6. Da Inversão do Ônus da Prova
De grande necessidade é saber se, na ação cujo objeto seja a restituição dos expurgos referentes ao Plano Collor, é possível a inversão do ônus da prova, de sorte que a obrigação de apresentação dos extratos e saldos relativos aos meses de março, abril e maio de 1990 seja transferida à entidade bancária.
Em nosso sentir, poderia ser aplicada ao caso a inversão do ônus da prova, com fulcro na Lei Consumerista (artigos 3º e 6º, VIII, do CDC e Súmula 297 do STJ). Todavia, há decisões que, ao encarar a relação jurídica existente entre o poupador e banco depositário sob a ótica consumerista, reduziram o prazo prescricional para 5 (cinco) anos, com fundamento no art. 27 da lei 8.078/90 (neste sentido ver as sentenças exaradas pelo juízo do Juizado Especial Federal de Campo Grande, MS, nos processos nº 2009.62.01.000593-1 e nº 2009.62.01.002455-0). Há ainda o argumento contrário à inversão do ônus da prova de que a aludida lei só entrou em vigor em 11 de março de 1991, sendo vedada sua atividade retroativa.
Contudo, isto não impede que o banco seja compelido a apresentar os saldos e extratos requisitados em juízo, pois devem ser observadas as disposições constantes dos arts. 355, 356, 357, 358, 359 do Código de Processo Civil. Porém, é mister ressalvar que o poupador deverá, antes de requisitar judicialmente a apresentação dos extratos e saldos de suas cadernetas de poupança, provar sua condição de titular das mesmas, o que pode ser feito através de extrato, cartão, declaração de imposto de renda.
Uma vez provada a titularidade da caderneta de poupança, a nosso ver, torna-se possível o pedido liminar, no próprio processo de conhecimento, para determinação judicial dirigida ao banco para que apresente os valores disponíveis nas contas poupança nos meses de março, abril e maio de 1990, a fim de viabilizar o cálculo para quantificação pecuniária do direito do poupador.
Nesse ambiente, é muito oportuno o comentário de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier ao §7º do art. 273 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
"O art. 273, § 7º, consagra, agora expressamente, regra que pensamos já existia mesmo antes de constar expressamente da lei.
Quando o autor requer, a título de antecipação de tutela, providência cautelar, esta pode ser concedida em caráter incidental no processo ajuizado.
Esse dispositivo, a nosso ver, tem grande alcance e significa, em última análise, que se podem formular pedidos de natureza cautelar no próprio processo de conhecimento". [06]
Além disso, é bom não olvidar do dever legal do banco depositário de guardar tais documentos, bem como prestar contas junto ao poupador.
Nesse sentido, restou decidido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul na Apelação Cível nº 2008.030117-1, sob relatoria do des. Dorival Pavan:
" E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – CADERNETA DE POUPANÇA – PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – REJEITADA – PRESCRIÇÃO - AFASTADA – COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO CONSUMIDOR DESDE QUE DEMONSTRADA A TITULARIDADE DA CONTA-POUPANÇA – CONTA-POUPANÇA COM DATA-BASE NA SEGUNDA QUINZENA DO MÊS – OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO ATO JURÍDICO PERFEITO E DA INTAGIBILIDADE DO DIREITO ADQUIRIDO- PLANO BESSER- CARDENETAS ABERTAS COM DATA DE ANIVERSÁRIO ATÉ 15.06.1987- ATUALIZAÇÃO PELO IPC NO PERCENTUAL DE 26,06%- PLANO VERÃO- ATUALIZAÇÃO PELO IPC NO PERCENTUAL DE 42,72% PARA CONTAS CONTRATADAS OU RENOVADAS ATÉ 15.02.1989- PLANO COLLOR- SALDO IGUAL OU INFERIOR A CR$ 50.000,00- NÃO BLOQUEADOS E MANTIDOS PELAS INSTITUIÇÃO FINANCEIRA- SALDO SUPERIOR A CR$ 50.000,00- BLOQUEADOS E TRANSFERIDOS PARA O BACEN- PERMANECE A LEGITIMA PASSIVA AD CAUSAM DO BANCO COM RELAÇÃO AOS SALDOS NÃO BLOQUEADOS – ÍNDICE APLICÁVEL – IPC – APLICAÇÃO DO ART. 17, INC. III, DA LEI 7.730/1989 – RECURSO IMPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA."
Por fim, interessante anotar que o autor da demanda poderá ainda pedir a fixação de multa diária, astreinte, para o caso de descumprimento da determinação de judicial (CPC, arts. 287 e 461), com finalidade de coagir o banco a cumprir a ordem judicial.
7. Conclusão
Todo o exposto alhures teve por escopo orientar os poupadores e advogados na maneira como proceder para reaver os valores expurgados das cadernetas de poupança durante o denominado Plano Collor, nos meses de abril e maio de 1990.
Em conseqüência da escassa produção doutrinária desenvolvida acerca do tema, a maior fonte de pesquisa utilizada foi a interpretação jurisprudencial dada à matéria, isto se fez também em razão de nossa crença de que a jurisprudência é tão legítima e importante fonte do direito quanto a lei, guardando enorme atividade criadora. [07][08]
Concluímos nosso trabalho na esperança de ter colaborado para todos aqueles que buscam, ou buscarão seus direitos face às instituições bancárias.
8. Bibliografia
ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999. Nelson Abrão Direito Bancário 5 edição atualizada e ampliada pelo Dr. Carlos Henrique Abrão, Editora Saraiva, 1999 pag. 3
BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 487 e s.:
Ibidem, p. 488.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 27ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 446 e s.
Ferraz Junior, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito : técnica, decisão e dominação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 248.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil Lei nº 10.352, de 26/12/2001, Lei nº 10.358, de 17/12/2001 e Lei nº 10.444, de 07/05/2002". 2ª ed. revista, atualizada e ampliada, RT.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 167.
Baseado em REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994.