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Análise dos aspectos relativos aos administradores em uma sociedade limitada.

Equiparação a diretores estatutários em uma sociedade anônima

28/09/2008 às 00:00
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O presente trabalho visa elucidar questões e riscos inerentes à contratação de empregados que ocupam o cargo de diretores estatutários em uma sociedade limitada.

Inicialmente, cumpre esclarecer que a lei que regulava a sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Decreto nº 3.708, de 10.01.1919) foi revogada tacitamente com o advento do Código Civil de 2002.

Referido diploma legal preconiza, em seu artigo 1.060, que a sociedade limitada pode ser administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.

Por seu turno, ensina o artigo 1.061 do mesmo diploma legal:

"Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização."

Infere-se do referido dispositivo, portanto, que é permitida a nomeação de administradores não sócios na sociedade limitada, desde que haja previsão no contrato social.

No tocante à figura do administrador não empregado, o Código Civil é omisso, motivo pelo qual é aplicável subsidiariamente o disposto na Lei das Sociedades Anônimas, caso assim permitir o contrato social da empresa, conforme autorização contida no parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil:

Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.

Sendo assim, analisando-se a lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), temos que a natureza do vínculo estabelecido entre o administrador e a sociedade anônima poderá ser regida pelo direito societário ou pelo direito do trabalho, sendo certo que da natureza que se lhe atribua decorrem importantes definições relativas à extensão dos direitos do administrador.

Ainda assim, baseado na atual legislação sobre a sociedade limitada e na regência supletiva da legislação das sociedades por ações, o administrador poderá ser prestador de serviços, tendo sua condição equiparada ao do diretor estatutário de S/A - questão formal.

Nesse sentido, atualmente, o administrador da sociedade limitada pode ser contratado para administrá-la mesmo sem ser sócio, estando equiparado ao diretor estatutário da sociedade anônima. Tal contratação pode estabelecer aspectos de subordinação ou não, ou seja, o administrador pode ser empregado ou não, dependendo da existência ou não de subordinação.

A natureza jurídica da prestação de serviços do administrador definir-se-á, portanto, dependendo do grau de autonomia de que gozar (se tem ordens a cumprir, horários, se submete à disciplina da empresa, etc).

Nesse contexto, vale distinguir duas hipóteses: a do empregado eleito para órgão de administração e a do profissional contratado especificamente para integrá-lo. No primeiro caso, entende a jurisprudência trabalhista que o contrato de trabalho é suspenso, não se computando o tempo de serviço durante o mandato de conselheiro ou diretor, salvo se permanecer a subordinação típica do vínculo empregatício. Tal é a orientação da Súmula nº 269 do Tribunal Superior do Trabalho, abaixo transcrita:

"Diretor eleito. Cômputo do período como tempo de serviço (Res. 2/1988, DJ 01.03.1988)

O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego."

Não obstante referido entendimento jurisprudencial ser expresso em relação apenas às sociedades anônimas, entende-se que, com a ampliação dos limites do exercício da administração das sociedades limitadas pelo Novo Código Civil aos não sócios, sua aplicabilidade poderá ser estendida analogicamente, o que fornece ao empregador maior sustentabilidade do posicionamento perante a Justiça.

Já na segunda situação, o administrador não tinha nenhum outro vínculo anterior com a sociedade e, mesmo que não venha a ocupar o cargo mais elevado da administração, presume-se societária a relação jurídica derivada a sua investidura, uma vez que administrador não empregado possui com a sociedade limitada relação de prestador de serviços, sendo certo que em referida posição o administrador possui situação equivalente ao diretor estatutário de uma sociedade por ações, posição esta reforçada com a entrada em vigor do Novo Código Civil.

O ponto característico principal é que, nesta posição de prestador de serviços, a relação entre empresa e administrador não sócio é regida exclusivamente nas bases contratuais acordadas, não se aplicando a ela, conseqüentemente, a legislação trabalhista, salvo se presentes os requisitos inerentes à relação de emprego.

Nesse sentido, a contratação de trabalhadores para exercer suas atividades com pessoalidade, subordinação, remuneração e habitualidade, ou seja, preenchendo os requisitos inerentes à relação de emprego, dá ensejo à aplicação da Lei Trabalhista ao invés de serem aplicadas as disposições contratuais pactuadas.

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Isso porque o princípio basilar do direito do trabalho é o da primazia da realidade, ou seja, o privilégio à realidade dos fatos em detrimento de documentos que demonstrem situação contrária.

Nesse diapasão, sempre que presentes na relação entre dois sujeitos de direito os pressupostos delineados no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quais sejam: a prestação de serviços não eventual, sob a dependência e subordinação, por pessoa física, a certo empregador, mediante o pagamento de salário, será reputado o vínculo de emprego, independentemente do conteúdo de eventuais documentos por eles firmados.

Não havendo subordinação jurídica nesses casos, não há que se falar, por óbvio, em relação de emprego, sobretudo em face do alto grau de discernimento de que geralmente são dotados esses profissionais aos quais se confere a responsabilidade de administrar as empresas. Por outro lado, caso se comprove a existência de subordinação desses empregados, restará configurada a relação de emprego e, conseqüentemente, todos os direitos a ela inerentes.

Cumpre acentuar, também, que o fato de o administrador possuir quotas, por si, não afasta a relação de emprego, já que à luz do artigo 9º da CLT, a transmissão de quotas pode ser considerada fraudulenta e anulada, caso demonstrado o intuito de fraudar a legislação trabalhista. Há casos em que os empregados possuem quotas de suas empregadoras e nem por isso deixam de ser empregados. Sobrepõe-se, nesses casos, o "contrato realidade", em que o "divisor de águas" é a existência ou não de autonomia e subordinação, de acordo com a forma contratada entre prestador de serviços e empresa.

É esse, inclusive, o entendimento da Justiça do Trabalho, ou seja, caso o sócio administrador (que equivale a diretor estatutário da S/A) pleiteie o reconhecimento de vínculo empregatício e prove que, de fato, seu relacionamento com a sociedade era de empregado subordinado, terá o vínculo reconhecido, independentemente de possuir quotas.

Em outras palavras, ainda que formalizada a eleição e investidura do administrador no cargo de administrador da sociedade nas atas e documentos desta, com a correspondente observância das formalidades do direito societário, referida documentação não possuirá o condão de afastar a sujeição do vínculo ao direito do trabalho se restar provada, perante a Justiça do Trabalho, os pressupostos contidos no artigo 3º da CLT, notadamente a subordinação jurídica (basicamente, recebimento de ordens diretas do empregador), tendo em vista que os demais pressupostos são inerentes à relação do administrador com a sociedade.

No que tange à eventual autuação pela fiscalização, pode ocorrer que a DRT (Delegacia Regional do Trabalho) autue a empresa por falta de anotação na CPTS, a multe pela falta de registro e pelo não recolhimento de FGTS, assim como pelo não pagamento de férias.

Ante o exposto, pode-se concluir que é possível, de acordo com o ordenamento jurídico atual, a contratação de prestador de serviços como administrador de sociedade limitada sem vínculo de emprego, sendo certo que tal situação somente se dará quando a prestação de serviços seja isenta de subordinação, não incidindo os elementos do conceito de empregado, constante o artigo 3º da CLT.

Contudo, no caso de empregados que já prestam serviços com o preenchimento dos requisitos do artigo 3° da CLT, havendo a contratação de tais prestadores de serviços para atuarem como administradores, corre-se o risco de não se conseguir provar que eles têm amplos poderes de gestão, mas, ao contrário, que já atuam como prestadores de serviços com pessoalidade, subordinação, remuneração e habitualidade.

Além disso, ainda que a Lei autorize a contratação de administrador prestador de serviços por sociedade limitada nos moldes como ocorre a contratação de diretor estatutário por S/A, não há ainda construção jurisprudencial nesse sentido, isto é, não existe um entendimento de que tal situação, na prática, é aceita.

Diante de todo o exposto, conclui-se que é possível, em tese, transformar empregados em administradores prestadores de serviço (que equivalem aos diretores estatutários da S/A), mas como não há uma corrente jurisprudencial que trate da questão, é impossível se saber qual será o entendimento prático que se dará a esse assunto ainda recente em nosso ordenamento jurídico e meio social.

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Sobre o autor
Denis Fonseca Madrigano

Bacharelando em Direito e estagiário de advocacia em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADRIGANO, Denis Fonseca. Análise dos aspectos relativos aos administradores em uma sociedade limitada.: Equiparação a diretores estatutários em uma sociedade anônima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1915, 28 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11774. Acesso em: 19 abr. 2024.

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