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Plano Collor: nada é devido aos poupadores.

Da não aplicabilidade do IPC às cadernetas de poupança nos meses posteriores a março de 1990

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03/11/2009 às 00:00
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3- DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DIREITO ADQUIRIDO

Relembremos aqui os fundamentos utilizados pelo Judiciário para deferir o pagamento de diferenças decorrentes dos planos Bresser e Verão: a lei posterior à celebração do contrato não pode retroagir para atingir o direito adquirido, devendo ser observada na execução desse contrato de caderneta de poupança a legislação vigente no início do trintídio.

No caso, temos o ato jurídico perfeito, celebrado de acordo com a legislação vigente, MP 172/90 e MP 180/90. Em nome da segurança jurídica o contrato, que é lei entre as partes, não pode ser modificado pela mudança de legislação, ainda mais se isso representar gravame para qualquer uma das partes contratantes.

O Judiciário não pode, para hipóteses iguais, proferir decisões contraditórias, sob pena de se ferir de morte o Princípio da Segurança Jurídica.


4- DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – O Judiciário não pode usurpar o poder-dever do Congresso Nacional

Ainda que se considere revogada a MP 172/90 pela Lei de Conversão da MP 168/90, bem como da MP 180/90, isso não significa que os contratos celebrados durante a vigência das normas passem a ser regulados pela lei anterior.

Devemos ter em mente o disposto na parte final do parágrafo único (atual parágrafo 3º) do art.62 da CF/88, no texto vigente em 1990:

Art. 62.

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Assim, na hipótese de perda de eficácia da Medida Provisória, seja por rejeição expressa, seja por decurso de prazo, as relações jurídicas dela decorrente devem ser regulamentadas pelo Congresso Nacional.

A esse respeito é pertinente o pensamento de SAULO RAMOS, ex Consultor Geral da República:

Rejeitado o Projeto de Lei de conversão, expressamente, por deliberação congressual explícita, operar-se-á a perda de eficácia ex tunc da Medida Provisória. A disciplina das relações jurídicas formadas com base no ato cautelar não convertido em lei constitui obrigação indeclinável do Congresso Nacional, que deverá regrá-las mediante procedimento legislativo, adequado, iniciado imediatamente após a rejeição, quando não houver reapresentação de outra sobre a mesma questão.

(MEDIDA PROVISÓRIA, in a Nova Ordem Constitucional – Aspectos Polêmicos, Rio, Forense, 1990, p.541)

Na lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA

A prescrição de que o Congresso discipline as relações jurídicas decorrentes das medidas provisórias tem cabimento nesta última hipótese (perda de eficácia), e o Congresso o fará por lei tal como se faz com qualquer matéria.

É de notar que ainda que a Constituição não incumbe ao Congresso a disciplina da matéria das medidas provisórias tornadas ineficazes, mas apenas as relações jurídicas que tenham sido estabelecidas durante os trinta dias em que vigoravam s e surtiram efeitos.

(CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, Malheiros, 16ª Ed., p.532)

Portanto, o regramento dos contratos firmados sob a égide de uma Medida Provisória que por um motivo ou outro perdeu a eficácia, é prerrogativa do Poder Legislativo, não havendo como o Judiciário atuar para corrigir eventual omissão. Logo, é pedido juridicamente impossível pretender que o Judiciário declare os efeitos da perda de eficácia de medida provisória sobre as relações jurídicas dela decorrentes.

Ainda no ensinamento de JOSÉ AFONSO DA SILVA

Em tal caso o Poder Judiciário poderá ser chamado a examinar o assunto a teor do disposto no art.5º, XXXV, se houver lesão de direito de alguém e por este provocado, mas a decisão judicial não poderá substituir as medidas provisórias nem, evidentemente, disciplinar as relações jurídicas geradas por elas.

(idem)

A esse respeito vejamos a posição do próprio Supremo:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MEDIDA PROVISÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO. Medidas Provisórias 434, publicada em 28.02.94; 457, publicada em 30.03.94, 482, publicada em 29.04.94. Lei nº 8.880, de 27.05.94, publicada em 28.05.94.

I. - A medida provisória não convertida em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, perde eficácia, desde a edição, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes. C.F., art. 62, parág. único.

II. - No caso, o ato normativo acoimado de inconstitucional simplesmente deu pela eficácia da lei conflitante com a medida provisória no período em que esta teve vigência, sem que houvesse sido editada a norma disciplinadora do Congresso Nacional.

III. - Cautelar deferida.

(ADI-MC 1612 / MS - MATO GROSSO DO SUL, MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator (a):  Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 28/05/1997,  Órgão Julgador:  Tribunal Pleno, DJU 03/04/1998)

Importante, para não cometermos erros na aplicação da Jurisprudência, é a leitura do voto do Relator, Min. Carlos Veloso:

"A questão é interessante.

Se a Medida provisória não é convertida em lei, em trinta dias, perde eficácia desde a sua edição. Isto, entretanto, não quer dizer que a norma legal anterior, conflitante, teve restaurada a sua eficácia. O que acontece é que, no período em que teve vigência a medida provisória não convertida em lei, surgiram relações jurídicas decorrentes dessa medida provisória. Essas relações jurídicas, entretanto, estabelece a Constituição, serão disciplinadas pelo Congresso Nacional – CF., Parag. Único do art.62".

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E essa não é uma decisão isolada da nossa Suprema Corte.

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DOS SERVIDORES E JUÍZES AO P.S.S.S. RESOLUÇÃO 62, de 1997, que reduziu de doze para seis por cento a alíquota de contribuição dos servidores. Medida Provisória 560, de 26.07.94, reeditada sucessivamente.

I. - A Medida Provisória não convertida em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, perde eficácia, desde a edição, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes. C.F., art. 62, parág. único.

II. - No caso, o ato normativo acoimado de inconstitucional é no sentido de que, não convertida em lei a Medida Provisória nº 560, e as que lhe sucederam, perderam elas sua eficácia, desde a edição, voltando a ter vigência plena o regime anterior que disciplinava a contribuição dos servidores para a Seguridade Social, e cuja alíquota era de seis por cento (Decreto nº 83.081/79, modificado pelo Decreto 90.817/85). Não considerou o ato normativo objeto da causa que as Medidas Provisórias foram reeditadas dentro nos prazos das Medidas Provisórias anteriores, desconsiderando, também, o disposto no art. 62, parágrafo único, da C.F.

III. - Cautelar deferida.

(ADI-MC 1786 / MA – MARANHÃO, MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator (a):  Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 19/02/1998, Órgão Julgador:  Tribunal Pleno, DJ 03/04/1998, pp 00002)

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.522, DE 11.10.96. ALTERAÇÃO DO ARTIGO 38 DA LEI Nº 8.112/90. SUSBSTITUIÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E CHEFIA OU DE NATUREZA ESPECIAL. REEDIÇÕES DE MEDIDA PROVISÓRIA FORA DO PRAZO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL PARA DISPOR SOBRE OS EFEITOS JURÍDICOS DAÍ DECORRENTES. RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 62, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ...

1. A Medida Provisória nº 1.522, de 11.10.96, alterou o disposto no artigo 38 da Lei nº 8.112/90. As substituições dos servidores investidos em cargos de direção e chefia ou de natureza especial passaram a ser pagas na proporção dos dias de efetiva substituição que excedam um mês.

2. A Resolução do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, que entendeu expedidas fora do prazo algumas das reedições da Medida Provisória nº 1.522/96, repristinou o artigo 38 da Lei nº 8.112/90. Violação ao parágrafo único do artigo 62 da Constituição,

3. Violação ao disposto no artigo 62, caput, da Constituição Federal, que negou força de lei à Medida Provisória nº 1.522, de 11 de outubro de 1996. Precedentes.

Ação julgada procedente para declarar inconstitucional a Resolução Administrativa do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, tomada na Sessão Administrativa de 30 de abril de 1997.

(ADI 1616 / PE – PERNAMBUCO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator (a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento:  24/05/2001, Órgão Julgador:  Tribunal Pleno, DJU 24/08/2001, Ementa Vol. – 02040 – 02, PP - 00303)

Os contratos de poupança, assim como todas as transações feitas na vigência das duas Medidas Provisórias, deveriam e ainda devem ser disciplinadas pelo Congresso Nacional, não pelo Supremo Tribunal Federal.


5- DO ATUAL TEXTO CONSTITUCIONAL

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Dessa forma, o constituinte encerrou a controvérsia para situações similares que venham se apresentar no futuro.

Para as situações pretéritas, no entanto, vale reiterar que cabia e cabe ao Congresso Nacional regulamentar as relações jurídicas decorrentes da perda de eficácia das medidas provisórias. Diante da omissão do Legislativo, não pode o Judiciário decidir sobre tais relações, sob pena de afetar o equilíbrio entre os Poderes, além de desconstituir a norma do parágrafo terceiro (originalmente parágrafo único) do art.62 da Constituição Federal de 1988.


6- CONCLUSÃO

Forçoso ainda é concluir que contrariam o bom direito todos os julgados em que se defere o pedido de pagamento do IPC como índice de correção dos saldos das cadernetas de poupança abertas ou renovadas em abril e maio de 1990, utilizando o voto do Ministro Jobim no RExt 206048/RS como fundamento.

Tais julgados têm como paradigma um misto de esperteza, equívoco, e ilusão: a leitura quebrada e incompleta de um Acórdão do STF que não tratava da matéria (correção monetária dos saldos das cadernetas de poupança nos meses posteriores a março de 1990) e que utilizou premissas contrárias à Constituição Federal de 1988, para uma conclusão alheia ao objeto do recurso.

Infelizmente, a cultura da fundamentação unicamente pelos julgados precedentes, sem uma análise apropriada desses precedentes, está transformando o apontado equívoco em verdade dominante.

Cumpre ao Judiciário, no mínimo, reconhecer que é atribuição do Congresso Nacional a disciplina das relações jurídicas decorrentes das Medidas Provisórias 172/90, 180/90 e 184/90, que modificaram a Medida Provisória 168/90, convertida na lei 8.024/90.

Por conseqüência, devem ser extintos sem resolução de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, até que o Legislativo supra a apontada omissão, todos os processos em que se requer o pagamento da correção monetária das cadernetas de poupança calculada pelo IPC de abril, maio e junho de 1990.

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Sobre o autor
Raimundo Wdnilton Chaves Cruz

Advogado da Caixa Econômica Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Raimundo Wdnilton Chaves. Plano Collor: nada é devido aos poupadores.: Da não aplicabilidade do IPC às cadernetas de poupança nos meses posteriores a março de 1990. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2316, 3 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13778. Acesso em: 22 dez. 2024.

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