O objetivo deste artigo é analisar a experiência da Promotoria Anticorrupção na Espanha (1995/2003); nele focalizo o ambiente que propicia a idealização da Promotoria especializada e procuro identificar trajetórias e percepções dos atores que integram a organização pesquisada.
Ministério Público
– Promotoria Anticorrupção – organizaçãoEntre os juristas, a preocupação com as funções do direito tornou-se objeto de crescente interesse nos últimos anos, influenciados em parte pela forte penetração do funcionalismo, com claras raízes durkheimnianas, parsonianas e mais recentemente luhmannianas (Bergalli, 1996). O direito penal é seguramente um dos campos onde essa influência se revela mais evidente, sendo paradigmático o crescente interesse acerca da suposta função do direito como instrumento de controle de condutas. O conceito de controle social acabou vulgarizado nas disciplinas penais, perdendo-se a idéia original em que havia sido concebido, no âmbito da Escola de Chicago, razão pela qual parece mais apropriado que essa suposta função do direito penal seja redefinida como controle penal (Melossi, 1992; Bergalli, 1996; Bergalli e Sumner, 1997; Machado, 2004c).
Determinadas questões sociais (muitas vezes definidas como problemas) também passaram a ser construídas de forma distinta nos últimos anos (Pujas, 2000, p. 46). A preocupação sobre causas, efeitos e formas de controle da corrupção passou a fazer parte da agenda política, sendo a solução punitiva uma das medidas recomendadas (Santos, 2002, p. 154; Andrés-Ibáñez, 1997, pp. 225-226; Lascoumes, 2000, pp. 99-116; Elliot, 2002, pp. 304-308, Gardiner e Lyman, 1993, p. 833). Nesse contexto, aumenta o interesse sobre o funcionamento das organizações que integram o sistema de justiça e aparecem várias propostas sobre o modelo ideal para implementar formas de controle da corrupção (Alberti, 1996; Speck, 2000, pp. 34-35; Rodríguez García, 2000; Salas, 1997, pp. 241-242). Johnston, por exemplo, é crítico quanto à possibilidade de que o Ministério Público (MP) assuma as funções como órgão anticorrupção, vez que a "luta contra a corrupção" competiria com o "combate" a outras práticas delituosas e as ações dependeriam de ambições pessoais e não do problema em si (Johnston, 1999, p. 218).
O objetivo deste artigo é analisar a experiência da Promotoria Anticorrupção na Espanha; nele focalizo o ambiente que propicia a idealização da Promotoria especializada e procuro identificar trajetórias e percepções dos atores que integram a organização pesquisada.
No trabalho de campo com o MP espanhol consultei inicialmente alguns dos mais importantes jornais de circulação nacional e na Catalunha (El País, El Mundo, La Vanguardia, La Razón, ABC, El Periódico e o extinto Diario 16), os relatórios anuais elaborados pelo procurador-geral e pelos promotores chefes (Memorias de la Fiscalía) das Promotorias de Justiça de Barcelona e FERDERC, além das revistas das associações profissionais de promotores de justiça. Durante a pesquisa, participei como observador de um dos congressos realizados pela UPF (Unión Progresista de Fiscales) em junho de 2003 e de seminários celebrados para discussão de temas relacionados ao desempenho das funções por organizações envolvidas na persecução penal (Polícia, funcionários da Agencia Estatal de Administración Tributaria e promotores de justiça). Foi possível, ainda, observar rotinas de trabalho do promotor de justiça durante audiências judiciais, especialmente no caso "Estevill" (estudo de caso, Capítulo 7). Entrevistei oito promotores de justiça da Promotoria de Delitos Econômicos de Barcelona, o promotor chefe e o teniente fiscal (segundo na hierarquia), a assessora contábil da promotoria e o chefe de uma das unidades da Polícia. Entrevistei, ainda, seis jornalistas especializados em tribunais em Barcelona. Em Madri, entrevistei um dos promotores que integram a Secretaría Técnica, sete promotores de justiça que integram a FERDERC e quatro funcionários-chefes das unidades que integram o órgão. Utilizei, também, entrevistas semi-estruturadas, por meio das quais pretendi aprofundar o conhecimento sobre a organização interna e as relações intra-organizacionais e interorganizacionais. Complementei a pesquisa com estudos de casos que considero representativos para ilustrar as informações obtidas nas entrevistas e análise documental.
I.
De forma sintética, o MP espanhol tem um perfil bastante distinto do brasileiro. Do ponto de vista organizacional, semelhante ao francês, é estruturado de forma hierárquica, em promotorias provinciais, dirigidas por um promotor-chefe, estando no ápice da pirâmide o procurador-geral, não necessariamente um membro da carreira, designado e demitido livremente pelo governo. Atua fundamentalmente no âmbito criminal, segundo o princípio da obrigatoriedade da ação penal, da qual não dispõe do monopólio. Entre as características mais acentuadas, destaco o forte sentimento de hierarquia interna, que faz parte dos mecanismos de socialização dos membros, fomentado nos cursos ministrados aos recém-ingressos na carreira (Machado, 2004a, Machado, 2004b; Machado, 2005, pp. 328-373).
Conhecer o momento histórico em que foi criada a Promotoria Anticorrupção (FERDERC) é importante para entender o contexto político da época. O início da década de 90 foi marcado pela proliferação de escândalos políticos, envolvendo tanto casos de corrupção no governo socialista, no poder desde 1982, quanto delitos econômicos de grande transcendência [02]. O momento acabaria conhecido como "época do pelotazo", marcada pelas grandes jogadas financeiras, normalmente associadas a banqueiros ou financistas com grande poder econômico e que ganhavam elevadas quantias às custas, muitas vezes, do prejuízo de pequenos acionistas.
A criação do órgão pelo PSOE (Partido Socialista Obrero Español), em 1995, entre outras razões, pretendia dar uma resposta contundente à opinião pública diante dos inúmeros escândalos envolvendo a cúpula do partido nos últimos anos de governo (PP/ Partido Popular ganha as eleições e assume o poder em 1996). No momento em que a FERDERC era criada, o governo também foi acusado de incrementar o controle das investigações de determinados delitos relacionados ao poder (corrupção e delitos econômicos) (Sainz de Robles, 1994) [03]. A exposição de motivos da Lei n. 10/95 faz expressa referência à resolução do Congresso que recomendava ao governo a criação de uma promotoria especializada para combater a delinqüência econômica e a corrupção [04]. A criação de promotorias de justiça e tribunais especializados também era sugerida no campo acadêmico (jurídico-penal-econômico) (Bourdieu, 1987, 1994, 2001) [05]. No âmbito internacional, o órgão viria a atender antigas exigências de organizações internacionais (ONU, OCDE, etc.) e do Conselho Europeu (Recomendação n. 81), os quais recomendavam aos Estados a criação de órgãos especializados na persecução de delitos econômicos relacionados à corrupção (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1997, pp. 324 e ss e 1998, pp. XVII e ss).
A vitória do Partido Popular (PP), em 1995, permitiu à direita reassumir o poder após 14 anos de governo socialista (PSOE). No início da década de 90, o PP havia acusado os socialistas de manipularem o MP e acenava com a promessa de dotar o órgão de mais autonomia. Os políticos do PP propunham, por exemplo, que o cargo de procurador-geral fosse ocupado por um membro do MP [06]. No final da década de noventa e, especialmente durante o último governo popular (2000-2004), o promotor-chefe da Promotoria Anticorrupção protagonizou alguns dos embates com o procurador-geral, momento em que denunciou o intuito de controle político sobre o órgão anticorrupção. A designação, em 1995, de Carlos Jiménez Villarejo – membro do MP espanhol com extenso currículo, com longa experiência como promotor-chefe da Promotoria de justiça de Barcelona e associado à Unión Progresista de Fiscales (UPF) –, cujo início de carreira esteve marcado pela resistência à ditadura franquista, teria sido fruto de consenso entre os dois maiores partidos políticos espanhóis (PP e PSOE). Essa mencionada tensão agravou-se exatamente quando surgiram os casos que poderiam ter alguma repercussão política para o PP. As constantes recusas do procurador-geral em autorizar a FERDERC a investigar determinados fatos foram denunciadas pelos partidos de oposição e foram amplamente divulgadas pela mídia (especialmente El País). O momento culminante ocorreu no dia 26 de junho de 2003, com a publicação pelo El País de entrevista com Villarejo [07]. A assim denominada "Trama de Madri", escândalo envolvendo possível financiamento irregular de partidos políticos recém havia vindo à tona. O PP era duramente acusado pela oposição de participar de esquema para beneficiar determinadas imobiliárias na Comunidade de Madri. Na ocasião, Villarejo denunciou publicamente que Cardenal ordenava a investigação quando a noticia criminis era apresentada pelo PP, negando-se quando apresentada pelo PSOE (Ekaizer, 26 jun. 2003, p. 17).
Reformado o Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal (EOMF), Villarejo foi afastado do cargo, aposentando-se em seguida. A estratégia inicialmente ventilada pelas associações de classe de que ninguém se apresentaria para o cargo frustrou-se com a nomeação de Antonio Salinas, que obteve a maioria dos votos do Consejo Fiscal (CF) [08] – Salinas obtém 4 votos e Villarejo 3 –, o que teria conferido maior respaldo à decisão do governo, já que uma das tensões na carreira (entre CF e governo) não teria sido reacendida no caso envolvendo a chefia da FERDERC (Marin, 5 jul. 2003, p. 17). Cardenal teria, inclusive, aventado a possibilidade de extinguir o órgão anticorrupção, idéia posteriormente abandonada, especialmente devido à repercussão do escândalo das imobiliárias em Madri. Diferente de Villarejo, acusado de utilizar-se dos meios de comunicação para pressionar o procurador-geral (e o governo) a autorizar a investigação nos casos envolvendo o PP, Salinas teria outro perfil, conhecido pela pouca exposição na mídia e por não enfrentar o poder político e a hierarquia institucional.
A vitória do PSOE, nas eleições de 14 de março de 2004, reacendeu o debate sobre a Promotoria Anticorrupção. Criada no final do seu último mandato em 1995 e cerceada ao longo dos anos pelo governo popular, a Promotoria foi objeto de uma das promessas dos socialistas no período em que estiveram na oposição: dotar o órgão de mais autonomia em relação ao procurador-geral (Díez, 28 dez. 2003, pp. 22-24).
II Definição orgânica e funcional da FERDERC: evolução e involução
A Promotoria Anticorrupção, criada em 24 de abril de 1995, foi constituída definitivamente apenas no final do ano, momento em que foram lotados os promotores de justiça e os funcionários que passariam a integrá-la. De acordo com o artigo 18 do EOMF, as atribuições conferidas são de natureza penal, nos casos de especial transcendência, conforme apreciação do procurador-geral [09]. Semestralmente, o procurador-geral deve enviar um relatório à Junta de Fiscales de Sala (JFS) e ao CF sobre os procedimentos em que haja intervenção do órgão especializado. O âmbito de atuação é delimitado pela natureza da delinqüência que se pretende combater (delitos econômicos e corrupção) (Instrucción n. 1/1996 da Procuradoria-geral espanhola, pp. 4-5; disponível em: http://www.fiscalia.org/ circulares/inst1-96.htm. Acesso em: 25 nov. 2003).
Com a criação da Promotoria Anticorrupção foram acentuadas as funções investigadoras do MP, atendendo-se ao intuito manifestado pelo legislador (exposição de motivos da Lei n. 10/95) de que o órgão participasse desde o início dos procedimentos de especial complexidade e transcendência (na Espanha vige o Juizado de Instrução). As diligências de investigação são iniciadas de ofício ou em razão de noticia criminis levada pela administração pública ou por particulares.
Nos assuntos que a Instrução n. 1/96 atribui expressamente à FERDERC prescinde-se de nova decisão do procurador-geral, ao passo que essa se faz necessária na definição dos casos de "especial transcendência". Depreende-se, pela análise do texto legal e de normativa interna, que a especificidade do novo órgão potencializa especialmente suas funções investigadoras diante da vantagem que proporciona a estrutura técnica criada. A FERDERC é acionada pelos membros do MP nela lotados ou delegados, segundo critério do promotor-chefe (Instrução n. 1/1996 da Procuradoria-geral espanhola; disponível em: http://www.fiscalia.org/circulares/inst1-96.htm. Acesso em: 25 nov. 2003).
A concretização de um modelo em que o MP assume o protagonismo das investigações parece ter sido a tônica dos primeiros anos de atuação do órgão (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 1999, p. 2). Contudo, nos anos seguintes, houve acentuada insatisfação do promotor-chefe com o "excessivo" poder de que disporia o procurador-geral para definir os assuntos de especial transcendência em que devesse atuar a FERDERC (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1998, p. 246 e ss) [10]. Iniciaram-se, assim, os primeiros sinais de um conflito que se agravaria nos anos seguintes, o que não impediu uma avaliação positiva pelo procurador-geral, que exaltou o papel do órgão em um contexto (globalização) que reclamaria novos instrumentos para afrontar a delinqüência econômica (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1999, pp. XXVI-XXVIII).
A análise da evolução das atividades da FERDERC demonstra que até 1999 houve um incremento dos procedimentos assumidos pela Promotoria. A partir desse momento, iniciou-se um decréscimo acentuado (analisado até 2002) (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 1999, p. XXVIII) [11]. Entre 1997 e 1999, as causas judiciais em tramitação aumentaram de 55 a 84, elevando-se a 96 em 2002. No período de 7 anos foram proferidas 33 sentenças em processos iniciados pela FERDERC, entre as quais 29 foram condenatórias e 4 absolutórias (Memoria de la FERDERC correspondiente al año 2002, pp. 7 e ss).
III "No hay delito si no hay perito" [12]
Estudos sobre órgãos anticorrupção existentes em outros países revelam a necessidade de equipes multidisciplinares integradas por expertos em contabilidade, peritos e investigadores (Salas, 1997, pp. 241-242). Na Espanha, a FERDERC concretizou algumas dessas propostas. Conforme relatório apresentado em 2003, a FERDERC dispunha do seguinte quadro de servidores, em 31 de dezembro de 2002: 11 membros do MP espanhol, 21 funcionários para a atividade-meio, 10 funcionários nas unidades de apoio da Agencia Estatal de Administración Tributaria (AEAT), 5 funcionários nas unidades da Intervención General de la Administración del Estado (IGAE), 14 integrantes do Cuerpo Nacional de la Policía e 10 da Guardia Civil (Memoria de la Fiscalía General del Estado, 2003, p. 533).
Para o desempenho das funções, o desenho institucional privilegia a atuação de distintas organizações voltadas a objetivos comuns. A abordagem multidisciplinar da delinqüência econômica relacionada à corrupção se constitui na grande novidade do modelo. Sob coordenação e direção do promotor-chefe, cada uma das unidades se incumbe de tarefas específicas.
A AEAT é um ente de direito público, com personalidade jurídica própria e com plena capacidade (pública e privada), criada pela Lei n. 31/90, com a função de aplicar o sistema tributário, gerir a inspeção e a arrecadação tributária, bem como colaborar com as instituições comunitárias e administrações tributárias de países membros da União Européia e outras administrações estrangeiras. Além disso, ao órgão incumbe auxiliar os tribunais de justiça e o MP na investigação de delitos no âmbito de sua competência.
Os escândalos políticos envolvendo o governo socialista durante a década de 90 impulsionaram a criação de unidades de apoio à justiça. As unidades de apoio à Promotoria foram criadas no dia 8 de janeiro de 1996, em caráter permanente e exclusivo, com o objetivo de emitir pareceres e realizar auditorias, conforme requisição do procurador-geral ou do chefe da FERDERC. Entre as principais tarefas desempenhadas pelos funcionários da AEAT estão as de assessoramento na elaboração de peças processuais envolvendo matéria tributária e financeira (delitos tributários, fraudes, inclusive contra a União Européia, e lavagem de dinheiro), e de fornecimento de informações de caráter tributário e patrimonial de pessoas físicas e jurídicas sob investigação. Além disso, os funcionários do órgão, na qualidade de peritos judiciais, elaboram perícias nos procedimentos em que atua a Promotoria.
Formalmente, cada unidade da AEAT possui um corpo técnico, coordenado pelo chefe; contudo, depende orgânica e funcionalmente da administração pública. As unidades atuam segundo divisão de trabalho, salvo especial recomendação do promotor-chefe da FERDERC, e os contatos são formalmente estabelecidos com o chefe da unidade respectiva. O acesso a um extenso banco de dados (informações tributárias, bancárias e mercantis) seria uma das principais ferramentas à disposição dos membros da FERDERC. A possibilidade de acesso a essa informação seria um dos pontos positivos que, segundo avalia o chefe de uma das unidades, justificaria a vinculação à administração pública.
À IGAE, cujas funções estão definidas no Real Decreto Legislativo n. 1091/1988 e no Real Decreto n. 2188/1995, correspondem, além de planificação, execução do controle financeiro e auditoria do setor público, as atividades de controle sobre as entidades subsidiadas por fundos públicos nacionais ou comunitários[13]. Ademais, os interventores lotados no órgão nacional de auditoria incumbem-se da coordenação das atuações de controle interno financeiro permanente das intervenções delegadas, bem como do controle de qualidade das auditorias.
Na descrição dos órgãos e suas formas de atuação emerge a preocupação em salientar o papel de cada unidade na estrutura da FERDERC. A importância das unidades da AEAT e da IGAE não surge apenas nos relatos dos funcionários, como "autovalorização" das tarefas e do papel de cada órgão. A grande complexidade dos temas investigados pela FERDERC, segundo avaliam os promotores de justiça entrevistados, requer interação permanente e assessoria dos mencionados órgãos de apoio. A percepção é a de que as investigações das tramas e das estruturas que se formam para a prática de delitos econômicos e corrupção não seriam viáveis, caso não existissem as unidades de apoio. A frase repetida por promotores e funcionários revela a importância do corpo técnico quando os temas se relacionam à delinqüência econômica e à corrupção: "No hay delito si no hay perito".
O protagonismo do perito, especialista em tributos ou contratos públicos, revela outra faceta do campo jurídico-penal. As grandes transformações sociais e econômicas, união dos mercados e a consolidação de interesses supranacionais incrementam o interesse em coibir práticas consideradas nocivas a interesses concretos. Nesse contexto é produzida a legislação penal que reprime a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas e as fraudes aos interesses comunitários.
O fortalecimento de órgãos de controle das atividades econômicas e a formação de estruturas multidisciplinares para repressão da criminalidade econômica permitem o encaminhamento ao Judiciário de demandas, nas quais este não foi devidamente aparelhado para atuar. O campo jurídico-penal passa a necessitar de um corpo de especialistas cujo papel é tornar inteligíveis as informações contábeis e financeiras à linguagem jurídica. Em termos bourdieuanos, traduzir as complexas operações econômicas (Bourdieu, 2001).
Outra dimensão relevante são as relações estabelecidas para atingir os objetivos organizacionais. As rotinas de trabalho modificam o modelo formal. Oficialmente, os contatos se estabelecem entre os chefes das unidades e o chefe da FERDERC.
As outras unidades da Policía Nacional e da Guardia Civil complementam o quadro da FERDERC. Constitucionalmente encarregada de proteger o livre exercício de direitos e liberdades e garantir a "seguridad ciudadana" (artigo 104 da CE/78), a Policía Nacional desempenha as funções típicas de uma Polícia judiciária [14], ou seja, investigar e esclarecer práticas delituosas. A Guardia Civil tem natureza militar e também forma parte do corpo de segurança do Estado. Depende do Ministério do Interior quanto aos meios e aos serviços, do Ministério de Defesa, quanto às promoções de caráter militar, e atende às necessidades do Ministério da Fazenda relacionadas ao cumprimento das normas pelos distintos órgãos da administração pública [15]. O órgão encarrega-se do controle de armas e explosivos, da proteção fiscal do Estado, do tráfico de armas e do tráfico interurbano, além da proteção à natureza, às vias de comunicação e aos portos e aeroportos. No exercício de sua missão como Polícia Judiciária, depende do Judiciário e do MP. As unidades da Polícia que integram a equipe da FERDERC subordinam-se diretamente às ordens do promotor-chefe. As rotinas de trabalho, contudo, de forma análoga ao que ocorre com as unidades da AEAT e da IGAE, dependem da interação com os promotores de justiça que assumem os casos. Na prática, há um contato constante entre promotores de justiça, policiais e funcionários-expertos.