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A penhora na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo

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08/12/2009 às 00:00
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7.Cancelamento "automático" da penhora

Uma questão que sempre surge nas lides diárias do registro imobiliário é a pretensão de cancelamento "automático" do registro da penhora, o que seria, segundo seus defensores, corolário da arrematação do imóvel em hasta pública.

A Corregedoria Geral da Justiça já enfrentou o problema, concluindo pela inviabilidade desse cancelamento administrativo ao arrepio da necessária determinação do juízo da execução que ordenou o registro.

Com efeito, assentou aquele órgão censório-fiscalizatório, no Processo CG nº 116/2007, publicado no DOE de 6 de agosto de 2007, que

"não se admite o cancelamento automático ou por decisão administrativa do Juiz Corregedor, Permanente ou Geral, de penhoras, a partir de registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito, havendo necessidade de ordem judicial expressa dos juízos que determinaram as constrições em respeito ao princípio do paralelismo das formas: desfazimento de ato constritivo oriundo da via jurisdicional exige determinação igualmente jurisdicional, que não se pode suprir na via administrativa".

A interessante decisão, na verdade, pontifica que o cancelamento do registro da penhora, havendo arrematação ou adjudicação, é despiciendo. Citando as lições de Afrânio de Carvalho, ficou fixado na decisão que

"são duas as espécies de cancelamento das inscrições imobiliárias: uma, direta, dependente de assento negativo; outra, indireta, consistente na ressonância de inscrições subsequentes sobre as anteriores. Assim, o registro da arrematação (para o caso, o da adjudicação) não reclama o cancelamento direto e autônomo dos registros das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova [...] Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo".

Na sequência, porém, estabelece ser possível o cancelamento direto (rectius: o lançamento na matrícula de assento negativo), embora desnecessário, para o fim de facilitar a leitura dos atos registrais para os leigos. Para tanto, porém, como se disse acima, é necessária ordem expressa do respectivo juízo da execução (mandado de cancelamento de registro).

Essa impossibilidade de cancelamento "automático" também se aplica, como desenvolvimento lógico da idéia, aos arrestos e sequestros, conforme se vê da decisão proferida no Protocolado CG nº 11.394/06, publicado no DOE de 29.01.2007, assim ementado:

1. Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de penhoras, arrestos e seqüestros anteriores, a partir do registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito realizada em ação de execução - Inadmissibilidade - Necessidade de ordem judicial expressa oriunda do juízo que determinou a constrição - Impossibilidade de desfazimento, pela via administrativa, de registro de ato constritivo determinado na esfera jurisdicional - Consulta conhecida, com resposta negativa. 2. Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de indisponibilidade de bens imóveis em virtude de arrematação ou adjudicação destes em ação de execução - Inadmissibilidade - Indisponibilidade que implica inalienabilidade, a obstar o ingresso no fólio real da carta de arrematação ou de adjudicação e, por via de conseqüência, o cancelamento da restrição - Consulta conhecida, com resposta negativa. Protoc. CG nº 11.394/2006. No mesmo sentido: Proc. CG 312/2006.


7.Intimação do cônjuge

O parágrafo segundo do artigo 655 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 11.382/02, disciplina que "recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado".

É vetusta também a posição do CSM-SP no sentido de que a intimação do cônjuge é "exigência legal" e que "deve ser comprovada para permitir o acesso do título ao fólio real, pena de violação ao princípio da legalidade, cujo exame cabe ao registrador", conforme se verifica do r. acórdão proferido na Apelação Cível 537-2/6, comarca de São Bernardo do Campo, publicado no DOE de 20.10.2006. No mesmo acórdão assentou mais o CSM que a

"ausência da intimação do cônjuge vulnera ainda o princípio da continuidade registrária, daí porque ser imprescindível constar expressamente a intimação. A consignação da intimação da penhora no mandado é requisito essencial do título", e ainda que "em obediência ao princípio da legalidade e da continuidade, para que a penhora ingresse no fólio real, se faz necessário que antes o cônjuge seja intimado da constrição, medida sem a qual a mulher não se torna parte na execução, e não se sujeita aos seus efeitos".

É digno de nota a ênfase do CSM-SP para que a intimação do cônjuge deva "constar expressamente do mandado levado a registro".

Sobre esse tema é bom ressaltar que o acórdão faz referência ao artigo 669, parágrafo único do Código de Processo Civil, mas que a alteração promovida pela Lei 11.382/06, deslocando a previsão da intimação do cônjuge para o artigo 655, parágrafo segundo, em nada alterou o quadro delineado no acórdão sob comento. Afora a mudança topográfica, a única alteração na redação foi a substituição de "devedor" por "executado".

A Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo também secundou este entendimento, em decisão recente proferida no Processo CG nº 66.449/2008, publicada no COJ de 28.01.2009, assim ementada:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Averbações de penhoras de imóveis – Bens considerados indisponíveis por força de decisões judiciais proferidas em ações civis públicas – Indisponibilidades que não impedem novas penhoras sobre os mesmos imóveis – Ressalva quanto à impossibilidade de arrematações dos bens enquanto perdurarem as indisponibilidades – Exigência acertada, porém, quanto à necessidade de intimação do cônjuge a respeito das penhoras, previamente às averbações destas últimas – Óbice mantido – Recurso não provido.


8.A averbação "premonitória"

Introduzido no Código de Processo Civil pela Lei Federal nº 11.382/06, o novel artigo 615-A prevê que

"o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória o ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto".

Da leitura singela do dispositivo salta ictu oculi que a averbação nele referida restringe-se às execuções (e também, por evidente, ao início da fase de cumprimento de sentença).

A Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo já enfrentou pretensão de averbação de ajuizamento de ação de conhecimento, na qual se discutia o contrato de compra e venda firmado entre as partes, decidindo, nos autos do processo nº 583.00.2007.193644-7, conforme sentença publicada no DOE de 25 de março de 2008, com relação à aludida pretensão, que

"é certo que a lei 11.382 de 2006 trouxe ao ordenamento jurídico a possibilidade de averbação da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, contudo não se aplica ao caso concreto. O texto legal explicita que esta certidão deve tratar de ação de execução e não de outra qualquer, não cabendo, neste caso, interpretação por analogia, pelo princípio da legalidade. Note-se, inclusive, que este artigo foi acrescido ao título II do Código de Processo Civil que trata exclusivamente Das Diversas Espécies de Execução. Portanto, não há vínculo processual entre as partes que mereça registro tabular. Cabe ressaltar que a publicidade da ação ordinária se dará no próprio distribuidor forense".

A sentença ressaltou ainda que a previsão do artigo 167, I, alínea 21, da Lei de Registros Públicos, que permite o registro das "citações" de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, não comporta um alargamento hermenêutico para incluir outras hipóteses que não essas expressamente referidas no dispositivo legal.


9.Depositário

Um dos requisitos que deve constar do registro da penhora é a indicação do depositário dos bens.

De fato, prescreve o artigo 239 da Lei de Registros Públicos que

"as penhoras, arrestos e sequestros de imóveis serão registrados depois de pagas as custas do registro pela parte interessada, em cumprimento de mandado ou à vista de certidão do escrivão, de que constem, além dos requisitos exigidos para o registro, os nomes do juiz, do depositário, das partes e a natureza do processo".

Acrescenta o artigo 665 do Código de Processo Civil:

Art. 665. O auto de penhora conterá:

[...]

IV – a nomeação do depositário dos bens.

Sendo assim, em atenção ao princípio da legalidade, não há como dispensar no registro a indicação do depositário dos bens. Sua ausência acarretará a devolução do mandado ou certidão para correção.

Exatamente nesse sentido decidiu o Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 396-6/8, da comarca de Campos do Jordão, publicada no DOE 23.09.2005, arribado na lição de Araken de Assis, afirmando que o

"depositário representa elemento estrutural e funcional da penhora, sempre presente no processo de execução. O depositário exerce função auxiliar ao Juízo, a partir de um negócio jurídico processual celebrado com o Estado-Juiz, passando a exercer a posse direta da coisa, o que o legitima para o emprego de interditos possessórios, para os atos de conservação e administração da coisa penhorada. O nome do depositário, nesse sentido, obrigatoriamente, deve constar do título judicial lastreador do registro da penhora, o que encontra previsão tanto na norma processual supra referida, quanto, também, expressamente, no artigo 239 da Lei 6.015/73".

Interpretou o CSM-SP que a nova redação dos artigos 659 e 669 do Código de Processo Civil na verdade vieram reforçar a independência da penhora e do registro, no sentido de que a penhora, mesmo sem o registro, vale inter partes no processo, de sorte que este último segue seu curso normal após a lavratura do termo ou auto de penhora, com o transcurso do prazo para embargos e ainda com a realização dos atos expropriatórios, independentemente do registro da constrição.

Destarte, nos termos do artigo 659, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 11.382/06, o registro da penhora destina-se a torná-la oponível erga omnes, mas não é requisito para o prosseguimento do curso normal da execução. São aspectos independentes, portanto. Para o registro, embora já realizada nos autos e válida inter partes, não é possível prescindir-se do atendimento dos requisitos exigidos pela Lei de Registros Públicos, dentre eles a indicação do depositário.


10.A fraude à execução: cancelamento do registro transmissivo ou ineficácia em face do exequente?

Uma situação cotidiana na práxis registral imobiliária é a penhora recair sobre imóvel que não mais se encontra registrado em nome do executado, o que, em observância ao princípio da continuidade que informa o sistema, impede o registro do ato constritivo. Havendo, contudo, o reconhecimento de que a transmissão se deu com fraude à execução, o juiz da execução poderia, em tese, decretar o cancelamento do respectivo registro, para que a titularidade do imóvel retornasse ao estado anterior.

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Nada obstante, o CSM-SP alinha-se com a posição doutrinária de Candido Rangel Dinamarco, citada no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível 748-6/5, comarca de Monte Azul Paulista, publicada no DOJ de 28.11.2007, onde apontou que

"quanto aos limites do reconhecimento da fraude à execução, explica Cândido Rangel Dinamarco que, em tal hipótese: ‘não há anulação do negócio jurídico, pois não se trata de anulabilidade. A ineficácia não atinge o efeito central do negócio, como é o de transmitir o domínio. O bem continuará constrito e poderá então ser alienado em hasta pública, em que pese ser seu legítimo dono o terceiro adquirente’ (Execução Civil, 8ª edição, Editora Malheiros)".

Prossegue o acórdão assentando que

"reconhecida fraude à execução – e, em conseqüência, a ineficácia da alienação em relação ao credor-exequente – torna-se o terceiro adquirente responsável patrimonial. Quer isto dizer que aquele seu patrimônio responde pelo cumprimento da obrigação inadimplida. Pois bem, como lembra o recorrente, não há nulidade a justificar o cancelamento daquele registro".

Portanto, a decretação da ineficácia da alienação em face do credor-exequente é medida menos gravosa ao terceiro adquirente, evitando-se assim o cancelamento e suas consequências mais drásticas. Havendo a decretação da ineficácia, o imóvel permanece na titularidade do terceiro adquirente, mas permite-se que a execução prossiga tendo por objeto o imóvel. São nítidas as vantagens sobre o cancelamento puro e simples: adimplida a dívida, basta cancelar a averbação de reconhecimento da ineficácia, ao passo que se o registro houvesse sido cancelado, seria necessário promover novo registro ou, no dizer do acórdão acima referido,

"a medida atenta, ainda, princípio de ordem prática. É que eventualmente ocorrendo cumprimento da obrigação sem que o bem seja excutido (e o adquirente, responsável patrimonial, pode até ter interesse para desonerar o bem), bastará singelo cancelamento do ônus".

Além disso, retornando o imóvel ao patrimônio do transmitente devedor, abrir-se-ia a oportunidade para outros credores, mesmo por dívidas posteriores à alienação e não necessariamente contraídas com fraude contra credores, por exemplo, penhorassem o imóvel, com nítido prejuízo ao terceiro adquirente. Ademais, continuando na titularidade do imóvel, nada impediria que o terceiro adquirente, por exemplo, vendesse o imóvel a terceiro, se as partes entendessem vantajoso pagar a dívida e contratar acerca do valor remanescente.

Assim, é importante entender que a ineficácia da alienação diz respeito apenas ao credor exequente. Como decidiu o CSM-SP na Apelação Cível 609-6/1, comarca de Campinas, publicada no DOE de 18.01.2007, a averbação da ineficácia não acarreta o cancelamento do registro, pois

"esta averbação tem como finalidade dar publicidade a respeito da ineficácia do ato a eventuais terceiros interessados na aquisição do imóvel, porque não afeta o negócio realizado nem o registro, é ineficaz somente em relação ao credor exeqüente".

Ressalte-se, então, que o terceiro adquirente continua proprietário do bem e dele poderá dispor, já que "a alienação em fraude à execução é ineficaz, não a terceiros genericamente, mas a um ou mais terceiros determinados, ou seja, somente ao que sofreu um prejuízo real ou em potencial, e na exata dimensão de seu crédito". Assim,

"não haverá, ainda, necessidade de cancelamento do registro de eventual alienação fraudulenta. O negócio é válido, mas ineficaz. Não se pode equiparar a invalidade do ato jurídico com sua ineficácia, institutos que se situam em planos diversos, gerando efeitos inconfundíveis [...] O negócio jurídico que frauda a execução gera plenos direitos entre adquirente e alienante. Apenas não pode ser oposto ao exeqüente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulentas, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade de terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito".

De se apontar também a decisão proferida na Apelação Cível nº 748.-6/5, da comarca de Monte Azul Paulista, publicada no DOJ de 28.11.2007, que averbou que "a decretação de fraude à execução só dá por ineficaz a alienação do bem em relação ao credor do feito na qual foi tal medida reconhecida, sem a produção de efeitos erga omnes".

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Sobre o autor
Luciano Lopes Passarelli

Registrador Imobiliário, mestre e doutorando em direito civil (PUC-SP), professor de diversos cursos de pós-graduação em direito notarial e registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSARELLI, Luciano Lopes. A penhora na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2351, 8 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13972. Acesso em: 23 abr. 2024.

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