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Poder moderador e poder educativo ou educador no Estado Democrático de Direito brasileiro.

O mito dos freios e contrapesos (checks and balances)

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7. As teorias de número de funções e órgãos de Platão, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Kant, Constant, Hegel, Afanasiev, Ackerman, Walzer e Rawls

Neste item trataremos, esquematicamente, das teorias de número de funções e orgãos dos autores acima citados. Nelas, destacaremos o lugar: 1) das funções e órgãos sociais, especialmente, da educação; 2) da função e órgão moderador; e 3) da função e órgão judiciário.

7.1. A gênese da democracia e as teorias de Platão e Aristóteles

No começo, as relações políticas estavam marcadas apenas pela barbárie. Em relação ao povo, como diria Ciro Alegria, “El mundo era ancho y Ajeno”. Num momento da história, porém, o povo grego construiu (entre os séculos V e VI a. C.) a democracia. Era uma democracia direta, vale dizer, a Cidade-Estado era governada pelo próprio povo, pelos próprios cidadãos (excluídos os estrangeiros, mulheres e escravos), que tomavam as decisões em todos os assuntos políticos (públicos). Resumidamente, o número de órgãos e funções dessa democracia era:

I. Assembleia Popular-Cidadã. Órgão Supremo do Governo. Componentes: todos os cidadãos. Funções: 1) Governo geral da Cidade-Estado; 2) Deliberar e votar diretamente nas leis e nas políticas públicas (funções governativa geral, deliberativa e legislativa)

II. Conselho Popular-Cidadão, composto por 500 cidadãos selecionados por sorteio. Função: preparar as agendas e as propostas de lei e políticas públicas para serem discutidas e votadas na Assembeia Popular-Cidadã.

III. Tribunal Popular-Cidadão. Componentes: cidadãos selecionados por sorteio. Função: administração da justiça.

IV. Magistatura Popular-Cidadã. Componentes: cidadãos selecionados por sorteio. Função: por em prática as decisões da Assembleia Popular-Cidadã e do Conselho Popular-Cidadão

Era, pois, um governo democrático em que existiam, no mínimo, seis funções delegadas e quatro órgãos de governo.

A partir desse momento a história política é a história da luta das forças da democracia (da civilidade, da humanidade) versus as forças da antidemocracia (a barbárie, a animalidade). Passado o tempo, com a Revolução Francesa, essas forças vão se entrelaçar com as forças da direita e da esquerda. Começa a luta histórica das forças democráticas de direita e esquerda versus as forças antidemocráticas também de direita e esquerda. Essas últimas forças, por estratégia ideológica, apresentam-se disfarçadas de democracia e ou como defensoras e salvadoras dela, interpretando-se como juízes-deuses, juízes-hércules, juízes-príncipes ou políticos vistos como mitos, profetas ou heróis enviados por deuses para, afastando o povo do poder do Estado e do governo do Estado e da educação democrática, destruírem a democracia.

Dito isso, vamos visitar agora as teorias de número de funções e órgãos de dois pensadores gregos: Platão e Aristóteles. Veremos que eles já pensaram, implícita ou explicitamente, tudo ou quase tudo sobre o assunto que aqui estamos tratando.

7.1.1. A teoria de Platão. Função moderadora implícita. Órgãos da educação e da saúde: independentes. Judiciário: sonolento, descartável

Platão, na sua “A República”, de 380 a.C., baseado numa ideia de justiça do mundo das ideias, desenvolveu, contra a democracia que conhecia, a sua teoria do governo justo: o governo antidemocrático do rei-filósofo. Entre outros assuntos, nessa obra, fundado no princípio da separação de funções ou princípio da divisão do trabalho, ele elaborou uma teoria de mais de três funções e órgãos independentes entre si na organização do governo do rei-filósofo:

[...] O Estado surge da necessidade dos homens (...) A divisão do trabalho... Esse princípio... [é]... ninguém pode desempenhar com êxito muitos ofícios (...) Deve-se ajustar os cidadãos à função social para que os destinou a natureza... Entre os cidadãos em geral, cada indivíduo deve ser aproveitado numa espécie de trabalho (...) Ora, é de máxima importância que... o trabalho... seja bem executado (...) todas as coisas serão produzidas em maior abundância, com mais facilidade e de qualidade melhor quando cada um realiza um só trabalho (...)  a necessidade faz aparecer os mercadores [e] comerciantes (...) Então nos surgirá daí um mercado e uma moeda (...)  Requisitos do bom médico e do bom juiz (...) os bons médicos... serão... aqueles que hajam tratado o maior número de pessoas sãs e doentes (...) o bom juiz não deve ser jovem (...) Os guerreiros devem ser humanizados pela educação (...) Os detalhes da administração podem ser deixados ao critério dos cidadãos bem-formados (...) no creio que o verdadeiro legislador deva preocupar-se com esse gênero de leis e constituições (...) Há indivíduos talhados para cultivar a Filosofia e dirigir a cidade (...) as cidades não se livrarão dos seus males enquanto não forem governados pelos filósofos (...) sobre o governo do navio [do Estado]... o bom piloto [o filósofo]... estando verdadeiramente qualificado, é ele que tem que dirigi-lo, queiram os outros ou não...

(PLATÃO, 1996, pp. 39, 40, 41, 43, 72, 78, 84, 86, 87, 92, 93, 122 e 134) (destaques e negritos nossos).

Observe-se, já para Platão, o que se separa, em funções ou trabalhos, é o governo do Estado, a função ou trabalho maior de governar o Estado, e não o poder do Estado. Note-se também que na organização do governo do Estado platônico existem mais de três funções ou trabalhos: educação, saúde (médico), economia, administração, legislativo (leis e constituição), judiciário (juiz), guerreiro, direção ou governo do “navio” (rei-filósofo).

Note-se também que, para Platão, os órgãos de governo não devem concentrar funções ou trabalhos, pois “ninguém pode desempenhar com êxito muitos ofícios”. De acordo com isso, na teoria de Platão, as funções e respectivos órgãos da educação e da saúde são independentes da função e órgão da economia (do mercado), bem como das outras funções e órgãos: legislativo, judiciário, etc.

Quanto à função moderadora, Platão já aponta a necessidade e existência dessa função ou trabalho moderador, que devia controlar as ações dos órgãos do governo, evitando e ou reparando as intromissões, trocas, usurpação de funções entre os órgãos:

[...] a justiça consiste nisso: em fazer cada qual o que lhe compete (...) As classes, como os indivíduos, não devem intervir nas funções umas das outras (...) qualquer troca ou intromissão mútua representa o maior dano para a cidade [Estado] e pode com plena razão ser qualificada de crime... o maior dano ou crime contra a cidade [Estado]... Isso é, pois, injustiça...

(PLATÃO, 1996, pp. 92, 93) (os negritos são nossos)

Note-se: para Platão, quando uma classe (órgão) não se limita a fazer o que lhe compete, ou seja, quando intervém ou se intromete na função de outro órgão (classe), ele comete o maior dano ao Estado, e isso representa um crime. Uma vez que Platão não fala explicitamente de uma função moderadora delegada a um órgão moderador especial, então, por simples lógica, essa função moderadora é executada pelo próprio rei-filósofo.

Quanto às qualidades de uma educação justa, Platão leciona que essa educação deve começar na infância e prolongar-se por toda a vida. Além do mais, para o filósofo, a falta de uma educação justa faz com que os homens, desde meninos, fiquem escravizados na caverna-prisão da ignorância. Para Platão, é a educação justa que torna esses homens, desde crianças, homens livres, livres (ou curados) da caverna-prisão da ignorância:

[...] é necessário que a educação comece desde a infância, que seja feita com grande cuidado e se prolongue durante a vida inteira (...) O mito ou alegoria da caverna (...) E agora... compara com a seguinte situação o estado de nossa alma com respeito à educação ou à falta desta. Imagina uma caverna subterrânea... e uns homens que lá dentro se acham desde meninos, amarrados pelas pernas e pelo pescoço de tal maneira que tenham que permanecer imóveis e olhar tão só para a frente (...) agora examina o que naturalmente sucederia se os prisioneiros fossem [por uma educação justa] libertados de suas cadeias e curados da sua ignorância

(PLATÃO, 1996, pp. 68 e 153 ) (destaques nosos)

Desse modo, para Platão, para realizar a organização justa do governo justo do Estado, a educação justa, a justiça (sentido amplo) e a liberdade devem dialogar e trabalhar em união e cooperação.

Também, para Platão, essa educação justa, além de libertar os homens da caverna-prisão da ignorância, permite-lhes também libertar-se da “justiça alheia” dos juízes e tribunais:

[...] E não te parece uma vergonha e um grande indício de educação deficiente o ter um homem de recorrer à justiça alheia por não a possuir em si mesmo, entregando-se assim às mãos de outros homens, de quem faz seus senhores e juízes? (...) e tudo isso... sem compreender quanto melhor e mais decoroso seria dispor sua vida de modo a poder dispensar a intervenção de um sonolento juiz?

(PLATÃO, 1996, pp. 69, 70, 153) (destaques nossos)

Assim, embora Platão reconheça a necessidade de juízes, ele, para haver justiça na Cidade, dá muito mais e maior importância à educação. Para o filósofo, a “justiça” dos juízes é “justiça alheia, sonolenta”, isto é, lenta, pesada, custosa, preguiçosa e, por isso, “dispensável”. Formados por uma educação justa, os cidadãos, possuindo a justiça na alma, para solucionar seus conflitos, não precisam da intervenção de juízes e tribunais.

De tudo isso, podemos afirmar que para Platão, o princípio é o princípio da separação de funções ou princípio da divisão do trabalho, e a sua teoria de número de funções e órgãos é de nove funções delegadas a oito órgãos:

I. Rei-filósofo: órgão mais elevado do governo. Funções: 1) direção ou governo geral do “navio”, do Estado como um todo; 2) moderar (controlar) todos os órgãos abaixo dele.

Órgãos independentes entre si, mas todos eles subordinados ao Rei-filósofo:

II. Órgão educativo ou educador: função da educação;

III. Órgão da saúde: função da saúde:

IV. Órgão da economia: função econômica;

V. Órgão legislativo: função legislativa e constitucional:

VI. Órgão administrativo: função administrativa;

VII. Órgão judicial: função judicial.

VIII. Órgão guerreiro: função do guerreiro.

Nesses órgãos, para que as funções sejam “bem executadas”, devem atuar cidadãos especializados: educadores, médicos, legisladores, administradores, juízes, etc.

Repare-se que Platão não fala de um órgão (poder) executivo separado que execute uma função executiva. Isso é assim porque, para Platão, a função executiva é função comum a todos os órgãos do governo. Todos os órgãos do governo executam funções (trabalhos) de governo.

Para Platão, quem realiza e deve realizar o governo geral do Estado-navio, “queiram os outros ou não”, é o rei-filósofo, líder executivo maior e supremo na organização do governo do Estado platônico.

Tal número de funções e órgãos da teoria de Platão, porém, não é fechado, pois da leitura da obra ”A República” de Platão, as funções (os trabalhos) vão aumentando conforme o Estado vai crescendo e se relacionando com outros Estados.

7.1.2. A teoria de Aristóteles. Função moderadora explícita. Educação: função do legislador prudente. Judiciário: controlado (moderado) pelo legislador prudente

Também de pensamento antidemocrático, Aristóteles quer saber também qual é a organização justa de um governo justo, mas não a partir do mundo das ideias, mas do mundo prático. Então, ele, nos seus livros “A Política” de 350 a.C., e “Ética a Nicômacos”, dos anos entre 335 a.C. a 323 a.C., registra sua teoria de número de funções e órgãos de governo:

O Estado ou Cidade é uma sociedade... política (...) Uma das espécies de justiça... é a distribuição de funções... de governo (...) Nas grandes cidades [Estados] que, pelo grande número de cidadãos, podem prover um em cada função, não se deve conferir mais do que um cargo a cada um (...) O trabalho é mais bem feito quando só nos ocupamos com um negócio (...) O governo é o exercício do poder supremo do Estado (...)  Dos três poderes existentes em todo governo (...) Em todo governo existem três poderes... poder deliberativo... poder executivo... poder judiciário... cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da maneira mais conveniente... Quando essas três partes estão bem acomodadas... o governo vai bem (...) A ordem judiciária é o terceiro órgão do governo...

(ARISTÓTELES, 1998. pp. 65, 66, 68, 96, 105, 127, 131, 137, 141; e 1992, p. 95) (destaque e negritos nossos).

Vejamos: para Aristóteles, como para Platão, o que se separa em “funções”, “órgãos”, “trabalhos”, “ordens” ou “poderes” é o governo do Estado, a função maior ou trabalho maior de governar o Estado, não o poder do Estado. Observe-se que, para Aristóteles, os termos “poder” e “poderes” são sinônimos de “órgão” ou “órgãos” do governo.

Aristóteles, porém, como se pode ler da citação acima, fala também de uma função de “acomodar”, de acomodar “de maneira mais conveniente” “essas três partes”, isto é, os órgãos deliberativo, executivo e judiciário; e só quando essas três partes estiverem “bem acomodadas o governo irá bem”. Essa função de acomodar de forma mais conveniente os três poderes é função do legislador prudente.

Mas o que significa que os três órgãos estejam “bem acomodados?” A resposta só pode ser: “bem organizados”, “bem controlados”. Significa que há ou deve haver uma justa organização e um justo controle (justa moderação, regulação) dos três órgãos. Assim, o legislador prudente tem como primeira função, para que o governo seja justo, a função de organizar e controlar de forma justa os órgãos deliberativo, executivo e judiciário.

Disso, está implícito, ou melhor, quase explícito, nessa teoria de Aristóteles que o órgão que tem a função de realizar o governo geral do “navio aristotélico”, ou seja, do Estado como um todo, é o legislador prudente, líder executivo maior e supremo na organização do governo do legislador prudente. Desse modo, podemos afirmar que Aristóteles substituiu o rei-filósofo pelo legislador prudente.

Tal legislador prudente, além das funções de legislar e acomodar (organizar e moderar os outros poderes) tem também uma função educativa:

[...] da educação (...) o legislador deve cuidar principalmente de formar pessoas... cidadãos honestos, procurar saber por quais exercícios tornará honestos... justos, pacíficos e felizes... os cidadãos e sobretudo conhecer bem qual é o ponto capital da vida feliz (...) Um legislador deve levar tudo isso em consideração ao escrever suas leis... Deve-se, então, criticar o legislador que não lhes ensinou como viver em paz.

(ARISTÓTELES, 1998. pp. 65, 66, 68, 96, 105, 127, 131, 137, 141; e 1992, p. 95) (destaque e negritos nossos).

Destaque-se aqui que, para o filósofo, a educação não deve estar nas mãos do “poder executivo”, mas nas mãos do legislador prudente, tendo ele a responsabilidade de formar cidadãos honestos, justos, pacíficos e felizes. Note-se também que, para Aristóteles, o órgão do legislador prudente, que ele não chama de “poder”, é mais “poderoso” que aqueles nominados de “poder”, tendo ele quatro funções: 1) governo geral do “Estado-navio”; 2) legislativa; 3) educativa; e 4) moderadora (acomodadora).

De tudo isso, podemos afirmar que, assim como para Platão, para Aristóteles, o princípio é o princípio da separação de funções ou princípio da divisão do trabalho, e a sua teoria de número de funções é de sete funções que são delegadas a quatro órgãos:

I. Órgão (pessoal) do legislador prudente. Funções: 1) realizar o governo geral do Estado, do Estado-navio aristotélico; 2) legislativa; 3) educativa; e 4) moderadora.

II. Órgão deliberativo: função deliberativa;

III. Órgão executivo: função executiva; e

IV. Órgão judiciário: função judiciária.

Esse número de funções e órgãos, todavia, não é fechado:

[...] Vejamos... quais... as coisas que a sociedade política não pode dispensar (...) Para isso, basta contar suas funções (...) Estas são, aproximadamente, as funções... do que todo Estado precisa (...) isso não ocorre uniformemente em todos os governos

(ARISTÓTELES, 1998, p. 96, 97) (negritos nssos)

Assim, ao dizer que essas são “aproximadamente” as funções do que o governo precisa, Aristóteles afirma que as funções podem ser mais de sete e os órgãos mais de quatro.

7.2. Teoria de Maquiavel. Função moderadora implícita. Judiciário: moderado (controlado) pelo Rei.

Na verdade, essa teoria não é de Maquiavel, mas como ele a elogia, sem dizer de quem é a autoria, a tratamos como se fosse de Maquiavel.

Na sua obra "O Príncipe", de 1513, Maquiavel revela que na organização do governo do Estado (do Reino) francês desses tempos existiam três instituições (órgãos): o Rei, o Parlamento e o Judiciário (juiz), e que delas dependiam a liberdade e a segurança do Rei e seu Reino:

[...] Entre os reinos de melhor constituição e governo destes nossos tempos está o da França. Nele, encontramos um expressivo número de instituições de cujo valor dependem a liberdade e a segurança do Rei. Destas, a primeira é o Parlamento (...) Com efeito, aquele que concebeu a organização desse Reino... não quis que esta se constituísse numa particular atribuição do Rei: dessa forma, este seria poupado de uma possível acusação da parte dos grandes quando agisse em favor do povo e também da parte deste quando o fizesse em benefício daqueles. Instaurou, então, um terceiro como juiz para que este livre o Rei dessas acusações, reprimisse os poderosos e interviesse em socorro aos mais fracos, instituição esta que não poderia ter-se mostrado nem mais adequada nem mais prudente, nem ter-se feito mais amplo sustentáculo da segurança do Rei como do Reino

(MAQUIAVEL, 2012, pp. 92, 93) (negrito nosso)

Relativamente à função moderadora (controladora) está implícito que essa função é executada pelo próprio Rei. Já quanto o judiciário, ele, como o legislativo, é controlado pelo Rei, pois foi concebido para trabalhar em benefício do Rei.

Daí, a teoria de número de funções e órgãos de Maquiavel é de sete funções e três órgãos:

I. Órgão Real (o Rei). Funções: 1) o governo geral do Reino, do Reino como um todo; 2) moderar (controlar) os outros órgãos;

II. Órgão do Parlamento ou Legislativo. Funções: 1) legislar; e 2) poupar o rei das acusações dos poderosos ou do povo;

III. Órgão Judiciário: Funções: 1) livrar o rei das acusações; 2) reprimir os poderosos que estavam contra o Rei; e 3) prestar socorro aos mais fracos, desde que isso signifique proteger o Rei.

Repare-se que nessa estrutura organizacional não existe o órgão (“poder”) executivo como órgão separado dos outros. Isso porque, para quem concebeu essa estrutura orgânica, a função executiva é função comum a todos os órgãos. Tanto o Rei quanto o legislativo e o judiciário executam suas respectivas funções. Para Maquiavel, portanto, o Rei é o líder executivo maior e supremo, similar ao rei-filósofo em Platão e ao legislador prudente em Aristóteles, os três de pensamentos antidemocráticos.

Com a figura do Rei, vai se desenvolver a monarquia absolutista. Vão se desenvolver também pensamentos e práticas em defesa dela e em oposição a ela.

7.3. As teorias de Hobbes e Locke.

Agora vamos para Inglaterra, onde, no século XIII, começa-se a colocar nas terras férteis inglesas, contra os reis absolutistas, as sementes gloriosas do parlamentarismo. Vamos saber das teorias de número de funções de dois ingleses, a de Hobbes e a de Locke.

7.3.1. A teoria de Hobbes. Função moderadora implícita. Educação: independente das outras funções e órgãos especiais. Judiciário: controlado, como os outros órgãos

Anteriormente, foi visto a ideia de Hobbes em relação ao poder do Estado, que, ilustrativamente, o chamou de “espada pública”. Veremos agora sua ideia de governo, mais precisamente da organização do governo do Estado, que ele chama de “parte orgânica”.

Como Platão, Aristóteles, Maquiavel, Montesquieu e os Federalistas, Hobbes é contrário à ideia da soberania popular, do povo como soberano. Defendendo a monarquia absolutista, opondo-se à independência do parlamento, na sua obra “Leviatã” de 1651, ele expõe a sua teoria de número de funções e órgãos do governo:

[...] Neste capítulo vou falar das partes orgânicas, que são os ministros públicos (...) Dos ministros públicos, alguns têm a seu cargo a administração geral, quer de todo o domínio, quer de uma parte dele... Outros têm administração especial... encarregados de uma função especial, seja no país, seja no estrangeiro. No país, temos... para a economia... aqueles que possuem autoridade relativamente ao tesouro, aos tributos... São também ministros públicos, os que têm autoridade relativamente à milícia... Também são ministros públicos os que têm autoridade para ensinar... o povo... instruindo-o no conhecimento do que é justo ou injusto, a fim de tornar o povo mais capaz de viver em paz e harmonia... Também são ministros públicos aqueles a quem é concedido o poder judicial... São também ministros públicos aqueles que receberam do soberano a autorização para proceder à execução de todas as sentenças, para publicar as ordens do soberano, para reprimir tumultos, para prender e encarcerar os malfeitores, e praticar atos tendentes à preservação da paz... Os ministros públicos nomeados para o estrangeiro são aqueles que representam a pessoa do soberano perante os Estados estrangeiros...

(HOBBES, 2000, pp. 191, 192, 193 e 194) (negritos nossos).

Analisemos: também para Hobbes, o que se divide não é o poder do Estado, mas a “parte orgânica” da administração ou governo do Estado, e se separa em funções delegadas a órgãos cujos agentes são os “ministros públicos”. Hobbes, notemos, chama as funções também de “cargos”, “poderes”.

Quanto à função moderadora, uma vez que Hobbes não fala de um órgão geral ou especial que execute essa funçao, então, essa função é executada pelo próprio soberano representante.

Relativamente ao judiciário, ele, ao igual que os outros órgãos, é moderado (controlado) pelo soberano representante.

Relativamente ao órgão da educação, ele tem independência funcional em relação aos outros órgãos, embora também esteja subordinado ao soberano representante.

Além disso, Hobbes fala da função (cargo) do soberano representante:

Do cargo do soberano representante... O cargo do soberano... consiste no objetivo para o qual lhe foi confiado o soberano poder, nomeadamente a obtenção de segurança do povo... Mas por segurança não entendemos aqui uma simples preservação, mas também todas as outras comodidades da vida (...) ensinar o povo os fundamentos dos seus direitos de forma diligente e verdadeira (...) fazer que a justiça seja ensinada (...) que a justiça seja administrada com igualdade a todos os escalões do povo (...) fazer boas leis, leis justas...

(HOBBES, 2000, pp. 251, 252, 255, 256) (negritos nossos)

É também função do soberano assistir a todos que se tornem incapazes de sustentar-se com seu trabalho:

[...] E sempre que muitos homens, por um acidente inevitável, se tornam incapazes de sustentar-se com seu trabalho, não devem ser deixados à caridade de particulares, mas serem supridas... pelas leis do Estado. Pois, assim como é falta de caridade em qualquer homem abandonar aquele que não tem forças, também o é no soberano de um Estado expô-lo aos casos de uma caridade tão incerta.

(HOBBES, 2000, p. 258) (destaque nosso)

Para Chavallier, isso é admirável:

Admiremos como, sob este aspecto, o nosso monstro Leviatã se torna, de maneira tão inesperada quanto lógica, liberal, benfazejo, previdente, humano!

(CHEVALLIER, 1993, p. 77)

Assim, também para Hobbes, o princípio é o princípio da separação de funções, e a sua teoria de número de funções e órgãos é de 14 funções delegadas a 11 órgãos:

I. Órgão (pessoal) do Soberano Representante. É o líder supremo na organização do governo do Estado-Levitã, com forte preocupação social. Funções: 1) governo geral do Estado, do navio-Leviatã; 2) obter a segurança do povo, fazendo que ele desfrute de todas as comodidades da vida. Para isso, ele se reserva funções educativas, assistenciais, previdenciárias; 3) legislativa; 4) moderadora (controladora, pacificadora).

Órgãos independentes entre si, mas todos subordinados ao soberano representante:

A) Órgãos de Administração Geral: Funções Gerais:

II. Órgão da administração de todo o domínio; e

III. Órgão da administração de uma parte do domínio.

B) Órgãos de Administração Especial: Funções Especiais:

IV. Órgão educativo ou de ensino: função da educação ou de ensino;

V. Órgão da economia: função da economia;

VI. Órgão militar: função militar;

VII. Órgão judicial: função judicial;

VIII. Órgão de execução de sentenças: função de execução de sentenças;

IX. Órgão da segurança pública: função da segurança pública:

X. Órgão de preservação da paz: função de preservar a paz;

XI. Órgão de representação do soberano: função: representar o soberano no estrangeiro.

Do quadro acima, importante frisar que, assim como para Platão e Maquiavel, para Hobbes, a chamada função “executiva” não existe como função separada delegada a um órgão ou poder executivo Isso porque, também para Hobbes, a “execução” é função comum de governo: todos os órgãos executam funções de governo.

Por último, veja-se que a teoria de Hobbes mostra, claramente, a diferença que existe entre 1) poder político ou soberania: espada pública, e 2) governo político: objetivo: dar ao povo todas as comodidades da vida, ou seja, justiça (sentido amplo), paz, educação, saúde, trabalho, assistência e previdência social, etc.  

7.3.2. Teoria de Locke. Função moderadora explícita. O judiciário não existe como órgão independente

Contrariamente a Hobbes, Locke defende o parlamento na sua luta contra o rei absolutista. É com Locke que nasce a ideia de democracia liberal. Ele é favorável a um governo de monarquia parlamentar constitucional, sendo esse o governo que se estabeleceu na Inglaterra após a chamada Revolução Gloriosa de 1688. É na sua obra “Segundo tratado sobre o governo civil”, de 1690, que Locke, fundado no princípio da separação de funções, apresenta sua teoria de número de funções e órgãos do governo:

[...] Todo o poder que o governo tem... deve ser exercido mediante leis estabelecidas (...) Poderes Legislativo, Executivo e Federativo (...) Poder de prerrogativa (...)  Quando não há juiz na Terra, dirige-se o apelo a Deus no céu (...) poder julgador...

(LOCKE, 1991, pp. 224, 249, 270, 273 e 280) (negritos nossos).

Como podemos ler, também para Locke, é o governo e não o poder do Estado que se separa em funções e órgãos. Em Locke, o governo é separado em cinco funções: 1) função legislativa; 2) função executiva; 3) função federativa; 4) função prerrogativa; 5) função julgadora. Essas cinco funções são delegadas (“emanadas”) a dois órgãos de governo:

  1. Órgão legislativo, com duas funções: legislativa e julgadora;

  2. Órgão executivo, com três funções: executiva, federativa e de prerrogativa.

Locke, no entanto, fala também num “poder supremo do povo”, tendo a função de afastar ou alterar o legislativo, quando este agir contrariamente ao encargo que lhe foi confiado:

Embora em uma comunidade constituída... somente possa existir um poder supremo, que é o legislativo, ao qual tudo mais deve ficar subordinado, contudo, sendo o legislativo somente um poder fiduciário destinado a entrar em ação para certos fins, cabe ainda ao povo um poder supremo para afastar ou alterar o legislativo quando é levado a verificar que age contrariamente ao encargo que lhe confiaram. Porque, sendo limitado qualquer poder concedido como encargo para conseguir-se certo objetivo, por esse mesmo objetivo, sempre que se despreza ou contraria manifestamente esse objetivo, a ele se perde o direito necessariamente, e o poder retorna às mãos dos que o concederam, que poderão colocá-lo onde o julguem melhor para garantia e segurança própria. E, nessas condições, a comunidade [o povo] conserva perpetuamente o poder supremo de se salvaguardar dos propósitos e atentados de quem quer que seja, mesmo dos legisladores...

(LOCKE, 1991, p. 275) (destacado por nós)

Destarte, na teoria de Locke, o verdadeiro poder supremo é o poder supremo do povo. O legislativo é apenas poder fiduciário, concedido (delegado), limitado. Dessa explicação de Locke, é fácil entender que, na sua teoria, existem dois “poderes” supremos: um poder supremo original, que é o poder supremo do povo, e um poder supremo derivado, que é o legislativo, o parlamento.

Mais tarde, Rousseau retoma essa distinção dos poderes (“órgãos”) com a ideia de vontade geral do povo soberano, isto é, o povo como soberano original e o legislativo como soberano derivado.

Quanto à função julgadora, para Locke, essa função cabe ao legislativo ou a um órgão especial que ele, o legislativo, nomear:

[...] E por essa maneira a comunidade consegue, por meio de um poder julgador, estabelecer que castigo cabe às várias transgressões quando cometidas entre os membros dessa sociedade (...) Os homens deixam o estado de natureza para entrarem no da comunidade, estabelecendo um juiz na Terra... juiz esse que é do legislativo ou os magistrados por ele nomeados...

(LOCKE, 1991, pp. 249, 250)

Já a função prerrogativa, ela é função do executivo que, sem estar subordinado às leis, é executada sempre a favor do bem público, a favor da comunidade, do povo:

[...] Por isso, a prerrogativa nada mais é senão o poder de fazer o bem público sem se subordinar a regras (...) Muitos assuntos há a que a lei não pode prover por meio algum; e estes devem necessariamente ser entregues à discrição daquele que tem nas mãos o poder executivo, para que as regule conforme o exigirem o bem público e a vantagem geral (...) Sendo o objetivo do governo o bem da comunidade... é conveniente que o governante tenha o poder de mitigar, em muitos casos, a severidade da lei, perdoando os ofensores; porque, sendo o objeto do governo a preservação de todos tanto quanto possível, até mesmo os criminosos devem ser poupados, quando daí não resulte qualquer dano para os inocentes...

(LOCKE, 1991, p. 280) (destaque nosso)

Além do mais, para Locke, a função prerrogativa, na verdade, é do povo, não constituindo essa posse popular uma usurpação. Tal função, o povo a delega aos “governantes” para ser executada a favor dele na falta de lei e, se necessário, contra a lei, pois a função prerrogativa é a lei natural fundamental (a proteção de todos os membros da sociedade) que regula o legislativo (a lei) e o executivo:

[...] Assim sendo, formam ideia muito errônea do governo os que afirmam ter o povo usurpado a prerrogativa... porque... não arrebatou ao príncipe algo que de direito lhe pertencesse (...) Sendo o objetivo do governo o bem da comunidade, quaisquer alterações que se introduzam nele visando a esse objetivo não podem representar usurpação contra quem quer que seja, visto como ninguém no governo pode ter o direito de tender a qualquer outro fim (...) a prerrogativa só pode ser a permissão do povo aos governantes para praticar alguns atos de livre escolha onde a lei silencie, e por vezes, também, diretamente contra a letra da lei, a favor do bem público, e na aquiescência que lhes dá quando assim praticados (...) e ainda mais, é conveniente mesmo que em certos casos a própria lei ceda o lugar ao poder executivo, ou antes, à lei fundamental da natureza e do governo, isto é, que, tanto quanto possível, todos os membros da sociedade encontrem proteção...

(LOCKE, 1991, pp. 280, 281, 282)

Para alguns estudiosos, ao prever a função prerrogativa do governo, a origem do poder moderador estaria no pensamento de Locke. Celso Rodriguez, por exemplo, defende isso:

[...] As origens da teoria do poder moderador podem ser buscadas em John Locke, que, em sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo, previa o direito de prerrogativa ao soberano...

(RODRIGUES, 2010, p. 5)

Foi visto, no entanto, que a função moderadora já está em Platão e Aristóteles e outros pensadores visitados. Daí, conforme as ideias de Locke, a sua teoria de número funções é, em verdade, de sete funções delgadas a três órgãos de governo:

I. Órgão (“poder”) Supremo do Povo: órgão supremo original e perpétuo. Funções: 1) controlar (moderar, regular) as ações do legislativo; 2) reformadora: afastar ou alterar o legislativo.

II. Órgão Legislativo. É órgão (“poder”) supremo derivado. É órgão fiduciário, concedido e limitado. Funções: 1) legislativa; 2) julgadora.

III. Órgão Executivo. Funções: 1) executar a lei; 2) reguladora (prerrogativa): 3) tratar de assuntos externos.

Entre outros autores, Locke influenciou o pensamento de Rousseau.

7.4. A teoria de Rousseau. Função moderadora explícita. Função da educação: independente. Judiciário: não faz parte do governo formal de Estado

Rousseau foi o filósofo que afirmou a vontade geral do povo soberano (supremo de supremos, ou supremo universal, conforme Kant), vontade geral do povo que se manifesta num “Estado bem constituído” (ROUSSEAU, 1996, p. 133), num Estado democrático, isto é, no “Estado somos nós, os cidadãos, o povo soberano.” Esse Estado popular, por sua vez, desdobra-se na soberania popular (indivisível) e no governo constitucional popular (divisível em funções e órgãos sociais e não sociais), todos constituídos por uma “boa constituição” (ROUSSEAU, 1996, p. 147), uma Constituição construída pela vontade geral soberana do povo, “regra de todas as regras” ou, em conformidade com Kant, influenciado por Rousseau, “princípio de todos os princípios”. Em “’Emílio ou da Educação”, Rousseau:

A vontade do povo ou vontade soberana... é geral tanto em relação ao Estado como o todo, quanto em relação ao governo considerado como parte do todo... Por conseguinte, a vontade geral e soberana [do povo] é a regra de todas as outras

(ROUSSEAU, 1992, p. 560) (negritos nossos)

Complementado, no “Contrato Social”:

[...] o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto... poder que dirigido pela vontade geral, recebe... o nome de soberania (...) Pela mesma razão por que é inalienável, a soberania é indivisível (...) Por esse termo... entendo qualquer governo guiado pela vontade geral [do povo soberano].

(ROUSSEAU, 1996, pp. 34, 39, 48) (negritado por nós)

Relativamente à organização do governo do “Estado bem constituído”, Rousseau, fundado no princípio da separação de funções, elaborou uma teoria de duas funções delegadas a dois órgãos (“poderes”) do governo formal do Estado, legislativo e executivo:

[...] funções do governo (...) Uma vez bem estabelecido o poder legislativo, cumpre estabelecer... o poder executivo, porquanto este último... não sendo da essência do outro, dele se encontra naturalmente separado

(ROUSSEAU, 1996, p. 117) (destaque nosso)

Repare-se que na teoria de Rousseau o judiciário não existe como órgão formal do governo. Só existem o legislativo e o executivo. Depreende-se também dessa citação que, para Rousseau, uma vez que o poder ou soberania do Estado democrático é indivisível, então, o que se separa em funções e órgãos (“poderes”) é o governo desse Estado, não o poder do Estado.

Podemos dizer, então, que Rousseau, em princípio, apresenta uma teoria de duas funções e dois órgãos “naturalmente separados” do governo formal do Estado democrático constitucional pensado por ele: órgão legislativo e órgão executivo.

Rousseau, porém, fala também, como próprios de um governo do “Estado bem constituído” da função (“posto”, “cargo”) da judicatura e do órgão (“corpo”) do “tribunato”:

[...] o segundo convém aos postos que requerem... bom senso, justiça e integridade, como os cargos de judicatura, porque, num Estado bem constituído, tais qualidades são comuns a todos os cidadãos (...) Esse corpo, que chamarei de tribunato, é o conservador das leis e do poder legislativo... Serve algumas vezes para proteger o soberano contra o governo (...) e outras vezes para manter o equilíbrio de um lado e do outro. O tribunato não é uma parte constitutiva da Cidade [Estado] e não deve dispor de nenhuma parcela do poder legislativo nem do executivo, mas é justamente aí que reside sua maior força, pois, nada podendo fazer, tudo pode impedir. É mais sagrado e reverenciado como defensor das leis (...) O tribunato sabiamente equilibrado é o mais firme apoio de uma boa constituição... O tribunato degenera em tirania quando usurpa o poder executivo, de que é apenas o moderador, e quando quer outorgar as leis que só lhe compete proteger

(ROUSSEAU, 1996, pp. 71, 117, 133, 141, 147 e 148) (destaques e negritos nossos).

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Em relação ao órgão da judicatura (o judiciário), uma vez que não faz parte do governo formal do Estado, está implícito que ele, então, atua nos espaços da sociedade civil, sendo necessário que os agentes (os juízes) desses órgãos possuam bom senso, justiça e integridade, que num Estado democrático, Estado “bem constituído”, são qualidades de todos os cidadãos, não apenas dos juízes “profissionais”.

No que diz respeito ao poder moderador, Rousseau fala do órgão do tribunato, órgão que tem função de moderar, mediar, conservar, proteger, buscando o equilíbrio e estabilidade do governo. O tribunato deve apoiar e defender a Constituição e as leis, bem como equilibrar as relações entre os órgãos do governo. Também, cabe ressaltar, que o corpo ou órgão do tribunato, não sendo parte formal do governo, é “maior força” que vem da sociedade, da cidadania, do povo. A teoria de Rousseau, portanto, é exemplo de uma teoria que inclui a participação ampla e ativa da sociedade, da cidadania, do povo, na direção, gestão ou governo democrático constitucional, do “navio” democrático constitucional pensado por ele.

Mas Rousseau não fica por aí. Complementando “O Contrato Social”, Rousseau escreve “Emílio ou da Educação”. Relativamente a essa obra pedagógica, Bárbara Freitag comenta:

O livro de Rousseau Émile ou de l’Éducation, que revolucionaria o pensamento do século XVIII, pode ser considerado o projeto pedagógico que complementa o projeto político de Rousseau, contido no Contrato Social. Uma sociedade igualitária, justa e livre pressupõe indivíduos social, econômica e politicamente iguais... justos, responsáveis e autônomos

(FREITAG, 1991, p. 16) (negritos nossos).

Para ter-se uma ideia da concepção educativa de Rousseau, a continuação algumas ideias contidas no livro “Emílio ou da Educação”:

[...] A vontade do povo ou vontade soberana... é geral tanto em relação ao Estado como o todo, quanto em relação ao governo considerado como parte do todo... Por conseguinte, a vontade geral e soberana [do povo] é a regra de todas as outras (...) Discute-se muito acerca das qualidades de um bom governante. A primeira [qualidade] que eu exigiria, e essa supõe muitas outras, seria não ser um homem à venda (...) Emílio não é um selvagem a ser largado no deserto. É um selvagem feito para viver na cidade (...) Eis, portanto, mais uma vantagem da inocência prolongada: a de aproveitar-se da sensibilidade nascente para jogar no coração do adolescente as primeiras sementes da humanidade (...) A humanidade tem seu lugar na ordem das coisas... Homens, sejam humanos, é vosso primeiro dever... Que sabedoria haverá para vós fora da humanidade? O amor dos homens é o princípio da justiça humana (...) O exercício das virtudes sociais leva ao fundo dos corações o amor à humanidade: é fazendo o bem que nos tornamos bons... O amor ao gênero humano não é outra coisa em nós senão o amor à justiça... De todas as virtudes, a justiça é a que mais concorre para o bem comum dos homens (...) Há somente uma ciência a ensinar às crianças: é a dos deveres do homem (...) Importa, portanto, começar a considerá-la um ser moral (...) Trata-se menos de lhe ensinar uma verdade que de lhe mostrar como se deve fazer para descobrir sempre a verdade... O coração só aceita leis de si mesmo (...) Eis o nosso menino prestes a deixar de ser uma criança... Fizemos um ser atuante e pensante. Só nos resta, para completar o homem, fazer dele um ser amante e sensível, isto é, aperfeiçoar-lhe a razão pelo sentimento (...) Emílio ama, pois, a paz. A imagem da felicidade agrada-lhe e quando pode contribuir para produzi-la é um meio a mais de compartilhá-la.

(ROUSSEAU, 1992, pp. 10, 25, 28, 60, 61, 62, 75, 203, 224, 225, 227, 228, 246, 265, nota 4 do rodapé, 266, 284, 286, 288, 289, 560) (os destaques são nossos.)

Assim, para Rousseau, a educação democrática é função essencial do governo constitucional popular, essencial para formar, desde a mais tenra idade, indivíduos e cidadãos democráticos e participativos, justos e pacíficos; amorosos uns com os outros e com a humanidade; cognitiva, ética, política e juridicamente autônomos e independentes.

Considerando tais ideias, podemos afirmar que a teoria definitiva de número de funções de Rousseau é de oito funções delegadas a seis órgãos:

I. Órgão (“poder”) da vontade geral de governo soberano do povo. É órgão soberano original. É similar ao órgão supremo do povo da teoria de Locke, tendo maior abrangência social, defendendo a justiça (sentido amplo), a vida, a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Funções: 1) governo geral do Estado-navio democrático constitucional; 2) reforma da Constituição, de uma “boa constituição”.

II. Órgão legislativo: É órgão (“poder”) soberano derivado: função legislativa.

III. Órgão executivo: função executiva;

IV. Órgão educativo ou educador: função essencial e central para, entre outras coisas: 1) formar, desde crianças, desde a mais tenra idade, indivíduos e cidadãos democrático-participativos justos e pacíficos; 2) os cidadãos tomarem plena consciência de que eles são os donos e condôminos do poder do Estado e do governo constitucional do mesmo Estado, e proceder em conformidade com o princípio universal democrático.

Órgãos da sociedade civil:

V. Órgão do Tribunato Popular. Não faz parte do governo formal, mas participa ativamente dele. Funções: 1) defender e apoiar a constituição democrática (uma “boa constituição”) e as leis; 2) moderar (regular, mediar, pacificar) os outros órgãos equilibrando suas relações e interações e estabilizar o sistema de governo democrático.

VI. Órgão judiciário (da judicatura): função judiciária. Não faz parte do governo formal do Estado. Os juízes são os cidadãos e não os juízes “profissionais.”

Embora Rousseau (1712–1778) não a tenha vivido, o seu pensamento inspirou, contra o absolutismo dos reis, a Revolução Francesa (1789), mas não os horrores que aconteceram nela, pois, como visto, sua teoria é uma teoria que defende o amor, a justiça, a paz na humanidade. Ele também influenciou o pensamento de Kant (1724-1804) e o pensamento de John Rawls (1921-2002), que também foi influenciado por Kant.

7.5. A teoria de Kant. Educação: independente. Função moderadora implícita. Judiciário: moderado pelo órgão do governo soberano do povo (supremo universal)

Kant, filósofo iluminista, defendia o Iluminismo como significando a emancipação do ser humano mediante o uso da razão. Defendia a emancipação, autonomia e independência do indivíduo contra a tutela intelectual, religiosa, política e jurídica. Na sua obra “Doutrina do Direito”, ele, alicerçado no princípio da separação de funções, expõe, influenciado pela ideia da vontade geral de Rousseau, uma teoria de três funções e três órgãos constitucionais de governo:

[...] Cada cidade [Estado] encerra em si três poderes, isto é, a vontade universalmente conjunta numa pessoa tripla: o poder soberano (soberania) na pessoa do legislador, o poder executivo na pessoa do governo e o poder judicial na pessoa do juiz...

(KANT, 1993, pp. 152, 153, 155, 156).

Nessa citação podemos notar que, para Kant, de início, existem, como partes da “vontade universal” do povo, três funções e três órgãos de governo popular. No entanto, considerando a influencia marcante de Rousseau sobre o pensamento kantiano, podemos dizer que, para Kant, assim como para Rousseau e Locke, o legislativo é apenas um soberano derivado, derivado do soberano original e universal que é o povo soberano. Rawls mostra isso:

[...] Kant tentou dar um fundamento filosófico para a ideia de vontade geral proposta por Rousseau. A teoria da justiça [como equidade], por sua vez, tenta apresentar uma interpretação... da concepção kantiana do reino dos fins e das noções de autonomia e de imperativo categórico

(RAWLS, 1997, p. 292)

Assim, também na teoria de número de funções e órgãos de Kant existe o órgão (“poder”) da vontade geral ou universal de governo soberano do povo, de um povo formado por indivíduos e cidadãos que agem com autonomia e independência, com dignidade de pessoas humanas e sempre como fins uns dos outros e nunca como apenas meios:

[...] age de tal forma que uses a humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca somente como meio

(KANT, 1983, p. 84)

Mas tem mais. Kant, também influenciado por Rousseau, escreve sua obra “Pedagogia”, que nós chamamos de Pedagogia do reino dos fins, que também é, como em Rousseau, complemento do pensamento ético, político e jurídico de Kant. Dessa obra pedagógica kantiana, destaquemos as seguintes ideias:

[…] Seria bom que Rousseau nos mostrasse como poderiam daí surgir escolas. Temos que educar Emílio... em sociedade... e para a sociedade, onde o mundo tem que ser bastante grande para ele e para os outros (...) O importante é... que a criança aprenda a pensar... que aja de acordo com princípios, nos quais tem origem toda ação... A barbárie é a independência em relação às leis da humanidade (...) A disciplina transforma a animalidade em humanidade. Disciplinar é impedir que animalidade se estenda à humanidade, tanto no homem individual como no homem social. A disciplina impede que o homem, levado pelos seus impulsos animais, se afaste do seu destino, da humanidade... [Então] Deve-se educar a criança conforme... a ideia da humanidade e do seu completo destino... [para que] o homem tenha em seu interior uma dignidade que o enobreça ante todas as criaturas, sendo o seu dever não desmentir esta dignidade da humanidade na sua própria pessoa. Este princípio é da maior importância (...) A criança deve ser educada livremente, de forma que permita a outros serem também livres... É preciso fazer que a criança entenda que a educamos para ser livre e para não depender dos outros (...) O homem tem, por natureza, tão grande inclinação à liberdade, que quando se acostumou durante muito tempo a ela, sacrifica tudo por ela (...) Em educação, todo está em assentar por toda parte os princípios da justiça e em fazer que sejam compreensíveis e agradáveis para as crianças (...) E assim aprende o homem que só uma boa conduta o torna digno da felicidade... (...) A educação pública... Apenas há em nossas escolas uma coisa que promoveria a educação das crianças na honradez, a saber, um catecismo do Direito... É essa educação que melhor imagem dá do futuro cidadão. Refere-se ao caráter do cidadão (...) A educação para a prudência o torna cidadão, porque por ela adquire um valor público (...) A obediência no caráter é uma necessidade... prepara a criança ao cumprimento das leis, que depois tem que cumprir como cidadão, ainda que não lhe agradem... Mas esta lei tem que ser universal, em vista da qual há que se agir sempre na escola (...) Também temos que desenvolver o amor aos outros e depois os sentimentos cosmopolitas... As bases de um planejamento de educação devem ser cosmopolitas... [buscando] o bem universal...

(KANT, 1983, pp. 29, 30, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 43, 45, 60, 61, 62, 63, 67, 73, 82, 85, 86, 88, 92, 93, 103, 112) (tradução livre e negritos nossos)

Relativamente à função moderadora, Kant não fala de um órgão especial que execute essa função; logo, está implícito que a função moderadora é executada pelo órgão mais elevado do governo: o órgão da vontade de governo universal do povo, “supremo universal”:

Estes três poderes na cidade são dignidades, e como derivam necessariamente da ideia de uma cidade [Estado] em geral, como essenciais ao seu estabelecimento (constituição), são dignidades políticas. Compreendem a relação de um superior universal (que segundo as leis da liberdade [universal], só pode ser o povo reunido) como elementos da multidão desse mesmo povo...

(KANT, 1993, p. 155) (negritos nossos)

Observe-se: os órgãos (“poderes”) são dignidades políticas (públicas), ou seja, seus agentes são cidadãos com valor público. Tal vontade ou função moderadora do povo (superior universal) cria e promove, entre os órgãos de governo, relações de independência e subordinação entre si, isto é, não há superioridade nem inferioridade entre os poderes. Não há “recíproco controle” entre eles, mas um recíproco respeito e humildade, respeito e humildade que derivam de relações de coordenação, complementaridade e cooperação entre si (prestam seu concurso aos outros poderes):

[..] Os três poderes...são entre si: em primeiro lugar... pessoas morais coordenadas entre si, isto é, que uma é o complemento da outra para a organização perfeita [do governo constitucional] do Estado. Em segundo lugar, são também subordinadas entre si, de modo que um não pode, ao mesmo tempo, usurpar a função do outro ao qual presta seu concurso, mas tem seu princípio próprio. Em terceiro lugar, o direito de cada sujeito lhe é resultante da reunião dessas... coisas: a coordenação e a subordinação dos poderes.

(KANT, 1993, pp. 155, 156)

Tudo isso leva à “organização perfeita” do governo democrático constitucional do reino dos fins. Podemos ver, pois, que Kant rejeita a ideia de “controle recíproco” (freios e contrapesos) entre os poderes. Para Kant, entre os poderes (pessoas morais ou dignidades públicas) há e deve haver relações próprias de “dignidades públicas”, ou seja, relações de respeito, diálogo, coordenação, subordinação e cooperação entre si, além de serem “independentes entre si”, isto é, cada um tem e deve ter independência (seu princípio próprio), devendo respeitar a independência (o princípio, a dignidade) dos outros poderes.

De tudo isso, a teoria de número de funções e órgãos constitucionais de governo do Estado democrático kantiano, é, em verdade, de seis funções delegadas a cinco órgãos:

I. Órgão (“poder”) da vontade universal de governo soberano do povo. É órgão soberano original, o mais elevado órgão do governo constitucional democrático. Funções: 1) realizar o governo geral do Estado democrático constitucional, do “navio do reino dos fins”; 2) moderar (mediar, pacificar) e coordenar as ações dos outros órgãos, respeitando sua independência e promovendo relações de humildade, respeito, diálogo e cooperação entre eles, bem como com a cidadania democrática, o povo soberano universal;

II. Órgão legislativo: função legislatica. É órgão soberano derivado.

III. Órgão educativo ou educador. Função: formar os indivíduos e cidadãos democráticos, participativos, justos e pacíficos, amorosos uns com os outros, livres e iguais, fraternos e solidários, disciplinados (civilizados, humanizados), pensantes, inteligentes, emancipados, autônomos e independentes;

IV. Órgão executivo: é o governo estrito senso. O órgão executivo maior é o órgão da vontade universal de governo do povo soberano.

V. Órgão julgador: como todos os outros órgãos, moderado pelo órgão do governo geral e soberano do povo.

7.6. A teoria de Benjamin Constant. Órgão moderador explícito. Judiciário: moderado pelo órgão moderador.

Também pensador antidemocrático, Benjamin Constant rejeita as deias de vontade geral ou universal, da soberania popular e de governo constitucional popular, ideias de Rousseau e Kant. É também crítico de Montesquieu, pois, segundo Constant, a teoria dos três poderes de Montesquieu não contém um poder que tenha a função de moderar (controlar, regular), externamente, os poderes legislativo, executivo e judiciário.

Quanto a isso, há estudiosos que afirmam que em Constant estaria a origem (o começo) do poder moderador. Wagner Feloniuk é um deles:

Uma crítica feita por Constant, antes de adentrar a sua proposta, é sobre Montesquieu (CONSTANT, 1815, p. 58). Ela ajuda a entender melhor suas bases de pensamento. Ele faz o comentário à teoria da tripartição de poderes. Afirma que Montesquieu pode ter sido muito adequado em compreender a Inglaterra, mas que em uma situação como a francesa não adiantaria dividir [o poder] em três poderes e criar freios e contrapesos teóricos. Ele afirma que, na França, a teoria não funcionava e não iria funcionar. Era preciso uma instituição concreta, capaz de conter a sociedade e todos os poderes constituídos. Esse seria o começo do Poder Moderador

(FELONIUK, 2019, p. 4)

Mas devemos frisar que o poder moderador não teve seu começo em Constant. Como vimos acima, o poder moderador, contrariamente à critica de Constant, já está afirmado, expressamente, na obra “O Espírito das Leis” de Montesquieu. Montesquieu chamou esse poder de poder regulador, tendo como função moderar os outros três poderes: legislativo, executivo e judiciário.. Da mesma forma, vale ressaltar que Montesquieu não criou o mecanismo dos freios e contrapesos. Esse mecanismo antidemocrático foi criado pelos Federalistas em 1787.

Montesquieu publicou a sua teoria dos três poderes em 1748, ou seja, bastante tempo antes de Constant, que publicou sua teoria dos quatro poderes em 1815. Ao respeito, Ambrosini:

[...] Na edição de 1815 do Principes, o segundo capítulo tratava da “natureza do Poder Real em uma monarquia constitucional”. Aqui, Constant retomava e dava forma definitiva a sua teoria de que a instituição de um quarto poder na organização do Estado que, separado dos três tradicionais, servisse como mecanismo para resolver desentendimentos entre os as demais funções estatais. Em suas palavras:

[...] O poder executivo, o legislativo e o judiciário são três molas que devem cooperar, cada uma em sua esfera, com um movimento geral: entretanto, quando essas molas, desarranjadas, se cruzarem, entrechocarem-se e se travarem mutuamente, torna-se necessária uma força que as remeta de volta a seu lugar original. Esta força não pode residir em nenhuma das molas, pois serviria para destruir as outras. Ela deve ser externa a todas as demais, neutra, para que sua ação seja aplicada necessariamente em todo lugar onde assim deva ser, e para que ela seja preservadora, reparadora, sem ser hostil.

(CONSTANT. IN: AMBROSINI, 2004, pp. 41, 42) (negritos nossos)

Como podemos ler, Constant “deu forma definitiva a sua teoria” em 1815, ou seja, muito depois de Montesquieu, e também não chamou a esse quarto poder da sua teoria de poder moderador, mas de “poder real”. Constant o chamou de poder real porque tal poder devia residir na figura do rei, do monarca. Esse poder real tinha a função de, sem ser hostil, promover, não o “controle recíproco”, mas a cooperação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário e, quando houvesse desarranjos e entrechoques entre eles, assumiria uma função reparadora.

Para Constant, tal poder real (com função moderadora) deve ser poder separado do poder executivo [ministerial], sendo essa separação a chave de toda organização política. Em relação a isso, citado por Ambrosini, Constant afirma:

O Poder Ministerial [Poder Executivo], ainda que emanado do Poder Real, tem, entretanto, uma existência realmente separada da deste último, e a diferença é essencial e fundamental entre a autoridade responsável e autoridade investida da inviolabilidade. Esta distinção foi consagrada por nossa própria experiência da Constituição [refere-se à Carta francesa de 1814], mas acredito que deva ainda ser completada por algum desenvolvimento. Indicada em uma obra que publiquei antes da promulgação da Carta de 1814, ela pareceu clara e útil a homens cujas opiniões têm, a meus olhos, um grande peso. É de fato, acredito, a chave de toda organização política.

(CONSTANT. IN: AMBROSINI, 2004, pp. 78, 79)

Cabe aqui esclarecer que, como aponta Silvana Mota Barbosa, tal separação, já estava no pensamento de Clermont-Tonnerre:

[...] O germe de tal ideia de separação entre o poder real e o poder executivo estava nos escritos de Clermont-Tonnerre, e Constant, convencido da exatidão de tal ideia, tratou de especificar sua natureza e importância...

(BARBOSA, 2001, p. 68, 69)

Assim, a estrutura orgânico-funcional da teoria de Constant é a seguinte:

I. Órgão (poder) Real, do Rei. Função: moderar: promover a cooperação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, evitando conflitos entre eles, e, se houver conflitos, solucioná-los, sem ser hostil.

II. Órgão legislativo: função legislativa

III. Órgão ministerial (executivo): função executivo-ministerial

IV. Órgão judiciário: função judiciária

No Brasil, essa teoria de Constant foi adotada pela constituição imperial brasileira de 1824, mas com uma importante modificação feita de forma conveniente pelo imperador D. Pedro I. A Constituição imperial brasileira de 1824 registra:

[...]

Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias, que a Constituição oferece.

Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante. Para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos.

Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado.

Da leitura comparativa das citações acima, de Constant e da Constituição Imperial brasileira de 1824, vemos que Constant aponta, claramente, que o Poder Moderador (Poder Real) tem existência realmente separada do Poder Executivo.

Na Constituição imperial brasileira de 1824, entretanto, contrariamente ao teorizado por Tonnerre e Constant, é dito que a chave de toda organização política é a concentração das funções moderadora e executiva no Poder Moderador, delegado ao Imperador D. Pedro I.

Posteriormente, o Brasil abandonou a teoria dos quatro poderes de Constant e adotou, na sua primeira Constituição da República de 1891, a teoria antidemocrática dos três poderes de Montesquieu e dos Federalistas, assim como nas suas posteriores, inclusive, contraditoriamente, na sua Constituição democrática de 1988.

7.7. A teoria de número de funções de Hegel. Educação: função servil. Função moderadora explícita. Judiciário não faz parte do governo formal do Estado.

Hegel, de forma muito semelhante a Montesquieu e os Federalistas, é também pensador antidemocrático, vigorosamente antidemocrático. Contra a soberania do povo ou soberania popular, no “Principios de la filosofía del derecho” de 1820, ele afirma:

[...] el sentido más usual en el que se ha comenzado a hablar… de soberanía del pueblo, es el que la opone a la soberanía existente en el monarca… la soberanía del pueblo es uno de los tantos conceptos confusos que se basan en una caótica representación del pueblo. El pueblo, tomado sin sus monarcas… es una masa carente de forma que no constituye ya un pueblo (…) la soberanía existe como personalidad del todo, y ésta, en la realidad que corresponde a su concepto, como la persona del monarca (…) el pueblo… expresa la parte que precisamente no sabe lo que quiere. Saber lo que se quiere, y más aún, saber lo que quiere la voluntad en sí y por sí, la razón, es el fruto de un conocimiento profundo que no es justamente asunto del pueblo

(HEGEL, 1988, pp. 364, 365 e 386) (negritado por nós)

Como se pode ler, Hegel mostra uma poderosa ideia antidemocrática. Para Hegel, como para Montesquieu e os Federalistas, “os saberes ou conhecimentos não são assuntos do povo”. Para eles, a educação não deve ser uma função independente no governo. Para tais filósofos e juristas, a educação não é nem deve ser uma educação democrática, independente, livre, e para a democracia e a liberdade igual e real para todos, uma educação ética, cognitiva, jurídica, política, de gestão, de governo para todos os cidadãos, para o povo. Para Hegel, a educação deve criar a obediência à lei do monarca, do príncipe, devendo estar, portanto, subordinada e dependente dele. Enfim, para o filósofo, a educação é, deve ser e só pode ser “educação servil”, produtora e reprodutora da “escravidão funcional” do povo, dos educadores em benefício do monarca, do príncipe.

Na sua obra citada, fundado no princípio da separação de funções, Hegel elabora uma teoria de três funções delegada a três órgãos (“poderes”): legislativo, governativo e do príncipe:

[..] A constituição política é a organização do Estado (...) Nos assuntos do governo... da organização do Estado também tem lugar a divisão do trabalho (...) O Estado político [a organização do Estado] se divide então nas seguintes diferenças substanciais: a) o poder de determinar e estabelecer o universal: o poder legislativo; b) a subsunção das esferas particulares e os casos individuas sob o universal: o poder governativo; c) a subjetividade como decisão última da vontade: o poder do príncipe... a culminação e o começo de todo, e constitui a monarquia constitucional.

(HEGEL, 1988, pp. 349, 353, 376) (tradução livre e negritos nossos)

Quanto ao poder judiciário, Hegel não o coloca como poder da organização formal do Estado. O poder judiciário, para ele, está compreendido no poder governativo, mas pertence à sociedade civil, não à sociedade política:

[...] Esta tarefa de subsunção concerne ao poder governativo, no qual estão também compreendidos os poderes judicial e policial, que se relacionam de modo imediato com o particular da sociedade civil e fazem valer nesses fins particulares o interesse geral (...) A sociedade civil contém os três momentos seguintes:

[...]

B: ... a proteção da propriedade pela administração da justiça... [...]

(HEGEL, 1988, pp. 266, 375) (tradução livre e negritos nossos)

Vemos pois que de forma semelhante ao pensamento de Rousseau, para Hegel, o lugar do judiciário é dentro da sociedade civil, não no governo formal do Estado. Também de forma similar a Rousseau, para Hegel, os conhecimentos jurídicos, de direito, não são nem devem ser apenas dos juízes e juristas “de ofício”, mas também de todo homem, de toda pessoa humana:

A classe dos juristas, que tem o conhecimento particular das leis, costuma considerá-lo como um monopólio e impedir que seja adquirido por quem não é do ofício. Assim, os físicos também levaram a mal a doutrina das cores de Goethe porque não pertencia ao ofício e além do mais era poeta. Mas assim como ninguém precisa ser sapateiro para saber que os sapatos se ajustem bem, tampouco precisa pertencer ao ofício para ter conhecimentos sobre objetos que são de interesse geral. O direito concerne à liberdade, o mais digno e sagrado no homem, e o deve conhecer na medida em que é para ele obrigatório

(HEGEL, 1988, p. 288) (tradução e negritos nossos)

Além do mais, Hegel rejeita o mecanismo dos freios e contrapesos, ou seja, a recíproca ou mutua limitação entre os poderes:

[...] Entre as representações correntes devemos citar... a necessária separação dos poderes do estado (...) o princípio da separação dos poderes contém o momento essencial da diferença (...) o entendimento abstrato a apreende... unilateralmente, compreendendo sua relação como... mutua limitação. Dessa perspectiva, se transforma em hostilidade, em temor de cada um frente ao outro, como se fosse um mal, o que dará lugar a que se contraponham (...) A representação da chamada independência de poderes possui em si o erro fundamental de que os poderes devem limitar-se mutuamente...

(HEGEL, 1988, p. 351 e 385) (tradução e negritos nossos)

Em lugar do mutuo ou recíproco controle entre os poderes (freios e contrapesos), que leva à “luta entre si dos poderes para tirar vantagem”, Hegel concebe um órgão (poder) moderador ou mediador, que ele o denomina de “estamentos”, tendo a função de mediação:

[...] A constituição é essencialmente um sistema de mediação... Considerados [os estamentos] como um órgão mediador [com] função de mediação... a posição do governo diante dos estamentos não deve ser hostil (..) O governo não é um partido que se opõe ao outro, de maneira tal que tenham que lutar entre si e tirar vantagens (...) O que constitui a determinação própria da representação dos estamentos é que, pelo seu intermédio, o estado penetra na consciência subjetiva do povo e este [o povo] começa a tomar parte naquele [no governo do Estado]... Os estamentos estão entre o governo... e o povo... Sua posição implica ao mesmo tempo uma mediação, em comum com o poder governamental organizado, que impede que o poder do príncipe apareça como um extremo isolado e, portanto, como mero poder arbitrário e dominador

(HEGEL, 1988, pp. 388, 389) (destaques nossos)

Reparemos que esse órgão mediador do pensamento de Hegel é similar ao órgão do tribunato idealizado por Rousseau, pois, para Rousseau, o tribunato tem, entre outras funções, a de mediar a relação entre o executivo e o legislativo objetivando o equilíbrio entre eles.

Desse modo, em verdade, Hegel tem uma teoria de seis funções e respectivos órgãos.

I. Órgão (“poder”) do Príncipe

II. Órgão legislativo

III. Órgão governativo

IV. Órgão mediador (moderador, pacificador)

Órgãos da sociedade civil:

V. Órgão judiciário; e

VI. Órgão policial.

Algo importante: com Hegel surgiram a direita hegeliana e a esquerda hegeliana. Marx fazia parte da esquerda hegeliana. Mais tarde, com Lênin, surge o marxismo-leninismo.

7.8. A teoria marxista-leninista de número de funções de V. G. Afanasiev. Função moderadora explícita. Educação: função servil e ideológica. Judiciário (Suprema Corte): não é independente. Exemplos das Constituições da China de 1982 e de Cuba de 2019

Ao igual que a teoria de Hegel, a teoria de poder e governo socialista-comunista de ideologia marxista-leninista é uma teoria antidemocrática, que vê o povo como sendo uma “massa” que deve ser liderada (dirigida, controlada) por um partido político denominado, geralmente, de “partido comunista”, e ou pelo “líder supremo” do mesmo partido comunista.

Tal teoria socialista-comunista de ideologia marxista-leninista defende, contra a soberania popular e um governo constitucional popular, uma ditadura, ou seja, um regime de governo essencialmente antidemocrático. Na Constituição da República Popular da China de 1982, essa ditadura aparece de forma expressa no Capítulo I, Princípios Gerais, artigo 1º:

Artigo 1º A República Popular da China é um estado socialista governado por uma ditadura democrática-popular liderada pela classe trabalhadora e baseada em uma aliança de trabalhadores e camponeses.

O sistema socialista é o sistema fundamental da República Popular da China. A liderança do Partido Comunista da China é a característica definidora do socialismo com características chinesas. É proibido a qualquer organização ou indivíduo prejudicar o sistema socialista.

(negritado por nós)

Essa ditadura, embora esteja escrito que é “democrático-popular”, na verdade, é uma ditadura do Partido Comunista da China, pois, conforme esse mesmo artigo 1º, segunda parte, “A liderança do Partido Comunista da China é a característica que define o socialismo com caraccterísticas chinesas”. Dito de outro modo: o que define o socialismo com características chinesas é a ditadura (liderança) do Partido Comunista da China, ou seja, sem a liderança (ditadura) do Partido Comunista da China, o socialismo chinês não existiria.

É o que aconteceu na URSS. Na URSS, o ditador (a liderança) do sistema socialista era o Partido Comunista da URSS (AFANASIEV, 1975, p. 160) e ou seu líder supremo (Lênin, Stalin, etc.) e não a clase trabalhadora, muito menos o povo.

A teoria socialista-comunista de ideologia marxista-leninista, ao aplicar o princípio da separação de funções ou princípio da divisão do trabalho também expressa uma teoria de número de funções e órgãos de governo. Ao respeito, o teórico marxista-leninista V.G. Afanasiev, no seu livro “Dirección Científica de La Sociedad”, já referido, afirma:

[...] Lenin entendía por aspecto científico el conocimiento… [de] valerse de las realizaciones contemporáneas de la ciencia de gobernar. Lenin comparaba el aparato de gobierno con las instituciones de tipo académico (…) El Partido Comunista dedica mucha atención y fuerzas a la organización y al perfeccionamiento del aparato de gestión sobre todo en lo que se refiere al funcionamiento del Estado soviético… trata de lograr la mayor organización y coordinación en su labor y se preocupa por el desarrollo de la democracia socialista (…) Es importante que exista un determinado sistema en la actividad del aparato de gestión. Al estudiar los problemas de la nueva organización del funcionamiento del Consejo de Comisarios del Pueblo, Lenin… exigía que se “pensara en el sistema de trabajo” (…) Lenin subrayaba que a cada trabajador se le debía fijar tareas definidas con precisión, claramente e sin equívocos (…) El carácter sistemático del funcionamiento del aparato de gestión presupone, ante todo, la exacta y detallada distribución de las funciones, la rigorosa especialización de cada órgano (…) “La ausencia de trabajo coordinado de los diversos departamentos – escribía Lenin – es uno de los mayores males…” (…) La delimitación clara y precisa de las funciones de los diversos órganos del aparato estatal… constituye, quizá, una de las tareas más complejas, pero más importantes del perfeccionamiento del aparato de gestión.

(AFANASIEV, 1975, pp. 182, 188, 189, 190, negritos nossos)

Nessa citação podemos notar que, para Afanasiev, o princípio é o princípio da separação de funções ou princípio da divisão do trabalho e a sua teoria de número de funções e órgãos é uma teoria de número aberto, pois ele não fala de um número específico deles. Também observamos que o que se divide em funções e órgãos é o “aparelho de gestão” ou “aparelho de governo” do Estado soviético, e não o poder político do mesmo Estado. Vemos também que, para Afanasiev, as expressões “aparelho de governo” e “aparelho de gestão” são sinônimos, e não se referem ao poder do Estado, mas ao governo do Estado, ao qual deve ser aplicada “a ciência de governar”.

Reparemos também que, na teoria de gestão de ideologia marxista-leninista de Afanasiev, o termo “função” também é chamado de “trabalho”, e o termo “departamentos” equivale ao termo “órgãos”.

Todo esse processo governamental está orientado para a construção do comunismo, para a qual a educação comunista é também fundamental:

En el trabajo de construcción del comunismo adquiere mucha importancia la dirección [gestión] de la educación comunistaa esfera más compleja, delicada e sensible de la vida social (…) De ahí que la educación comunista y toda la labor ideológica sean una condición necesaria para a la construcción del comunismo (…) Es importante tener en cuenta el lugar y el papel de cada uno de los medios (la familia, la escuela, los centros de enseñanza media especializada y superior, los estudios políticos, la prensa, la radio, la TV, la colectividad del trabajo las asociaciones, etc.) en el sistema general de la educación; hay que procurar la unidad y la interacción de todos ellos…

(AFANASIEV, 1975, p 185) (destaque nosso)

Essa ideia de educação comunista de Afanasiev também está presente na Constituição da República Popular da China de 1982, artigo 24, segunda parte:

O Estado defenderá os valores socialistas fundamentais; defenderá as virtudes cívicas do amor à pátria, ao povo, ao trabalho, à ciência e ao socialismo; educará o povo no patriotismo e no colectivismo, no internacionalismo e no comunismo, e no materialismo dialético e histórico; e combaterá o capitalismo, o feudalismo e outras formas de pensamento decadente

(tradução livre e negritos nossos)

Na sua obra, Afanasiev não expressa uma teoria própria de número de funções e órgãos separados. A obra dele, na verdade, é uma obra elaborada para justificar a organização do governo do antigo Estado Soviético. Com essa finalidade, ele faz a seguinte exposição em relação às funções e órgãos da organização do governo do Estado socialista da antiga URSS:

[…] el Estado con sus numerosos órganos […] La voluntad del sujeto soberano de gestión, del pueblo, se erige en ley, adquiere un carácter universal y obligatorio precisamente en las leyes del Estado. La función legislativa pertenece enteramente sólo al Estado personificado por el órgano máximo de poder: el Soviet Supremo de la URSS… o Estado dispone de órganos de coerción (tribunales, fiscalía, órganos de gobernación y seguridad del Estado) […] El Estado es un complejo sistema dinámico que consta del aparato estatal: órganos representativos (Soviets de diputados de los trabajadores), órganos ejecutivos y administrativossistema judicial, supervisión fiscal, fuerzas armadas, órganos de seguridad del Estado y de protección del orden público, etc. (…) Además, junto al órgano supremo de poder del Estado – El Soviet Supremo de la URSS – ha sido instituido el Consejo de Ministros con sus numerosos ministerios e comités…

(AFANASIEV, 1975, pp. 160, 161, negritos nossos)

Em relação à função moderadora, Afanasiev a inclui com o nome de função reguladora, como função necessária para o bom funcionamento do governo do Estado e da sociedade.

[…] Admitamos que el acuerdo de la gestión ha sido adoptado, el objeto y el sujeto de gestión han sido puestos en estado de ordenación (…), así que el sistema… ha comenzado a funcionar. La tarea siguiente es la de conservar, mantener y perfeccionar el estado de ordenación y de organización del sistema gobernado y gobernante, así como el de las comunicaciones entre ellos. El cumplimiento de esta tarea es precisamente la esencia de otra función del proceso de gestión: la función de regulación (…) La regulación es una función indispensable del proceso de gestión (…) la misión del sujeto de gestión consiste en valerse de la regulación para asegurar… la estabilidad dinámica del sistema… de asegurar no sólo el equilibrio dinámico del sistema, sino también su constante perfeccionamiento y desarrollo. (...) La regulación que corre a cargo del Estado, digamos, se diferencia de la que realizan las cooperativas o las organizaciones sociales (...) el Estado socialista ejerce la regulación política, y se vale para ello de los métodos administrativo-jurídicos…

(AFANASIEV, 1975, pp. 237, 239, 240 e 241) (ressaltado por nós)

Observe-se: essa função de regulação teorizada por Afanasiev, quanto a sua denominação, coincide com Montesquieu, pois Montesquieu também chama de poder regulador ao poder que tem a função de moderar os outros poderes da sua teoria.

Mas, por importante, repare-se que Afanasiev também fala dos componentes do sistema de gestão da sociedade socialista:

[...] Los componentes del sistema de gestión de la sociedad socialista son los partidos políticos (en la URSS es el Partido Comunista de la Unión Soviética), el Estado con sus numerosos órganos, las organizaciones políticas y las sociales. En la URSS al frente de este sistema se halla el Partido Comunista

(AFANASIEV, 1975, p. 160) (negritos nossos)

Assim, são três os componentes do sistema de gestão da sociedade socialista: 1) o Partido Comunista da União Soviética; 2) o Estado; e 3) as organizações políticas e sociais. No comando (na liderança) desse sistema está o Partido Comunista Soviético. Isso significa que no governo socialista da URSS, em verdade, não é o povo, mas o Partido Comunista da União Soviética que, embora não sendo parte formal do governo, realmente, governa o Estado socialista da URSS, e o governa como partido único:

[…] Para gobernar – escribía Lenin – hay que disponer de un ejército de forjados revolucionarios comunistas. Y ese ejército existe, se llama partido! (…) En la sociedad socialista no existe ni puede existir otra organización sociopolítica además del Partido Comunista (...) La política del partido penetra todas las esferas da vida y del desarrollo de la sociedad socialista

(AFANASIEV, 1975, pp.) (sublinhado e negritos nossos)

No que diz respeito ao judiciário, pelo conteúdo da citação acima, ele não é órgão independente. É órgão dependente, subordinado e controlado pelo órgão máximo do governo, vale dizer, o Soviet Supremo da URSS e ou pelo partido comunista da URSS.

Já quanto ao lugar da educação no governo socialista soviético, para Afanasiev, ela (e os educadores) não deve ser uma educação independente, livre. Ela deve ser servil ao partido comunista e permanecer como função escravizada, subordinada e dependente dele. Para Afanasiev, o partido comunista tem o “direito e o dever” de colonizar e monopolizar a educação, reduzindo-a a uma função servil e meramente ideológica:

Los adversarios del comunismo suelen reprochar al partido el haber monopolizado… la esfera da educación, lo cual es, según insisten, incompatible con la libertad, con el desarrollo universal del hombre…En efecto, el PCUS es un partido gobernante, por cuya razón, como es lógico, está llamado a gobernar todas las esferas de la vida social, comprendida la espiritual. Este derecho lo ha conquistado con su trabajo y lucha al lado del pueblo, al frente del pueblo. La ideología del partido, la ideología marxista-leninista, la ideología que recoge la magna sabiduría y la gran experiencia de la lucha de los trabajadores, ha sido acogida por el pueblo voluntaria y conscientemente… Por tanto, la política del partido en la esfera de la ideología es una política popular, una política que expresa las ideas más íntimas del pueblo, sus pensamientos, intereses y anhelos. De ahí la necesidad, el derecho y el deber del partido de ejercer su papel dirigente, de gobernar la labor ideológica.

(AFANASIEV, 1975, pp. 177, 178) (ressaltado por nós)

Como é sabido, a URSS colapsou como socialismo. Símbolo desse colapso é a queda do muro de Berlim (1989). Então, para termos uma ideia da aplicação do princípio da separação de funções na estrutura organizacional do governo de um Estado socialista antes e depois da queda do muro de Berlim, vejamos, de forma esquemática e nos pontos que interessam, os exemplos da Constituição da República Popular da China de 1982 e da Constituição da República de Cuba de 2019.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA DE 1982

Estrutura Organizacional do Governo Central do Estado Socialista da China

I. Congresso Nacional Popular

Artigo 57.º O Congresso Nacional Popular da República Popular da China é o órgão supremo do poder político. O seu órgão permanente é a Comissão Permanente do Congresso Nacional Popular.

Artigo 58.º O Congresso Nacional Popular e a sua Comissão Permanente exercem o poder legislativo do Estado.

Artigo 62.º O Congresso Nacional Popular exerce as seguintes funções e poderes:

1.º Rever a Constituição;

2.º Vigiar pelo cumprimento da Constituição;

Artigo 67.º Compete à Comissão Permanente do Congresso Nacional Popular:

1.º Interpretar a Constituição e vigiar pelo seu cumprimento;

4.º Interpretar as leis;

6.º Supervisar o trabalho do Conselho de Estado, da Comissão Central Militar, do Supremo Tribunal Popular e da Suprema Procuradoria Popular; .

II. Presidente da República Popular da China

Artigo 79.º O Presidente e o Vice-Presidente da República Popular da China são eleitos pelo Congresso Nacional Popular.

III. Conselho de Estado

Artigo 85.º O Conselho de Estado é o Governo Central Popular da República Popular da China, o corpo executivo do órgão supremo do poder político e o órgão supremo da administração pública.

Artigo 92º O Conselho de Estado é responsável perante o Congresso Nacional Popular, ao qual presta contas da sua atividade, ou, não estando o Congresso reunido, perante a sua Comissão Permanente.

IV. Comissão Militar Central

Artigo 93º A Comissão Militar Central da República Popular da China dirige as Forças Armadas do país.

Artigo 94º O Presidente da Comissão Militar Central responde perante o Congresso Nacional Popular e a sua Comissão Permanente.

V. Tribunais Populares

Artigo 123.º Os tribunais populares da República Popular da China são órgãos judiciais do Estado.

Artigo 126.º Os tribunais populares só estão sujeitos à lei no exercício do poder judicial e não podem sofrer interferências dos órgãos administrativos, das organizações públicas ou dos particulares.

Artigo 127.º O Supremo Tribunal Popular é o supremo órgão judiciário.

Artigo 128.º O Supremo Tribunal Popular é responsável perante o Congresso Nacional Popular e a sua Comissão Permanente.

VI. Procuradorias Populares

Artigo 129.º As procuradorias populares da República Popular da China são órgãos do Estado, aos quais está confiada a vigilância sobre a aplicação das leis.

Artigo 131.º As procuradorias populares só estão sujeitas à lei no exercício das suas funções e não podem sofrer interferências da parte dos órgãos administrativos, de organizações públicas ou dos particulares.

Artigo 132.º A Suprema Procuradoria Popular é o supremo órgão de procuradoria.

Artigo 133.º A Suprema Procuradoria Popular é responsável perante o Congresso Nacional Popular e a sua Comissão Permanente.

Nessa organização do governo chinês, os órgãos (“poderes”) são seis: 1) Órgão legislativo, formado pelo Congresso Nacional Popular e a sua Comissão Permanente; 2) Presidente da República; 3) Conselho de Estado; 4) Comissão Militar Central; 5) Tribunais Populares; e 6) Procuradorias Populares.

Como no caso do governo do Estado soviético, toda essa estrutrua organizacional formal do governo do Estado chinês, está comandada e controlada pela ditadura (liderança) do Partido Comunista Chinês e ou pelo seu líder supremo, atualmente, Xi Jinping, que, como foi visto, é o que define (como sua essência) o socialismo com características chinesas.

Uma vez que não há nesse sistema organizacional um órgão separado e especial que cumpra a função de moderar (controlar) os demais órgãos, então, essa função é executada pelo órgão supremo do poder político, vale dizer, o Congresso Nacional Popular ou a sua Comissão Permanente.

Relativamente à Suprema Corte (do judiciário), ela não é independente. É órgão subordinado, dependente e controlado pelo Congresso Nacional Popular e sua Comissão Permanente, que, inclusive, supervisiona o trabalho da Corte. Observe-se também que quem interpreta a Constituição e vigia pelo seu cumprimento, bem como interpreta as leis é a Comissão Permanante do Congresso Nacional Popular e não a Suprema Corte.

Vale também observar que nessa estrutura organizacional chinesa, tanto o Tribunal Popular quanto a Procuradoria Popular têm a mesma categoria: o Tribunal é Supremo e a Procuradoria é também Suprema, mas ambos órgãos são inferiores e subordinados aos verdadeiros órgãos supremos: o “órgão supremo do poder político”, ou seja, o Congresso Nacional Popular e o Partido Comunista Chinês.

Quanto ao lugar da educação e outras funções sociais na organização do governo chinês, isso será analisado junto com a Constituição de Cuba de 2019, a seguir.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE CUBA DE 2019

Princípios Funcionais e Organizacionais dos Órgãos do Estado

Artigo 101 – Os órgãos do Estado são formados e desenvolvem suas atividades com base nos princípios da democracia socialista (...)

I. A Assembleia Nacional do Poder Popular

Artigo 102 - A Assembleia Nacional do Poder Popular é o órgão supremo do poder do Estado.

Artigo 103 - A Assembleia Nacional do Poder Popular é o único órgão com poder legislativo e constituinte da República.

II. O Conselho do Estado

Artigo 107 – A Assembleia Nacional do Poder Popular elege de entre os seus representantes o Conselho de Estado, órgão que a representa entre um ou outro período de sessões, executa os seus acordos e exerce as demais funções que a Constituição e a lei lhe atribuem (...)

III. O Presidente da República

Artigo 125 - O Presidente da República é o Chefe de Estado

IV. O Governo da República: Conselho de Ministros

Artigo 133 - O Conselho de Ministros é o órgão máximo executivo e administrativo e constitui o Governo da República.

Artigo 140 - O Primeiro-Ministro é o Chefe do Governo da República

V. Os Tribunais de Justiça

Artigo 147 - A função de fazer justiça emana do povo e é exercida em seu nome pelo Tribunal Supremo Popular, bem como pelos demais tribunais estabelecidos por lei.

Artigo 148 - Os tribunais constituem um sistema de órgãos do Estado, estruturado com independência funcional de qualquer outro.

Artigo 150 - Os magistrados e juízes, na sua função de fazer justiça, são independentes e não devem obediência senão à lei.

Artigo 154 – O Tribunal Supremo Popular reporta à Assembleia Nacional do Poder Popular os resultados de suas atividades, na forma e periodicidade estabelecidas em lei.

VI. A Procuradoria-Geral da República

Artigo 156 – A Procuradoria-Geral da República é o órgão do Estado que tem como missão fundamental o exercício da fiscalização das investigações criminais e o exercício da ação penal pública em representação do Estado...

Artigo 157 – A Procuradoria-Geral da República constitui uma unidade orgânica, indivisível e funcionalmente independente, subordinada ao Presidente da República.

VII. A Controladoria-Geral da República

Artigo 160 – A Controladoria-Geral da República é o órgão do Estado que tem como missão fundamental assegurar a administração adequada e transparente dos fundos públicos e o controle superior da gestão administrativa.

Artigo 161 – A Controladoria-Geral da República tem independência funcional em relação a qualquer outro órgão, está estruturada verticalmente em todo o país e está subordinada ao Presidente da República.

VIII. O Conselho Nacional Eleitoral

Artigo 211 – O Conselho Nacional Eleitoral é o órgão permanente do Estado com a missão fundamental de organizar, dirigir e fiscalizar as eleições, consultas populares, plebiscitos e referendos que forem convocados.

O Conselho Nacional Eleitoral garante a veracidade, transparência, eficiência, publicidade, autenticidade e imparcialidade dos processos de participação democrática.

Artigo 212 – O Conselho Nacional Eleitoral tem independência funcional em relação a qualquer outro órgão e responde à Assembleia Nacional do Poder Popular no exercício das suas funções.

IX. O Conselho de Defesa Nacional

Artigo 218 – O Conselho de Defesa Nacional é o órgão superior do Estado, cuja missão primordial é organizar, dirigir e preparar o país em tempos de paz para se defender e fazer cumprir as normas vigentes relativas à defesa e segurança da nação.

Em situações extraordinárias ou de calamidade, dirige o país e assume as funções que correspondem aos órgãos do Estado, com exceção do poder constituinte.

Artigo 219 – O Conselho de Defesa Nacional é composto pelo Presidente da República, que o preside e, por sua vez, designa um Vice-Presidente e os demais membros determinados por lei [...]

Para essa Constituição cubana, são nove os órgãos (“poderes”) do governo formal do Estado socialista de Cuba, e o órgão mais elevado, ou seja, o órgão supremo do governo do Estado é a Assembleia Nacional do Poder Popular, órgão legislativo e constituinte.

Note-se que nessa estrutura orgânico-funcional não existe um órgão especial que tenha a função moderadora (reguladora). Isso significa que a função moderadora é executada pelo órgão da Assembleia Nacional do Poder Popular.

Observe-se também que o órgão do Tribunal Supremo Popular, embora a sua denominação contenha o termo “supremo”, ele, na verdade, não é supremo, pois ele está abaixo, dependente e subordinado à Assembleia Nacional do Poder Popular, tendo que prestar contas da sua gestão a ela, na forma e periodicidade estabelecida em lei. Está também subordinado ao Partido Comunista Cubano. Assim, também na República de Cuba, a Suprema Corte não é verdadeiramente “suprema”, nem independente.

Outrossim, visualize-se que o órgão Eleitoral, com o nome de Conselho Nacional Eleitoral, é um órgão com “independência funcional em relação a qualquer outro órgão”, ou seja, é também independente do órgão do Tribunal Supremo Popular.

Mas, por ser essencial nessa organização cubana, prestemos atenção ao que diz o art. 5º dessa Constituição cubana de 2019:

Artigo 5 – O Partido Comunista de Cuba, único, martiano, fidelista, marxista e leninista, a vanguarda organizada da nação cubana, sustentado em seu caráter democrático e a permanente ligação com o povo, é a força política dirigente superior da sociedade e do Estado.

Organiza e orienta os esforços comuns para a construção do socialismo e seu progresso em direção à sociedade comunista (...).

Vemos nesse art. 5º que o Partido Comunista de Cuba, único e marxista-leninista, embora não sendo parte (órgão) formal do governo do Estado, participa dele como “força política dirigente superior... do Estado”. Isso quer dizer que, em verdade, tal qual aconteceu no governo socialista do antigo Estado socialista soviético, e como ocorre no Estado socialista chinês, não é o povo cubano quem realmente governa o Estado, mas o Partido Comunista Cubano.

No Brasil, o Partido dos Trabalhadores, PT, embora não se chame “comunista”, ele é, sim, comunista, pois ele tem a mesma ideologia e os mesmos princípios e objetivos do Partido Comunista Cubano, do Partido Comunista da União Soviética, bem como do Partido Comunista Chinês, como se pode extrair da leitura combinada das ideias: 1) de José Dirceu e Paulo Freire, pensadores socialistas-comunistas de ideologia marxista-leninista e membros importante do PT, já tratados; 2) da sua carta de princípios, também já referido no ponto que interessa; 3) do seu Estatuto; e 4) da fala do Presidente Lula, também presidente de honra do PT. Do seu Estatuto:

Art. 1º. O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãos e cidadãs que se propõem... eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático (ressaltado por nós)

Da fala do Presidente Lula:

[...] Nós queremos construir um socialismo brasileiro [um socialismo com características brasileiras], o socialismo adaptado à nossa cultura (...) Eles nos acusam de comunistas... de socialistas... Isso não nos ofende. Isso nos orgulha (...) Vocês não sabem como estou feliz hoje. Pela primeira vez na história desse país, nós conseguimos colocar na Suprema Corte desse país um ministro comunista (...) Eu perguntei ao companheiro Xi Jinping se era possível ele enviar para o Brasil uma pessoa da confiança dele para a gente discutir a questão digital e sobretudo o Tik Tok (...) é muito pouco para um partido de esquerda. Um partido de esquerda quer que o presidente diga que quer alcançar o socialismo

(PRESIDENTE LULA. In. YouTube. Canal CNN Brasil; Canal @ PodBroadShorts; Canal Band Jornalismo; e Canal @ AtualizaBR–m6u. Acessado em 04/08/2025) (negritos nossos)

Também, devemos ressaltar que a República de Cuba dá muita “importância” à educação e à saúde. Essa importância, no entanto, não se traduz na organização do governo cubano como uma educação e saúde (e profissionais da educação e da saúde) independentes, mesmo que apenas com independência funcional, da que gozam, por exemplo, os magistrados e juízes. Isso mostra que, em Cuba, a educação e a saúde, e os profissionais da educação e da saúde, são vistos e tratados apenas ou fundamentalmente como meios e instrumentos ideológicos e como servos ou escravos funcionais do partido comunista.

Com respeito à educação, a pedagogia de Paulo Freire harmoniza-se perfeitamente com o tratamento que o Partido Comunista Cubano dispensa à educação: eles não pensam (ou não permitem) que a educação seja função constitucionalmente independente delegada a um órgão educativo também constitucionalmente independente na estrutura organizacional do governo do Estado socialista. Freire, embora fale numa “educação dialógica”, “educação crítica”, “educação libertadora, emancipadora e para a autonomia”, ele, sendo pensador socialista-comunista de ideologia marxista-leninista, não se permite pensar na liberdade, emancipação, autonomia e independência da própria educação, delegada a um órgão (“poder”) educativo ou educador também emancipado, autônomo e independente, livre, na estrutura orgânico-funcional do governo do Estado socialista que ele defende, muito menos do governo do Estado democrático constitucional, em geral, e brasileiro, em particular.

7.9. Teorias de número de funções de Bruce Ackerman, Michael Walzer e John Rawls

Bruce Ackerman, Michael Walzer e John Rawls teorizaram contra a teoria mítica e antidemocrática dos três poderes de Montesquieu e dos Federalistas, defendendo a soberania popular, a cidadania democrática e teorias de mais de três funções e órgãos (”poderes”) autônomos e independentes no governo de um Estado de democracia constitucional.

7.9.1. A teoria de Ackerman. Função moderadora implícita. Judiciário moderado

Em defesa da soberania popular, Ackerman é um vigoroso crítico da teoria tripartite de Montesquieu e dos Federalistas. Em sua obra “The new separation of powers”, ele assenta:

[...] Enquanto os expertos americanos... se contentam com piedosas referencias a Montesquieu e Madison, cientistas políticos modernos se dignam considerar o modo em que sistemas alternativos funcionam bem no mundo (...) Embora esse sistema [de Montesquieu e Madison] funciona suficientemente bem em casa, ele se mostra desastroso em outros países (...) é o colapso constitucional. Num esforço de destruir o poder concorrente, um ou outro poder assalta o sistema constitucional e se instala, ele mesmo, como o único legislador (...) Eu chamo a esse colapso constitucional de “o pesadelo de Linz” (...) Linz argumenta que a separação de poderes [de Montesquieu e Madison] tem sido uma das mais perigosas exportações americanas (...) Há cerca de trinta países, a maioria em Latino-américa, que importaram sistemas ao estilo americano. Todos eles, sem exceção, sucumbiram ao pesadelo de Linz, ao mesmo tempo ou outro, frequente e repetidamente (...) a doutrina liberal da separação... tem sérias limitações... muito mais se requer para realizar uma sociedade razoavelmente justa (...) Os americanos deviam ser audaciosos em imaginar novos modelos de separação. Estamos somente no estágio inicial do enfrentamento de três grandes desafios dos tempos modernos: fazer do ideal da soberania popular uma realidade no governo moderno, resgatar o ideal da excelência e integridade burocráticas sobre uma base moderna e salvaguardar direitos liberais fundamentais garantindo recursos básicos para o autodesenvolvimento de cada um e de todos os cidadãos (...) Nós honramos melhor Montesquieu e Madison buscando novas formas constitucionais para enfrentar com êxito esses desafios, mesmo transcendendo a... separação tripartite...

(ACKERMAN, 2000, pp. 638, 640, 645, 722, 723 e 725) (tradução e destaques nossos).

Reforçando sua crítica, Ackerman também revela o fracasso dos freios e contrapesos:

A grande questão, a partir de agora, é se Joe Biden fracassará na adoção de medidas sérias para revigorar o sistema constitucional de ‘freios e contrapesos’, que tem sido violado sistematicamente por Donald Trump ao longo dos últimos quatro anos. Se Biden permanecer passivo, os norte-americanos poderão enfrentar outra campanha presidencial em 2024, na qual um demagogo nacionalista tentará impulsionar os Estados Unidos rumo a uma ditadura autoritária.

(ACKERMAN. In: STRECK e CATTONI, 2020) (negritos nossos)

Isso mostra que a teoria tripartite adotada pela Constituição americana, que inclui a mecanismo dos freios e contrapesos, é um desastre também nos Estados Unidos, não apenas nos países que a importaram.

Em face disso, Ackerman propõe um governo democrático com mais de três ou quatro órgãos, governo assentado na soberania popular:

[...] Os americanos deviam ser audaciosos em imaginar novos modelos de separação. Estamos somente no estágio inicial do enfrentamento de três grandes desafios dos tempos modernos: fazer do ideal da soberania popular uma realidade no governo moderno (...) há alguma boa razão para supor que um moderno e sensato governo deva dividir o poder entre somente três ou quatro poderes?... Minha mensagem é diferente... proponho... para o futuro desenvolvimento da separação de poderes... um sistema de mais poderes separados...

(ACKERMAN, 2000, pp. 640, 655 e 724) (negritos e tradução nossa). 

Assim, além do legislativo, executivo e judiciário, Ackerman propõe outros seis órgãos e respectivas funções:

I. Órgão do governo do povo soberano: 1) governo geral do Estado; 2) moderar (regular, controlar) os demais órgãos do governo.

II. Órgão da Integridade: fiscalizar o governo corrigindo a corrupção e abusos.

III. Órgão Regulador: obrigar à burocracia explicar como sua regulamentação complementar melhorará realmente os resultados gerados pela mão invisível.

IV. Órgão Democrático: salvaguardar os direitos de participação de cada cidadão.

V. Órgão da Justiça Distributiva: assegurar a provisão econômica mínima para cidadãos menos capazes de defender politicamente seus direitos.

VI. Órgão da Corte Constitucional: proteger os direitos humanos fundamentais para todos.

(ACKERMAN, 2000, p. 723) (negritos e tradução livre nossa)

Por último, notemos que a teoria de Ackerman é uma teoria de número aberto de funções e órgãos, pois ele propõe mais de três ou quatro poderes, sem limitar esse número a uma quantidade concreta e fechada.

7.9.2. A teoria de Walzer. Função moderadora implícita. Função da educação e outras funções e órgãos sociais independentes. Judiciário: moderado

Na sua obra “Esferas da justiça”, Walzer anuncia uma concepção da justiça como um conjunto de esferas distributivas, todas elas independentes no governo do Estado democrático amplamente justo que propõe. Tal autonomia das esferas da justiça está explicitamente fundada no princípio da separação de funções ou princípio da divisão do trabalho:

[...] A justiça distributiva é um conceito amplo... Reunimo-nos também para fazer coisas que são compartilhadas, divididas e trocadas, mas mesmo essa execuçãoo próprio trabalhoé distribuída entre nós no que se chama a divisão do trabalho (... ) a autonomia das esferas produzirá uma maior repartição de bens sociais... Espalhará mais amplamente o prazer de governar (...) Os cidadãos democráticos... fazem parte do exercício do poder...

(WALZER, 1999, pp. 21, 273, 274 e 303) (negritos nossos).

Repare-se: nessa proposta de governo com órgãos sociais autônomos e independentes, os “cidadãos democráticos fazem parte do exercício do poder”, ou seja, do governo. Sem a participação da cidadania democrática no governo, no governo em geral e nos governos das esferas particulares (educação, saúde. segurança, economia, legislativo, judiciário, etc.) a justiça ampla não se realiza.

Assim, além de defender a autonomia e independência das esferas de justiça, Walzer também defende a participação ativa da cidadania democrática no governo do Estado-navio democrático. Isso significa que, uma vez que Walzer não menciona expressamente a existência de uma esfera (órgão) que execute a função de moderação dos outros órgãos, é a cidadania democrática que executa essa função.

O aspecto que deve ser ressaltado nessa teoria de Walzer é que os órgãos sociais que executam funções sociais, tais como da educação, da saúde, do trabalho, da previdência social, da assistência social, etc. também gozam de autonomia e independência. Quanto à educação, ressaltando sua autonomia e independência, Walzer leciona:

A justiça tem a ver... com... a educação... O mais importante é que [a educação], as escolas, os professores e as ideias constituem um novo conjunto de bens essenciais, concebidos independentemente de outros bens e exigindo, por sua vez, um conjunto independente de processos distributivos (...) Esta é uma realidade da vida em todas as sociedades complexas... a autonomia das escolas [e da educação e dos educadores]... A crítica social é o resultado dessa autonomia...

(WALZER, 1999, pp. 195 e 196) (destaques e negritos nossos).

Também, Walzer ressalta a importância da função da educação democrática na formação dos cidadãos democráticos, fornecendo-lhes os saberes e conhecimentos necessários que lhes possibilite governar o Estado democrático:

Também aqui há ‘mistérios do Estado’, referindo-se o termo mistério aos conhecimentos secretos... que subjazem a uma profissão ou um ofício, como.. a sabedoria especial... de um artífice especializado em governar... Estes mistérios são conhecidos mais... pela educação.

(WALZER, 1999, p. 273) (negritado por nós)

Assim, para Walzer, a educação democrática é vital para formar cidadãos democráticos, ativamente participativos no governo democrático. São os cidadãos democráticos que decidem para onde deve ir o Estado-navio:

Na verdade [nós, cidadãos democráticos] só nos confiamos ao timoneiro depois de termos decidido para onde queremos ir e essa decisão... é a que melhor ilumina o exercício do poder...

(WALZER, 1999, pp. 273 e 274) (negritado por nós).

Para Walzer, então, num Estado democrático o verdadeiro governante ou dirigente do Estado-navio é a cidadania democrática, o povo-cidadão.

Da leitura das “Esferas da Justiça”, podemos dizer que as funções e os órgãos independentes da teoria de Walzer, além do legislativo, executivo e judiciário, são:

I. Órgão Cidadão do Governo Democrático. Componentes: cidadãos democráticos. Funções: 1) governo geral do Estado, do “navio-cidadão” democrático; 2) moderar e coordenar as ações e interações dos órgãos do governo.

II. Órgão da educação: função educativa ou educadora;

III. Órgão da saúde: função da saúde

IV. Órgão da economia: função da economia

V. Órgão da segurança pública: função de segurança pública

VI. Órgão do trabalho: função de promoção do trabalho

VII. Órgão da previdência social: função previdenciária

VIII. Órgão da assistência social: função assistencial

IX. Órgão da família: função de promoção e proteção da família

X. Órgão do lazer: função de promoção do lazer para todos

Verificamos assim que a teoria de número de funções e órgãos de Walzer é uma teoria de 11 funções delegadas a 10 órgãos. Da leitura da sua obra, tais números não são fechados.

7.9.3. A teoria de John Rawls. Função moderadora explícita. Educação: função independente. O judiciário (Suprema Corte) não é “supremo”. O soberano (supremo dos supremos ou supremo universal) é o povo: dono da Constituição e da sua interpretação

Na tradição, ética e lógica do pensamento de Rousseau e Kant e fundado também na vontade geral ou universal do povo soberano (que se desdobra na sociedade democrática, na Constituição democrática, nos príncipios da justiça democrática, no Estado democrático constitucional, na soberania popular e no governo constitucional popular), vontade combinada com o princípio da separação de funções ou da divisão do trabalho, John Rawls, nas suas obras “Uma teoria da Justiça” de 1970, e “O Liberalismo Político” de 1993, expressa uma teoria de mais de três funções e órgãos do governo, ou melhor, do autogoverno constitucional popular.

A teoria do autogoverno constitucional popular de Rawls rejeita: 1) a teoria mítica e fechada dos três poderes de Montesquieu e dos Federalistas; 2) o sistema dos frios e contrapesos criado pelos Federalistas; 3) a ideologia da supremacia judicial e a ideologia do neoconstitucionalismo e sua “criativa” “nova hermenêutica constitucional”; 4) os juízes e tribunais “criativos”; 5) o ativismo judicial; 6) a ideologia da supremacia do rei-presidente ou monarca-presidente; 7) a ideologia da supremacia do parlamento ou legislativo; 8) a ideologia da supremacia ou hegemonia de um partido político, todos eles antidemocráticos.

Contra a ideologia da supremacia judicial e a ideologia do neoconstitucionalismo e a sua “criativa” “nova hermenêutica constitucional”, bem como contra os juízes-hércules da Suprema Corte americana e seu ativismo judicial, e, por extensão, das Supremas Cortes de todos os países que adotaram essas ideologias, Rawls afirma a soberania do povo e o governo constitucional do povo:

[...] A constituição não é o que a Suprema Corte diz que ela é, e sim o que o povo, agindo constitucionalmente por meio dos outros poderes, permitirá à Corte dizer o que ela é (...) De fato, cada função [“poder”] constitucional, o legislativo, o executivo e o judiciário, apresenta a sua interpretação da constituição e dos ideais políticos que a informam...

(RAWLS, 1997, pp. 432, 433; e 2000, pp. 283, 288) (negritos nossos)

Assim, para Rawls, a Constituição e sua interpretação são do povo. Para ele, é o povo, como soberano que é no Estado democrático de direito constitucional, quem diz, agindo constitucionalmente junto com os outros órgãos, atuais e futuros, o que é a Constituição e como ela deve ser interpretada. Para o filósofo, quando o povo delega a interpretação da Constituição, ele a delega a todos os órgãos do governo, não apenas ao órgão julgador ou Suprema Corte. Para Rawls, a última palavra (e se necessário, a primeira) na interpretação da Constituição é do povo, e não do judiciário (Suprema Corte), nem do legislativo, nem do executivo.

Além do mais, para Rawls, caso necessário, uma interpretação específica da Constituição pode ser imposta à Suprema Corte via emenda pelo órgão reformador constitucional, ou, inclusive, por atuação justa e legítima de uma maioria política ampla e estável:

[...] Uma interpretação específica da constituição pode ser imposta à Corte por emendas, ou por uma maioria política ampla e estável. (RAWLS, 1997, pp. 432, 433; e RAWLS, 2000, pp. 283, 288) (negritos nossos)

Mais ainda, para o filósofo:

[...] Numa sociedade democrática constitucional... cada cidadão é responsável por sua interpretação dos princípios da justiça [e da constituição] e pela conduta que assume à luz deles. Não pode haver nenhuma interpretação legal ou socialmente aprovada desses princípios [e da constituição] que moralmente tenhamos sempre de aceitar, nem mesmo quando a interpretação é da corte suprema... ou do legislativo. O judiciário apresenta a sua doutrina por meio de arrazoados e argumentações; sua concepção da constituição deve, se quiser perdurar, persuadir a maior parte dos cidadãos sobre sua solidez

(RAWLS, 1997, pp. 432, 433) (negritos nossos)

Aqui, Rawls defende a justeza e legitimidade dos indivíduos e cidadãos de não aceitar qualquer interpretação da Constituição, nem mesmo se essa interpretação for da Suprema Corte ou do legislativo (parlamento), se ela, a interpretação da Suprema Corte ou do legislativo, for imoral, injusta, inconstitucional e ou ilegal. Perceba-se aqui a rejeição de Rawls tanto à ideologia da supremacia judicial quanto à ideologia da supremacia do parlamento.

Para Rawls, os indivíduos e cidadãos de uma sociedade democrática constitucional são, via uma educação democrática autônoma e independente, livre e justa, indivíduos e cidadãos justos, livres e iguais, autônomos e independentes e com senso de justiça, senso de justiça que lhes possibilita saber o que é moral ou imoral, justo ou injusto, legal ou ilegal, constitucional ou inconstitucional. Tais indivíduos e cidadãos interpretam (por justiça e direito legítimo e próprio) os princípios de justiça e a Constituição e as leis e procedem em conformidade com a sua interpretação.

Rawls, porém, não para por aí:

[...] Embora o judiciário possa ter a última palavra na solução de qualquer caso particular, ele não está imune a poderosas influências políticas que podem forçar a revisão de sua interpretação da constituição

(RAWLS, 1997, p. 432)

Nesse momento, Rawls adverte que a interpretação constitucional do judiciário (da Suprema Corte) deve limitar-se aos casos particulares da sua competência. Adverte também que o judiciário (a Suprema Corte) pode ser influenciado por poderosas forças políticas ou outras influencias também poderosas que podem fazer com que o judiciário como um todo e a Corte Suprema em particular possam interpretar e ou revisar a sua interpretação da Constituição e das leis para favorecer outros interesses que não interesses públicos, democráticos ou republicanos, mas interesses privados antidemocráticos e nada republicanos.

Nesses casos, conforme as ideias de Rawls, o povo soberano, a cidadania democrática e a sociedade democrática, junto aos outros órgãos do governo popular, não apenas podem, mas, sobretudo, devem, mediante medidas constitucionais e legais, tornar nulas essas interpretações e decisões e afastar os juízes responsáveis por essas interpretações imorais, antidemocráticas e nada republicanas, responsabilizando-os na forma da Constituição e das leis.

Por outro lado, para moderar (regular, controlar) as ações e interações do legislativo, do executivo e do judiciário, Rawls concebe, como parte da sua teoria de número de funções e órgãos, mais dois órgãos de governo: um órgão que ele denomina de “tribunal cidadão de última instância” e outro órgão que chama de “poder supremo do governo da cidadania”:

[...] Os fundamentos do autogoverno não são apenas de ordem prática (...) Deve haver uma divisão do trabalho (...) o legislativo, o executivo e o judiciário (...) numa sociedade democrática... o tribunal de última instância não é o judiciário, nem o executivo, nem o legislativo, mas sim... o povo soberano... a cidadania... o eleitorado como um todo (...) Numa sociedade democrática, o poder supremo de governo não pode caber ao legislativo, [nem ao executivo], nem ao supremo tribunal.

(RAWLS, 1997, pp. 255, 305 e 433; e 2000, pp. 277 e 283) (destaque e negritos nossos).

Podemos dizer, então, que, num primeiro momento, Rawls expressa uma teoria de cinco funções distribuídas a também cinco órgãos de governo: 1) Órgão supremo do governo da cidadania, do povo; 2) Tribunal cidadão de última instância; 3) Órgão legislativo; 4) Órgão executivo; 5) Órgão judiciário.

Rawls, porém, na sua concepção da justiça como equidade, insere também uma ideia de educação. Essa educação, entre outras qualidades, deve ser uma educação para a autonomia ou independência ética, cognitiva, política e jurídica, plena e justa, dos indivíduos e cidadãos:

[...] Assim, a educação moral é a educação para a autonomia... Daí decorre que, ao aceitarmos esses princípios... acabamos assentando uma concepção do justo em bases racionais e razoáveis, que podemos construir por nós mesmos de forma independente... com autonomia racional e plena (...) o ideal de cidadania pode ser aprendido e, assim, despertar um desejo efetivo de ser esse tipo de pessoa. Tal função educativa da concepção política caracteriza seu papel amplo

(RAWLS, 1997, p. 574; e 2000, pp. 116 e 122) (negritos nossos).

Ademais, Rawls teorizando uma “democracia constitucional bem-ordenada” (RAWLS, 2004, p. 182), afirma que, para essa democracia constitucional, a educação democrática é também função essencial:

A democracia... também reconhece que, sem instrução [educação] ampla sobre os aspectos básicos do governo democrático para todos os cidadãos, e sem um público informado a respeito de problemas prementes, decisões políticas e sociais cruciais simplesmente não podem ser tomadas

(RAWLS, 2004, p. 184) (destaque e negritos nossos).

Assim, para Rawls, a educação democrática, sendo função essencial num e para um governo democrático constitucional, ela, além de ser uma educação para a autonomia e independência plenas da cidadania, do povo, ela mesma deve ser uma educação autônoma e independente no governo (autogoverno) democrático constitucional.

Então, podemos dizer que, em definitivo, o número de funções do governo democrático constitucional que Rawls propõe são oito, que são delegadas a seis órgãos:

I. Órgão soberano universal do autogoverno do povo. Funções: 1) governo geral ou universal do Estado democrático, do “navio democrático”; 2) moderar (regular, mediar, pacificar) e coordenar a atuação dos outros órgãos, promovendo relações de respeito, comunhão, diálogo e cooperação entre eles e deles com a cidadania democrática, a sociedade democrática, o povo; 3) propor emendas à Constituição.

II. Órgão (Tribunal) supremo cidadão: é o tribunal popular-cidadão de última instância. Função: controle constitucional, em última instância, das leis e dos atos dos outros órgãos.

III. Órgão educativo. Função educativa ou educadora: educar o povo, todos os cidadãos e futuros cidadãos para torná-los indivíduos e cidadãos democráticos e participativos justos e pacíficos: 1) livres e iguais, fraternos e solidários; inteligentes, críticos e reflexivos; 2) autônomos e independentes, com senso de justiça, que, entre outras coisas, possibilita que eles possam interpretar de forma democrática e justa os princípios de justiça, a Constituição e das leis; 3) com saberes e conhecimentos econômicos, éticos, políticos e jurídicos, bem como de gestão ou governo democrático, para poderem, de forma direta e ou junto aos seus representantes eleitos por ele, governar o Estado democrático constitucional, que é deles, por eles, com eles e para eles.

IV. Órgão legislativo. Função: legislativa e reformadora da Constituição.

V. Órgão executivo. Função executiva

VI. Órgão judiciário. Função judiciária.

Assim, afirmando o princípio da separação de funções, os filósofos e juristas mencionados, menos Montesquieu e os Federalistas, já pensaram, explicita ou implicitamente, que o que se separa em funções e órgãos (“poderes”) é o governo do Estado e não o poder do Estado, podendo o governo ser separado em mais, bem mais, de três ou quatro funções e órgãos sociais e não sociais.

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Sobre o autor
Misael Alberto Cossio Orihuela

Advogado concursado do Município de Canoas, RS, Brasil; Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica-PUCRS, Brasil; Licenciado em Letras pela UNILASSALE, Canoas, RS, Brasil; Licenciado em Ciencias Administrativas pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima-Perú; Mestre em filosofia, área ética e política, pela Pontifícia Universidade Católica-PUCRS, Brasil, com a dissertação: A justiça como equidade de John Rawls: um jusnaturalismo de gênese na educação para a autonomia jurídico-política da cidadania. Nessa dissertação já se defende a ideia da autonomia e independência da educação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ORIHUELA, Misael Alberto Cossio. Poder moderador e poder educativo ou educador no Estado Democrático de Direito brasileiro.: O mito dos freios e contrapesos (checks and balances). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8110, 14 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115606. Acesso em: 5 dez. 2025.

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