8.Carta Rogatória e videoconferência
Também foi introduzido novo art. 222-A, para esclarecer que a colheita de testemunho por carta rogatória (cabível quando a testemunha reside em outro país) deverá ser uma excepcionalidade, diante de suas dificuldades operacionais e suas conseqüências para a celeridade e efetividade do processo.
O parágrafo único do art. 222-A prevê a aplicação dos §§ 1º e 2º do art. 222, ou seja, dos dispositivos vetados que previam que a audiência de instrução deveria ser designada para data em que se permita preferencialmente o cumprimento da carta rogatória antes de sua realização. Obviamente, a aplicação desses dispositivos ficou prejudicada em razão do veto presidencial e melhor teria sido se esse parágrafo único também houvesse sido vetado, para assegurar a sistematicidade das alterações legislativas.
Apesar de o art. 222-A não estabelecer a possibilidade de realização de colheita de testemunho no exterior por videoconferência, entendemos que essa possibilidade existe e emana diretamente do disposto no art. 18.18 do Decreto n. 5.015/04 (Convenção de Palermo, ou Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado), que estabelece:
18. Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.
Considerações finais
Em síntese, as vantagens da videoconferência são:
a)Evita o deslocamento de réus ou testemunhas presos, permitindo a economia de recursos públicos com a escolta, a liberação destes policiais para outras atividades de policiamento, bem como evitando-se o risco de fuga de presos ou o risco de intimidação pessoal do preso às demais testemunhas presentes;
b)Evita o cancelamento de atos processuais em razão da não apresentação de réus presos em decorrência de falta de pessoal para escolta;
c)Permite a maximização do princípio do juiz natural, da imediação, da efetiva participação das partes (promotor natural e defensor da causa), da oralidade (concentração dos atos processuais) e celeridade (evitando-se expedição de carta precatória) nas hipóteses de colheita de interrogatório ou testemunho por videoconferência.
Em nossa visão, a reforma decorrente da Lei n. 11.900/2009 representa uma mudança de paradigmas rumo à efetividade do processo. Havia grande resistência à admissibilidade do interrogatório por videoconferência e a nova legislação permitiu sua realização de forma excepcional às situações que enumera. Acreditamos que não há violação a direitos fundamentais na realização do interrogatório por videoconferência, desde que resguardadas as garantias que a nova legislação previu, de forma satisfatória. À proporção que a praxe forense demonstrar que se trata de uma prática legítima, que permite uma comunicação efetiva entre juiz, partes e réu, que acelera a prestação jurisdicional e permite maior efetividade do processo, provavelmente o STF relativizará seu rigor inicial contra esse método de prática de atos processuais e permitirá que, num futuro próximo, o parlamento alargue as hipóteses de admissibilidade do interrogatório por videoconferência às demais hipóteses de réu preso.
Referências
ARAS, Vladimir. Videoconferência no processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 585, 12 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6311>. Acesso em: 06 jan. 2009.
ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Direito processual penal. 15ª ed. Brasília: Vestcon, 2009.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
DUCLERC, Elmir. Direito processual penal. 2. Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 4ª Ed., São Paulo: RT, 2005.
GOMES, Rodrigo Carneiro. A videoconferência ou interrogatório "on line", seus contornos legais e a renovação do processo penal célere e eficaz. Clubjus: Brasília, 25 fev. 2008. Disponível em: < http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.16074>. Acesso em: 6 jan. 2009.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. v. II, 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. Ed. São Paulo: RT, 2008.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 5. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 10. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. Jordi Ferrer Beltrán, 2. Ed. Madri: Trotta, 2005.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III, 3. Ed. São Paulo:Saraiva, 2007.
Notas
- STJ, RHC nº 6.272/SP, rel. Min. Felix Fischer, DJU 5/5/97.
- Antes da edição da Lei n. 11.900/2009, posicionavam-se de forma contrária à possibilidade de interrogatório por videoconferência: NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. Ed. São Paulo: RT, 2008, p. 406-411. CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 354-358. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 5. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 338. Em sentido favorável: LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. v. II, 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 142. ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Direito processual penal. 15ª ed. Brasília; Vestcon, 2009, item 12.10.4.
- Para uma visão da extensão do direito de autodefesa no processo penal, ver: FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 4ª Ed., São Paulo: RT, 2005, p. 293-194.
- CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 357.
- Neste sentido: GOMES, Rodrigo Carneiro. A videoconferência ou interrogatório "on line", seus contornos legais e a renovação do processo penal célere e eficaz. Clubjus: Brasília, 25 fev. 2008. Disponível em: < http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.16074>. Acesso em: 6 jan. 2009.
- STF, 2. T., HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 14/8/2007, DJe-117 5/10/2007, DJ 5/10/2007, p.37, Ementário 2292-02:393.
- Neste sentido, ver, de forma mais desenvolvida: ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Direito processual penal. 15ª ed. Brasília; Vestcon, 2009, item 12.10, passim.
- Para uma visão da utilização do interrogatório por videoconferência em outros países, ver: ARAS, Vladimir. Videoconferência no processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 585, 12 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6311>. Acesso em: 06 jan. 2009.
- STF, 1. T., HC 67755, rel. Min. Celso de Mello, j. 26/6/1990, DJ 11/9/1992, p. 14714.
- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. III, 3. Ed. São Paulo:Saraiva, 2007, p. 511.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. Ed. São Paulo: RT, 2008, p. 618.
- Neste sentido: RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 10. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 638. LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. v. II, 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 200p. 368.
- GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 66-69. DUCLERC, Elmir. Direito processual penal. 2. Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 371-373.
- STF, 2. T., HC n. 80.719/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 26/6/2001, DJU 28/9/2001.
- Ver TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. Jordi Ferrer Beltrán, 2. Ed. Madri: Trotta, 2005, passim.
- RJTACrim 33/377 apud CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 354.