3 EFICÁCIA DO ACORDO DE ACIONISTAS
Para que o acordo realizado entre acionistas de uma sociedade anônima aberta possa ter eficácia perante esta, é necessário arquivá-lo na sede da companhia, conforme dispõe o art. 118, caput, da Lei n. 6.404/76.
Além dessa possibilidade, o pacto dos acionistas poderá ter eficácia perante quaisquer terceiros desde que seja averbado no livro de registro e, quando existente, também nos certificados das ações. É o que preceitua a Lei das S.A., em seu art. 118, § 1º.
Nesse sentido, a companhia tem papel de extrema importância em relação ao negócio jurídico efetuado pelos acionistas, que é a de funcionar como órgão de registro do contrato.
E, como expõe Celso Barbi Filho,
exercendo função de registro público, a companhia se sujeitará a conseqüências peculiares a tal condição. Dentre elas, cumpre ressaltar a obrigação de fornecer certidões, quando solicitadas e o cabimento de medidas judiciais contra atos de seus administradores, praticados no exercício da função de registro público. (BARBI FILHO, 1993, p. 132)
Saliente-se que, diante da inexistência de norma especificando como deve ser realizado o arquivamento do acordo na companhia, entende-se que não é, necessariamente, obrigatória a entrega de um recibo constando que a S. A. o recebeu.
Assim, qualquer demonstração por parte da sociedade de que essa tomou conhecimento dos termos do acordo poderá implicar a observância do pactuado pela companhia.
No que concerne ao registro do acordo de acionistas em outras entidades, como o registro de comércio, não haverá obrigação a ser cumprida pela companhia no sentido de fazer valer o que ele dispõe.
O arquivamento do acordo em outras entidades que não seja a sede da companhia não gerará a nulidade dele, porém, não terá nenhuma eficácia perante a Sociedade por Ações.
Sendo requerido ao administrador da sociedade anônima, este deve efetuar o registro do acordo realizado por seus acionistas. Além disso, após o arquivamento, ele tem a obrigação de emitir certidões sobre o conteúdo do acordo a qualquer interessado, uma vez que o registro tem nítido caráter público.
Como bem ressalta Modesto Carvalhosa, "a sociedade, no exercício dessas funções públicas, deve ser equiparada à autoridade, para os fins de mandado de segurança". (CARVALHOSA, 1984, p. 234)
E mais adiante complementa o autor:
O arquivamento e averbações dos acordos, bem o seu cancelamento e todos os demais atos tendentes à publicidade de sua existência e modificação, podem, com efeito, ser alcançados pela via do mandado de segurança, que será o meio eficaz de fazer prevalecer o direito líquido e certo dos interessados, na efetivação dos procedimentos do registro público, na espécie. (CARVALHOSA, 1984, p. 235)
Fundamenta-se a possibilidade de cabimento do mandado de segurança, nas situações envolvendo atos dos administradores das sociedades anônimas, na Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951. Isso porque, no art. 1º, § 1º, da mencionada lei relativa ao mandado de segurança, estabelece-se que essa medida também pode ser aplicada aos administradores de pessoas jurídicas com funções delegadas do poder público.
Dessa forma, estando a Sociedade por Ações pessoa jurídica exercendo função pública de órgão de registro público, mediante atos de seus administradores, estes poderão ter expedido contra si o mandado de segurança. Isso ocorrerá quando violarem direito líquido e certo de alguma pessoa, seja ela acionista, seja qualquer terceiro interessado, por exemplo, em obter informações sobre o acordo de acionistas.
Importante destacar sobre o registro que se faz na sede da companhia e a publicidade trazida com esse arquivamento.
Em que pese à questão do sigilo dos acordos de votos quando se está diante dos concorrentes, em nada poderá intervir a sociedade caso alguma pessoa solicite informação sobre ele, por ter a sociedade a obrigatoriedade de emitir certidões sobre o pactuado que esteja arquivado.
Por isso, os próprios acionistas é que deverão avaliar o melhor momento para tornar conhecidas as disposições acordadas, retardando ao máximo o arquivamento e/ou averbação ou até mesmo optando por não fazê-lo(a).
Dessa forma, tem-se segurança de ver cumprido o que fora pactuado, ainda que haja a publicidade necessária quando o acordo for arquivado e/ou averbado na sede da sociedade por ações.
E, contrariamente, resguardando o sigilo do acordo de acionistas e, portanto, não o registrando, haverá certa insegurança com relação ao cumprimento dele, pois perderá sua eficácia compulsória perante a S.A.. Dessa maneira, não terá a companhia qualquer obrigatoriedade de fazer valer o que fora pactuado.
3.2 O arquivamento
Adentrando na modalidade de registro denominado arquivamento, conforme preceitua o art. 118, caput, da Lei n. 6.404/76, tem-se que o acordo de acionistas deve ser arquivado na sede da companhia para que seja cumprido por ela.
Assim, mesmo não sendo parte no acordo, haverá vinculação da sociedade com relação ao que constar no pactuado, gerando efeitos não apenas entre os acionistas signatários, mas, também, perante a companhia. E isso é o que determina a própria lei acima mencionada.
Uma questão que surge quando se vai arquivar um acordo é o procedimento a ser realizado tendo em vista a inexistência de norma para tal.
Celso Barbi Filho encontra apoio na lei de registros públicos para buscar um procedimento que efetive o arquivamento pela companhia.
O Decreto n. 57.651, de 19 de janeiro de 1966, que regulamenta a Lei n. 4.726, de 13 de julho de 1965, a qual dispõe sobre os serviços do Registro do Comércio, estabelece, em seus arts. 63 e seguintes, normas para a realização do arquivamento no Registro do Comércio. (BARBI FILHO, 1993, p. 136, grifo do autor).
E complementa: "Um primeiro aspecto a ser observado é o de que o órgão, setor ou departamento da companhia que deverá ser o competente para o arquivamento do acordo será aquele que cuida do registro das ações". (BARBI FILHO, 1993, p. 137)
Ressalte-se que a sociedade por ações pode optar, nos termos do art. 27 da Lei de S.A., por utilizar uma instituição financeira com a finalidade de realizar os serviços de escrituração, guarda, transferência e emissão de certificados. Ainda nessa hipótese, o arquivamento do acordo de acionistas deverá ocorrer na sede da companhia e, portanto, será realizado pelo setor que entra em contato com a instituição financeira, ou, não existindo, pela diretoria.
Outro ponto a ser visto é a análise pela S.A. de certos aspectos do acordo de acionistas. Se for verificado, por exemplo, defeito de forma, esse deverá ser corrigido para ter eficácia perante a companhia.
Entretanto, importante salientar que o mérito do pactuado pelos acionistas da sociedade não deve ser objeto de verificação pelos administradores que estiverem fazendo o arquivamento, tendo em vista tratar-se de matéria a ser questionada unicamente em âmbito judicial.
É de grande relevância o arquivamento do acordo de acionistas na sede da companhia, tendo esta a função de órgão de registro público do documento, analisando os aspectos extrínsecos e sendo obrigada a emitir certidões e informações sobre ele, conforme exposto.
Arquivando, portanto, o acordo realizado entre acionistas de uma sociedade por ações, haverá a eficácia desse perante a companhia, caso contrário, inexistirá tal eficácia. O acordo, entretanto, não deixa de ser válido entre os próprios acionistas que o assinaram.
3.3 A averbação
A averbação é outra modalidade de registrar o acordo realizado por acionistas de uma sociedade por ações. A base legal está contida no art. 118, § 1º, da Lei n. 6.404/76 e tem por finalidade, precipuamente, dar publicidade a terceiros interessados nos termos do referido acordo.
Conforme estabelece o dispositivo mencionado, verifica-se que a averbação se dá nos livros de registro e nos certificados das ações, se existentes estes últimos. Os livros de registro de ações das sociedades anônimas são considerados de natureza pública, o que gera, conseqüentemente, a possibilidade de qualquer pessoa requerer a certidão deles, assim como dos próprios acordos de acionistas, como ressaltado.
Modesto Carvalhosa expõe de forma clara e sucinta sobre a averbação:
A averbação far-se-á no livro próprio: registro de ações nominativas. No caso de ações escriturais, caberá à instituição encarregada proceder às anotações devidas nos seus livros e no extrato da conta corrente fornecido ao acionista (art. 40), podendo adotar o sistema de código.
As averbações farão simples referência ao contrato, à sua data e à espécie de restrição, se patrimonial (compra e venda de ações ou preferência) ou se de voto ou de controle. (CARVALHOSA, 2003, p. 572)
Assim é que, diferentemente do arquivamento, a averbação pode ser realizada pela própria instituição financeira, quando esta for contratada pela sociedade anônima. É o que determina o art. 27 Lei n. 6.404/76.
Quando isso ocorre, a responsabilidade perante os acionistas que não assinaram o acordo é da própria companhia, tendo em vista ter sido a contratação com a instituição financeira feita por esta.
Ao averbar o acordo de acionistas, seus signatários objetivam a publicidade perante terceiros para que estes, ao adquirirem as ações, já tenham informação sobre seus termos, vinculando-se, dessa forma, às responsabilidades, direitos e deveres existentes no acordo.
Com a averbação, procura-se evitar que ações sejam transferidas para terceiros ou mesmo para outros acionistas não signatários do acordo, em desconformidade com o que fora pactuado.
Conforme expõe Marcelo M. Bertoldi, há uma
[...] eficácia do acordo perante terceiros e presunção absoluta quanto ao seu conhecimento. Assim, se a averbação não for procedida, isso não quer significar que o acordo deixe de ser válido ou de ter eficácia perante seus signatários, mas, isto sim, sinaliza sua inoponibilidade diante de terceiros de boa-fé. (BERTOLDI, 2006, p. 115)
É imprescindível, portanto, àqueles que desejam adquirir ações de uma S.A. procurar se informar sobre a possível existência de acordos de acionistas que impeçam ou limitem a transferência de certas ações.
Nesse ponto, cumpre salientar o que apresenta Rafael Lopes Lorenzoni, em seu artigo "Execução específica e eficácia dos acordos de acionistas na sociedade anônima":
É certo que, normalmente, o próprio acordo de acionistas já estabelece que os acionistas apenas podem alienar suas ações se o comprador aderir a seus termos. Neste toar, a obrigação de informar ao comprador sobre a existência e os termos do acordo seria do vendedor. Da mesma forma, para que se possa opor o acordo a certas entidades, como Comissão de Valores Mobiliários, bolsas de valores ou Banco Central, de modo a se eximir, por exemplo, de obrigatoriedade de negociação ambiente de bolsa de valores ou mercado de balcão, é necessária a averbação do acordo. (LORENZONI, 2007)
Acresce-se, ainda, a obrigatoriedade da própria companhia de impedir qualquer cessão que esteja contradizendo algum acordo de acionistas, conforme dispõem os arts. 118, caput, e 103, caput, da Lei sobre as Sociedades por Ações.
Contudo, havendo transferência de ação em desconformidade com acordo de acionistas, referente à alienação dela, cabe ao prejudicado mover ação judicial para execução específica a fim de ver cumprido o que fora pactuado, como preceitua o § 3º do art. 118 da Lei S.A..
Tal medida tem por finalidade a anulação da cessão das ações a quem não era devida, contrariamente ao que fora acordado entre acionistas e submetido à averbação pela companhia.
Ressalte-se o que estabelece o art. 118, § 4º, da Lei n. 6.404/76, ao proibir a negociação das ações averbadas em bolsa ou no mercado de balcão.
Importante frisar, por fim, o que expõe Celso Barbi Filho:
De fato, não pode a companhia proceder à averbação de um acordo, se o mesmo não se encontra regularmente nela arquivado, de maneira a, nos termos da lei, vinculá-la à observância compulsória de seus termos, no que se refere à circulabilidade das ações. Com isso, embora seja possível a existência de arquivamento sem averbação, quando o acordo versar exclusivamente sobre o direito de voto, não se pode admitir a averbação sem o prévio arquivamento caso a convenção seja apenas quanto à disponibilidade das ações. (BARBI FILHO, 1993, p. 140)
Em sentido contrário, há o entendimento de Fábio Comparato citado por Celso Barbi Filho, expondo que "[...] se o acordo só diz respeito à compra e venda de ações e à preferência para adquiri-las, não é necessário manter o instrumento do acordo arquivado na companhia, bastando a averbação de suas estipulações nos livros e certificados". (BARBI FILHO, 1993, p. 140)
Nesse aspecto, para maior segurança dos acionistas signatários do acordo, o melhor a ser feito é realizar tanto o arquivamento quanto a averbação. Dessa maneira, o pacto será oponível à sociedade anônima e a qualquer terceiro.
3.4 Representante dos signatários
Para tornar mais claras as cláusulas do acordo de acionistas, o legislador, por meio da Lei n. 10.303/2001, introduziu, no § 10 do art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas, a obrigatoriedade de os acionistas, que realizarem um acordo, indicar um representante perante a companhia.
Isso porque as cláusulas podem ser questionadas quando apresentarem termos ambíguos, obscuros ou mesmo aparentemente ilegais.
Assim, uma consulta ao representante apontado pelos acionistas signatários do acordo torna as cláusulas mais compreensíveis para o presidente da Assembléia Geral ou outros que desejem melhor entender as cláusulas do pacto de acionistas.
Ressalte-se que, ainda com o representante indicado, pode a companhia solicitar informações e explicações sobre o acordo de acionistas aos próprios signatários dele.
A existência desse representante é de grande relevância para que o acordo estabelecido pelos acionistas seja, de fato, realizado corretamente.
Nesse sentido, expõe Marcelo M. Bertoldi que a possibilidade de solicitar esclarecimento a um representante escolhido pelos signatários do acordo é um "[...] importante instrumento de eficácia dos acordos de acionistas, na medida em que, quanto mais claras e objetivas as cláusulas do acordo, menores as chances de dubiedade quanto à sua interpretação". (BERTOLDI, 2006, p. 129)
Ainda que de considerável valor a indicação de um representante dos acionistas perante a companhia, não se trata de uma obrigatoriedade para que o acordo seja válido.
Frisa-se, entretanto, que essa representação constitui uma exigência legal para que o pacto dos acionistas possa ser arquivado/averbado na sede da sociedade e, dessa forma, se tornar oponível perante a S.A. e a terceiros.
Traz o dispositivo legal os seguintes dizeres:
Art. 118. [...].
[...].
§ 10. Os acionistas vinculados a acordo de acionistas deverão indicar, no ato de arquivamento, representante para comunicar-se com a companhia, para prestar ou receber informações, quando solicitadas.
O mandato estabelecido pelos acionistas signatários do acordo com o representante por eles escolhidos pode se dar tanto numa das cláusulas do acordo quanto de forma apartada a este. Sua duração pode ser definida pelos acionistas, com a possibilidade de ter este um prazo idêntico ao da vigência do acordo.
É importante incluir no conteúdo desse mandato os poderes realmente estabelecidos, bem como a forma e os limites da atuação do representante. Ademais, vale acrescentar cláusula estabelecendo a revogabilidade ou não do mandato e a maneira como será realizada a substituição do representado.
Tendo em vista não haver qualquer restrição legal, é possível que o representante seja acionista, signatário ou não do acordo. E mais, pode ocorrer de o representante ser um terceiro que não possua qualquer vínculo com o pacto de acionistas ou mesmo com a própria companhia.
Nesse aspecto, argumenta Marcelo M. Bertoldi:
[...] se nem para o caso de representação de acionistas perante o órgão máximo da companhia existem restrições quanto a terceiro não acionista participar como representante de acionista, não seria na hipótese do acordo de acionistas que deveríamos interpretar restritivamente o §10 do art. 118 da Lei n. 6.404/1976. (BERTOLDI, 2006, p.132)
Ao receber o mandato de todos os acionistas que subscreveram o acordo, por meio de uma cláusula presente neste, o representante deve agir de forma coletiva. Por isso, não pode votar em nome de alguns acionistas em determinado sentido e votar diferentemente pelos demais.