Artigo Destaque dos editores

Publicidade abusiva na internet

Exibindo página 4 de 5
03/03/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Capítulo V APLICAÇÃO DA LEI AOS CASOS OCORRIDOS EM ÂMBITO VIRTUAL

5.1 LEI APLICÁVEL

Uma das questões que surgem com o advento dessa nova forma de comunicação publicitária é se seu conteúdo, bem como o meio de propagá-lo, é agressivo. O fato é que se trata de publicidade negocial, sendo, portanto, regulada pelas normas gerais sobre publicidade, com a devida incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à regulação da publicidade, o jurista argentino Ricardo Luis Lorenzetti tem a opinião de que nos países em que não há lei especial, o correto seria a "qualificação dos atos de marketing como fatos jurídicos que têm um efeito jurídico quanto à responsabilidade" [206].

Não podemos nos olvidar do conteúdo do artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado [207].

Temos, assim, que a publicidade veiculada na internet, sendo ela precisa, estando a divulgar produtos ou serviços, gerará um vínculo que incluirá não só o anunciante, mas também aquele que do anúncio se aproveitar [208]. A aplicação do mencionado artigo já está ocorrendo nos primeiros casos ocorridos no Brasil, tal como se a publicidade em juízo tivesse sido feita em meio físico. Vejamos um exemplo citado por Cláudia Lima Marques:

Consumidor – Recurso especial – Publicidade – Oferta – Princípio da vinculação – Obrigação do fornecedor.

- O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.

- Constatado pelo eg. Tribunal a quo que o fornecedor, através de publicidade amplamente divulgada, garantiu a entrega de veículo objeto do contrato de compra e venda firmado entre consumidor e uma de suas concessionárias, submete-se ao cumprimento da obrigação nos exatos termos da oferta apresentada.

- Diante da declaração de falência da concessionária, a responsabilidade pela informação ou publicidade divulgada recai integralmente sobre a empresa fornecedora (Recurso Especial 363.393-MG, Min. Nancy Andrighi, j. 04.06.2002) [209].

Quanto ao spam, um dos métodos publicitários mais incômodos, a ele também aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente o disposto em seu artigo 39, III:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...]

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

[...] [210].

Nesse sentido, também já é possível encontrar jurisprudência. O Desembargador Voltaire de Lima Moraes (2001 apud MARQUES, 2004, p. 171) cita trecho de um voto, o qual afirma que "toda a mensagem eletrônica, enviada de forma indiscriminada, sem que os seus destinatários tenham manifestado interesse expresso em recebê-la, caracteriza spam mail" [211].

Aquele que envia spam pode ser responsabilizado por seus atos e, por eles, responder civilmente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. Para tanto, basta entender que o recebimento de spam causa dano ao destinatário (seja moral ou econômico, pelo tempo de conexão perdido para baixar e excluir as mensagens indesejadas). Amaro Moraes e Silva Neto escreve que:

o spam se equipara à semeadura, à plantação ou à edificação de um prédio em seu disco rígido (um terreno composto de bits e não átomos – mas um bem seu). A colocação de um arquivo nesse seu território, sem seu consentimento, faz com que o spammer fique responsabilizado civilmente por seus atos, eis que irretorquível sua mala fidem [...] [212].

Prega a corrente majoritária que o spammer somente poderá ser responsabilizado em caso de reincidência, tendo o usuário o notificado quando do primeiro recebimento da mensagem não solicitada. Para tanto, o dano deverá ser comprovado [213].

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já está decidindo casos que envolvem spams. Recentemente, em recurso de apelação interposto em ação de mandado de segurança, o Tribunal decidiu que não estando comprovado pelo Impetrante que os destinatários da mala direta por ele veiculada tenham previamente concordado com seu recebimento, não é possível vislumbrar a violação de direito líquido e certo em face de vedação, existente em contrato, de envio de propaganda não autorizada. Vejamos a ementa:

Mandado de Segurança – Bloqueio de serviço de banda larga para conexão à Internet por envio de mala direta – propaganda não caracterizada como SPAM.

Não comprovando o impetrante que os destinatários da mala direta que veiculou tenham anuído com tal recebimento, impossível vislumbrar a violação de seu direito líquido e certo em face da vedação contratual para o envio de propaganda não autorizada [214].

Os spywares e os cookies violam o que dispõe o artigo 5º, X, da Constituição Federal [215], além de ferir o artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, já que as informações pessoais inerentes ao usuário da internet foram obtidas de modo indevido, conforme prevê o artigo 19 do referido diploma legal [216].

5.2 PRINCÍPIOS ADOTADOS

Conforme explica Jean Jacques Erenberg:

O enquadramento de uma conduta [...] nas categorias de publicidade patológica será realizado com base nos princípios e preceitos contidos no direito positivo brasileiro (constitucional e infraconstitucional). Os preceitos auto-regulatórios não serão utilizados diretamente como fundamentação para tal, vez que o seu sentido não diverge do que se extrai do direito posto [217].

Já vimos que, com relação à publicidade abusiva, devem ser aplicados, fundamentalmente, os princípios adotados pelos artigos 30, 31, 33, 36, do Código de Defesa do Consumidor, quais sejam, respectivamente: princípio da veiculação da oferta publicitária, princípio da informação e princípio da identificação da mensagem publicitária como tal.

Antônio Herman Benjamin (2001 apud MARQUES, 2004, p. 177 et seq.) lista os princípios norteadores da publicidade presentes no Código de Defesa do Consumidor. Eles ajudariam a alcançar a transparência e a lealdade da publicidade – inclusive nos meios eletrônicos. São eles: o princípio da identificação da publicidade; o princípio da vinculação contratual da publicidade; o princípio da veracidade da publicidade; o princípio da não abusividade da publicidade; o princípio da inversão do ônus da prova; o princípio da transparência da fundamentação da publicidade; e o princípio da correção do desvio publicitário.

Uma conduta será considerada publicidade patológica por meio dos princípios e preceitos vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. Os códigos de ética do CONAR (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), da ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto) e da AMI (Associação de Mídia Interativa) apenas explicitam o que já consta da lei brasileira, seja no Código de Defesa do Consumidor, seja na Constituição Federal [218].

Assim, de acordo com José Geraldo Brito Filomeno:

Referidos diplomas legais, desprovidos de sanções em face da violação dos direitos e proibições que prevêem, podem ser considerados como provimentos éticos da conduta, tanto de agentes publicitários, como de veículos de publicidade, em nada colidindo, aliás, com os estatutos do Conar, nem com os novos preceitos de cunho civil, administrativo e penal do Código de Defesa do Consumidor [219].

5.3 O PROJETO DE LEI Nº. 6120/2002

Muitos Projetos de Lei que objetivam a regulamentação do envio de e-mails comerciais já foram apresentados no Congresso Nacional. São exemplos os seguintes projetos: PL nº. 6.210/2002, PL nº. 7.093/2002, PL nº. 367/2003, PL nº. 757/2003, PL nº. 2.186/2003, PL nº. 2.423/2003, PL nº. 2.766/2003, PL nº. 21/2004 e o PL nº. 36/2004 [220].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Até o momento, nenhum deles foi aprovado, de tal forma que ainda não há uma norma específica referente a spams que tenha ganho força de vigência em território nacional.

Dos Projetos de Lei acima elencados, merece destaque o PL nº. 6.210/2002, apresentado pelo então deputado Ivan Paixão. O referido projeto considera spam a mensagem de cunho comercial ou de caráter ilícito enviada, através de redes eletrônicas ou afins, sem prévio consentimento de seu destinatário. Há previsão de pagamento de indenização ao destinatário, bem como de pagamento de multa imposta ao remetente da mensagem tida como spam. O valor arrecadado com tais multas seria remetido a um fundo destinado a programas relacionados a inclusão digital.

O PL nº. 6.210/2002 trouxe algumas peculiaridades, tais como a permissão do envio de mensagens eletrônicas não solicitadas, desde que lícitas, emitida uma única vez a cada doze meses, e que contenham identificação de mensagem não solicitada no campo "assunto" e também a identificação de dados do remetente, tais como nome e CPF ou CNPJ.

Se transformado em lei, tal projeto daria grande agilidade ao combate aos spams, já que: permitiria aos provedores de acesso à internet o bloqueio da conta de e-mail utilizada pelo spammer, sem prévia ordem judicial; disponibilizaria meios para que os destinatários de tais mensagens denunciassem mensagens que não se enquadrassem nos termos da lei; e permitiria que o provedor da conta utilizada pelo spammer enviasse dados do infrator à vítima, igualmente sem prévia autorização judicial para tal [221] – para tanto, de acordo com o projeto, os registros de acesso deveriam ser guardados pelos provedores pelo período de três anos (o que corresponde ao prazo para proposituras de ações, conforme artigo 206, § 3º, do Código Civil).

A vantagem do projeto de lei em comento é que ele não teve o escopo de combater o envio ou mesmo a troca de informações através de meios eletrônicos, mas de estabelecer regras para tal, ou seja, normas que, de fato, puniriam a abusividade.

Assim, tendo em vista o recebimento de mensagens eletrônicas não solicitadas, o referido projeto visa a instalação, no sistema jurídico brasileiro, do sistema misto – uma mistura entre o opt in e o opt out.


CONCLUSÃO

A liberação da internet para usos comerciais inaugurou um novo campo para a publicidade. Dada a falta de regulamentação específica prévia, não demorou para que problemas começassem a surgir.

Assim, com o sempre crescente aumento do acesso à internet, disponibilizado a um número cada vez maior de pessoas, alguns usuários e empresas passaram a utilizar a rede para promover seus produtos e/ou serviços. Para tanto, motivados pela fome de angariar grandes fatias da população de internautas, procederam, e ainda procedem, à utilização de meios flagrantemente abusivos de publicidade, tais como: spams, cookies, spywares, dentre outros.

Fatos que vêm motivando a utilização de tais meios ilícitos de publicidade são a falta de legislação específica para tal cenário e a sensação de falta de punibilidade para tais condutas. Entre outros pontos, o presente trabalho buscou demonstrar que a legislação atualmente em vigor em território nacional é suficiente para proteger os internautas e punir os infratores – que nem sempre são publicitários profissionais.

Os direitos lesados pelos anunciantes encontram previsão e são tutelados pela Constituição da República Federativa do Brasil, pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil, além de estarem previstos também em leis esparsas. Tais direitos são muitas vezes partes integrantes da própria personalidade do usuário, recebendo a denominação de "personalíssimos". O ordenamento jurídico brasileiro atual também prevê punições para a conduta de quem utiliza a publicidade abusiva na internet.

Independentemente de nova e específica legislação, o Poder Judiciário já esta agindo, encontrando nas leis vigentes hodiernas as ferramentas necessárias para responsabilizar e punir aqueles que ferem direitos fundamentais dos usuários da internet através da utilização de seus métodos nocivos e prejudiciais de publicidade.

Ponto importante tratado no presente trabalho foi o que diz respeito à violação da privacidade decorrente de maus hábitos de anunciantes. Foi vista a sua tutela no Brasil e em outros países, os quais, como foi demonstrado, preocupam-se com o presente tema já há algum tempo.

Assim, por já ser tutelada, inclusive com força constitucional, a privacidade – direito mais ferido pela publicidade patológica na internet – não carece de legislação específica para protegê-la no ambiente virtual. Mesmo assim, uma legislação especial seria bem-vinda, pois daria maior eficiência à proteção constitucional de tal direito. Enquanto não surge tutela específica, as normas já existentes no ordenamento jurídico brasileiro devem ser aplicadas para a proteção dos direitos mais básicos do internauta, os quais vêm sendo lesados pela sua inobservância.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Diogo dos Santos de Oliveira

Advogado em São Paulo, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Diogo Santos. Publicidade abusiva na internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2071, 3 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12399. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos