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A não cumulatividade dos impostos e as perspectivas para a Reforma Tributária

03/12/2025 às 15:14

Resumo:


  • O princípio da não cumulatividade é um pilar do sistema tributário brasileiro, evitando o "efeito cascata" da cobrança de impostos.

  • A não cumulatividade no Brasil, especialmente em relação ao ICMS sobre material de consumo, nunca foi plenamente cumprida, apesar das promessas legislativas.

  • A Reforma Tributária traz mudanças em relação à não cumulatividade, como a proibição da transferência de créditos entre empresas e prazos para ressarcimento de impostos acumulados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A não cumulatividade permanece descumprida desde 1988, gerando créditos represados e insegurança jurídica. Como a Reforma Tributária tratará o crédito tributário sem agravar o “efeito cascata”?

1. A NÃO CUMULATIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O princípio da não cumulatividade é um pilar do sistema tributário brasileiro, destinado a evitar o “efeito cascata” da cobrança de impostos. Ele está garantido tanto para os tributos atualmente existentes quanto para os novos tributos criados pela Reforma Tributária, diretamente no texto da Constituição Federal.

Atualmente, encontra-se previsto no art. 156-A, inciso VIII, da Constituição (com a redação dada pela EC 132/2023), mas nasceu junto com a Constituição Federal de 1988, no art. 155, § 2º, inciso I, no que se refere ao ICMS, ganhando força com a Lei Complementar 87/1996, nos arts. 19. a 21.


2. CRÉDITO DE ICMS SOBRE MATERIAL DE CONSUMO – AS PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

A não cumulatividade no Brasil jamais foi plenamente cumprida, existindo apenas na previsão constitucional. O art. 20 da LC 87/1996, por exemplo, prevê o direito de as empresas creditarem-se de toda e qualquer entrada no estabelecimento, “inclusive material de uso e consumo”, fixando o início da vigência desse creditamento para 1998.

Detendo-nos no creditamento do material de uso e consumo, verifica-se que esse direito, embora criado em 1996, nunca foi colocado em prática, tendo sido prorrogado sucessivas vezes, conforme a seguir:

  • Lei Complementar 92/1997 prorrogou a vigência para 01/01/2000;

  • Lei Complementar 99/1999 prorrogou a vigência para 01/01/2003;

  • Lei Complementar 114/2002 prorrogou a vigência para 01/01/2007;

  • Lei Complementar 122/2006 prorrogou a vigência para 01/01/2011;

  • Lei Complementar 138/2010 prorrogou a vigência para 01/01/2020.


3. O CALOTE

Cansados de tantas prorrogações, os legisladores foram ainda mais ousados e, em 2019, editaram a Lei Complementar 171/2019, prorrogando a vigência para 01/01/2033.

Ora, a partir de 2033, o ICMS será extinto. Tivemos um princípio constitucional da não cumulatividade estabelecido em 1988 que, na prática, nunca será efetivamente implementado.

A palavra “estelionato” tem origem no latim stellionātu, que significa “engano” ou “logro”. A Lei Complementar de 2019, que sepultou o direito (existente desde 1996) aos créditos de material de consumo, coincidentemente recebeu o número 171. O número 171, no Código Penal, é justamente o artigo que define o crime de estelionato.


4. O SALDO CREDOR ACUMULADO DAS EMPRESAS

Já o art. 25, § 2º, inciso II, da LC 87/1996 estabelece que os saldos credores do ICMS “sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado”.

Ocorre que as condições definidas pela maioria das unidades da Federação inviabilizam essas transferências. Prova disso é o estoque bilionário de saldo credor acumulado de ICMS pelas empresas.

Da mesma forma, são restritas as possibilidades de compensação e ressarcimento, destacando-se o Estado de São Paulo no cumprimento dessas operações por meio do Sistema Eletrônico de Gerenciamento do Crédito Acumulado, denominado e-CredAc, regulamentado pela Portaria SER 65/2023.

Como se pode observar, a não cumulatividade já existe no Brasil desde a Constituição de 1988. Contudo, transcorridos quase 40 anos, nunca foi cumprida, em nome da preservação do caixa e do equilíbrio econômico dos Estados, pois quanto maior o volume de créditos represados, maior a arrecadação tributária.


5. O QUE MUDA COM A REFORMA TRIBUTÁRIA

Com o histórico de promessas de não cumulatividade não cumpridas, voltamos os olhos para o que estabelece a Reforma Tributária a respeito.

O primeiro aspecto a destacar é que a redução da carga tributária não está entre os princípios e objetivos da Reforma. Passemos à análise do que prevê a Lei Complementar 214/2025.

5.1. SEGMENTOS GERADORES DE CRÉDITO NA REFORMA TRIBUTÁRIA

O imposto será seletivo em função da essencialidade. As atividades consideradas essenciais terão, como já ocorre hoje, imposto menor na saída, com redução de alíquota — como é o caso da cesta básica de alimentos, dos serviços de saúde e médico-hospitalares, dos serviços de educação, entre outros.

Esses segmentos continuarão acumulando crédito, pois recebem apenas a redução nas saídas, enquanto todas as compras ocorrem com imposto integral.

Para prevalecer a não cumulatividade, evitando os nefastos efeitos do “efeito cascata”, esses segmentos não deveriam acumular saldo credor. E, se acumularem, deveriam ter a imediata devolução desses valores, afinal o Estado recebeu o pagamento do imposto, que agora se constitui crédito.

Entretanto, isso não ocorrerá com a Reforma Tributária. Não será permitida a transferência de saldo credor do imposto, e os processos de ressarcimento poderão levar mais de 360 dias, como veremos adiante.

5.2. TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS NA REFORMA TRIBUTÁRIA

A legislação atual permite a transferência de créditos entre empresas. Contudo, a Reforma Tributária passa a proibir expressamente essa possibilidade, o que representa um retrocesso em termos de não cumulatividade, onerando as empresas, que farão uma espécie de empréstimo compulsório ao fisco relativo ao imposto desembolsado a maior.

Enquanto até aqui havia a promessa de transferência de créditos na Constituição de 1988 e na LC 87/1996, a Reforma Tributária foi taxativa ao vedar essa transferência.

O art. 55. da LC 214/2025 estabelece que “é vedada a transferência, a qualquer título, para outra pessoa ou entidade sem personalidade jurídica, de créditos do IBS e da CBS”. Já o art. 56. reforça que essa vedação se aplica a todas as hipóteses de apropriação e utilização de créditos do IBS e da CBS.

5.3. RESSARCIMENTO DO IMPOSTO PREVISTO NA REFORMA TRIBUTÁRIA

A apuração do IBS e da CBS será separada. Créditos presumidos sobre determinadas atividades, válidos para o IBS, não existirão na apuração da CBS, e vice-versa.

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São vedadas, em qualquer hipótese, a compensação de créditos de IBS com valores devidos de CBS e a compensação de créditos de CBS com valores devidos de IBS (inciso I do § 1º do art. 47).

As solicitações de ressarcimento serão apreciadas pelo Comitê Gestor do IBS, no caso do IBS, e pela Receita Federal do Brasil, no caso da CBS (§ 2º do art. 39).

O art. 39. estabelece basicamente dois prazos distintos para o ressarcimento:

5.3.1. RESSARCIMENTO ACELERADO – 30 ou 60 dias (incisos I e II do § 3º do art. 39)

Serão ressarcidos em 30/60 dias os créditos enquadrados em programas de conformidade a serem desenvolvidos pelo Comitê Gestor do IBS e pela RFB.

Enquadram-se nesse caso os pedidos cujo valor seja igual ou inferior a 150% do valor médio mensal entre a diferença dos créditos e débitos apropriados pelo contribuinte nos últimos 24 meses (inciso II e § 1º do art. 40).

Em outras palavras, somente será devolvida de forma célere uma fração — inferior a 150% da média dos últimos dois anos — e apenas se a empresa estiver enquadrada nos programas de conformidade a serem criados.

Se uma empresa começou a acumular crédito nos últimos 12 meses, considerando-se para fins de média os últimos 24, o resultado tende a ser próximo de zero. E, mesmo que tenha acumulado nos últimos 24 meses e de forma constante, receberá apenas o equivalente a 1,5 mês de forma acelerada, ficando o restante para as condições abaixo.

5.3.2. RESSARCIMENTO NORMAL – 180 ou 360 dias (inciso III do § 3º do art. 39)

Este será o padrão de ressarcimento: até 180 dias contados da solicitação.

Entretanto, o § 5º do mesmo artigo estabelece que, caso seja iniciado procedimento de fiscalização relativo ao pedido de ressarcimento, os prazos serão suspensos. Por sua vez, o § 6º determina que o procedimento de fiscalização não poderá se estender por mais de 360 dias.

Em outras palavras, conferem-se ao Comitê Gestor e à RFB a faculdade de ressarcir os créditos ao contribuinte em até 360 dias ou, na ausência de fiscalização, em 180 dias.


6. SÍNTESE CONCLUSIVA

O Brasil tem histórico de promessas não cumpridas relativas à não cumulatividade. A Lei Kandir (LC 87/1996) estabeleceu o direito ao crédito amplo, inclusive sobre material de consumo, o que jamais foi e nem será colocado em prática, permanecendo como letra morta.

As transferências de crédito entre empresas, atualmente válidas no Estado de São Paulo para o ICMS (Portaria SRE 65/2023), deixarão de existir com a entrada em vigor da Reforma Tributária.

A promessa de devolução dos créditos acumulados passa a ter prazo: entre 180 e 360 dias, caso iniciado o procedimento de fiscalização (atualmente nenhum crédito acumulado é devolvido sem fiscalização prévia).

Se teremos tecnologia para calcular o imposto devido no ato da liquidação financeira bancária, por meio da novidade do split payment (art. 31), também deveríamos aplicar a mesma tecnologia para o cálculo e a devolução imediata dos créditos. Não nos parece justiça fiscal cobrar o imposto antecipadamente, no ato do recebimento da nota fiscal, e levar até 360 dias para devolver o crédito acumulado, sem correção monetária.

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Sobre o autor
Ivo Ricardo Lozekam

LZ FISCAL - Fundador e CEO | Expert em ICMS | Crédito Acumulado | Ressarcimento e Monetização | Articulista da Thomson Reuters | Membro do IBPT | Suas Publicações sobre o ICMS constam nos Repertórios Doutrina STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOZEKAM, Ivo Ricardo. A não cumulatividade dos impostos e as perspectivas para a Reforma Tributária . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8190, 3 dez. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116371. Acesso em: 5 dez. 2025.

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