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O sistema da liquidação de sentença instituído pela Lei nº 11.232/05

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09/06/2009 às 00:00
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A natureza jurídica desses procedimentos variou na história do processo civil brasileiro e nem mesmo a Lei nº 11.232/05 foi capaz de pacificar as opiniões doutrinárias a respeito do assunto.

Sumário: 01. Introdução e conceito da liquidação no direito material e processual civil. 2. A liquidação no CPC de 1973. 3. Sincretismo processual e a sistemática da liquidação de sentença com a lei nº 11.232/05. 4. A liquidação por cálculos: o sistema da lei 5.869/73. 4. 1. Alterações procedidas pela lei nº 8.898/94: a extinção dos cálculos do contador do juízo. 4. 2. Modificações perpetradas pela lei nº 8.953/94: o aperfeiçoamento da petição inicial da execução. 4.3. Os acréscimos derivados da lei nº 10.444/02: o retorno dos cálculos do contador judicial. 4.4. O regime da lei nº 11.232/05. 4.4.1. A exibição de dados ou coisas em poder do devedor ou de terceiros: princípios aplicáveis e procedimento. 4.4.2. Liquidação por cálculos do contador no excesso de execução e mediante patrocínio da assistência judiciária. 5. A liquidação por arbitramento. 6. A liquidação por artigos. 7. Escopo cognitivo e topologia sistêmico-dogmática. 8. Natureza jurídica da liquidação de sentença. 9. Princípio dispositivo e juízo de admissibilidade da liquidação de sentença. 10. Da angularização processual na liquidação e o problema da revelia. 11. Espécies de obrigações sujeitas à liquidação: o problema da individuação do objeto e os títulos extrajudiciais. 12. A condenação como requisito para a liquidação. 13. Liquidação invertida: o problema da revogação do artigo 570 e a questão da admissão da ação de consignação em pagamento. 14. Notas conclusivas. Bibliografia.


01. Introdução e conceito da liquidação no direito material e processual civil.

Na seara do direito material, liquidação significa o conjunto de atos praticados com o escopo de realizar o ativo e pagar o passivo de uma sociedade [01]. É no sopesar dos valores encontrados entre ativo e passivo que se extrai o líquido [02]. As obrigações situadas no âmbito do direito civil e empresarial podem ser líquidas ou ilíquidas, tendo Gaio referido a estas últimas como "certum est quod ex ipsa pronuntiatione apparet quid quale, quantumque". Pothier discerniu que as dívidas líquidas são as que têm por objeto coisa certa e as ilíquidas as cuja coisa ou soma devidas ainda não estão determinadas: "ubi non apparet quid, quale, quantumque est stipulatione". Entre os brasileiros, Beviláqua destacou-se precisando que a liquidação das obrigações consiste na fixação do valor da prestação indeterminada [03]. No entanto, a restrição do âmbito da liquidação ao das obrigações de pagar quantia em dinheiro é incompatível com o real e necessário alcance deste instituto, e, por isso, deve ser evitada, pois também as obrigações de fazer e de entregar coisa indeterminada a ela se sujeitam.

A expressão liquidar encontra sua origem etimológica no verbo latino: liquere, que significa ser manifesto. ‘Líquido’ é o que flui, mas, com a evolução do direito processual, esta expressão passou a atrelar-se ao sentido de clareza. Como arremata Pontes de Miranda: o líquido há de ser claro, há de ter limites certos, pressupõe a clareza, a certeza, muito embora o claro e o certo possam não deter liquidez [04]. Em processo civil, o verbo liquidar designa a necessidade de procedimentalização tendente à determinação do objeto: da condenação [05]; ou constante de um título executivo extrajudicial [06]. Só por isso já se percebe um paradoxo gramatical na denominação do instituto em estudo: se a sistemática da liquidação aplica-se aos títulos extrajudiciais não devia restar limitada às sentenças. Pois bem, essa procedimentalização variará conforme a espécie da obrigação: fazer, não-fazer, entregar coisa e pagar quantia em dinheiro. Em relação às primeiras, consistirá na especificação do modus operandi do facere (positivo ou negativo); no pertinente às segundas, revelar-se-á no procedimento de concentração da obrigação ou no referente à conversão da obrigação principal em subsidiária na apuração das perdas e danos ou indenização por benfeitorias ou persecução de frutos e rendimentos; e quanto às últimas, a liquidação traduzir-se-á numa formalidade processual que dependerá e variará consoante o objeto da liquidação. A depender do caso concreto, far-se-á a liquidação: mediante atualização monetária do valor através de simples cálculo aritmético comprovado por planilha anexada à petição inicial da execução; recorrendo-se à produção de prova pericial, portanto, por arbitramento; ou por meio de atividade cognitiva mais complexa, com adoção do procedimento comum (CPC, 272), quando a determinação do quantum debeatur estiver a depender de alegação e da prova de fato novo, isto é, por artigos.

A natureza jurídica desses procedimentos variou na história do processo civil brasileiro e nem mesmo o advento da lei 11.232/05 foi capaz de pacificar as opiniões doutrinárias a respeito do assunto. Tendo sido inicialmente concebido como ‘ato’ processual, o instituto da liquidação tem sua natureza jurídica gravitando ainda em torno de conceitos como: incidente processual, processo preparatório, processo incidente ou fase processual.

Pensamos que a emissão de uma opinião abalizada sobre o tema não pode prescindir de investigação acerca da evolução histórico-analítica da nossa dogmática processual. Considerando os limites metodológicos deste trabalho, o nosso ponto de partida será o sistema adotado pela lei nº 5.869/73 (que instituiu o CPC de 1973), com remissivas ao regime do código antecedente, até adentrarmos nas análises das repercussões advindas da lei 11.232/05.


2. A liquidação no CPC de 1973.

No código de 1973, a exemplo do CPC de Portugal de 1939 (com a reforma de 1961), a liquidação de sentença continuou a ser tratada no mesmo livro disciplinador da execução (livro II [07]). Segundo o artigo 586, § 1º, que, aliás, não foi tocado pela lei 11.232/05, sempre que a sentença contiver "condenação" genérica à execução precederá a liquidação. Aperfeiçoando a redação do CPC de 1939, o código de 1973, no artigo 603, em sua redação originária, assim estabeleceu o cabimento da liquidação de sentença:

Procede-se à liquidação, quando a sentença não determinar o valor ou não individuar o objeto da condenação.

Semelhantemente ao CPC brasileiro de 1939, o atual (até a primeira etapa das reformas) manteve a mesma natureza jurídica da liquidação ‘enquanto processo [08]’ (em suas três modalidades), restando denunciada: pela exigência de provocação por petição do requerente legitimado; citação do requerido; decisão por sentença; e pela recorribilidade através de apelação [09]. A leitura do dispositivo acima referido deixa claro que a liquidação não se vertia apenas para as obrigações de pagar quantia em dinheiro, pois a referência à ‘individuação do objeto’ da condenação, obviamente, abrangia as obrigações de fazer e de entregar coisa.

No entanto, o teor literal dos dispositivos legais nem sempre coincide com o conteúdo hermenêutico-teleológico construído pela jurisprudência sobre os mesmos, ou seja, consoante acentua Cabral de Moncada: "a lei reina, mas quem governa é a jurisprudência" [10]. E foi assim que, não obstante a lei (CPC, 611) impor a exigência de citação na liquidação em geral, a jurisprudência passou a dispensá-la quando procedida por cálculos e arbitramento [11]. Isso, por si só, não acarretou implicações na determinação da natureza jurídica da liquidação, mas prenunciava uma tendência que, mais tarde se confirmaria. Mesmo na liquidação por cálculos, a mais simplificada dentre as três espécies, o fato de a citação ter sido substituída pela intimação, não foi suficiente para o STF e o TFR deixarem de havê-la como processo. Aliás, o CPC contém alguns exemplos de ações cuja angularização relacional-processual ocorre através de ciência dos advogados mesmo que não munidos dos poderes do CPC, 38, a oposição e os embargos de terceiros são hipóteses típicas. A reconvenção, por sua vez, é ação e, apesar disso, o artigo 316 do CPC elegeu a intimação como ato de ciência do autor-reconvindo. O mesmo acontece com a ação de embargos do devedor na execução aparelhada com título extrajudicial (CPC, 740). Talvez por isso, o Supremo Tribunal Federal reconhecera que o instituto da liquidação por cálculos, até a primeira fase das reformas (1994), detinha natureza de processo, tanto que também assentou ser a apelação o recurso cabível contra a sentença nela proferida [12].

Pois bem, enquanto o artigo 917 do CPC de 1939 dizia que, uma vez proferida a sentença de liquidação, a execução prosseguia sem necessidade de nova citação do devedor, o revogado artigo 611 do atual CPC requeria outra citação para o processo de execução, além da exigida para o processo de liquidação. Distinta, portanto, a situação inicial do código de 1973 da constante do artigo 906 do CPC de 1939. Perceba-se que enquanto o código passado dizia expressamente que a execução iniciava-se com a liquidação, justificando, conseqüentemente, o enquadramento desta como processo incidente, o atual, ao exigir uma citação para a liquidação e outra para a execução, deixou claro que o processo destinado a quantificar o objeto da condenação não mais podia ser concebido como dantes, e sim como processo preparatório da execução.

A propósito, recai sobre Pontes de Miranda a responsabilidade pela inclusão da liquidação de sentença como espécie do gênero processo incidente [13]. Entretanto, outra, e mais acertada, em razão da adequação ao regime instituído pelo código de 1973, era a posição de Alcides Mendonça Lima, para quem a natureza de processo preparatório era mais apropriada que processo incidente [14]. Em seus comentários ao código de processo civil de 1973, Pontes chegou a admitir que a liquidação possui caráter preparatório, todavia com sentido diferente do pensado por Mendonça Lima [15].

Para além desse viés, a história do processo civil brasileiro e português revela que a liquidação de sentença chegou a ser enquadrada como ato processual prévio. Tal idéia deriva de longínqua doutrina portuguesa, que fez adeptos no Brasil desde a vigência do Reg. 737, até o primado dos códigos estaduais [16]. Tal concepção, todavia, restou inadequada para o sistema instituído pelo código de 1973, pois até os autores que viam a liquidação como um incidente processual, reconheciam que ela requeria um procedimento conformado por uma série de atos [17]. Prova disso, é que Frederico Marques condicionava o enquadramento da natureza jurídica da liquidação de acordo com as espécies: na modalidade de cálculos e arbitramento, seria simples incidente processual pos decisorium; se por artigos, lograria status de ação condenatória complementar [18].

Porém, o código atual, distintamente do CPC revogado, não enquadrou a liquidação de sentença no âmbito do processo de execução, não sendo, portanto, adequada a mesma idéia (antes correta no CPC de 1939) de tê-la como processo incidente, nem como simples incidente processual da execução e, menos ainda, como ato. Frisamos acima, que o fato de a liquidação ter exigido: citação, sentença e apelação (CPC, 520, III [19]), bem demonstrava sua natureza de processo [20], e acrescentamos, agora, que o detalhe mais relevante a reforçar esta conclusão centrou-se sobre a delineação de um objeto litigioso distinto do da ação cognitiva, sobretudo na liquidação por artigos, onde isto mais se evidencia. Então, considerando isto, e mais o fato de o código ter exigido uma outra citação para a execução e sua extinção por outra sentença (CPC, 794), a ser questionada por outra apelação, restava denunciada a existência de dois processos sucessivos sem que o primeiro, iniludivelmente, estivesse situado no âmbito relacional do segundo ou por ele envolvido. Conseqüentemente, não podia a liquidação ser entendida como um processo incidente, pois se destinava à preparação da execução com o aperfeiçoamento do título através da delimitação da liquidez, cuidando-se de processo de conhecimento preparatório da execução. Para robustecer essa assertiva, basta trazer à lembrança que, até 1994, era concreta a possibilidade de manejo da ação rescisória em face da sentença de liquidação, inclusive quando procedida através de sua forma mais simplória (por cálculos), portanto, a decisão que a encerrava era enquadrada pela construção pretoriana no gênero: sentença de mérito [21]. E o fato de a execução não vir, eventualmente, a ser promovida não desnatura esse caráter de preparação, pelo mesmo raciocínio que reconhece a não afetação da executoriedade das sentenças condenatórias líquidas prolatadas em ações cognitivas quando a parte vencedora deixa de requerer a execução.

Isto foi assim até a primeira onda das reformas do CPC, constatada em 1994, que alterou profundamente o regime da liquidação, sobretudo na modalidade efetivada por cálculos. Visando à efetividade da tutela executiva, a liquidação sofreu alterações na primeira etapa das reformas do CPC, derivadas das leis: 8.898/94 e 8.953/94, tendo sido aperfeiçoada na segunda fase de alterações do código, desta feita pela lei 10.444/02, e complementada – na última onda de adaptações do CPC - pela lei 11.232/05.


3. Sincretismo processual e a sistemática da liquidação de sentença com a lei nº 11.232/05.

A lei nº 11.232/05 encerrou um dos principais ciclos das reformas procedidas no código de processo civil de 1973. O sincretismo processual, iniciado com a lei nº 10.444/02, amalgamou tutelas executivas e cautelares no processo de conhecimento. Esta lei possibilitou a concessão de provimento de natureza cautelar, no âmbito do processo de conhecimento, quando o autor postulasse providência dessa ordem (cautelar), mas, equivocadamente, a enquadrasse como requerimento antecipatório dos efeitos da tutela [22]. Cuidou-se, pois, de sincretismo entre processo de conhecimento e cautelar. Mas, a mescla de medidas executivas e cognitivas atingiu apenas as tutelas das obrigações de fazer, não-fazer e entregar coisa (CPC, 461 c/c 644 e 461-A c/c 621). A partir daí, deixou de existir o processo de execução de sentença cível, restrito a estas searas obrigacionais, e a tais ações de conhecimento foi acrescentada a fase de efetivação da sentença, passando a serem nominadas de ações executivas lato sensu [23].

Como bem observou Francisco Cavalcanti, os pilares do código de 1973 foram corroídos [24]. A necessidade de reavaliação dos conceitos e princípios do processo civil foi também defendida pelo Ministro Pádua Ribeiro, do STJ [25]. A compactação satisfativo-operacional do processo de conhecimento desconstruiu (no sentido de Derrida) a idéia do purismo das tutelas efetivada por Alfredo Buzaid. Neste contexto, a lei nº 11.232/05 emerge como instrumento de arremate do sincretismo processual iniciado pela lei nº 10.444/02, porque estende a técnica de efetivação (execução) da sentença – sem processo de execução - para as obrigações de pagar quantia certa em dinheiro. Neste trabalho, contudo, ficaremos restritos ao exame das alterações havidas, apenas, no instituto da liquidação de sentença. Iniciemos com uma análise evolutiva da liquidação por cálculos.


4. A liquidação por cálculos: o sistema da lei 5.869/73.

Vimos que a redação original do artigo 603 do código de 1973 dizia: Procede-se à liquidação, quando a sentença não determinar o valor ou não individuar o objeto da condenação. A liquidação por cálculos, por sua vez, constava do artigo 604, cuja dicção, dada pela lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (que instituiu o CPC), prescrevia:

Far-se-á a liquidação por cálculo do contador, quando a condenação abranger: I- juros ou rendimentos do capital, cuja taxa é estabelecida em lei ou contrato; II- o valor dos gêneros, que tenham cotação em bolsa; III- o valor dos títulos da dívida pública, bem como de ações ou obrigações de sociedades, desde que tenham cotação em bolsa. Parágrafo único. Do mandado executivo, constará, além do cálculo, a sentença [26].

As hipóteses previstas neste dispositivo não eram taxativas, de forma que jurisprudência e doutrina admitiam o cabimento da liquidação por cálculos sempre que a atualização do valor a ser executado dependesse de operações meramente aritméticas. Os cálculos aritméticos, por sua vez, não incidem sobre a qualidade do objeto da condenação ou determinado no título extrajudicial, mas sobre a quantidade do que é devido. É preciso, pois, definir o que se deve entender por cálculos aritméticos. Para tanto, Calmon de Passos oferece-nos uma estratégia conceitual irretocável e que considera necessária a distinção entre operação aritmética e base de cálculo. Operação aritmética é algo que ocorre na seara da ciência matemática pura, portanto representa uma abstração. A base de cálculo, por seu turno, reclama algo a ser determinado em termos quantitativos, portanto, designa uma concreção. A realização da operação aritmética pressupõe o conhecimento da respectiva base de cálculo [27]. Quando esta já vem explicitada no título executivo, a determinação do quantum debeatur requer tão somente uma simples operação aritmética para precisar o valor devido. Neste caso, teremos liquidação por cálculos. Mas quando a capitulação do quantum debeatur exigir um saber especializado, aí a liquidação pede a via do arbitramento. E se tal elucidação carecer de alegação e prova de fato novo, a liquidação será por artigos [28].

Esclarecido isto, adentremos na questão do rito da liquidação por cálculos. O procedimento era determinado pelo artigo 605, enquanto vestido com a roupagem atribuída pela lei nº 5.869/73, nos seguintes termos: uma vez provocado, o juiz determinava a ida dos autos ao contador do juízo para a feitura dos cálculos; elaborados os cálculos, mandava intimar as partes para se manifestarem no prazo comum de cinco dias, dentro do qual podiam oferecer impugnação [29]; em seguida, proferia-se sentença [30]. A jurisprudência do TFR assentou-se no sentido de que a falta de manifestação das partes devidamente intimadas acerca dos cálculos importava em preclusão [31]. Da sentença cabia apelação, como vimos. Mas, havia situações nas quais a atividade do juiz limitava-se a homologar mera atualização monetária da conta já efetuada antecedentemente. E destas últimas decisões o recurso adequado era o agravo de instrumento [32].

A construção pretoriana do TFR também considerava que mesmo quando desfavorável à Fazenda Pública da União, Estados e Municípios, a sentença de liquidação por cálculos não ensejava hipótese de remessa necessária [33]. No enunciado da súmula de nº 188, este mesmo Tribunal entendeu que o recurso de apelação (na liquidação por cálculos) tinha como pressuposto específico a prévia utilização do instrumento de impugnação aos cálculos do contador judicial pelo apelante [34]. Essa espécie de liquidação possuía preclara compatibilidade com os títulos executivos extrajudiciais [35], todavia, neste caso, a jurisprudência não lhe outorgava status de processo, mas de mero incidente preparatório do processo de execução. E a decisão do juiz que homologava os cálculos era tida como interlocutória, consoante o enunciado de nº 10 da súmula do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, verbis: "O agravo é o recurso cabível contra o ato judicial, que, em execução por título extrajudicial, homologa cálculo do contador".

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Eis o panorama da liquidação por cálculos até a lei nº 8.898/94 passar a viger.

4. 1. Alterações procedidas pela lei nº 8.898/94: a extinção dos cálculos do contador do juízo.

A lei nº 8.898/94 trouxe alterações profundas na liquidação por cálculos. Ao artigo 603, acrescentou o parágrafo único, ditando que: A citação do réu, na liquidação por arbitramento e na liquidação por artigos, far-se-á na pessoa de seu advogado, constituído nos autos. Pois bem, ao assim proceder, dispensou a citação para a modalidade de liquidação por cálculos e a deixou adstrita apenas aos casos de arbitramento e artigos [36]. Em relação ao cabimento da liquidação por cálculos, a lei nº 8.898/94 mudou também o artigo 604, que até então a restringia a hipóteses semelhantes às do CPC de 1939, e passou a admiti-la em casos ‘genéricos’ – sem taxação enunciativa - dependentes de cálculos aritméticos e impôs ao exeqüente o ônus da elaboração descritiva da conta, através de memória discriminada. A partir de então, perpetrou-se uma inegável alteração na própria natureza jurídica da liquidação por cálculos, que perdeu o status de processo preparatório para enquadrar-se como ato prévio a cargo do exeqüente. Ao requerimento da execução acrescentou-se mais este requisito específico: a planilha de cálculos elaborada pelo próprio requerente, nos seguintes termos:

(Redação original do CPC – lei 5.869/73) Far-se-á a liquidação por cálculo do contador, quando a condenação abranger: I- juros ou rendimentos do capital, cuja taxa é estabelecida em lei ou contrato; II- o valor dos gêneros, que tenham cotação em bolsa; III- o valor dos títulos da dívida pública, bem como de ações ou obrigações de sociedades, desde que tenham cotação em bolsa. Parágrafo único. Do mandado executivo, constará, além do cálculo, a sentença. (Revogado pela lei nº 8.898/94).

(Redação dada pela Lei nº 8.898, de 29.6.1994).

Art. 604 - Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor procederá à sua execução na forma do art. 652 e seguintes, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

Assim, atendia-se à doutrina que explicava, desde o código pretérito, que as hipóteses legais dessa espécie de liquidação eram meramente exemplificativas [37]. A feitura da planilha e sua juntada à peça atrial passaram a deter condição de verdadeiro ônus processual, tanto na execução aparelhada com título judicial como extrajudicial. Passou-se a tratar-se de documento essencial à propositura da execução, cuja ausência acarreta a incidência do artigo 616 do CPC, com base no qual o juiz deve conceder dez dias ao exeqüente para proceder com a correção da sua petição inicial [38]. E se nesse prazo a falha não for suprida, haverá nulidade processual por falta de liquidez e, a teor do artigo 618, o juiz deve decretar a extinção do processo (CPC, 267 [39]).

A sentença homologatória deixou de existir como decorrência lógica da supressão dos cálculos pelo contador judicial, bem como porque o juiz não mais homologava – nem homologa com a lei nº 11.232/05 - cálculos elaborados pelo exeqüente. Por razões óbvias, o recurso de apelação deixou de ter cabimento nesta modalidade de liquidação. Mesmo antes desta lei (nº 8.898/94), alguns códigos estaduais não consideravam a atualização monetária do valor constante do título judicial como espécie do gênero liquidação, o CPC do Estado do Maranhão, no artigo 858, dispôs precisamente neste sentido [40]. Comentando o código de 1973, Moura Rocha prenunciava que a simples feitura de cálculos aritméticos não indicava a existência de sentença ilíquida [41].

Nessa esteira, a lei 8.898/94 pôs fim a uma supérflua tradição do nosso direito processual civil, extinguindo a procedimentalização judicial de liquidação, pela via do processo, para atualização do valor da condenação dependente de simples cálculos aritméticos. Como bem observou Francisco Cavalcanti, esta lei hauriu inspiração no direito português (Decreto-Lei nº 44.129/61), que, no artigo 805 do CPC lusitano, deixou a cargo do exeqüente a liquidação dependente de simples cálculo aritmético. Este, repita-se, passou a ser peça obrigatória da petição inicial da execução [42]. Parece-nos, entretanto, que a lei 8.898/94 não extinguiu a liquidação por cálculos, mas apenas a relegou à categoria de ato processual a cargo do exeqüente com inegável feição de ônus processual, em razão da conseqüência extintiva na hipótese de sua não elaboração [43]. Não parece adequada a afirmação de inexistência da liquidação por cálculos pelo simples fato de consistirem estes numa atualização do valor apontado no título executivo feita pelo exeqüente. Note-se que em algumas situações cuja atualização não depender de operações meramente aritméticas, mas de equações matemáticas de outra ordem, haverá liquidação por arbitramento, cujo fim será o mesmo da liquidação por cálculos, apenas estes não são tão simples a ponto de dispensar a produção da prova pericial. Portanto, não é a dependência de cálculos nota caracterizadora da inexistência de liquidação. A liquidação por cálculos continuou a existir, embora simplificada – através de memória discriminada que deve acompanhar a inicial –, que substituiu atribuição antes exercida pelo contador do juízo, isto é: a atualização monetária de valores apontados no título, porém imprecisos. A planilha feita pelo exeqüente detém natureza liquidatória porque embute atividade vertida para a delimitação do quantum debeatur, cuja fixação na sentença condenatória, ou no título extrajudicial, já não mais corresponde à realidade econômico-financeira em razão da influência do tempo decorrido para a propositura da execução. Refrise-se, então, que a lei 8.898/94 transformou o então existente processo preparatório de liquidação de sentença por cálculos aritméticos em ato processual prévio ao processo de execução: extinguiu o processo, mas instituiu o ato de liquidação com evidente contorno de ônus processual [44].

A lei 8.898/94, porém, não suprimiu do requerido o direito de impugnar os cálculos apresentados pelo requerente-liquidante. Apesar de não permitir a impugnação no bojo do processo executivo, transportou o exercício desse direito para os embargos à execução [45] ou para a objeção de pré-executividade [46]. Extinguindo o processo de liquidação por cálculos, a lei fez fluir a efetivação da tutela executiva com mais rapidez.

Outra novidade advinda da lei nº 8.898/94 foi a restauração da regulamentação do procedimento da liquidação invertida dependente de cálculos aritméticos, mas a cargo do devedor. A raiz histórica dessa instituição remonta ao artigo 504 do Regulamento 737, e alguns códigos estaduais a prestigiaram, como o do DF, cujo artigo 987 estipulava o prazo de dois meses para o credor promover a liquidação, sob pena de sujeitar-se à sua promoção pelo sucumbente [47]. O CPC de 1939 a tratou no artigo 917, estipulando que o seu exercício era condicionado à fluência do prazo de trinta dias, contados a partir do momento em que a sentença fosse passível de liquidação, sem postulação do credor. O código de 1973, apesar de haver disposto sobre a execução invertida, não se preocupou com a legitimação do devedor para requerer a liquidação, que, evidentemente, era possível por lógica e implícita dedução hermenêutica, pois a execução pressupõe sempre liquidação quando estiver a depender da quantificação ou especificação do seu objeto. A liquidação invertida dependente de cálculos aritméticos em nosso sistema processual operou-se no artigo 605, que antes tratava do procedimento da elaboração dos cálculos, emprestando-lhe o seguinte conteúdo:

(Redação original do CPC – lei 5.869/73) Elaborado o cálculo, sobre este manifestar-se-ão as partes no prazo comum de cinco (5) dias; o juiz, em seguida, decidirá. Do mandado executivo constará, além do cálculo, a sentença. (Revogado pela lei nº 8.898/94).

(Redação dada pela Lei nº 8.898, de 29.6.1994).

Art. 605 - Para os fins do art. 570, poderá o devedor proceder ao cálculo na forma do artigo anterior, depositando, de imediato, o valor apurado. Parágrafo único. Do mandado executivo constará, além do cálculo, a sentença.

A razão de ser desta disposição foi muito bem explicada por Francisco Cavalcanti, quando alertou que sem ela o réu condenado no processo de conhecimento não mais poderia antecipar-se ao credor para se ver livre da dívida. É que, antes, o réu podia tomar a iniciativa de provocar o juiz, para que este determinasse a elaboração dos cálculos pelo contador. Porém, com a supressão desse procedimento, tornou-se indispensável outorgar ao devedor o direito de ele também poder efetuar os cálculos, isto é, liquidar o valor atualizado da condenação, e exercitar o direito de quitação de dívida judicial em antecipação ao credor. O mesmo autor anota que a redação do artigo 605 atribuída pela lei nº 8.898/94 não esclarecia qual o procedimento a ser adotado pelo credor que não concordasse com o valor do depósito feito pelo devedor, e sugeriu a seguinte alternativa:

A solução é entender-se que tal depósito não tem o condão de tolher o ajuizamento do processo de execução pelo credor, reputando-se em incontroverso o objeto depositado (coisa ou valor), podendo, neste caso, o devedor em embargos discutir os valores (ou a diferença na coisa) apresentados pelo credor [48].

É preciso observar, no entanto, que em se tratando de obrigação de entregar coisa, o artigo 624 já possuía regra específica apontando para a lavratura do termo de entrega, sucedido de sentença extintiva (artigo 794), salvo quando a execução tivesse de prosseguir quanto à percepção de frutos ou ressarcimento por perdas e danos [49]. A lei nº 8.898/94 não disse como devia proceder o juiz após a feitura do depósito pelo devedor liquidante. Theotonio Negrão, porém, resolveu o problema apontando, acertadamente, que o juiz devia determinar a intimação do advogado do credor para pronunciamento sobre o depósito no prazo de cinco dias, ou noutro prazo que o juiz determinasse [50]. A menção ao prazo de cinco dias fazia sentido, pois guardava respeito ao artigo 185 do CPC [51]. E se o réu-credor, no prazo para se pronunciar sobre o depósito, quedasse-se inerte ou simplesmente concordasse, o juiz devia proferir sentença declarando extinta a execução. Se, ao contrário, o réu impugnasse o valor depositado, então o magistrado:

... determinará o levantamento, pelo vencedor, da quantia depositada (v., a propósito, LI 62-IV e 67 § ún.) e proferirá sentença, julgando extinta a execução ou acolhendo, no todo ou em parte, a impugnação [52].

Desta sentença cabia o recurso de apelação, sendo correta a solução oferecida por Francisco Cavalcanti, no sentido de que o credor podia requerer a execução contra o devedor pelo valor restante à complementação do total devido [53]. A apresentação de defesa pelo credor à liquidação/execução invertida promovida pelo devedor não lhe retira o direito de promover a execução do valor que entender ainda devido (CPC, 585, § 1º).

Mas o sistema introduzido pela lei nº 8.898/94 requereu ligeira e necessária adequação pertinente à petição inicial, que seria procedida pela lei nº 8.953/94.

4. 2. Modificações perpetradas pela lei nº 8.953/94: o aperfeiçoamento da petição inicial da execução.

A lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, corrigiu falha sistemática gerada pela lei nº 8.898/94 na liquidação por cálculos. Como salientamos acima, esta lei (8.898/94) prescreveu no artigo 604 que a memória de cálculos devia ser apresentada com o pedido executivo. Ocorre que o pedido executivo é veiculado através da petição inicial da execução e a lei nº 8.898/94 não adequou o dispositivo pertinente à nova sistemática. E esta (a inicial) é regida pelos artigos 614 e 615 do CPC. A lei nº 8.953/94, então, resolveu o problema criando mais um inciso no artigo 614:

(Redação original do CPC – lei 5.869/73) Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial: I - com o título executivo, salvo se ela se fundar em sentença (art. 584); II - com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (art. 572).

(Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994).

Art. 614 – Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial: I - com o título executivo, salvo se ela se fundar em sentença (art. 584); II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa; III - com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (art. 572).

A nova redação do artigo 614 deslocou o conteúdo do inciso II para o III, instituído pela lei 8.953/94, com isso, o dispositivo que versa sobre a petição inicial complementou a exigência contida no artigo 604 procedida pela lei nº 8.898/94. O texto então existente no inciso II foi deslocado para o inciso III, sem alterações. Definitivamente, a planilha com a memória atualizada dos cálculos passou a ser requisito da petição inicial, através da qual se veicula o pedido do processo de execução por quantia certa. No referente à liquidação de sentença por cálculos, essas foram as alterações perpetradas pela lei nº 8.953/94, cuja extensão efacial também atinge as demandas aparelhadas com títulos extrajudiciais. Esta lei verteu-se para a atualização do processo de execução, não atingindo a liquidação além do comentado acima. A próxima alteração no sistema da liquidação ocorreria em meados de 2002 e foi veiculada pela lei nº 10.444/02.

4.3. Os acréscimos derivados da lei nº 10.444/02: o retorno dos cálculos do contador judicial.

Em relação à liquidação por cálculos [54], a lei nº 10.444/02 aperfeiçoou o procedimento de elaboração da planilha pelo credor. É que em certas situações os dados necessários à elaboração da memória discriminada da dívida não estão na posse do exeqüente, mas com o devedor ou com terceiro estranho à execução. O credor, porém, não pode ficar a mercê do devedor ou mesmo de terceiros para ter garantido o acesso à justiça na execução. Para solucionar o problema, a lei em questão acrescentou ao artigo 604, o § 1º, inspirando-se no procedimento de exibição de documentos já regulamentado no código (CPC 355 a 363 e 844 e 845), para permitir ao juiz a requisição dos dados em poder do devedor ou do terceiro.

A participação do contador do juízo voltou a ser possível. Entretanto, sem repristinação do mecanismo de homologação por sentença, tal como houvera até a lei nº 8.898/94 passar a viger. Frise-se, pois, que a lei nº 10.444/02 não ressuscitou o processo de liquidação por cálculos, mas tão somente positivou práxis forense criada pelos juízes de primeira instância. Para tanto, adiu o § 2º ao artigo 604, para permitir que os juízes determinassem a remessa dos autos ao contador do juízo quando: a memória apresentada pelo exeqüente aparentasse exceder o valor constante do título executivo; bem como quando o requerente litigasse sob o pálio da assistência judiciária. Ocorrendo uma dessas situações, a remessa ao contador passou a ser possível. E se o contador encontrasse valor inferior ao apontado na planilha apresentada pelo credor, e se este não concordasse em reduzir o montante financeiro da sua pretensão executória, segundo a dicção do § 2º: "... far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador" [55]. Como veremos no próximo item, esta disposição é dúbia e requer cuidado do intérprete.

4.4. O regime da lei nº 11.232/05.

Como se viu, o procedimento de requisição de dados em poder do devedor ou de terceiros era previsto no § 1º do artigo 604. Mas a lei nº 11.232/05 deslocou o conteúdo respectivo para os recém instituídos §§ 1º e 2º do artigo 475-B, vejamos:

revogado pela lei nº 11.232/05:Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo de até 30 (trinta) dias para o cumprimento da diligência; se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor e a resistência do terceiro será considerada desobediência. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).

dispositivos atuais:

Art. 475-B, § 1º Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo de até trinta dias para o cumprimento da diligência. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).

Art. 475-B, § 2º Se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor, e, se não o forem pelo terceiro, configurar-se-á a situação prevista no art. 362. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).

Nota-se que a substância do procedimento de requisição de dados sofreu suave alteração (vide parte sublinhada acima). A sutil mudança na redação, entretanto, em nada modifica o procedimento e suas conseqüências jurídicas, apenas esclarece que o terceiro também tem direito à recusa na apresentação dos dados, quando protegido por justa motivação. A referência ao artigo 362 quer significar exatamente isto. Supre omissão perpetrada pela lei nº 10.444/02, que no § 1º do artigo 604 adstringiu a possibilidade de recusa justificada apenas ao devedor [56]. A omissão até então existente gerava o inconveniente da necessidade de socorro à interpretação ampliativa e sistêmica a fim de garantir tal direito ao terceiro.

Passemos a analisar os requisitos procedimentais específicos da exibição de dados do artigo 604, § 1º.

4.4.1. A exibição de dados ou coisas em poder do devedor ou de terceiros: princípios aplicáveis e procedimento.

Esse procedimento, típico da liquidação por cálculos, deve ser utilizado sempre em consonância com os princípios: do devido processo legal (CF, 5º, LIV); da instrumentalidade das formas (CPC, 154 e 244); da celeridade processual (CPC, 125, II); da economia processual (CPC, 620); da cooperação judicial [57]. Portanto, a requisição há de seguir o meio processual mais célere e eficaz possível, mas sempre com respeito à segurança jurídica e ao devido processo legal. Passemos às questões procedimentais.

1º- Quanto à necessidade de provocação – Apesar de o § 1º do artigo 475-B do CPC exigir ‘requerimento do credor’, o princípio dispositivo não incide na espécie, pois a requisição de dados em poder do devedor ou de terceiros detém nítida natureza probatória. Assim, e como compete ao juiz determinar de ofício ou a requerimento da parte a produção das provas necessárias à instrução da causa, a regra do CPC, 130 aplica-se à requisição, como, aliás, já decidiu o STJ [58].

2º- Quanto à legitimação ativa e à pronúncia da prescrição – Embora o dispositivo em comento apenas mencione o ‘credor’, uma hermenêutica teleológica, amparada no princípio da isonomia das partes, quanto ao direito de quitação das obrigações (CC, 336), há de permitir a possibilidade de o devedor condenado por sentença transitada em julgado poder servir-se desse benefício, a fim de proceder com o cálculo e depositar a quantia devida em juízo à disposição do credor. Para tanto, é necessário que a sentença não esteja pendente de recurso, pois do contrário não restaria caracterizada a recusa injusta do credor ante a possibilidade de o provimento da apelação poder acarretar aumento na carga financeira da condenação. Em se verificando a instauração da execução pelo devedor que não dispõe de dados para elaborar a planilha, revela-se interessante a questão da ocorrência da prescrição. Neste caso, não pode o juiz pronunciá-la de ofício, não incide a regra do § 5º do artigo 219 do CPC, atribuída pela lei nº 11.280/06, pois o interesse do devedor é saldar a dívida.

3º- Quanto à legitimação passiva – São legitimados passivamente neste procedimento: o devedor; o credor; e o terceiro.

4º- Quanto ao objeto – Os artigos 355 a 363 e 844 e 845 admitem a exibição de documento ou coisa, mas o artigo 475-B, §§ 1º e 2º apenas mencionam ‘dados’, isto é, informações constantes de documentos. Entretanto, é perfeitamente cabível a exibição de coisa, pois que compatível com eventual necessidade de elaboração de cálculos nesta espécie executiva, cujo objeto cinge-se às obrigações de pagar quantia certa. O Conceito de dados há de ser interpretado em sentido amplo a abranger documentos e coisas cujo exame seja indispensável aos cálculos. Quando voltado apenas para os documentos, há de envolver os cartáceos, ou seja, de papel, bem como os virtuais. Na Itália, o Decreto nº 513 de 10 de novembro de 1997 já definiu o documento eletrônico como: "... a representação informática dos atos, fatos e dados juridicamente relevantes". [59] Os documentos eletrônicos são meios lícitos de prova, pois o artigo 332 considera aptos à demonstração da verdade ‘todos os meios legais’, ainda que não especificados neste Código. O documento eletrônico foi regulamentado no Brasil pela Medida Provisória nº 2.200, de 2001, que sofreu ataques da doutrina em face de não manter pertinência com as legislações que tratam do mesmo tema em outros países, nem com a proposta da Lei Modelo da Uncitral (United Nations Commission on International Trade Law). Um dos problemas apontados referia à imposição de assinatura dos documentos eletrônicos através de Autoridade Certificadora credenciada pelo Comitê instituído. Estes problemas foram solucionados em parte, com a reedição daquela MP, merecendo realce que a lei 11.280/06, que criou o parágrafo único do artigo 154 do CPC, estabeleceu que a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos deve atender aos requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP – Brasil.

5º- Quanto à forma e ao prazo da requisição – A requisição dos dados deve ser feita na petição inicial, a fim de possibilitar a elaboração da planilha. A rigor, quando o exeqüente não apresenta memória discriminada de cálculos, não se pode dizer que se trata de ação de execução, pois esta pressupõe a liquidez (CPC, 586). Só haverá execução quando a planilha estiver elaborada e apta a gerar a necessária liquidez (CPC 614, I). Então, a determinação judicial de exibição dos dados, cujo prazo será de até trinta dias, haverá de preceder à ordem de pagamento, de cumprimento espontâneo da obrigação. Como ensina a irretorquível construção pretoriana do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, já sedimentada sobre o novo sistema da lei nº 11.232/05, o juiz apenas "requisita" os dados, com observância analógica ao contido nos artigos 339 [60] e 399 [61] do CPC, sem maiores formalidades, através de ofício ou mandado de requisição de dados [62].

6º- Quanto às espécies de execução – O artigo 604 estava situado no livro II do código de processo, que, até a vigência da lei nº 10.444/02, se aplicava à execução aparelhada com título judicial ou extrajudicial, desde que se tratasse de obrigação de pagar quantia certa em dinheiro. Portanto, essa sistemática exibitória ocorria nas duas modalidades executórias. A conclusão no sentido de que o regime da lei nº 11.232/05 restringe-se aos títulos judiciais é inaceitável. Se procedente, simplesmente impossibilitaria que o credor (detentor de um dos títulos previstos no CPC, 585 ou em norma extravagante) pudesse servir-se do permissivo da requisição de dados em poder do devedor ou de terceiros. Isto importaria na desastrosa conseqüência da transformação de ação de execução em monitória, tudo por falta de sensibilidade hermenêutica e de ‘cooperação judicial’.

7º- Quanto à natureza jurídica do procedimento – A idéia de que se trata de procedimento autônomo, obediente aos rigores formais dos artigos 844 e 845 do CPC [63], não nos parece adequada ao espírito das reformas empreendidas: nem ao da lei 10.444/02, que positivou esse mecanismo de exibição na execução; nem ao da lei nº 11.232/05. Como vimos no item de nº 05, o TJRS já possui jurisprudência, que não merece a mais mínima censura, no sentido de que a requisição de dados não passa de mero incidente a ser guiado pelo princípio do informalismo.

8º- Ausência de resposta do devedor e a questão da preclusão consumativa – Como advertimos acima, a lei nº 10.444/02 foi infeliz ao dizer que "... Se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor". A lei nº 11.232/05 repete ipsis literis esta mesma disposição (CPC, 475-B, § 2º). Perdeu excelente oportunidade de corrigir tamanha imprecisão. É que quando o credor postula ao juiz a exibição dos dados necessários à elaboração dos cálculos, é, precisamente, porque ele ainda não possui elementos suficientes para realizá-los [64], no todo ou, pelo menos, em parte. Mas se o credor apresentar a planilha ainda que incompleta, porque possuía dados suficientes para calcular parte da dívida, neste caso, reputar-se-ão corretos os dados apresentados. Semelhantemente à revelia, essa regra contém presunção iures tantum, ou seja, meramente relativa. Logo, não é razoável supor que o devedor que não apresentar os dados requisitados sujeita-se à preclusão consumativa, pois obstar o manejo da defesa (seja por impugnação no cumprimento de sentença, seja por embargos do devedor na execução aparelhada com título extrajudicial) designaria, ainda que obliquamente, possibilidade de enriquecimento sem causa do credor que cobrou mais do que tinha direito [65].

Perceba-se que a sistemática da lei nº 11.232/05 difere do regime da lei nº 5.869/73, de modo que o entendimento sedimentado pelo TFR (visto no item 4), no sentido de haver preclusão quando a parte não impugnava os cálculos, não se aplica no presente, pois o juiz não mais homologa cálculos do contador ou do exeqüente.

9º – Sujeitos atingidos pelo crime de desobediência – O § 2º do artigo 475-B refere tão somente ao terceiro como sujeito processual contra o qual poderá ocorrer o crime de desobediência. A referência ao artigo 362 do CPC quer significar exatamente isto, ou seja: se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência. Contudo, tal conclusão não se coaduna com a sistemática do nosso direito processual civil, pois a lei nº 10.358/01 ao acrescentar o inciso V e o parágrafo único, ao artigo 14 do código de processo, implantou aqui o contempt of court (desprezo à decisão da Corte) generalizado [66] para incidir sempre que a ‘parte’: não cumprir com exatidão os provimentos mandamentais ou criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Ora, a parte que se recusar a apresentar dados requisitados pelo juiz na fase de cumprimento de sentença, sem dúvida, enquadra-se como litigante que despreza decisão judicial final/mandamental, isto é, comete ato atentatório à dignidade da jurisdição. O mesmo acontece com a parte que descumpre ordem de requisição proferida em execução aparelhada com título executivo extrajudicial, aqui haverá desprezo à decisão judicial inicial/mandamental.

Num caso ou noutro, sujeita-se, via de conseqüência, à sanção pecuniária prevista no parágrafo único do artigo 14: multa de até 20% sobre o valor da causa, sem prejuízo das demais sanções civis, processuais e criminais cabíveis. Como a penalidade deste artigo não exclui outras sanções processuais, a parte ré também incorrerá na conduta regulada pelo CPC, 600, III, que considera atentatório o ato do devedor que resiste injustificadamente às ordens judiciais (contempt of court ‘específico’ da execução, que se aplica ao sistema do cumprimento de sentença, em razão do CPC, 475-R), sujeitando-se, pois, à sanção prevista no artigo 601. Enquanto a multa deste último dispositivo reverte-se em prol do exeqüente a do artigo 14 transformar-se-á em crédito fiscal [67].

Disso tudo conclui-se que não apenas o terceiro é atingido pelo crime de descumprimento da ordem de requisição de dados, mas também a parte [68]. Mas deve-se registrar que o Pretório Excelso entende que sempre que houver imputação de pena pecuniária ao sujeito passivo do processo civil, o crime de desobediência não se caracteriza [69]. Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal, entretanto, é equivocado à medida que a lei nº 10.358/01, explicitamente, prescreve que o descumprimento enquadrado no parágrafo único do artigo 14 do CPC não exime o agente da sanção de natureza penal. Isso fica ainda mais evidente quando se percebe que o tipo do artigo 330 do CP não considera que a incidência de multa de natureza civil configure atipicidade ou excludente de ilicitude, a lei penal apenas diz: Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.

4.4.2. Liquidação por cálculos do contador no excesso de execução e mediante patrocínio da assistência judiciária.

A lei nº 11.232/05 desdobrou o conteúdo do § 2º do artigo 604 nos §§ 3º e 4º do artigo 475-B, vejamos:

dispositivo revogado:- Poderá o juiz, antes de determinar a citação, valer-se do contador do juízo quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária. Se o credor não concordar com esse demonstrativo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).

dispositivos atuais:

Art. 475-B, § 3º - Poderá o juiz valer-se do contador do juízo, quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).

Art. 475-B, § 4º - Se o credor não concordar com os cálculos feitos nos termos do § 3º deste artigo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).

O § 3º do artigo 475-B prevê hipótese de excesso de execução [70], isto é, quando a postulação do exeqüente ultrapassa os limites do crédito constante do título executivo. O dispositivo menciona apenas título judicial, mas, por razões óbvias, a norma também incide nas execuções aparelhadas com títulos extrajudiciais. A regra só se aplica ao excesso, isto é, o juiz só pode determinar a remessa dos autos ao contador judicial quando o credor apresentar planilha de cálculos em valor superior ao realmente devido. A apresentação de cálculos elaborados a menor não se enquadra no dispositivo porque denuncia renúncia tácita do exeqüente em relação ao valor não cobrado, pois o credor pode dispor livremente no todo ou em parte da execução sem anuência do devedor (CPC, 569 [71]). Outro detalhe relevante refere ao fato de o § 3º iniciar-se com o verbo poderá, indicando que o juiz não está obrigado a remeter os autos ao contador sempre que se deparar com cobrança de valores superiores ao devido. Tanto pode mandar os autos ao contador quanto determinar a emenda da petição inicial [72], sob pena de indeferimento, pois a iliquidez é matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo magistrado e a persistência da falha acarretará a extinção da execução (CPC, 618, I).

Precisamente por referir à questão de ordem pública, cujo não conhecimento imediato pelo juiz não gera preclusão pro judicato (CPC, 267, § 3º), o excesso de execução permite ao devedor recorrer à objeção de pré-executividade para postular a extinção da execução independentemente da natureza do título: judicial ou extrajudicial [73]. Nem mesmo a feitura dos cálculos pelo contador do juízo obriga o juiz a acatá-los, como se trata de cálculos aritméticos o magistrado pode determinar que o credor emende a inicial, em consonância com os valores tidos por ele (juiz) como corretos, sob pena de indeferimento [74]. Definitivamente, a lei nº 11.232/05 não restaurou a sistemática da homologação dos cálculos do contador judicial pelo juiz: não há decisão de homologação.

A sistemática de remessa ao contador também se aplica quando o credor litigar sob o beneplácito da assistência judiciária. Ou seja, aplica-se-lhe o disposto acima, no que for pertinente, isto é, o exeqüente que recorre ao benefício da assistência gratuita assim atua porque não deve dispor de meios financeiros para contratar um contador particular para elaborar a planilha de cálculos [75]. A instauração da demanda nestes casos do artigo 475-B possui uma fase antecedente à fase executiva propriamente dita, pois o procedimento inicia-se com a ida à contadoria destinada a sanar a iliquidez. Embora a lei não seja explícita, deve o juiz determinar a intimação do credor para se manifestar em cinco dias sobre os cálculos (CPC, 185 [76]). Se o credor concordar com o valor encontrado pelo contador judicial o processo assim seguirá, sem que o exeqüente possa cobrar o restante futuramente em ação distinta. Se o credor discordar do valor calculado pelo contador do juízo, aí é que surgem os maiores problemas de coerência lógica da reforma da lei nº 11.232/05, que, aliás, remonta à da lei nº 10.444/02. É que o § 4º do artigo 475-B, sem a mais mínima lógica processual, conclui que "Se o credor não concordar com os cálculos feitos nos termos do § 3º deste artigo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador".

O § 4º do artigo 475-B tem como pressuposto de incidência a apresentação de planilha, ou seja, só se aplica quando o litigante apresentar memória discriminada de cálculos que aparente excesso de execução. Não se destina, logicamente, ao exeqüente que litigar pela assistência judiciária, pois este simplesmente não apresenta planilha por não possuir recursos para contratação de contador particular, sendo precisamente esta a razão do envio dos autos ao contador judicial.

O ato do juiz que determina a feitura da penhora no valor encontrado pelo contador judicial enquadra-se no conceito de decisão interlocutória, ensejando, evidentemente, cabimento do recurso de agravo de instrumento pelo credor [77]. O devedor, é claro, não teria interesse recursal para atacar a decisão, pois que lhe beneficia. O que pretendeu dizer o dispositivo foi que a garantia do juízo pela penhora estará satisfeita sempre que os bens indicados à constrição (CPC, 475-J, § 3º) atingirem o valor atribuído pelo contador [78]. E, assim, estará apto o devedor a oferecer sua defesa (impugnação: 475-N, ou embargos: 585). Não há que se cogitar de reforço de penhora neste momento, mas só depois de decidia a impugnação [79]. Quando o devedor não apresenta defesa, aí sim estará autorizado o juiz a determinar o reforço de penhora desde já, se for necessário.

Adentremos no exame da liquidação por arbitramento.

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Sobre o autor
Alexandre Freire Pimentel

Mestre e doutor em direito pela FDR-UFPE. Professor adjunto de direito processual civil da graduação, especialização e mestrado da Universidade Católica de Pernambuco e da UFPE. Ex-promotor de justiça. Juiz de direito do Estado de Pernambuco. Assessor Especial da Corregedoria Geral da Justiça do TJPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTEL, Alexandre Freire. O sistema da liquidação de sentença instituído pela Lei nº 11.232/05. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2169, 9 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12945. Acesso em: 16 abr. 2024.

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