Em 2019, foi promulgada a Lei 13.811, alterando o artigo 1.520, do Código Civil (CC/2002), que passou a possuir a seguinte redação:
“Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.
A lei promulgada em 2019 vedou o popularmente conhecido “casamento infantil”, ou seja, entre menores de 16 anos de idade (sendo esta a idade núbil para o casamento, conforme o art. 1.517, do CC/2002). Contudo, o art. 1.551, do CC/2002, manteve a mesma redação:
“Art. 1.551. Não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez.”
Ressalta-se que o crime de “sedução” também foi revogado pela Lei 11.106/2005, antes possuindo a seguinte redação no Código Penal (CP):
“Art. 217 - Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança.”
Haja vista a situação ora descrita, o presente trabalho possui o fito de responder a seguinte questão: o art. 1.551, do CC/2002, estando em voga atualmente, foi revogado expressamente ou tacitamente pela nova redação do art. 1.520, do CC?
O presente artigo utilizará análise legal, tanto o Código Civil quanto à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), a doutrina jurídica voltada à hermenêutica e à teoria do direito a fim de responder à pergunta central.
O ARTIGO 1.551, DO CÓDIGO CIVIL, FOI REVOGADO TACITAMENTE?
Em primeiro plano, urge mencionar que o contexto histórico à época da promulgação do CC/2002 era um ambiente mais conservador, patriarcal e tradicional em relação à contemporaneidade. Contudo, os fatos e os valores da sociedade se alteraram, fazendo com que as normas também se alterassem nos termos do espírito do povo (Zeitgeist), conforme a Teoria Tradicional do Direito adotada pelo Codex.
Dessa forma, houve as significativas alterações legislativas supramencionadas na introdução do presente artigo. Apesar disso, o art. 1.551, do CC/2002, permaneceu inalterado e em vigor, transcrevendo-os abaixo:
Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código;
Art. 1.551. Não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez;
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.
Após a alteração do art. 1.520, do CC/2002, não permitindo sob nenhuma hipótese o casamento de quem não atingiu os 16 anos completos (ademais, ressalta-se que ocorreu a revogação expressa do denominado “crime de sedução”), o art. 1.551, do CC, ainda permanece no Codex.
Todavia, urge mencionar que a revogação de uma norma, contida no art. 2ª, § 1º, da LINDB, é um instituto interpretativo da teoria do direito imprescindível a fim de se manter a coerência do ordenamento jurídico pátrio, consoante as lições de BOBBIO (2010):
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (Grifo meu).
Nesse sentido, uma lei posterior que trate da matéria, como ocorreu com a Lei 13.811/2019 na codificação privada, revoga a anterior quando expressamente a declare. Ocorre que a referida lei não revogou expressamente o art. 1.551, do Codex, mantendo este sua vigência, persistindo com uma clara antinomia (os juristas afirmam que a antinomia no Direito brasileiro é aparente, contudo é forçoso esse conceito de aparência, visto que há, de fato, a incompatibilidade das normas no caso em tela de forma expressa).
Outrossim, entende-se, nos termos da LINDB e da teoria do direito, que houve, na verdade, a revogação tácita da norma, ou seja, quando uma norma posterior incompatível com a anterior a revogue. Sob esse viés, aplica-se o brocardo lex posteriori derrogat priori. Portanto, visto a evidente antinomia entre as duas normas, depreende-se que houve uma revogação tácita do art. 1.551, do CC, pelo art. 1.520 do mesmo código.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que:
O Direito contemporâneo, enquanto a dialética de entre fatos-valores-normas, não é o mesmo da promulgação do CC/2002, em que a sociedade possuía um viés mais conservador;
Diante disso, houve significativas alterações legislativas envolvendo normas de direito público (criminais), como o art. 217-A, do CP, e privado, a nova redação do art. 1.520, do CC, alterando substancialmente a moral e os costumes brasileiros insculpidos na legislação ora vigente;
Contudo, o art; 1.551, do CC, não foi revogado de forma expressa, sendo evidentemente antinômico em relação ao atual 1.520;
Diante do exposto, é possível concluir, com base no art. 2º, § 1º, da LINDB, que o artigo 1.551, do CC, foi, na realidade, revogado de forma tácita pelo artigo 1.520, do CC, em consonância com o brocardo lex posteriori derrogat priori.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002 (Código Civil). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 07 de setembro de 2025.
BRASIL. LEI Nº 13.811, DE 12 DE MARÇO DE 2019. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13811.htm. Acesso em: 07 de setembro de 2025.
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm. Acesso em: 07 de setembro de 2025.
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 (Código Penal). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 07 de setembro de 2025.
BRASIL. LEI Nº 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm. Acesso em: 07 de setembro de 2025.