais, infralegais e inferiores que, juntas, formam uma complexa rede regulatória composta por leis, decretos, portarias, instruções normativas e resoluções, sem falar nas normas específicas de cada estado, o que aumenta a complexidade e variabilidade do processo.

Além do emaranhado de normas regulamentadoras, tem-se, no âmbito da tramitação do processo de licenciamento ambiental, um significativo número de atores participantes do processo de licenciamento ambiental, tais como:

  • Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA;

  • Fundação Nacional do Índio (FUNAI);

  • Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), além dos órgãos estaduais e municipais respectivos;

  • Fundação Cultural Palmares (FCP);

  • Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio);

  • Defesa Civil, Corpo de Bombeiros.

Estas instituições são denominadas órgãos intervenientes, cuja manifestação sobre o empreendimento é esperada.

Além dos órgãos intervenientes, também participam do processo de licenciamento ambiental os estados e as prefeituras dos municípios abrangidos pelo empreendimento. As prefeituras emitem certidões informando que a implantação e operação do projeto em análise não conflita com as leis municipais de uso, parcelamento e ocupação do solo.

E, por fim, destaca-se o papel do Ministério Público (MP), que possui a prerrogativa de acionar o Poder Judiciário por meio de ações civis públicas (ACPs) nas situações em que se entende que haja dissonância do processo administrativo com a legislação vigente. Tais ações podem acarretar a paralisação do licenciamento ambiental e, em última instância, até mesmo a suspensão de efeitos de licenças ambientais já concedidas.

Além de tratar-se de um processo complexo, observam-se carências na sua condução, como a falta de estrutura e recursos humanos dos órgãos licenciadores; imprevisibilidade quanto aos prazos para a manifestação da viabilidade do empreendimento em análise; má qualidade dos estudos submetidos ao órgão ambiental, pois frequentemente geram questionamentos e pedido de complementação; elevada carga de demandas de cunho socioeconômico (pouco ou nada relacionadas aos impactos atribuídos aos empreendimentos); responsabilização dos profissionais dos órgãos licenciadores; judicialização dos processos de licenciamento ambiental etc.

1.2. O "PL da Devastação": Análise Crítica de um Apelido

A denominação "PL da Devastação" atribuída ao Projeto de Lei nº 2.159/2021 reflete a manifesta apreensão de segmentos da sociedade civil organizada, da comunidade científica e de juristas quanto aos potenciais efeitos deletérios da proposta legislativa sobre o regime jurídico de proteção ambiental vigente no Brasil. As críticas concentram-se, em especial, em dispositivos que configurariam um retrocesso normativo, ao ensejarem a flexibilização excessiva das exigências legais associadas ao licenciamento ambiental, fragilizando, por conseguinte, os mecanismos de controle e prevenção de danos ambientais.

Não obstante, impõe-se que tais preocupações sejam examinadas sob uma perspectiva técnico-jurídica fundamentada, capaz de superar os discursos polarizados e assegurar uma análise crítica e qualificada do conteúdo normativo proposto.

As principais razões que motivaram a atribuição da denominação “PL da Devastação” ao Projeto de Lei nº 2.159/2021 e que sustentam as críticas ao seu conteúdo normativo concentram-se em aspectos considerados estruturais para o sistema de licenciamento ambiental brasileiro. Entre os pontos mais controversos, destacam-se:

  • Dispensa de licenciamento ambiental: o projeto prevê a exclusão de algumas atividades do escopo do licenciamento, incluindo determinadas práticas agropecuárias e obras de infraestrutura. Tal previsão tem sido objeto de severas críticas por parte de especialistas, que alertam para o risco de implantação de empreendimentos com significativo potencial de impacto sem a devida análise técnica e controle prévio, o que comprometeria os princípios da prevenção e da precaução ambiental 1.

  • Ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC): originalmente concebida para atividades de baixo impacto, a LAC é uma modalidade de autodeclaração que dispensa análise prévia pelo órgão ambiental. O PL propõe sua ampliação para atividades de médio potencial poluidor, o que, segundo estudiosos e entidades da área ambiental, representa um risco à efetividade do licenciamento, uma vez que pode conduzir à aprovação automática de empreendimentos sem garantia de controle e mitigação dos impactos ambientais [2, 4].

  • Criação da Licença Ambiental Especial (LAE): voltada a empreendimentos estratégicos, essa nova modalidade prevê prazos reduzidos e a dispensa de estudos de impacto ambiental aprofundados. Tal flexibilização tem sido apontada como uma ameaça à proteção ambiental, sobretudo em projetos de grande porte, por eventualmente possibilitar a execução de obras sem a devida compreensão de seus efeitos socioambientais cumulativos e sinérgicos 4.

  • Fragmentação normativa federativa: ao permitir que estados e municípios estabeleçam suas próprias tipologias de licenciamento, o projeto tenderia a fomentar uma fragmentação normativa e uma “corrida regulatória descendente”, em que entes subnacionais poderiam flexibilizar exigências ambientais com o intuito de atrair investimentos, comprometendo a uniformidade e a efetividade da proteção ambiental no território nacional 4.

  • Enfraquecimento institucional e da participação social: o projeto também tem sido criticado por teoricamente reduzir o protagonismo dos órgãos ambientais e enfraquecer os mecanismos de controle social, ao limitar a participação pública nos processos decisórios e reduzir as exigências de transparência e consulta 4.

Importa observar que, embora tais críticas tenham respaldo em avaliações técnico-jurídicas amplamente difundidas, os defensores do PL nº 2.159/2021 sustentam que a proposta visa à modernização e racionalização do licenciamento ambiental, com o objetivo de conferir maior celeridade, previsibilidade e segurança jurídica aos empreendedores. Argumenta-se, ainda, que o modelo atualmente vigente é excessivamente moroso e burocrático, dificultando o desenvolvimento de setores estratégicos da economia nacional 3.


2. Abordagem Técnica e Jurídica do PL 2159/2021

Para compreender o PL 2159/2021, é essencial analisar seus aspectos técnicos e jurídicos, considerando o arcabouço legal e a jurisprudência brasileira. O projeto busca estabelecer normas gerais para o licenciamento ambiental em nível nacional, algo que, até então, era regulado principalmente por resoluções do CONAMA e leis estaduais e municipais. A ausência de uma lei geral abrangente tem sido apontada como uma das causas da insegurança jurídica e da morosidade do processo 3.

2.1. Competências Ambientais e o Federalismo Brasileiro

Um dos pontos centrais do debate sobre o licenciamento ambiental no Brasil reside na complexidade das competências ambientais entre os entes federativos (União, estados e municípios). A Constituição Federal de 1988 atribui competências legislativas e administrativas concorrentes em matéria ambiental, o que significa que todos os entes podem legislar e atuar na proteção do meio ambiente 5. No entanto, essa repartição de competências, muitas vezes, gera conflitos e sobreposições, contribuindo para a insegurança jurídica 5.

A Lei Complementar 140/2011 buscou harmonizar a atuação administrativa, estabelecendo o princípio da subsidiariedade, que preconiza a descentralização das decisões para o nível político mais próximo dos fatos 5. O PL 2159/2021, ao propor que as tipologias de licenciamento sejam estabelecidas pelos entes subnacionais, busca, em tese, respeitar essa autonomia federativa. Contudo, críticos argumentam que essa abordagem pode levar à falta de uniformidade e à flexibilização excessiva das normas em diferentes regiões do país 4.

2.2. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Jurisprudência do STF

A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) é um dos instrumentos mais controversos previstos no Projeto de Lei nº 2.159/2021. Originalmente implementada no estado da Bahia em 2011, a LAC foi concebida para aplicação em atividades de baixa complexidade e impacto ambiental, cujos efeitos são amplamente conhecidos e cujas medidas de controle podem ser padronizadas 2. Trata-se de um mecanismo de desburocratização do licenciamento, que visa racionalizar a atuação do poder público, permitindo que os órgãos ambientais concentrem esforços em empreendimentos de maior complexidade e potencial poluidor 2.

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A constitucionalidade da LAC já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tem reconhecido sua legitimidade quando aplicada a atividades de baixo impacto ambiental, desde que resguardados os princípios da prevenção e da precaução. No entanto, a Corte tem sido cautelosa e restritiva quanto à aplicação de procedimentos simplificados ou autodeclaratórios em casos de médio ou alto impacto. Decisões paradigmáticas, como as proferidas nas ADIs 6.808/DF e 6.618/RS, reiteram que o licenciamento ambiental é um instrumento essencial de tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado, não podendo ser flexibilizado de forma a comprometer sua função preventiva [4, 6].

Diante disso, a proposta de ampliação da LAC para atividades de médio potencial poluidor, conforme previsto no art. 8º do PL nº 2.159/2021, tem sido alvo de críticas fundadas na jurisprudência constitucional, por gerar insegurança jurídica quanto à legalidade do procedimento 4.

Todavia, é necessário reconhecer que o próprio texto do projeto de lei prevê importantes salvaguardas ambientais para os casos de aplicação da LAC em empreendimentos pecuários de médio porte. O § 5º do art. 8º condiciona essa possibilidade ao cumprimento das exigências estabelecidas nos §§ 1º a 3º do mesmo artigo, os quais impõem limites e requisitos vinculados à regularidade fundiária e ambiental das propriedades rurais, como a inscrição homologada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou a formalização de termo de compromisso com o órgão competente. Além disso, o texto legal deixa claro que o uso da LAC não afasta a atuação fiscalizatória dos órgãos ambientais, nem exime o empreendedor do cumprimento das obrigações legais relativas à supressão de vegetação nativa, ao uso de recursos hídricos ou à conservação do solo e da biodiversidade.

É importante ressaltar, inclusive, que sempre que a normativa propõe uma alternativa mais célere e desburocratizada, ela também estabelece mecanismos de salvaguarda, cuja finalidade é impedir que a simplificação administrativa resulte em desproteção ambiental. Tais salvaguardas evidenciam que, embora o modelo proposto busque conferir maior eficiência ao processo de licenciamento, subsistem limites normativos bem definidos voltados à preservação dos controles ambientais essenciais.

Portanto, a discussão jurídica sobre a LAC no contexto do PL nº 2.159/2021 exige análise equilibrada, que considere, de um lado, a jurisprudência consolidada do STF quanto aos limites da simplificação procedimental, e, de outro, a existência de dispositivos legais que visam mitigar riscos ambientais e assegurar o cumprimento dos deveres constitucionais de proteção ao meio ambiente.

2.3. Outros Pontos Críticos e a Necessidade de Equilíbrio

Além da LAC, outros pontos do PL 2159/2021 merecem atenção. A dispensa de licenciamento para certas atividades agropecuárias e obras de infraestrutura, por exemplo, é vista como um risco, pois pode permitir a implantação de projetos sem a devida avaliação de seus impactos cumulativos e sinérgicos. A falta de critérios claros para avaliações de impacto ambiental e a ausência de dispositivos que abordem as mudanças climáticas e as avaliações ambientais estratégicas também são preocupações 4.

O projeto também é criticado por não impedir a prática de fragmentar empreendimentos para driblar licenciamentos mais complexos, o que pode levar a uma subavaliação dos impactos reais de grandes projetos 4. A Emenda 15, inserida pelo Senado, que introduz dispositivos que poderiam vir a enfraquecer o controle prévio em áreas ecologicamente sensíveis, também gera apreensão 4.

O desafio do PL 2159/2021, e de qualquer reforma no licenciamento ambiental, é encontrar um equilíbrio entre a simplificação administrativa e os deveres de proteção, prevenção e participação democrática que fundamentam o regime jurídico ambiental no Brasil. A busca por maior eficiência não pode comprometer a efetividade da proteção ambiental, nem desconsiderar os direitos das comunidades afetadas e a necessidade de um controle social robusto.


3. Os principais vetos Presidenciais ao PL 2159 com a publicação da Lei Federal 15.190/2025

Resultado de mais de duas décadas de discussão técnica, audiências públicas, contribuições de órgãos ambientais, entidades da sociedade civil e representantes de diversos setores, o texto do Projeto de Lei 2159/2021 era considerado por muitos tecnicamente consistente e sintonizado com os desafios do desenvolvimento sustentável no século XXI.

Por sua vez, publicada em 08 de agosto de 2025, a Lei Federal n.º 15.190 “dispõe sobre o licenciamento ambiental; regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225. da Constituição Federal; altera as Leis n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais), 9.985, de 18 de julho de 2000, e 6.938, de 31 de agosto de 1981; revoga dispositivos das Leis n.º 7.661, de 16 de maio de 1988, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; e dá outras providências é fruto de 63 (sessenta e três) vetos pelo Presidente da República. Entre as principais questões abordadas pelos vetos, abordaremos três centrais, a saber:

3.1. Descentralização e autonomia dos entes federativos

Vetos Presidenciais:

  • Incisos XXXV e XXXVI do caput do art. 3º do Projeto de Lei: atribui a cada ente federativo a definição do porte da atividade e do potencial poluidor.

  • § 1º do art. 18. do Projeto de Lei: atribui a definição dos procedimentos e modalidades de licenciamento às autoridades licenciadoras.

Análise crítica: No sistema federativo, a autonomia dos entes políticos pressupõe uma adequada partilha de competências para o exercício de funções legiferantes e administrativas, o que se faz sem qualquer vinculação hierárquica, através da reserva de poderes às pessoas jurídicas de direito público interno. Essa repartição de competências em matéria ambiental abrange não apenas o poder de legislar, mas também de regulamentar, executar e especialmente aplicar a legislação, com vistas à função primordial de proteger o meio ambiente, conforme determina a Constituição Federal de 1988. Essa função deve ser exercida por órgãos específicos do poder público municipal, estadual e federal, de forma coordenada e eficaz.

Em verdade, a Lei Complementar 140/2011, que “fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas` referentes à proteção da qualidade do meio ambiente” consagrou o princípio da subsidiariedade, que determina a descentralização, estabelecendo que as decisões serão tomadas ao nível político mais baixo possível, isto é, por aqueles que estão o mais próximo possível, das decisões que são definidas, efetuadas e executadas. Busca-se, assim, o fortalecimento do poder local em matéria ambiental. A existência de várias esferas de poder com competências e atribuições compartilhadas faz com que sua compatibilização seja uma tarefa submetida a constantes conflitos entre os diferentes entes políticos que coexistem em uma federação.

Por tudo isso, é forçoso o entendimento de que, em um país de dimensões continentais, enorme diversidade biológica e social, é fundamental reconhecer sua legitimidade e dotar os municípios e estados de condições para o exercício pleno de suas competências em matéria ambiental. Entende-se que esta estruturação e legitimidade deve ser conferida não apenas ao Poder Público regional e local, como também deve-se buscar dotar os representantes da Sociedade Civil de informações e instrumentos para o exercício dessa gestão compartilhada.

Na realidade, serão as peculiaridades e costumes locais, as novas técnicas e tecnologias adotadas e os interesses de cada comunidade — expressos legitimamente através de leis, discussões e aprovações em colegiados, com respeito estrito às normas federais de caráter geral — que determinarão os parâmetros e padrões ambientais de cada região e sua evolução ao longo do tempo. Dessa forma, tanto a esfera federal como as esferas estaduais e municipais podem desenvolver instrumentos que atendam às questões locais para a realização da gestão ambiental.

Neste sentido, entende-se que a legislação publicada com o veto presidencial vai na contramão fortalecimento do poder local em matéria ambiental, ou seja, vai de encontro às ações que conferem autonomia e responsabilidades aos municípios para a gestão de questões ambientais, além da participação mais efetiva da sociedade civil na formulação e implementação de políticas ambientais locais. Decisões mais próximas à realidade local permitem que as políticas ambientais sejam adaptadas às características e necessidades específicas de cada município, levando em conta seus problemas e potencialidades. Já a participação da sociedade civil na gestão ambiental local promove a conscientização, a responsabilização e a construção de soluções mais democráticas.

3.2. Licenciamentos simplificados / especiais - empreendimentos de baixo potencial poluidor / atividades de infraestrutura e saneamento básico

Vetos Presidenciais:

  • § 1º, § 2º, § 3º, § 4º e § 5º do art. 10. do Projeto de Lei: procedimentos específicos para obras básicas de infraestrutura e saneamento básico

  • Art. 11. do Projeto de Lei: procedimentos específicos para obras básicas de infraestrutura e saneamento básico

Análise crítica: importante destacar preliminarmente que as licenças consideradas simplificadas não implicam em flexibilização legal ou dispensa de metas ou padrões ambientais. Trata-se de um processo aplicável a empreendimentos de baixo impacto com o mesmo objetivo de uma licença trifásica: levantar os impactos potenciais e implementar as medidas de controle e de mitigação necessárias para o alcance dos padrões ambientais legalmente vigentes. Neste contexto, empreendimentos maiores, que compreendem mais de uma atividade, demandarão um processo mais complexo e, em contrapartida, aqueles mais simples deverão seguir por um procedimento mais simplificado.

A classificação do grau de impacto das atividades é feita de forma, preliminar, em legislação própria que considere as especificidades de cada região e localidade. Em alguns Estados – como em Minas Gerais – esta classificação é discutida e aprovada por um colegiado paritário entre representantes do Poder Público e da Sociedade Civil, conferindo maior legitimidade, segurança jurídica e aplicabilidade da normatização. Em toda e qualquer situação, todos limites, metas e padrões estabelecidos devem ser observados e respeitados. Logo, entende-se que não deve haver vedação da utilização de processos simplificados sob o argumento de que eles serão utilizados para aprovação de atividades de grande impacto, uma vez que a norma é clara ao determinar as situações nas quais eles se aplicam.

Na mesma linha, é premente a necessidade de melhorar a infraestrutura do País para atrair mais investimentos e garantir o crescimento econômico de forma consistente. Inobstante isso, não há uma diretriz legal que determine a prioridade de análise dos processos de licenciamento prioritários desta natureza. Por estas razões, entende-se que deva ser criado um regime especial para o licenciamento das atividades básicas de infraestrutura que seja prioritário, mais ágil e simples, sem perder de vista a qualidade dos estudos apresentados e das análises a serem feitas.

3.3. Previsão de proporcionalidade entre as condicionantes ambientais e medidas compensatórias impostas pelo licenciamento ambiental com os potenciais impactos do empreendimento

Vetos Presidenciais:

  • § 1º, § 2º e § 5º do art. 14. do Projeto de Lei: proporcionalidade entre medidas de controle / impactos ambientais

Análise crítica: Embora o licenciamento ambiental seja o instrumento mais conhecido e debatido da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), a Lei nº 6.938/1981 prevê uma série de outros mecanismos igualmente importantes para a gestão e proteção ambiental, que muitas vezes são subutilizados ou pouco trabalhados. Dentre eles, destacam-se o zoneamento ambiental e a avaliação de impactos ambientais (AIA), que vai além do licenciamento de projetos específicos.

Um licenciamento eficaz depende de um zoneamento bem definido que oriente a ocupação do território, e ambos se beneficiam de uma avaliação ambiental estratégica que antecipe e previna impactos em um nível mais amplo. A fragilidade de um desses pilares compromete a eficácia dos demais e, consequentemente, a proteção ambiental como um todo. A pouca atenção e o subdesenvolvimento desses outros instrumentos da PNMA podem ser atribuídos a diversos fatores, incluindo a complexidade técnica, a falta de recursos humanos e financeiros nos órgãos ambientais, a pressão por desenvolvimento econômico a qualquer custo e a ausência de um arcabouço legal mais robusto que os torne mandatórios e efetivos. O foco excessivo no licenciamento de projetos, muitas vezes reativo e pontual, desvia a atenção de abordagens mais preventivas e estratégicas que poderiam gerar benefícios ambientais e sociais muito maiores a longo prazo.

Além desta elevada importância conferida a um único instrumento, conforme destacado acima, quando o Poder Público se faz ausente, transfere-se ao licenciamento ambiental os deveres que lhe são impostos por comandos e princípios constitucionais, já que um dos únicos contatos que aquela população local ou regional terá com a administração pública ocorrerá no âmbito do licenciamento ambiental.

Em outras palavras, o tratamento dos impactos sociais que não decorrem muitas vezes da implantação do empreendimento, mas sim da ausência da atuação do Poder Público, passa a ter no licenciamento o único fórum de discussão e cobrança por parte da sociedade. Essa realidade acaba tornando a avaliação da viabilidade socioambiental dos empreendimentos passíveis de licenciamento extremamente morosa, complexa e onerosa.

Neste sentido, o texto original do PL 2159/2021 aprovado pelo Congresso buscava compatibilizar a real função do licenciamento ambiental com a realidade fática, de modo que as medidas de controle, mitigação e compensação sejam definidas de forma proporcional, sem comprometer a viabilidade do empreendimento e de forma a não transferir responsabilidades públicas a um particular. Ou seja, a proposta original do PL determinava que as condicionantes do licenciamento devem guardar relação direta com os impactos ambientais previamente identificados no estudo ambiental que subsidiou o processo, acompanhadas de justificativa técnica. Políticas públicas não devem ser repassadas para a responsabilidade do empreendedor através do processo de licenciamento, o que não impede o estabelecimento de parcerias para a solução destes problemas. O que não deve ocorrer é atrelar a concessão de uma licença à implementação de ações e políticas de responsabilidade do poder público.

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Sobre as autoras
Luciana Lanna

Sócia fundadora do IBRAAC – Instituto Brasileiro de Adaptação Climática, advogada especialista em direito ambiental e clima, Coordenadora de Relações Institucionais para o Clima da Comissão do Clima da OAB/SP, atuante na área ambiental há 15 anos.

Paula Meireles Aguiar

Paula Meireles Aguiar, sócia fundadora do IBRAAC - Instituto Brasileiro de Adaptação Climática, advogada especialista em ESG pela Fundação Getúlio Vargas, atuante na área ambiental com 25 anos de experiência no setor produtivo, público e em organizações não governamentais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANNA, Luciana ; AGUIAR, Paula Meireles. Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021).: Uma análise crítica de suas discussões, vetos e transformação em Lei Federal (Lei 15.190/2025). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8085, 20 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115302. Acesso em: 5 dez. 2025.

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