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A sociedade unipessoal

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7. A UNIPESSOALIDADE NO BRASIL – EMPRESA PÚBLICA E SUBSIDIÁRIA INTEGRAL

Embora se repudie legalmente a unipessoalidade social no Brasil, nosso próprio ordenamento abre exceções para duas hipóteses de sociedades formadas por um único sócio e de responsabilidade limitada. Além da sociedade unipessoal incidental, ou seja, aquela admitida temporariamente em razão da falta de pluralidade de sócios, pluralidade esta que deverá ser reconstituída em 180 dias, sob pena de extinção.

O primeiro caso, e mais evidente é o da empresa pública. Empresa pública é aquela constituída por um ente estatal, com finalidade prevista em lei. Tem personalidade jurídica própria (de direito privado, embora muitas vezes se submeta ao regime da administração pública), podendo ser uma sociedade civil ou comercial. Também é importante ressaltar que, como empresa, sua finalidade é obter lucro, ainda que este seja destinado a uma finalidade social.

O ponto relevante para nosso estudo é que as empresas públicas podem (e geralmente o são em sua maioria) ser constituídas por um único sócio ou acionista, sendo este um ente estatal. Estas empresas tem patrimônio próprio e capital advindo de um só ente da Administração Pública, direta ou indireta.

Podemos visualizar estas assertivas no Decreto-lei de n. 200/67, em seu artigo 5º, II, com os aprimoramentos trazidos pelo Decreto-lei de n. 900/67, como podemos ver abaixo:

"Art. 5º .............. ....................................

I -.............. ....................................

II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

Na mesma esteira, o art. 172, §1º, II da nossa Constituição Federal define a sujeição destas empresas ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Em verdade, a empresa pública é uma empresa privada, a despeito do nome. A referência "publica" é relativa ao seu controlador, ente da administração pública.

Apenas a título de exemplo, no âmbito federal, podemos citar a Caixa Econômica Federal e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Em ambas as empresas, o único acionista, constituído originariamente, é a União.

Fica evidenciado que o Brasil concebe a sociedade unipessoal como entidade empresarial de personalidade jurídica própria, diversa do seu sócio ou acionista único, ainda que apenas na esfera pública.

Outra possibilidade de existência de empresa constituída por um único sócio, permitida em nosso ordenamento jurídico, é a subsidiária integral. Está disposta na Lei 6.404/76, no artigo 251, que dispõe:

Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.

§ lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único.

§ 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.

A empresa subsidiária integral deverá ser uma sociedade por ações. Também é importante que seja constituída mediante escritura pública. Deverá ser subscrita por empresa brasileira, de forma que não se admite que seu único sócio seja pessoa física.

Este tipo de sociedade se presta para a constituição de uma empresa por outra, com um propósito específico, para facilitar a incorporação de novos negócios ou dinamizar os processos produtivos da companhia. Desta forma, é possível transformar uma atividade exercida em objeto de uma outra companhia, com o fulcro de especificar as atividades, e mesmo atribuir uma estratégia econômica ou de mercado diversa da empresa subscritora, mais especifica para o fim daquela atividade.

Os requisitos para sua criação podem ser explicitados nas palavras do jurista Carlos Henrique de Magalhães Marques:

[...]A criação deve ser efetivada através de escritura pública, demandando, antes, a realização de uma assembléia geral extraordinária dos acionistas da companhia controladora, que deverá aprovar a sua criação, definindo o seu capital social, a forma de sua integralização, o objeto social, com a indicação clara do seu universo de atuação, a sua sede, a nomeação dos seus administradores, bem como o estatuto social da nova empresa, designando os representantes que deverão assinar a escritura de constituição da subsidiária integral. A ata da AGE e a escritura pública de constituição da subsidiária integral serão em seguida levados a arquivamento e registro na Junta Comercial.( MARQUES, Carlos Henrique de Magalhães. Breves Considerações Acerca da Subsidiária Integral. Disponível em <http://www.pmradv.com.br/admin/portal/noticias/fNoticia_dtl.aspx?cod_noticia=143. Acesso em: 20 de outubro de 2008).

O acionista único da subsidiária integral não precisa ser necessariamente uma outra sociedade por ações. Pode ser qualquer companhia regulada pelo direito brasileiro.

É uma forma de incorporação de uma companhia por uma sociedade, cujas condições se encontram nos artigos 224 e 225 da Lei das S/A.

Por fim, a subsidiária integral é sociedade unipessoal constituída tanto originariamente, como resultante da concentração das ações nas mãos de um único acionista (necessariamente uma pessoa jurídica), coadunando-se com o que se pretende aplicável à sociedades unipessoais.

Vê-se que a unipessoalidade não é do todo estranha ao nosso ordenamento jurídico. Estas duas formas legalmente permitidas são os primeiros passos para a ampliação do entendimento acerca da sua extensão aos empresários individuais.


8. A SOCIEDADE UNIPESSOAL EM OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS

Para o entendimento da forma e paradigmas das sociedades unipessoais, trazemos a baila o tratamento a elas dispensado em alguns ordenamentos jurídicos. Entendemos desnecessário o aprofundamento na efetividade deste tipo societário em Portugal, haja vista o Projeto de Lei que visou implantar a unipessoal no Brasil ser baseado no modelo português, inclusive utilizando terminologias jurídicas de lá. Basta apenas reiterar que a crítica que fazemos àquela legislação é a impossibilidade de uma pessoa ser sócia de mais de uma unipessoal.

Iremos tratar superficialmente dos traços característicos da legislação referente a unipessoal em Liechtestein, por ser o primeiro ordenamento a conceber a possibilidade jurídica da existência de sociedade unipessoal; Alemanha, em razão da influência exercida em nosso ordenamento jurídico; na França, por ser, como a Alemanha, um dos países norteadores da nossa doutrina e legislação, embora de posição diversa da Alemanha em relação a este assunto; e Estados Unidos, não só por se tratar de outro sistema jurídico, a Commom Law, mas pela magnitude do sistema empresarial, influenciando nas relações comerciais em todo o globo.

8.1 Liechtenstein

O Principado de Liechtenstein foi o pioneiro ao abordar a questão da limitação da responsabilidade do empresário individual, com influências do jurista austríaco Oscar Pisko.

Seus estudos compreenderam que a personalidade jurídica não é uma convergência de vontades. O que prevalecia era a idéia de patrimônio separado, ou seja, um patrimônio autônomo, destinado a um fim, qual seja a atividade comercial. A responsabilidade limitada então é conseqüência da disposição de uma parte de seu patrimônio, zweckvermögen (patrimônio de afetação) em virtude de um fim.

Portanto, este Principado adotou a explicita separação patrimonial como fundamento para a constituição da pessoa jurídica, contemplando a autonomia e deixando para traz o pré-requisito da "vontade coletiva".

Paulo Roberto Figueiredo da Costa, em sua obra Subsidiária Integral: A Sociedade Unipessoal no Direito Brasileiro, nos informa que apesar da legislação remontar ao ano de 1926, só por volta do ano de 1954 houveram os primeiros registros de inscrição de uma empresa unipessoal.

8.2 Alemanha

País de posição de vanguarda na ciência do direito, previu, já na sua Lei Gesellschaft mit beschränkter Haftung (1976) em seu § 1º, tratando das sociedades por quotas:

Sociedades com limitações de responsabilidade, na conformidade dos limites dessa lei, podem ser constituídas por uma ou mais pessoas para todos os fins legalmente permitidos.

Portanto, percebemos que um sistema jurídico semelhante ao nosso foi capaz de adotar em seu ordenamento a Sociedade Unipessoal.

Também a doutrina alemã segue a corrente doutrinária da unipessoalidade, tanto na forma originária, como preceitua a Lei, quanto na forma derivada. Sendo assim, a retirada dos sócios ou mesmo a concentração das cotas nas mãos de apenas um acionista não ensejaria o fim da personalidade jurídica.

Em geral, a organização de uma sociedade de pessoas, a redução de sócios pode significar o fim da personalidade jurídica. Entretanto, nas sociedades de capital, essa concentração não altera o objeto da sociedade. O fundamento é que a personalidade jurídica gira em torno da sua finalidade e de seu patrimônio, e é de tal forma independente dos seus sócios que continua a existir cessada a pluralidade.

Para a constituição das sociedades anônimas, a legislação nos diz ser necessário um mínimo de cinco sócios. A lei das Sociedades Anônimas (AKTG, 1965) admite que, concentrando-se as ações na mão de um único acionista posteriormente à fundação, a existência dessa companhia é perfeitamente possível. Não há que se falar em dissolução.

Concluímos que o ordenamento alemão admite a unipessoalidade, tanto na forma originária como na forma derivada [11], permanecendo, no último caso, a pessoa jurídica.

8.3 França

Neste país, onde o positivismo foi sempre de grande influência para o Direito, eminentemente codificado, a resistência à inovação da sociedade unipessoal sempre foi grande. O contratualismo é um óbice a implantação deste tipo societário.

O único avanço neste sentido veio com a Lei 66.537;66, dispondo em seu artigo 9º:

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Art. 9º. A reunião de todas as quotas ou ações em uma só mão não ocasiona a dissolução da sociedade de pleno direito. Todo interessado pode requerer a dissolução da sociedade se a situação não se regularizar no período de um ano.

A inexistência da dissolução automática, haja vista dever ser requerida por interessado, e o prazo de um ano para recompor a pluralidade das sociedades já é um avanço em relação ao conservadorismo doutrinário daquele país.

Ademais, a possibilidade temporária da permanência da unipessoalidade pelo período de um ano é um grande salto em relação a lei brasileira, que admite apenas a sua permanência nestas condições por 180 dias.

8.4 Estados Unidos

Este país se diferencia dos demais não só pelo sistema da Commom Law, mas também pela organização jurídica do estado. Diferente do que ocorre no Brasil e demais países trazidos a este estudo, o país se organiza de forma confederativa, onde cada estado-membro tem sua própria legislação, cuidando a constituição apenas do fundamental básico, legando a estes entes a competência para legislar sobre os demais assuntos, incluindo aí o direito empresarial.

Em relação aos tipos societários, divergem do sistema romano-germânico que adotamos. Na verdade nem mesmo se convêm em falar em sociedade. Três são os tipos principais. São eles:

- Parnetship, sociedade formada a partir de responsabilidade ilimitada, e que depende de um número mínimo de sócios, numero este a ser definido de acordo com as normas de cada estado-membro.

- Limited Partnership, onde o termo limited traduz o número limitado de sócios, cuja responsabilidade pode ser limitada ou ilimitada, sendo semelhante a partnership nos demais aspectos.

- Corporation, que se traduz em sociedade onde a responsabilidade é sempre limitada, onde o foco é a personalidade jurídica da empresa. Neste tipo de sociedade, na maioria dos estados é admitida a possibilidade da constituição se dar por apenas uma pessoa.

Fica evidenciado que o entendimento da formação da sociedade não depende da vontade coletiva, mas sim, decorrente da idéia de patrimônio da company.

Paulo Roberto Costa Figueiredo (op. cit.) nos informa que quarenta e dois dos cinqüenta estados americanos admitem a formação da corporation com apenas um sócio.


9. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A RESPONSABILIZAÇÃO DO SÓCIO UNIPESSOAL

Um dos óbices à implantação da Sociedade Unipessoal no Brasil é o receio de que esta venha se constituir como um meio de fraude utilizado pelo empresário individual. Como já ocorreu com as sociedades admitidas no Direito pátrio, o argumento da utilização da pessoa jurídica para a prática de atos desonestos, em proveito do sócio ou com abuso de direito, transferindo a responsabilidade de tais atos para as empresas é bastante difundido, e utilizado como repressor a implantação deste tipo societário.

Este tipo de atuação, fraudulenta ou com abuso de direito, já era praticada pelos sócios ou acionistas das sociedades limitadas e pelas companhias, utilizando o artifício da autonomia patrimonial para frustrar o interesse dos credores. A sofisticação da separação patrimonial servia como meio de dificultar e até impedir a correção deste ato.

A partir da constatação destes fatos, veio à tona a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O intuito era de proteger os credores e todos aqueles que mantinham relações com as pessoas jurídicas dos atos ilícitos praticados utilizando a pessoa jurídica como obstáculo a sua reparação, escondendo a pessoa dos verdadeiros responsáveis, os sócios, pelos atos. Nos Estados Unidos, chegou-se a utilizar a expressão "levantar o véu da pessoa jurídica para atingir diretamente os sócios".

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica nada mais é senão o afastamento episódico da personalidade jurídica para dar efetividade a possibilidade de correção de manobras fraudulentas de um ou mais dos seus sócios. Episódico por que só se processa mediante análise do caso concreto, pois, do contrário, não existiria diferença entre a pessoa jurídica e seus constituintes. Afastamento por não se tratar de dissolução da pessoa jurídica. Com efeito, é uma fase momentânea, onde, para atingir a pessoa do sócio, considera-se que a pessoa jurídica não existisse.

Pela teoria da desconsideração, o juiz pode deixar de aplicar as regras de separação patrimonial entre sociedade e sócios, ignorando a existência da pessoa jurídica num caso concreto, por que é necessário coibir a fraude perpetrada graças à manipulação de tais regras. Não seria possível a coibição se respeitada a autonomia da sociedade. Note-se, a decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade não desfaz o seu ato constitutivo, não o invalida nem importa a sua dissolução. Trata, apenas e rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato [...] (Coelho, F. U., 2005, v. 1, p. 40, grifo nosso).

Esta teoria é plenamente aplicável à Sociedade Unipessoal, onde a responsabilização seria muito similar ao que ocorre hoje com o empresário individual, que tem responsabilidade ilimitada. O sócio unipessoal que pratica manobra fraudulenta ou comete abuso de direito se enquadraria nas mesmas hipóteses do que ocorre, doutrinariamente, jurisprudencialmente e, mais recentemente, legislativamente, com a sociedade comercial que pratica tais atos.

Este instituto foi defendido pioneiramente no Brasil por Rubens Requião, após a constatação de várias jurisprudências a respeito do tema, ainda que casos excepcionais, inclusive em casos de confusão patrimonial entre a empresa e o sócio. O jurista defendeu, inclusive, ser desnecessária a existência de previsão legal, por se tratar de medida utilizada para a repressão e reparação dos atos fraudulentos.

Existem duas teorias da desconsideração em existência no Brasil. A maior e a menor, destacadas por Fabio Ulhoa Coelho in verbis:

Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menos, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial (2005, v. 1, p. 35).

A teoria maior é a mais elaborada, e necessita de requisitos específicos para ser aplicada. É necessária a caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto.

Rolf Serick apud Fabio Ulhoa Coelho, após estudos na jurisprudência norte americana, para a busca dos critérios gerais que autorizam o superamento da personalidade jurídica, formulou quatro princípios norteadores:

a) "O juiz, diante de abuso de forma da pessoa jurídica (ato que vise frustrar a aplicação da lei ou cumprimento de contrato, ou ainda, que prejudique terceiros de forma fraudulenta), pode, para impedir a realização de ilícito, desconsiderar o princípio da separação entre sócio e pessoa jurídica (1955, p. 276)". Sem a presença deste abuso, não se pode cogitar a desconsideração, ainda que para satisfazer credores de boa-fé.

b) A simples existência de uma obrigação não satisfeita não se faz de justificativa para a desconsideração.

c)Deve-se levar em consideração a qualidade daqueles que agiram em nome da pessoa jurídica, quando guiadas pelos mesmos objetivos e funções, para atendimento dos pressupostos do instituto.

d) "[...] se a lei prevê determinadas disciplina para os negócios entre dois sujeitos distintos, cabe desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica que o realiza com um de seus membros para afastar essa disciplina (Coelho, F. U., 1995, v. 1, p. 36)".

Assim sendo, a teoria maior consiste na observação desses princípios, para coibir atos fraudulentos e abusivos, respeitando a autonomia patrimonial nos demais casos. A inobservância acarretaria num retração da atividade empresarial pois a responsabilidade passaria, tacitamente a ser sempre ilimitada.

Ressalte-se que os atos ilícitos praticados pela sociedade são de responsabilidade da sociedade, não recaindo na pessoa dos sócios. A doutrina da desconsideração visa proteger as fraudes, e não os atos ilícitos.

Os atos ilícitos praticados por seus gestores também não ensejam a desconsideração, pois podem ser os sócios responsabilizados pessoalmente [12].

Em breve síntese, a teoria menor, menos elaborada, reflete uma minoração no princípio da separação patrimonial. Seu conteúdo é a aplicação da desconsideração sempre que seja desatendida uma obrigação da sociedade, em razão de insolvência ou falência; não se questiona se houve fraude ou abuso, pois apenas a natureza creditícia é levada em consideração.

Consideramos a aplicação da teoria menor como um descuido dos juízes, uma vez que a teoria menor não encontra o mesmo supedâneo da teoria maior, e visa apenas responsabilizar o sócio pelas obrigações regulares da empresa que não puderam ser cumpridas.

No Direito brasileiro positivado, o primeiro diploma legal a tratar da desconsideração da personalidade jurídica foi o Código de Defesa do Consumidor. A desconsideração ocorria sempre do consumidor, tendo como fundamento as hipóteses: abuso de direito; excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social; falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade provocados por má administração. Não se tratou da fraude, principal hipótese doutrinária de aplicação da teoria. Em consonância com a teoria menor, o Código do consumidor previa, ainda, que "também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (CDC, art. 28, § 5º). O caráter deste ditame é de que ao consumidor não se aplica a teoria do risco empresarial, sendo ele merecedor de toda a proteção por se tratar de hipossuficiente em relação às corporações. Entendemos, no entanto, em consonância com diversos autores do campo empresarial, que a aplicação literal deste instituto importaria na inexistência da personalidade jurídica no ramo do Direito do consumidor.

A lei antitruste (8.884/94) seguiu os mesmos trilhos percorridos pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990, o que pode ser observado na redação do seu artigo 18:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

A lei 9.605/98, que trata da responsabilidade pelas ações lesivas ao meio ambiente foi mais vaga no assunto, ditando apenas que "poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente". Cabe ao aplicador do Direito no caso concreto aplicar a teoria maior em caso de fraude, já que o texto legal não menciona essa hipótese e nem a da simples satisfação das obrigações.

O Código Civil de 2002 foi mais específico, para atentar para a necessidade de haver abuso, desvio de finalidade (fraude) ou confusão patrimonial, para se proceder a desconsideração da personalidade jurídica. Dispõe ainda que o tanto o terceiro interessado quanto o ministério público podem requerer a medida (art. 50). O livro II da parte especial do código faz ainda remição a este artigo quando trata, ainda que de forma indireta, a exemplo do artigo 1.080.

Ao estabelecer um paralelo entre as sociedades por cotas de responsabilidade limitada e a sociedade unipessoal, observa-se que, em tese, são regidas pela mesma doutrina em relação à desconsideração. Assim, a aplicação seria análoga, dando-se preferência ao requinte da teoria maior. A teoria menor também seria passível de ser aplicada, pois a sociedade unipessoal responderia perante credores e consumidores da mesma forma que a pluripessoal.

No processamento da desconsideração da personalidade jurídica da unipessoal, o demandado seria sempre o sócio unipessoal, sem que houvesse dúvidas entre qual dos sócios praticou o ato fraudulento por intermédio da empresa. A obrigação de escrituração para este tipo societário também facilitaria os meios de prova, uma vez que o controle do patrimônio e dos atos e obrigações da empresa estariam registrados em consonância com os preceitos legais [13] e também em razão da solenidade e formalidade dos atos.

José Edwaldo Tavares Borba também entende no sentido do cabimento da aplicação da teoria da desconsideração para as sociedades unipessoais, pois deve ser atingido o ato do sócio e não da sociedade, mas praticado por meio desta:

A sociedade, ainda que unipessoal, representa um foco de interesses – o interesse da empresa. Desvirtuada essa distinção, frustra-se a base teleológica do instituto – quebra-se a personalidade jurídica, de modo a permitir penetrá-la e responsabilizar o sócio (1986, p. 33).

O manejo da atuação da sociedade unipessoal para escusar o sócio de responsabilidade pessoal também é de fácil constatação, em razão da teoria da realidade, predominante no Direito Comercial.

Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escuro, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário a lei, ao contrato ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência (Lamartine Correa apud Bruscato, W et ali, 2008).

Também é necessário ressaltar da desconsideração inversa. Pode o empresário, para fugir de dívidas pessoais, transferir seus bens para a sociedade. No caso do sócio unipessoal, aparentemente seria vantajoso, pois este poderia frustras as expectativas de seus credores pessoais e ainda continuar usufruindo dos bens, uma vez que seja a sociedade controlada apenas por ele.

Fabio Ulhoa Coelho nos exemplifica com um caso em que determinado sócio transfere seu patrimônio para a pessoa jurídica para proteger seus bens quando dissolução do vínculo conjugal.

A teoria da desconsideração inversa tem o mesmo fundamento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e tem o escopo de atingir o patrimônio da empresa quando esta personalidade importa em obstáculo a satisfação das obrigações do sócio em razão da transferência fraudulenta do seu patrimônio.

O desvio de bens do sócio unipessoal já é fator suficiente para se pensar em desconsideração inversa, principalmente quando esta transferência importa em esvaziamento do patrimônio do sócio.

Ademais, não deve se confundir desconsideração com responsabilização. O sócio unipessoal é o responsável pelos atos de má gestão, e a responsabilização desses atos é pessoal, e não depende de trâmite em juízo e prova de abusividade nem de fraude, mas apenas o prejuízo.

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Sobre o autor
Francisco de Assis dos Santos Moreira Filho

Possuo experiência como Advogado desde 2009 até a atualidade, na Empresa Aristóteles Moreira Advogados.Advogado formado em 2008.2, com pós graduação em Direito Administrativo, trabalhando nas áreas administrativa, cível, consumidor, empresarial e contencioso em geral. Atuação para empresas no contencioso do consumidor, relacionamento com fornecedores, licitações. Atuação também com planejamento e acessoria jurídica. Responsável pelo treinamento de estagiários. Realização de todas as rotinas advocatícias, tais como elaboração de petições, acompanhamento processual, realização de audiências, análise de contratos, análise de risco empresarial, consultoria jurídica, alimentação de sistema jurídico e demais atividades afins. Atendimento direto ao cliente e responsável por carteira de clientes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA FILHO, Francisco Assis Santos. A sociedade unipessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2146, 17 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12870. Acesso em: 23 dez. 2024.

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