Capa da publicação Lei nº 15.272: prisão preventiva e perfil genético
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A nova arquitetura da prisão preventiva no Brasil.

Novíssima Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025

28/11/2025 às 10:55

Resumo:


  • A Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025, reforma o Código de Processo Penal brasileiro, redefinindo critérios para conversão da prisão em flagrante em preventiva.

  • A nova legislação estabelece parâmetros para a coleta de material genético do custodiado em crimes específicos, visando a eficiência investigativa e o respeito às garantias fundamentais.

  • A reforma busca harmonizar a persecução penal com valores de ordem pública, dignidade humana e segurança jurídica, em conformidade com normas internacionais de direitos humanos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei nº 15.272/2025 altera o CPP ao exigir periculosidade concreta para a prisão preventiva. A coleta de perfil genético viola garantias ou aprimora a persecução penal?

Resumo: A Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025, oriunda do PL nº 226/2024, inaugura um novo paradigma no processo penal brasileiro, reformando o Código de Processo Penal (CPP) ao redefinir os critérios de conversão da prisão em flagrante em preventiva, regulamentar a coleta de material genético do custodiado e estabelecer parâmetros para aferição da periculosidade do agente. Tais inovações buscam alinhar a persecução penal aos valores da ordem pública, da dignidade humana e da segurança jurídica, em diálogo com as Regras de Mandela, Regras de Tóquio e Regras de Bangkok, que preconizam o equilíbrio entre punição e humanidade. O presente artigo promove uma análise crítica contextual da nova lei, investigando seus impactos práticos, éticos e constitucionais, e refletindo sobre o eterno dilema entre o direito de punir e o dever de respeitar os direitos humanos.

Palavras-chave: Prisão preventiva; Dignidade da pessoa humana; Periculosidade; Perfil genético; Processo penal; Garantismo.


INTRODUÇÃO

A novíssima Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025, nasce em meio a um tempo de profundas inquietações sociais e institucionais. Fruto do PL nº 226/2024, o diploma visa alterar o Código de Processo Penal (CPP) para disciplinar com mais precisão as hipóteses de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, além de regular a coleta e o armazenamento de material biológico destinado à formação de perfis genéticos e redefinir os critérios de aferição da periculosidade dos agentes submetidos à custódia.

Mais do que uma simples mudança legislativa, a nova lei traduz a busca por segurança jurídica em meio ao caos da criminalidade contemporânea e às críticas internacionais sobre o uso abusivo das prisões cautelares no Brasil. Em um país onde, segundo o CNJ, mais de 40% da população carcerária é formada por presos provisórios, torna-se imprescindível repensar o papel da prisão preventiva à luz dos princípios da proporcionalidade, da excepcionalidade e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).

O §5º do artigo 310 do CPP passa, doravante, a elencar circunstâncias objetivas para conversão da prisão em flagrante em preventiva — desde a reiteração delitiva até o perigo concreto à instrução criminal —, enquanto o artigo 310-A introduz a possibilidade da coleta de material biológico nos crimes cometidos com violência, grave ameaça ou em contexto de organização criminosa.

Seguem os dois textos referidos:

§ 5º São circunstâncias que, sem prejuízo de outras, recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva:

I – haver provas que indiquem a prática reiterada de infrações penais pelo agente;

II – ter a infração penal sido praticada com violência ou grave ameaça contra a pessoa;

III – ter o agente já sido liberado em prévia audiência de custódia por outra infração penal, salvo se por ela tiver sido absolvido posteriormente;

IV – ter o agente praticado a infração penal na pendência de inquérito ou ação penal;

V – ter havido fuga ou haver perigo de fuga; ou

VI – haver perigo de perturbação da tramitação e do decurso do inquérito ou da instrução criminal, bem como perigo para a coleta, a conservação ou a incolumidade da prova.

Art. 310-A. No caso de prisão em flagrante por crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, por crime contra a dignidade sexual ou por crime praticado por agente em relação ao qual existam elementos probatórios que indiquem integrar organização criminosa que utilize ou tenha à sua disposição armas de fogo ou em relação ao qual seja imputada a prática de crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), o Ministério Público ou a autoridade policial deverá requerer ao juiz a coleta de material biológico para obtenção e armazenamento do perfil genético do custodiado, na forma da Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009.

§ 1º A coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético deverá ser feita, preferencialmente, na própria audiência de custódia ou no prazo de 10 (dez) dias, contado de sua realização.

§ 2º A coleta de material biológico será realizada por agente público treinado e respeitará os procedimentos de cadeia de custódia definidos pela legislação em vigor e complementados pelo órgão de perícia oficial de natureza criminal.

O legislador, ao buscar racionalizar a decretação da prisão cautelar, pretendeu fortalecer o devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF) e harmonizar o poder punitivo estatal com os preceitos internacionais de direitos humanos, como as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela) e as Regras de Tóquio sobre medidas não privativas de liberdade.

A introdução do conceito de periculosidade concretamente aferida, em detrimento da gravidade abstrata, demonstra avanço civilizatório. Todavia, impõe ao intérprete o desafio de não transformar o conceito em instrumento de seletividade penal, reproduzindo estigmas sociais e desigualdades históricas. É nesse ponto que a reflexão jurídica deve transcender a letra fria da lei e penetrar o campo ético da Justiça.


ANÁLISE CRÍTICA CONTEXTUAL

A reforma processual penal promovida pela Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025 precisa ser compreendida à luz da função contramajoritária do Direito Penal e das garantias fundamentais. A prisão preventiva, por essência, deve ser excepcional, proporcional e necessária, jamais utilizada como antecipação de pena ou mecanismo de controle social de populações vulneráveis.

Sob a ótica constitucional, o artigo 5º, LXI, LXV e LXVI da Constituição Federal estabelece que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, garantindo o direito de relaxamento da prisão ilegal e a substituição por medidas cautelares diversas. Assim, toda prisão preventiva deve ser um ato de última ratio, condicionado à análise rigorosa da periculosidade concreta do agente.

A nova lei acerta ao definir parâmetros objetivos de periculosidade (art. 312, §3º, CPP), como o modus operandi, a participação em organização criminosa e o fundado receio de reiteração delitiva, afastando a famigerada “gravidade abstrata” que, por décadas, serviu como justificativa vazia para encarceramentos desnecessários. Essa inovação encontra eco nas Regras de Tóquio (ONU, 1990), que orientam os Estados a priorizarem medidas não privativas de liberdade, sempre que possível, em respeito à dignidade humana e à reintegração social do indivíduo.

§ 3º Devem ser considerados na aferição da periculosidade do agente, geradora de riscos à ordem pública:

I – o modus operandi, inclusive quanto ao uso reiterado de violência ou grave ameaça à pessoa ou quanto à premeditação do agente para a prática delituosa;

II – a participação em organização criminosa;

III – a natureza, a quantidade e a variedade de drogas, armas ou munições apreendidas; ou

IV – o fundado receio de reiteração delitiva, inclusive à vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso.

§4 º É incabível a decretação da prisão preventiva com base em alegações de gravidade abstrata do delito, devendo ser concretamente demonstrados a periculosidade do agente e seu risco à ordem pública, à ordem econômica, à regularidade da instrução criminal e à aplicação da lei penal, conforme o caso.

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Contudo, há um risco latente: o de que a busca por eficiência criminal transforme a análise da “periculosidade” em critério subjetivo e moralizante, em oposição ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF). Se não houver controle jurisdicional efetivo e formação adequada de magistrados e delegados, o avanço pode se converter em novo instrumento de discriminação estrutural.

Quanto à coleta de material genético, o artigo 310-A amplia o espectro de atuação do Estado investigativo, vinculando-o à Lei nº 12.037/2009 e à Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Essa previsão, embora útil à elucidação de crimes, demanda estrita observância das garantias de privacidade e do princípio da legalidade (art. 5º, II, CF). O manuseio e o armazenamento de dados genéticos devem seguir protocolos de cadeia de custódia (art. 158-A a 158-F, CPP), de modo a evitar abusos e contaminações probatórias.

A reforma também dialoga com as Regras de Mandela, que destacam a necessidade de o cárcere ser ambiente de respeito, educação e dignidade, e com as Regras de Bangkok, que ampliam essa visão às necessidades específicas das mulheres custodiadas, reforçando a ideia de que a prisão deve ser um espaço de última alternativa, jamais a regra do sistema penal.

O cerne filosófico da nova lei reside, portanto, no equilíbrio entre segurança pública e garantismo penal. É preciso compreender que a Justiça criminal não se constrói apenas com prisões, mas com políticas públicas de inclusão, reeducação e igualdade. O processo penal é, antes de tudo, instrumento de civilização — e não de vingança.


REFLEXÕES FINAIS

As transformações trazidas pela Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025 representam um passo relevante na busca por segurança jurídica e humanização da persecução penal. Ao fixar critérios claros para a prisão preventiva, o legislador fortalece o controle judicial e limita o arbítrio. Ao mesmo tempo, a coleta de material genético, quando realizada dentro dos parâmetros legais e éticos, pode auxiliar na eficiência investigativa, promovendo justiça mais célere e precisa.

Entretanto, o maior desafio está em converter o texto legal em prática garantista. A lei pode ser instrumento de justiça ou de opressão — depende de quem a aplica. Que o novo diploma não seja apenas mais um marco normativo, mas um ato de evolução moral do Estado, onde a liberdade não seja exceção e a dignidade não seja retórica.

A verdadeira justiça é aquela que pune com sabedoria, investiga com ética e protege com humanidade. Como ensinavam os filósofos do direito natural, a lei só é justa quando nasce do equilíbrio entre a razão e a compaixão.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. O Novo Constitucionalismo Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

Código de Processo Penal Brasileiro – Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, com alterações da Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025.

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Relatório sobre a População Carcerária Provisória, 2024.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009 – Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado.

Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 – “Pacote Anticrime”.

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela) – ONU, 2015.

Regras Mínimas das Nações Unidas para Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) – ONU, 1990.

Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok) – ONU, 2010.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. A nova arquitetura da prisão preventiva no Brasil.: Novíssima Lei nº 15.272, de 26 de novembro de 2025. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8185, 28 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116359. Acesso em: 5 dez. 2025.

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