Capa da publicação Sicx e nova Lei de Licitações: compras públicas digitais
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A nova era dos direitos: a mutabilidade normativa escusável e o direito diário

01/12/2025 às 07:35

Resumo:


  • A globalização está transformando a sociedade, influenciando hábitos de consumo e inovações logísticas.

  • A Lei nº 15.266/2025 instituiu o Sistema de Compras Expressas (Sicx), facilitando a aquisição de bens pela Administração Pública.

  • A transformação digital na Administração Pública busca eficiência, transparência e inclusão nas compras públicas, com foco em governança e planejamento.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei nº 15.266/2025 revela como a mutabilidade normativa impacta as compras públicas e a efetividade da nova Lei de Licitações e Contratos. Como garantir segurança jurídica diante desse “direito diário” que responde às demandas sociais?

A globalização transmuta a sociedade em seus hábitos mais simples e cotidianos. O mundo compra de outra forma, evoluindo a partir de situações e plataformas mais ágeis, estabelecendo-se inovações logísticas que favorecem economia no formato de mercados bifaces. Fala-se em digitalização, dinamização de uma sociedade que se espraia cada vez mais amparada por tecnologias. Da mesma forma, há uma busca pela otimização a partir de espectro normativo que tenta implementar novos mecanismos que contribuam para componentes econômicos relevantes.

O direito enquanto arcabouço de garantia e ordem social necessita de aproximação útil diante dos desafios diários, proporcionando maior aproximação dos interesses equacionados entre a Administração Pública e o particular. A alteração dos pilares de desenvolvimento da sociedade demanda adaptações reais que contemplem a interação sociológica entre o anseio pela solução de conflitos e a eficácia da aplicação da norma – surge, então, a mutabilidade da norma escusável, na medida em que o direito se torna temporariamente albergado pelo espectro coletivo; seria lícito considerarmos a existência de um direito diário que se transmuta a partir das necessidades sociais e econômicas.

Recentemente (segunda-feira, 25/11/2025), foi sancionada e publicada a Lei nº 15.266/2025, que institui o Sistema de Compras Expressas (Sicx), nova ferramenta incorporada na Lei nº 14.133/2021 (NLLC) para incluir o comércio eletrônico como modalidade de credenciamento nas licitações e facilitar à administração pública a aquisição de bens e a contratação de serviços padronizados.

O espectro legal apresentado1 reside no aprimoramento de eficiência e transparência nas compras públicas. Ao mesmo tempo, reduz barreiras operacionais e de custo e simplifica o acesso de micro e pequenas empresas às compras e contratações governamentais. A implementação do sistema se alinha à política de transformação digital do Estado e possibilita geração de renda de maneira mais justa, no contexto dos esforços de promover compras públicas estratégicas, sustentáveis e inclusivas.

Há a impressão de que a transformação digital da Administração Pública tem contemplado as possibilidades de, cada vez mais, a adoção de um sistema de badges, ou distintivos/credenciais que atestam a qualidade ou reputação positiva em cadastro de fornecedores – embora não necessariamente cunhando-os como únicos legitimados em determinados processos de compra, como por exemplo via credenciamento e, agora, pelo Sistema de Compras Expressas (Sicx).

Colhe-se da intenção de inovação que a análise empírica da condução de certames e necessidades da Administração Pública refletem o ethos contido na Lei nº 14.133/2021 para que ocorra uma possibilidade de gestão pública menos engessada e que contribua para um aperfeiçoamento da evolução não somente normativa e administrativa, mas social – e com intensa atenção ecossistêmica aos impactos diretos e indiretos, fortemente ligado à revolução cultural na busca da inserção de alterações substanciais no sistema.

Os critérios da atual legislação ainda necessitam de maior adaptação e familiarização no uso de suas possibilidades/abrangência, uma vez que ainda há resquício de maneirismos predecessores que refletem o uso deficitário ou anômalo da NLLC. A construção coletiva de uma cultura licitatória e administrativa que prestigie a finalidade normativa terá um grande papel no fortalecimento da Administração Pública e do acesso do particular a uma forma mais justa e eficiente de contratação – fomentando economia e maior segurança sobre os critérios de análise de quem se envolve nos certames.

Os critérios de planejamento nas compras públicas se fortalecem enquanto o eppur-si-muove na introdução de uma visão mais juridicamente correta na forma como se analisa os processos de contratações e como se adere a tais processos na condição de licitante, especificamente com a adoção do eixo central da aplicação de governança ao processo de contratação. É a persistência da razão sobre a coerção normativa nem sempre útil, mas de obrigatoriedade de aderência. Há, contudo, limites que devem ser observados na institucionalização de soluções que se assemelham e criam novos parâmetros/subdivisões que não socorrem as lacunas exsurgidas a partir da necessidade do operador da norma.

Há de se considerar que uma das maiores vantagens aos critérios inovadores seria automatizar atos processuais da licitação que seriam feitos e praticados de forma sequencial, dentro da visão de estruturar a capacitação, transparência tecnologia e governança enrobustecidas enquanto fim ideal para solução real de conflitos e problemas de condução jurídico-administrativo. É, a dizer, a incorporação do fenômeno da gamificação na adoção de conceitos equiparáveis a partir de metas e planejamentos, monitoramento e feedback, comparação social e recompensas externas. Ou seja, estipula-se objetivos – transparência e governança enquanto pilares – na contratação que são alcançados a partir da organização e planejamento interno para se alcançar os resultados que se traduzem em benefícios ao interesse público.

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Contudo, há ressalva a ser observada: o cuidado de a literatura e academia não se apegar a conceitos indeterminados – até mesmo enquanto conceitos abstratos previstos no artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Administrativo (LINDB) – para introduzir o caráter educacional na conscientização dos processos de melhorias jurídico-administrativas. Há necessidade de aproximação substancial e sólida das necessidades práticas do cotidiano do operador da norma enquanto instrumentalizador do direito enquanto fenômeno social.

Norberto Bobbio2 estabeleceu que o fenômeno social surge a partir de pontos de vista onde podem ser examinados (filosófico, jurídico, econômico, etc.), havendo lugar, também, para o ponto de vista sociológico, precisamente da sociologia jurídica. E essa multiplicação ocorre de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade (...). Todas as três causas dessa multiplicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem revelam, de modo cada vez mais evidente e explícito, a necessidade de fazer referência a um contexto social determinado.

Logo, revela-se proficiente a solução que, de fato, acompanhe as necessidades extraídas a partir do cotidiano para que haja a preservação do interesse público como resultado final de um anseio coletivo, com consequências reais e não meramente teóricas. A desenvoltura da hermenêutica jurídica que potencializa a criação de leis que podem trazer benefícios práticos – a exemplo da citada Lei nº 15.266/2025 – exsurge justamente a partir do monitoramento sólido de valoração dos anseios do tempo em que aquele fenômeno social se materializa – ou até mesmo começa a se desenvolver para amadurecer anos depois.

O mesmo se aplica à norma processual civil e à tutela de seus indicativos de solução de conflitos fragilizados pela confiança coletiva, demandando formas alternativas de solução de conflitos a partir da autocomposição e heterocomposição. Há, contudo, justamente a necessidade de implementação de mecanismos de conscientização que contemplem o interesse público e demonstre a eficácia compatível com a tutela da multiplicação de direitos que diariamente se revelam e se destacam.

O fenômeno social está sujeito à transformação e contemporaneidade de sua necessidade, modulando-se dentro dos anseios coletivos que legitimam aquela aplicação. Tem-se, por exemplo, a partir da introdução pela Lei nº 13.010/2014 no ordenamento jurídico, a inclusão do dispositivo 18-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.

Houve a aplicação da inversão de valores culturais – ou reinterpretação – considerados nocivos ao desenvolvimento humano, o que reflete justamente a função do direito na mudança social – como exposto por Bobbio3, a tarefa de aplicação das normas resumidas na fórmula “sociedade no direito”. A transformação das demandas coletivas que modulam direitos individuais – e, por conseguinte, deveres – atraem novos panoramas da norma cogente que passam a ter ótica escusável dentro dos novos modelos de existência social.

Naturalmente há necessidade de uma aproximação entre atores processuais e sociais para se estabelecer diálogos que atendam aos melhores anseios na solução dos problemas e dificuldades na garantia dos direitos sociais, propiciando segurança jurídica, dignidade, garantia de respeito ao devido processo legal e, igualmente, efetividade em compras públicas que também devem ter aderência a efetividade da aplicação normativa; maximiza-se, assim, o bem-estar social com consequências e reflexos práticos alcançados justamente pela epistemologia jurídica fundamental para as transformações propostas. O espírito de políticas de governança e planejamento incorporados na sociedade no sentido lato sensu possibilita o alcance de resoluções de problemas com eficácia e solidez, há muito demandada no Poder Judiciário e Administração Pública.

A proposição encontra amparo final e conclusivo no escólio de Carlos Maximiliano4, que lecionou que não há sistema capaz de prescindir do coeficiente pessoal. A justiça depende, sobretudo, daqueles que a distribuem. O texto é a essência, a matéria-prima, que deve ser plasmada e vivificada pela inteligência de um caráter íntegro.


Notas

  1. Disponível em: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2025/novembro/mais-agilidade-nas-compras-publicas-sancionada-a-lei-que-cria-o-sistema-de-compras-expressas-sicx

    Acesso em 26 de nov. 2025.

  2. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução de Carlos Nelson Coutinho. — Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 68.

  3. Idem, p. 73.

  4. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. — Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 82.

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Sobre o autor
Daniel Macedo

Advogado e Consultor Jurídico em Brasília/DF. Pós-Graduado em Direito, Constituição e Estado. Pós-Graduado em Processo Civil. Pós-Graduando em Contratos Administrativos e Licitações.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Daniel. A nova era dos direitos: a mutabilidade normativa escusável e o direito diário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8188, 1 dez. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116368. Acesso em: 5 dez. 2025.

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