Resumo: O artigo examina, sob perspectiva jurídico-econômica e ambiental, a viabilidade da política de tarifa zero nacional no transporte público coletivo brasileiro. Analisa-se a evolução normativa da mobilidade urbana como direito social, a transição do modelo tarifário para o financiamento público, os impactos da reforma tributária (EC nº 132/2023) e a integração entre mobilidade, eficiência fiscal e sustentabilidade ambiental. Demonstra-se que a tarifa zero requer arquitetura institucional capaz de conciliar equilíbrio orçamentário, regulação contratual e transição energética, especialmente com a introdução de ônibus elétricos. Conclui-se que a gratuidade pode constituir forma legítima de concretização dos direitos fundamentais à mobilidade, à cidade e ao meio ambiente equilibrado, desde que amparada em planejamento técnico e cooperação federativa.
Palavras-chave: Tarifa zero; Mobilidade urbana; Reforma tributária; Sustentabilidade ambiental; Direito público econômico.
Sumário: 1. Introdução. 2. Direito social ao transporte e fundamentos constitucionais. 3. Regulação, contratação e financiamento. 4. Tributação e fontes de custeio. 5. Sustentabilidade urbana e ambiental. 6. Considerações finais. Referências.
1. Introdução – entre o direito social e a política econômica
A discussão sobre a tarifa zero nacional no transporte público ocupa hoje um espaço central na agenda de políticas públicas brasileiras, reacendendo um debate de natureza híbrida — simultaneamente jurídico, econômico e social.
A proposta, ventilada pelo governo federal em 2025, com determinação presidencial para que o Ministério da Fazenda e o BNDES avaliassem sua viabilidade financeira e institucional, não é apenas um programa de subsídio ou de ampliação do acesso, mas um verdadeiro teste de coerência entre o Estado Social e a responsabilidade fiscal contemporânea.
A gratuidade universal do transporte coletivo urbano, sob o rótulo de “tarifa zero”, tem sido defendida como instrumento de inclusão social, redução da desigualdade e democratização do acesso à cidade, fundamentos que encontram respaldo constitucional nos artigos 1º, III (dignidade da pessoa humana), 3º, III (erradicação da pobreza e redução das desigualdades) e 6º (direitos sociais).
A política pública, todavia, suscita questões estruturais quanto à titularidade do serviço, à fonte de custeio e à sustentabilidade jurídica dos contratos de concessão.
De um lado, há uma perspectiva ético-social que enxerga o transporte como direito essencial à cidadania, sem o qual os demais direitos sociais se tornam inócuos.
De outro, há a leitura técnico-jurídica, ancorada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), que impõe limites severos à criação de despesas obrigatórias sem receita correspondente.
Entre ambas as vertentes, emerge o desafio de reconstruir juridicamente o conceito de serviço público essencial, compatibilizando-o com a ideia de gratuidade universal e com o federalismo cooperativo que rege a prestação de serviços de interesse comum.
A experiência brasileira recente — com 170 cidades já adotando modelos de tarifa zero total ou parcial, conforme dados da NTU e do IBGE — revela uma tendência descentralizada de municipalização da política de mobilidade, mas carece de coordenação normativa e financeira.
Assim, o debate sobre a tarifa zero nacional coloca em evidência a necessidade de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), à semelhança do SUS, capaz de articular União, estados e municípios sob um regime jurídico-financeiro harmônico e transparente.
Sob o prisma do Direito, portanto, a tarifa zero não é mera política setorial: é uma proposta de reconfiguração do pacto federativo no âmbito dos direitos sociais.
Ela impõe uma reflexão sobre a natureza jurídica do transporte público — se serviço essencial, direito fundamental de segunda geração ou dever estatal instrumental — e sobre os limites constitucionais da gratuidade, à luz da reserva do possível e da exigência de responsabilidade fiscal.
2. O direito social ao transporte e seus limites constitucionais
A constitucionalização do direito ao transporte pela Emenda Constitucional nº 90/2015 representou importante marco na consolidação da noção de mobilidade como fator de cidadania.
O art. 6º da Constituição passou a incluí-lo no rol dos direitos sociais, ao lado da saúde, da educação e da moradia. Tal inclusão não tem caráter meramente declaratório: ela confere ao Estado o dever jurídico de garantir a acessibilidade universal, ainda que o modo e a extensão dessa garantia dependam de escolhas orçamentárias e legislativas.
O transporte, ao contrário de outros serviços públicos como saúde e educação, não foi estruturado sob um sistema nacional universalizado, mas sob um regime de competência municipal (art. 30, V, CF).
Essa fragmentação federativa cria disparidades regionais e compromete a efetividade do direito, especialmente em cidades médias e grandes, onde o transporte coletivo é a principal via de acesso a oportunidades econômicas, educacionais e culturais.
A ausência de coordenação intergovernamental evidencia a necessidade de um modelo cooperativo de financiamento, que encontre fundamento nos arts. 23, IX, e 241 da Constituição, relativos à competência comum e aos consórcios públicos.
Todavia, o reconhecimento constitucional não implica, automaticamente, gratuidade universal. A doutrina majoritária entende que a prestação gratuita de um serviço público depende de previsão legal específica e de fonte de custeio estável, sob pena de violação ao princípio da legalidade orçamentária (art. 167, II e V, CF) e à própria LRF.
Assim, a tarifa zero deve ser compreendida como forma de concretização do direito social, e não como seu conteúdo necessário. O que a Constituição exige é acessibilidade, e não necessariamente gratuidade.
Essa distinção é fundamental sob a ótica da reserva do possível e do mínimo existencial. Enquanto o primeiro limita a atuação estatal conforme os recursos disponíveis, o segundo impõe um núcleo intangível de prestações indispensáveis à dignidade humana.
O equilíbrio entre ambos é alcançado quando o Estado garante o acesso efetivo ao transporte, ainda que por meio de tarifas socialmente módicas, subsídios cruzados ou programas de gratuidade segmentada (estudantes, idosos, desempregados).
A gratuidade universal, portanto, só se torna constitucionalmente legítima se estiver ancorada em fundamento financeiro compatível com a responsabilidade fiscal, e se não comprometer a capacidade do Estado de realizar outros direitos fundamentais. Não se perca de vista que a efetividade de direitos sociais exige racionalidade distributiva e previsão orçamentária prévia.
Sob esse prisma, a tarifa zero nacional se apresenta como um teste de maturidade institucional: ela exige que o Estado, antes de expandir o benefício, redesenhe o modelo de governança e de financiamento do transporte coletivo, superando a fragmentação federativa e adotando instrumentos de transparência e controle.
A proposta encontra, assim, respaldo jurídico-constitucional apenas quando acompanhada de planejamento financeiro, lei formal específica e mecanismos de avaliação de impacto, sem os quais a política pública corre o risco de converter o direito social em promessa inexecutável.
3. Regulação, contratação e financiamento do transporte coletivo
A implantação de um regime nacional de tarifa zero exige a reavaliação profunda do modelo jurídico e institucional do transporte público coletivo, tanto sob o prisma da regulação contratual quanto sob o aspecto do financiamento público.
Historicamente, o setor foi estruturado em torno da lógica tarifária clássica — em que o usuário direto arca com o custo do serviço — e da delegação por concessões administrativas regidas pela Lei nº 8.987/1995.
Essa arquitetura repousa sobre o princípio da modicidade tarifária, segundo o qual o preço cobrado do usuário deve ser suficiente para assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mas acessível o bastante para garantir o caráter público da prestação.
A transição para um sistema de gratuidade integral altera substancialmente essa equação. O Estado deixa de atuar apenas como poder concedente e regulador para assumir também a função de financiador direto do serviço, arcando com o custo total da operação.
Trata-se de uma mutação contratual relevante: a remuneração do concessionário deixa de derivar da tarifa paga pelo usuário e passa a provir de contraprestação pública orçamentária, análoga a um modelo de subvenção tarifária total.
Tal mudança, em termos jurídicos, requer a revisão dos contratos vigentes e o reequilíbrio econômico-financeiro previsto a partir da edição do art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/1993 (ou, no regime atual, art. 124. da Lei nº 14.133/2021), sob pena de violação da segurança jurídica e da continuidade do serviço público.
O Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT), criado em 1964 e extinto em 2001, desempenhou papel determinante na formulação dessa lógica regulatória, ao desenvolver as primeiras metodologias nacionais de planejamento e custeio do transporte urbano.
Em seus estudos, o órgão defendia que o transporte coletivo deveria ser tratado como função pública de interesse comum, e não apenas como serviço local, antecipando a visão cooperativa que seria posteriormente consagrada nos arts. 23. e 241 da Constituição Federal.
O GEIPOT também foi responsável por introduzir o conceito de tarifa social — modelo de equilíbrio entre o preço de mercado e o subsídio público — e por sistematizar critérios de cálculo tarifário que ainda servem de base à regulação atual. Em certo sentido, o debate contemporâneo sobre a tarifa zero nacional representa uma reinterpretação, em chave social e fiscal, de diretrizes técnicas formuladas por aquele órgão há meio século.
No entanto, a realidade contratual vigente ainda se apoia em um paradigma de regulação conhecido como “cost plus”, em que o operador é remunerado pelo somatório dos custos operacionais acrescidos de margem de lucro.
Esse modelo, funcional em períodos de expansão da demanda, mostrou-se vulnerável à perda de passageiros e ao aumento dos custos de operação. Conforme observam Ana Paula Prado Garcia e Thais Ohana Araújo, o “cost plus” tende a transferir a ineficiência ao poder público, pois neutraliza o risco empresarial e inverte o princípio da modicidade tarifária. A consequência é a elevação estrutural dos subsídios, sem garantias de melhoria do serviço.
Para contornar essa distorção, experiências internacionais vêm adotando modelos de remuneração por desempenho (performance-based contracts), em que parte do pagamento ao concessionário depende de metas de regularidade, pontualidade, eficiência energética e satisfação dos usuários.
Cidades como Londres, Bogotá e Santiago — citadas no Estudo Nacional de Mobilidade Urbana do BNDES (2025) — ilustram arranjos em que o operador é recompensado não apenas pela continuidade do serviço, mas pela sua qualidade e produtividade.
Adaptado ao contexto brasileiro, esse modelo exigiria revisão legislativa e contratual cuidadosa, de modo a preservar o equilíbrio econômico-financeiro e evitar a captura regulatória.
O desafio central, porém, transcende a forma contratual. Ele reside na fonte de custeio. Ao substituir a arrecadação tarifária por financiamento público, a tarifa zero implica despesa obrigatória de caráter continuado, sujeita às regras dos arts. 16. e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000).
A validade jurídica dessa despesa depende de estimativa de impacto orçamentário-financeiro e de indicação de receita permanente, sob pena de nulidade e de responsabilidade do gestor.
Trata-se, portanto, de uma política pública condicionada por normas de sustentabilidade fiscal, que buscam assegurar previsibilidade e equilíbrio às finanças públicas, sem inviabilizar a concretização do direito social ao transporte.
Nessa perspectiva, o princípio da eficiência administrativa (art. 37, caput, CF) substitui a modicidade tarifária como eixo de racionalidade do sistema.
Se o usuário não paga diretamente pelo serviço, o controle jurídico recai sobre a eficiência da despesa pública: o Estado deve demonstrar que o custo total do sistema é compatível com os resultados obtidos e que o modelo de financiamento adota mecanismos de avaliação, auditoria e transparência.
A gratuidade, portanto, não é sinônimo de ausência de preço, mas de redistribuição de encargos, o que impõe rigor técnico na gestão orçamentária e contratual.
A literatura sobre direito administrativo e economia pública converge em reconhecer que a legitimidade de políticas como a tarifa zero depende menos de sua orientação ideológica e mais de sua capacidade de integração federativa e racionalidade econômica.
A criação de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), prevista no PL 3.278/2021, reflete esse esforço de coordenação: propõe um fundo nacional de mobilidade, administrado cooperativamente por União, estados e municípios, que asseguraria repasses automáticos e prestação de contas vinculada a indicadores de desempenho.
Trata-se de um mecanismo jurídico que resgata, sob nova forma, a função integradora outrora exercida pelo GEIPOT, agora orientada pelos princípios da transparência e da responsabilidade fiscal.
Em síntese, a regulação e o financiamento do transporte público devem ser compreendidos como dimensões indissociáveis de uma mesma política pública.
A viabilidade jurídica da tarifa zero dependerá de uma engenharia institucional capaz de conciliar eficiência, equilíbrio contratual e sustentabilidade orçamentária, evitando tanto o voluntarismo financeiro quanto a precarização dos serviços.
O Estado, nesse modelo, atua como garantidor da universalidade e como gestor responsável da despesa pública, assegurando que a ampliação do direito ao transporte se realize dentro dos limites constitucionais da legalidade, da prudência fiscal e da boa administração.
4. Tributação e fontes de custeio
O financiamento da tarifa zero nacional é, em essência, um problema de engenharia fiscal e federativa.
Sua viabilidade jurídica depende não apenas da vontade política, mas da existência de instrumentos tributários e orçamentários compatíveis com o modelo de gratuidade integral, capazes de assegurar previsibilidade, sustentabilidade e justiça distributiva.
Em um país de estrutura federativa complexa, a discussão sobre quem financia, como financia e com quais recursos se faz inseparável da reforma tributária recentemente aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que redesenha as bases de arrecadação dos entes federados e redefine o espaço fiscal disponível para políticas públicas de transporte urbano.
Historicamente, os serviços de transporte coletivo urbano estiveram ligados à arrecadação municipal do Imposto sobre Serviços (ISS), tributo de competência local (art. 156, III, CF/88) que incidia diretamente sobre a prestação de serviços de transporte municipal. Esse vínculo garantia, ainda que de modo limitado, uma relação orgânica entre a política tarifária e a receita municipal.
Com a promulgação da reforma tributária, o ISS será extinto e substituído pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de natureza compartilhada entre estados e municípios, cuja arrecadação e repartição ocorrerão de forma centralizada, sob o princípio da cobrança no destino.
Essa alteração rompe o nexo direto entre transporte e receita própria local, ao mesmo tempo em que amplia a necessidade de cooperação vertical entre os entes federativos.
Sob o novo arranjo constitucional, a viabilidade financeira da tarifa zero dependerá de fundos de transferência automática e de vinculações legais específicas. O art. 156-A, § 6º, da Constituição, na redação dada pela EC 132/2023, autoriza que lei complementar estabeleça destinações específicas para parcelas da arrecadação do IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Essa abertura normativa permite a criação de fundos de mobilidade urbana e transporte sustentável, com repasses vinculados ao desempenho dos municípios em políticas de redução de emissões e expansão do transporte público. Trata-se de um espaço constitucional inovador, que pode dar suporte jurídico ao Sistema Único de Mobilidade (SUM) proposto pelo PL 3.278/2021, desde que respeitados os princípios da legalidade, da transparência e da neutralidade fiscal.
A neutralidade fiscal, aliás, constitui princípio estruturante da reforma tributária. Ela impõe que a substituição de tributos não acarrete aumento da carga tributária global, o que, por consequência, limita a criação de novas despesas permanentes sem contrapartida de receita estável.
Assim, a implementação da tarifa zero, sob o novo regime, exigirá que as receitas destinadas ao seu custeio não se confundam com o orçamento corrente dos entes subnacionais, mas derivem de fontes extrafiscais específicas — como contribuições setoriais, ambientais ou de mobilidade.
Entre essas fontes, destacam-se as seguintes possibilidades:
(i) a Cide-Combustíveis, já prevista no art. 177, §4º, da Constituição, que pode ser reformulada como instrumento de tributação seletiva ambiental, destinando parte de sua arrecadação à mobilidade urbana;
(ii) o imposto seletivo introduzido pela EC 132/2023 (art. 153, §3º), incidente sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, inclusive combustíveis fósseis, cuja vinculação parcial a políticas de transporte coletivo sustentável encontra respaldo constitucional;
(iii) o pedágio urbano, previsto no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001, art. 4º, V, “g”), como instrumento de política de mobilidade e desincentivo ao transporte individual motorizado;
(iv) o IPTU progressivo, constitucionalmente autorizado no art. 182, §4º, e que pode ser direcionado a fundos de urbanização e transporte; e
(v) a contribuição de empresas com mais de dez empregados, proposta no PL nº 1.280/2023, inspirada no modelo francês do versement transport, que se fundamenta no princípio da solidariedade urbana e da repartição de benefícios econômicos da mobilidade.
Essas fontes apresentam distintas naturezas jurídicas e limites constitucionais. As Cides e contribuições especiais dependem de lei complementar e são de competência da União, com repasses condicionados a critérios legais; já os instrumentos de política urbana, como pedágio e IPTU progressivo, pertencem à esfera municipal, exigindo legislação local e observância dos princípios da capacidade contributiva e da finalidade pública.
Em qualquer caso, a criação de um fundo nacional de mobilidade exigirá lei complementar que estabeleça a repartição das receitas e os critérios de elegibilidade dos entes beneficiários, a exemplo do que ocorre com o Fundeb e o Sistema Único de Saúde (SUS).
A reforma tributária também introduz o conceito de tributação ambiental com função extrafiscal reforçada, o que amplia a margem de atuação dos entes federativos na busca por fontes de financiamento vinculadas à sustentabilidade urbana.
Nesse contexto, a tributação sobre combustíveis e veículos passa a desempenhar dupla função: de um lado, internalizar externalidades negativas do transporte individual, e, de outro, gerar recursos para o financiamento do transporte coletivo sustentável.
Essa lógica está em consonância com o princípio do poluidor-pagador (art. 225, §3º, CF) e com as metas de descarbonização assumidas pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris.
A adoção dessas medidas, contudo, deve observar o princípio da responsabilidade fiscal, especialmente os arts. 16. e 17 da Lei Complementar nº 101/2000, que exigem estimativa de impacto e fonte permanente de custeio para toda despesa obrigatória.
A política de tarifa zero, portanto, não pode ser tratada como programa eventual ou promocional, mas como despesa de caráter continuado, sujeita a controle contábil, avaliação de resultados e transparência ativa.
O descumprimento dessas exigências pode configurar ato de improbidade administrativa por violação à lei orçamentária (art. 10, VIII, da Lei nº 14.230/2021), reforçando a necessidade de rigor técnico na implementação da política.
Em síntese, a reforma tributária e a política de tarifa zero se encontram em uma interseção decisiva do federalismo fiscal brasileiro.
Enquanto a primeira simplifica e recentraliza a arrecadação, a segunda descentraliza o gasto e amplia a dimensão social do Estado.
O equilíbrio entre ambas exige cooperação federativa e planejamento intersetorial, de modo que a gratuidade do transporte não se converta em desequilíbrio fiscal, mas em expressão legítima do direito social ao transporte e do dever estatal de eficiência e sustentabilidade.
A criação de mecanismos de vinculação de receitas ambientais e redistributivas, somada ao uso de instrumentos tributários extrafiscais locais, pode oferecer o arranjo jurídico necessário para compatibilizar a política de mobilidade gratuita com a nova estrutura fiscal.
Nesse novo cenário, a tarifa zero deixa de ser uma promessa utópica e se transforma em uma possibilidade jurídica concreta — dependente, contudo, de racionalidade fiscal, articulação federativa e compromisso normativo com a transparência e o equilíbrio orçamentário.